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Gadolínio e fibrose nefrogênica sistêmica: o que todo médico deve saber

EDITORIAL

Gadolínio e fibrose nefrogênica sistêmica: o que todo médico deve saber

Claudia da Costa Leite

Professora Associada do Departamento de Radiologia, Chefe do Setor de Ressonância Magnética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: claudia.leite@hcnet.usp.br

Até há pouco tempo, nós radiologistas usávamos o gadolínio em pacientes com insuficiência renal e o fazíamos muito confiantes, certos de que estávamos utilizando uma opção segura para o estudo desses pacientes.

O alerta da Food and Drug Administration (FDA) (http://www.fda.gov/bbs/topics/NEWS/2007/NEW01638.html), em junho de 2006, sobre a fibrose nefrogênica sistêmica (FNS)/fibrose cutânea sistêmica obriga-nos a rever os nossos conceitos de segurança do gadolínio. Depois do RSNA de 2006, no nosso serviço passamos a discutir a indicação do gadolínio em pacientes com insuficiência renal, mas até esse momento não tínhamos colocado regras estritas para a utilização desse contraste nesses casos. Aí, em junho/2007, foi internado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo um paciente com essa doença, e confesso que até realmente ver o primeiro paciente com essa síndrome, que está associada à administração de gadolínio, tinha aquele velho sentimento de que "isso não vai acontecer aqui". O impacto foi tão efetivo que hoje já estamos calculando o clearance de creatinina antes de administrar o gadolínio em pacientes com insuficiência renal moderada ou grave. Posso dizer que o quadro é dramático e que todo médico deve estar ciente da possibilidade do desenvolvimento dessa doença.

Até fevereiro deste ano foram descritos 200 casos de FNS. Esta doença é sistêmica e, como o nome indica, causa fibrose tecidual generalizada; no início foi descrito o quadro cutâneo, por isso pode ser encontrada a nomenclatura de fibrose cutânea sistêmica (http://www. pathmax.com/dermweb).

Esse quadro é desenvolvido em pacientes após a administração intravenosa de gadolínio para realização de ressonância magnética ou angio-ressonância, angiografias ou angio-TC e que apresentam doença renal em fase moderada-estágio 4 (clearance de creatinina < 60 ml/min/1,73 m²) ou grave-estágio 5 (< 15 ml/min/1,73 m²), especialmente naqueles que necessitam de diálise (http://www.massmedboard.org). Há descrição também de desenvolvimento de FNS em pacientes com síndrome hepatorrenal(1), e nestes casos a avaliação da função renal é ainda mais difícil, pois o fígado deixa de produzir creatinina e, portanto, seu nível sanguíneo não traduz o quadro renal. A exata causa do desenvolvimento da FNS nos pacientes com insuficiência renal, geralmente dialítica, após o uso de gadolínio não é bem compreendida, porém, biópsias teciduais de casos de FNS detectam gadolínio nessas amostras. Os efeitos são dose-dependentes e cumulativos, ou seja, o risco para desenvolver a doença aumenta a cada nova administração do contraste paramagnético. O quadro é progressivo e rápido (cerca de 2–12 semanas após), podendo o paciente ficar confinado a uma cadeira de rodas em poucas semanas devido a contraturas, fraqueza muscular e artralgias. O endurecimento da pele das extremidades e contraturas das articulações leva à imobilidade. Além da pele, o envolvimento de outros órgãos como pulmão, sistema músculo-esquelético, coração, diafragma e esôfago também é descrito, podendo ser assintomático. Essa doença pode estabilizar, mas não há relatos de remissão. Até o momento, a maioria dos casos descritos de desenvolvimento dessa doença estava associada ao uso de gadodiamida (Omniscan®; GE Healthcare, Princeton, NJ), entretanto, há casos descritos associados ao uso de gadopentetato de dimeglumina (Magnevist®; Berlex Imaging, Montville, NJ) e de gadoversetamida (OptiMARK®; Mallinkrodt, St. Louis, MO) ou associação desses agentes, tanto com o uso de doses de 0,1 mmol/kg como doses maiores(2).

Por isso, os médicos devem avaliar cuidadosamente a necessidade do gadolínio nesses pacientes. Muitas dúvidas precisam ser sanadas para uma correta indicação desses agentes tão úteis no diagnóstico por imagem nesses pacientes: Como ocorre a interação da insuficiência renal e o gadolínio desencadeando essa doença? Como outros fatores de risco (como distúrbios eletrolíticos com aumento de cálcio, potássio ou zinco) facilitam esse processo? É necessária a presença de acidose metabólica para que esse quadro ocorra? Por que os primeiros casos só foram descritos em 1997, mas o gadolínio já era usado em pacientes com insuficiência renal antes disso?

Enquanto isso, a FDA americana sugere as seguintes recomendações:

– O gadolínio, especialmente em doses altas, deve ser utilizado em pacientes com insuficiência renal avançada (filtração glomerular < 15 ml/min/1,73 m²) somente se estritamente necessário. É prudente instituir diálise imediatamente após a administração de gadolínio, apesar de não haver dados determinando a utilidade deste procedimento para prevenir a NFS. Em pacientes com insuficiência renal após a diálise a excreção de gadolínio foi de 78%, 96% e 99%, respectivamente, depois da primeira à terceira sessões de hemodiálise. Apesar do desenvolvimento da FNS estar associado a somente alguns sais do gadolínio, a FDA sugeriu prudência em relação ao uso deste contraste.

Não há descrição do desenvolvimento da FNS sem insuficiência renal, sendo que 90% dos casos já eram dialíticos e os demais estavam no estágio 4 ou 5. Mesmo em pacientes com doença renal grave ou terminal, a chance de desenvolver FNS parece ser de 3–5%, entretanto, dada a gravidade da doença, muita cautela é recomendada(3).

Kuo et al., em artigo publicado em março de 2007 na revista Radiology(2), sugerem algumas recomendações a serem seguidas nesses pacientes:

1) Comprovação de ausência de problema renal: checar a creatinina, o clearance de creatinina, os eletrólitos, além de considerar doses reduzidas para pacientes idosos, hipertensos e/ou diabéticos, na ausência dos dados anteriores.

2) Discutir com o médico solicitante as alternativas de diagnóstico por imagem nesses pacientes. Benefícios e riscos devem ser pesados caso a caso.

3) Em casos de insuficiência renal moderada ou grave em que será prescrito o gadolínio, devem ser assinados termos de consentimento pelo médico solicitante, bem como pelo paciente ou seu responsável legal.

4) Se realmente for necessária a administração de gadolínio nesses casos, a menor dose possível deve ser administrada.

5) Durante o exame de ressonância magnética, realizar o máximo possível de seqüências sem contraste visando a obter o diagnóstico sem a necessidade do contraste.

6) Em pacientes em programa de hemodiálise é recomendada a realização de hemodiálise assim que possível, no máximo três horas após a administração de gadolínio. Se for seguro, realizar outra hemodiálise 24 horas após.

7) Em pacientes em programa de diálise peritoneal é necessário assegurar que não haverá período em que a cavidade peritoneal esteja "seca". Nas 48 horas após a administração de gadolínio recomenda-se a realização de vários ciclos de diálise.

8) Não é recomendada a administração de gadolínio se há a possibilidade da existência de espaços dos quais o gadolínio não pode ser removido, como no líquido amniótico.

9) Se já houver o diagnóstico de FNS, não é recomendada nova injeção de gadolínio.

A FNS é uma doença desfigurante e debilitante que não tem tratamento ou prevenção efetivos(1). Sua gravidade obriga-nos a lembrar do pensamento hipocrático, que prega primum non nocere, e em pacientes com insuficiência renal grave e moderada o gadolínio pode estar associado a graves conseqüências.

Agradecimentos: Ao Prof. Dr. Edson Amaro Júnior e à Dra. Paula Arantes, pela revisão deste editorial.

Referências

1. Broome DR, Girguis MS, Baron PW, Cottrell AC, Kjellin I, Kirk GA. Gadodiamide-associated nephrogenic systemic fibrosis: why radiologists should be concerned. AJR Am J Roentgenol 2007;188:586–592.

2. Kuo PH, Kanal E, Abu-Alfa AK, Cowper SE. Gadolinium-based MR contrast agents and nephrogenic systemic fibrosis. Radiology 2007;242:647–649.

3. Kanal E, Barkovich AJ, Bell C, et al. ACR guidance document for safe MR practices: 2007. AJR Am J Roentgenol 2007;188: 1447–1474.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2007
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