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Análise das indicações e resultados da ressonância magnética para rastreamento de câncer de mama em um centro oncológico brasileiro

Resumo

Objetivo:

Avaliar as indicações e resultados de exames de ressonância magnética (RM) para rastreamento de câncer de mama em um centro oncológico no Brasil.

Materiais e Métodos:

Estudo observacional, realizado mediante análise retrospectiva de pacientes submetidos a RM das mamas para rastreamento de câncer de mama, por meio de revisão do prontuário eletrônico em um centro oncológico.

Resultados:

Foram incluídas 597 pacientes com idade variando de 19 a 82 anos. As principais indicações para rastreamento foram história pessoal de câncer de mama em 354 (59,3%) pacientes, história familiar em 102 (17,1%) e mutação genética confirmada em 67 (11,2%). O resultado da RM foi benigno (BI-RADS 1 ou 2) em 425 (71,2%) pacientes, provavelmente benigno (BI-RADS 3) em 143 (24,0%) e suspeito (BI-RADS 4 ou 5) em 29 (4,9%). Foram identificados 11 tumores malignos na RM, todos carcinomas invasivos, porcentagem de cânceres “mínimos” (< 1 cm) de 54,5% e porcentagem de axila negativa de 90,9%. A taxa de detecção de câncer na RM foi 18,4/1000 exames e o valor preditivo positivo para as lesões suspeitas submetidas a biópsia foi 37,9%.

Conclusão:

A principal indicação para RM de rastreamento na nossa população foi história pessoal de câncer de mama. Os resultados mostraram que a RM constitui um método com alta acurácia para detecção precoce de neoplasias da mama nessa população.

Unitermos:
Programas de rastreamento; Neoplasias da mama/diagnóstico por imagem; Ressonância magnética/métodos; Detecção precoce do câncer/métodos; Mamografia

Abstract

Objective:

To evaluate the indications for and results of magnetic resonance imaging (MRI) examinations for breast cancer screening at a cancer center in Brazil.

Materials and Methods:

This was a retrospective observational study, based on electronic medical records, of patients undergoing MRI for breast cancer screening at a cancer center in Brazil.

Results:

We included 597 patients between 19 and 82 years of age. The main indications for MRI screening were a personal history of breast cancer, in 354 patients (59.3%), a family history of breast cancer, in 102 (17.1%), and a confirmed genetic mutation, in 67 (11.2%). The MRI result was classified, in accordance with the categories defined in the Breast Imaging Reporting and Data System, as benign (category 1 or 2), in 425 patients (71.2%), probably benign (category 3), in 143 (24.0%), or suspicious (category 4 or 5), in 29 (4.9%). On MRI, 11 malignant tumors were identified, all of which were invasive carcinomas. Among those 11 carcinomas, six (54.5%) were categorized as minimal cancers (< 1 cm), and the axillary lymph nodes were negative in 10 (90.9%). The cancer detection rate was 18.4/1,000 examinations, and the positive predictive value for suspicious lesions submitted to biopsy was 37.9%.

Conclusion:

In our sample, the main indication for breast MRI screening was a personal history of breast cancer. The results indicate that MRI is a highly accurate method for the early detection of breast neoplasms in this population.

Keywords:
Mass screening; Breast neoplasms/diagnostic imaging; Magnetic resonance imaging/methods; Early detection of cancer/methods; Mammography

INTRODUÇAO

O câncer de mama e o câncer com maior mortalidade e que mais acomete as mulheres no Brasil(11 Ministerio da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. A situação do câncer de mama no Brasil: síntese de dados dos sistemas de informação. Rio de Janeiro, RJ: INCA; 2019.). A mamografia e o metodo de escolha para rastreamento populacional do câncer de mama, sendo recomendado o rastreamento mamográfico anual para as mulheres entre 40 e 75 anos(22 Urban LABD, Chala LF, Bauab SP, et al. Recomendações do Colegio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, da Sociedade Brasileira de Mastologia e da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia para o rastreamento do câncer de mama. Radiol Bras. 2017;50:244–9.). No entanto, a mamografia apresenta sensibilidade reduzida em algumas situações, principalmente em pacientes com mamas densas ou com alto risco para desenvolvimento de câncer de mama, sendo muitas vezes necessário realizar outros metodos de imagens complementares para rastreamento nesta população(33 Maulaz CM, Valentini BB, Silva AMM, et al. Estudo comparativo do desempenho de imagens por ressonância magnetica, mamografia e ecografia na avaliação de lesões mamárias benignas e malignas. Rev Bras Fís Med. 2019;12:23–9.,44 Freer PE. Mammographic breast density: impact on breast cancer risk and implications for screening. Radiographics. 2015;35:302–15.,55 Kuhl CK, Strobel K, Bieling H, et al. Supplemental breast MR imaging screening of women with average risk of breast cancer. Radiology. 2017;283:361–70.).

A ressonância magnetica (RM) e o metodo mais sensível para o diagnóstico de câncer de mama. Alem disso, os cânceres detectados pela RM têm perfil biológico mais agressivo quando comparados aos tumores diagnosticados na mamografia(66 Mann RM, Kuhl CK, Moy L. Contrast-enhanced MRI for breast cancer screening. J Magn Reson Imaging. 2019;50:377–90.). Desde 2007 a RM tem sido indicada para rastreamento em mulheres que apresentam risco alto de desenvolver câncer de mama durante a vida(77 Kuhl CK. Abbreviated magnetic resonance imaging (MRI) for breast cancer screening: rationale, concept, and transfer to clinical practice. Annu Rev Med. 2019,70:501–19.). As principais indicações para rastreamento com RM das mamas são(88 Monticciolo DL, Newell MS, Moy L, et al. Breast cancer screening in women at higher-than-average risk: recommendations from the ACR. J Am Coll Radiol. 2023;20:902–14.,99 Colegio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem. Nota de esclarecimento do CBR, SBM e FEBRASGO sobre publicações falsas a respeito da mamografia. [cited 2020 Jun 8]. Available from: https://cbr.org.br/wp-content/uploads/2021/09/Nota-de-esclarecimento-do-CBR-SBM-e-FEBRASGO-sobre-publicacoes-falsas-a-respeito-da-mamografia_SETEMBRO2021.pdf.
https://cbr.org.br/wp-content/uploads/20...
): mulheres com mutação dos genes BRCA1 ou BRCA2, ou com parentes de primeiro grau com mutação provada; mulheres com risco ≥ 20% ao longo da vida, calculado por um dos modelos matemáticos baseados na historia pessoal e familiar; mulheres submetidas a radioterapia torácica entre os 10 e 30 anos de idade; mulheres com mutações geneticas que aumentam o risco de câncer de mama ou com parentes de primeiro grau acometidos; mulheres com história pessoal de câncer de mama ou lesões de alto risco; e mulheres com mamas densas(1010 Gao Y, Reig B, Heacock L, et al. Magnetic resonance imaging in screening of breast cancer. Radiol Clin North Am. 2021;59:85–98.).

Apesar das referências internacionais, existem poucos dados nacionais sobre o rastreamento com RM das mamas. Este trabalho tem como objetivo avaliar as indicações e resultados da RM para rastreamento do câncer de mama em um centro oncológico de referência no Brasil.

MATERIAIS E MÉTODOS

Estudo observacional, unicêntrico e retrospectivo, aprovado pelo comitê de etica em pesquisa da instituição, que incluiu mulheres submetidas a RM das mamas para rastreamento de câncer de mama no período de janeiro a dezembro de 2020. Para fins de auditoria, todos os exames das mamas realizados no nosso serviço são classificados como exames de rastreamento ou diagnóstico, sendo incluídas neste trabalho apenas as RMs com indicação de rastreamento. Foram excluídas pacientes com alterações no exame físico ou exames de imagem convencionais previos, e as sem dados clínicos disponíveis ou com acompanhamento inferior a um ano na instituição.

As pacientes foram selecionadas pela análise retrospectiva de dados e imagens do sistema de prontuário eletrônico e de armazenamento de imagens da instituição. Foram avaliados dados do prontuário eletrônico para identificação dos fatores de risco para câncer de mama nas pacientes submetidas a rastreamento por RM e acompanhamento após o exame. Nas pacientes com tumores malignos identificados no rastreamento, foram considerados dados histológicos e imuno-histoquímicos, observando-se tanto os dados das biópsias percutâneas como os da peça cirúrgica.

Para as pacientes sem história pessoal de câncer de mama, foi realizado o cálculo do risco utilizando o modelo Tyrer-Cuzick versão 8(1111 Tyrer J, Duffy SW, Cuzick J. A breast cancer prediction model incorporating familial and personal risk factors. Stat Med. 2004; 23:1111–30.). Este modelo leva em consideração fatores de risco não hereditários (por exemplo: idade, peso, história menstrual e reprodutiva), história familiar, presença de mutações para BRCA, resultados de biópsias previas e a densidade mamária, mas não inclui história pessoal de câncer de mama. Os resultados foram classificados em risco baixo (< 15%), intermediário (15–20%) ou alto (> 20%)(1212 Saslow D, Boetes C, Burke W, et al. American Cancer Society guidelines for breast screening with MRI as an adjunct to mammography. CA Cancer J Clin. 2007;57:75–89.).

As imagens de RM foram adquiridas em aparelho de 1,5-T, antes e após injeção de contraste intravenoso, utilizando protocolo convencional que consistia em: sequência gradiente-eco em T1, no plano axial, sem saturação de gordura; sequência STIR no plano sagital de ambas as mamas, com saturação de gordura; sequência em difusão pela tecnica ASSET echo-planar imaging plano axial, com os valores de b 0 e 750 s/mm²; exame dinâmico, composto por cinco sequências em gradiente-eco em T1, 3D, plano axial, com supressão de gordura sem intervalo de tempo entre elas, sendo uma realizada antes e quatro realizadas após a administração de contraste paramagnetico (gadolínio) na dose 0,1 mmol/kg de peso; sequência gradienteeco em T1, 3D, no plano sagital, de ambas as mamas, com saturação de gordura e alta resolução espacial.

Os dados obtidos foram armazenados em banco de dados para análise estatística pelo programa SPSS versão 20.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA). Para comparação entre variáveis qualitativas foi utilizado o teste do qui-quadrado de Pearson com correção de Yates ou teste exato de Fisher, quando indicado. Foram considerados estatisticamente significantes os resultados com p < 0,05. Para avaliação dos resultados do rastreamento, a população foi dividida em dois grupos: rastreamento (sem história pessoal de câncer de mama) ou seguimento (com câncer de mama previo). Foram calculadas as seguintes variáveis, conforme recomendado pelo lexico BI-RADS(1313 Sickles EA, D’Orsi CJ. Follow-up and outcome monitoring. In: ACR BI-RADS® Atlas. Breast Imaging Reporting and Data System. 5th ed. Reston, VA: American College of Radiology; 2013. p. 21–31.):

  • – Taxa de interpretação anormal (%): nº de exames/total de exames.

  • – Taxa de reconvocação (%): nº de exames anormais/total de exames.

  • – Taxa de detecção de câncer: nº de carcinomas mamários/1000 exames. Resultado esperado: 20–30/1000.

  • – Valor preditivo positivo 1 (VPP1) – exames anormais no rastreamento (%): nº de carcinomas mamários/no de exames.

  • – Valor preditivo positivo 2 (VPP2) – biópsia recomendada (%): nº de carcinomas mamários/nº de exames com indicação de biópsia. Resultado esperado: 15%.

  • – Valor preditivo positivo 3 (VPP3) – biópsia realizada (%): nº de carcinomas mamários/nº de biópsia. Resultado esperado: 20–50%.

  • – Porcentagem de cânceres “mínimos” (%): nº de carcinomas < 1 cm ou carcinomas ductais in situ (CDIS)/nº de carcinomas mamários identificados na população de estudo. Resultado esperado: > 50%.

  • – Porcentagem de carcinomas invasivos com axila negativa (%): nº de carcinomas mamários invasivos sem metástase axilar/nº de carcinomas mamários invasivos identificados na população de estudo. Resultado esperado: > 80%.

RESULTADOS

Foram realizados 2.227 exames de RM das mamas no período do estudo, sendo inicialmente selecionados 624 exames indicados para rastreamento (28% do total). Dentre eles, 27 foram excluídos em razão de dados incompletos, cadastros duplicados, exames em pacientes com BIRADS 6, sendo incluídos no trabalho 597 pacientes. A media de idade das pacientes incluídas foi 48,8 anos (desvio-padrão: 11,1 anos), variando de 19 a 82 anos.

Indicação da RM de mamas para rastreamento

As principais indicações para RM foram: câncer de mama previo em 354 pacientes (59,3%); história familiar em 102 (17,1%); alguma mutação conhecida em 67 (11,2%); mama densa em 14 (2,3%); e história de radioterapia previa em 4 (0,7%). Em 56 pacientes (9,4%) a indicação do exame não foi especificada. Dentre as pacientes que realizaram RM de rastreamento por mutação conhecida, as principais mutações observadas foram: BRCA1 (17 pacientes); BRCA2 (16 pacientes); P53 (25 pacientes); CHECK2 (4 pacientes); outras mutações (5 pacientes), incluindo PALB2, CDH1, MLH1 (Lynch), RET; e uma variante de significado incerto no gene POLE.

Utilizando o modelo Tyrer-Cuzick para avaliação de risco de câncer de mama nas 243 pacientes sem história pessoal de câncer de mama previo, observamos que 113 (46,5%) apresentaram risco habitual (< 15%), 40 (16,5%) apresentaram risco intermediário (15–20%) e 90 (37,0%) apresentaram risco alto (> 20%). A Tabela 1 demonstra o risco para desenvolvimento de câncer de mama de acordo com a indicação do exame.

Tabela 1
Estratificação do risco para desenvolvimento de câncer de mama, estimado pelo modelo de Tyrer-Cuzick, de acordo com a indicação para RM de rastreamento.

Resultados da RM de mamas para rastreamento

Os resultados das RMs de mama para rastreamento foram classificados em BI-RADS 1 em três casos (0,5%), BI-RADS 2 em 422 (70,7%), BI-RADS 3 em 143 (24,0%), BI-RADS 4 em 25 (4,2%) e BI-RADS 5 em quatro (0,7%) casos. Desse modo, a taxa de interpretação anormal foi 28,8% (172/597) e a taxa de reconvocação foi 4,9% (29/597). Comparando as pacientes em seguimento com as demais indicações de rastreamento (Tabela 2), observamos que pacientes em seguimento apresentaram menor taxa de interpretação anormal em relação às demais (20,9% vs. 40,3%; p < 0,001), no entanto, não houve diferença significativa na taxa de reconvocação (3,7% vs. 6,6%; p = 0,104).

Tabela 2
Resultados das RMs de mama de acordo com a indicação para o exame (rastreamento ou seguimento).

A Tabela 3 descreve os principais achados descritos nas RMs de mama nas categorias BI-RADS 3, BI-RADS 4 e BIRADS 5, e a Tabela 4 descreve como foi realizada a investigação dos achados descritos na RM e os resultados dessa investigação, de acordo com a categoria BI-RADS. Foram identificados 11 tumores malignos na RM das mamas na nossa amostra (Tabela 5), sendo um deles exemplificado na Figura 1. Desse modo, a taxa de detecção de câncer na nossa amostra total foi 18,4/1.000 exames (11/597), sendo 16,9/1.000 exames (6/354) nas pacientes em seguimento e 20,5/1.000 exames (5/243) nas pacientes em rastreamento. O VVP1 foi 6,4% (11/172) na população total, sendo 8,1% (6/74) para as pacientes em seguimento e 5,1% (5/98) para as pacientes em rastreamento. O VPP2 e o VPP3 foi 37,9% (11/29) na população total, sendo 46,2% (6/13) para as pacientes em seguimento e 31,3% (5/16) para as pacientes em rastreamento. A porcentagem de cânceres “mínimos” (< 1 cm) foi 54,5% (6/11) e a porcentagem de carcinomas invasivos com axila negativa foi 90,9% (10/11).

Tabela 3
Principais achados descritos nas RMs das mamas, de acordo com a categoria BI-RADS.
Tabela 4
Tipo de investigação dos achados descritos nas RMs, de acordo com a categoria BI-RADS.
Tabela 5
Características das pacientes nas quais foram detectados tumores malignos na RM das mamas.

Figura 1
Paciente de 42 anos realizou mamografia e RM para rastreamento de câncer de mama. A RM (A–C) demonstrou nódulo de 8 mm no quadrante inferomedial da mama direita (seta e círculos), não caracterizado na mamografia (D,E), confirmado como carcinoma mamário invasivo após biópsia.

Acompanhamento

Foi realizado acompanhamento em 464 casos (77,7%) durante um ano, sendo identificados tumores malignos em cinco casos ate um ano após a data da RM avaliada (carcinomas de intervalo). Esses casos incluíram três casos de CDIS identificados apenas por microcalcificações na mamografia (um na mesma data da RM e os outros dois após quatro e seis meses da RM), um caso de carcinoma ductal invasivo identificado na ultrassonografia 10 meses após a RM e um caso de carcinoma ductal invasivo identificado na mamografia, ultrassonografia e RM realizadas 10 meses após a RM inicial (Tabela 6).

Tabela 6
Características das pacientes nas quais foram detectados tumores malignos no primeiro ano após a RM inicial das mamas.

DISCUSSAO

Indicações para rastreamento por RM

Há uma tendência de aumento nas indicações de rastreamento por RM em nosso meio. Em levantamento realizado por Marques et al.(1414 Marques EF, Medeiros MLL, Souza JA, et al. Indications for breast magnetic resonance imaging in an oncology reference center. Radiol Bras. 2011;44:363–6.), de 529 exames realizados em 2008/2009, apenas 8,5% eram para rastreamento. Ferreira et al.(1515 Ferreira SS, Campos AM, Fernandes PL, et al. Indications for breast magnetic resonance imaging at a referral center for the diagnosis and treatment of breast cancer in Brazil. Radiol Bras. 2021;54:83–6.) avaliaram 1.353 exames de RM de mama entre 2014 e 2018, dos quais 17,4% foram indicados para rastreamento. Já na casuística do presente trabalho, referente a 2.227 exames realizados em 2020, 28% foram indicados para rastreamento. A principal indicação para rastreamento por RM na nossa população foi história pessoal de câncer de mama, seguida por história familiar e presença de mutação conhecida.

Mulheres com histórico pessoal de câncer de mama têm risco de recorrência ou de um segundo câncer de mama, após 10 anos do diagnóstico, de 0,5–1% ao ano. Embora a terapia hormonal e/ou quimioterapia reduzam esse risco, as mulheres com câncer previo de receptor de estrogênio em estágio inicial ainda têm risco aumentado de desenvolver câncer no futuro(88 Monticciolo DL, Newell MS, Moy L, et al. Breast cancer screening in women at higher-than-average risk: recommendations from the ACR. J Am Coll Radiol. 2023;20:902–14.). A idade ao diagnóstico de câncer e importante: mulheres diagnosticadas antes dos 50 anos e que realizaram cirurgia conservadora da mama tiveram risco de 20% ou mais de desenvolver um novo câncer de mama ao longo da vida(88 Monticciolo DL, Newell MS, Moy L, et al. Breast cancer screening in women at higher-than-average risk: recommendations from the ACR. J Am Coll Radiol. 2023;20:902–14.). Conforme as recomendações do American College of Radiology (ACR), aconselha-se considerar seguimento anual em RM das mamas para mulheres com histórico pessoal de câncer de mama, especialmente nas pacientes com mamas densas ou diagnóstico abaixo dos 50 anos(88 Monticciolo DL, Newell MS, Moy L, et al. Breast cancer screening in women at higher-than-average risk: recommendations from the ACR. J Am Coll Radiol. 2023;20:902–14.). O ACR recomenda ainda que pacientes com alto risco (risco > 20% de desenvolver câncer de mama ao longo da vida) devem realizar rastreamento mais precoce, de preferência com RM.

Existem alguns modelos estatísticos que são utilizados para predizer o risco de desenvolver câncer(1616 Kurian AW, Hughes E, Simmons T, et al. Performance of the IBIS/ Tyrer-Cuzick model of breast cancer risk by race and ethnicity in the Women’s Health Initiative. Cancer. 2021;127:3742–50.). No presente estudo usamos o modelo Tyrer-Cuzick para avaliação de risco de câncer de mama nas 243 pacientes sem história pessoal de câncer de mama previo. Observamos que cerca de 33% das pacientes apresentavam risco alto (> 20%), sendo quase metade da amostra pacientes de baixo risco (< 15%). Em grande porcentual de casos não foram identificados os fatores de risco, apenas cerca de 10% destes casos apresentaram alto risco pelo modelo Tyrer-Cuzick. Estes dados refletem a necessidade de melhor utilização dessas ferramentas de cálculo de risco em nosso meio para indicação mais adequada da RM para rastreamento.

Em nossa amostra, as principais mutações identificadas foram P53, BRCA1 e BRCA2, o que está de acordo com as mutações mais observadas na população brasileira. O estudo de Guindalini et al.(1717 Guindalini RSC, Viana DV, Kitajima JPFW, et al. Detection of germline variants in Brazilian breast cancer patients using multigene panel testing. Sci Rep. 2022;12:4190.) incluiu a maior coorte de pacientes brasileiros com câncer de mama submetidos a painel multigênico, tendo identificado que as mutações BRCA1 e BRCA2 foram responsáveis por quase 50% de todas as variantes germinativas, e o gene P53 foi o terceiro gene mais frequentemente mutado. Conforme as atuais recomendações do ACR, em pacientes com risco aumentado baseado na genetica (BRCA1 e BRCA2) deve-se realizar RM de rastreamento anualmente a partir dos 25 a 30 anos de idade.

Outras mutações menos frequentes foram CHECK2, PALB2, CDH1, MLH1 (Lynch) e RET. Comparadas às mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, há menos evidências relacionadas ao benefício do rastreamento com RM nas pacientes com essas mutações menos frequentes. No entanto, Lowry et al.(1818 Lowry KP, Geuzinge HA, Stout NK, et al. Breast cancer screening strategies for women with ATM, CHEK2, and PALB2 pathogenic variants: a comparative modeling analysis. JAMA Oncol. 2022;8:587–96.) sugerem que a triagem anual por RM a partir de 30 a 35 anos, seguida de RM anual e mamografia aos 40 anos, reduz a mortalidade por câncer de mama em mais de 50% para mulheres com variantes patogênicas ATM, CHEK2 e PALB2.

Algumas pacientes no nosso estudo tiveram indicação de realizar rastreamento por RM por apresentarem mamas densas. Sabe-se que a densidade mamária e um fator de risco independente para o desenvolvimento do câncer de mama, reduzindo a sensibilidade da mamografia para rastreamento. Estudos recentes relatam que a RM de mama com contraste realizada como metodo de triagem em mulheres com mamas extremamente densas permite uma redução na mortalidade dessas pacientes(1919 Mann RM, Athanasiou A, Baltzer PAT, et al. Breast cancer screening in women with extremely dense breasts recommendations of the European Society of Breast Imaging (EUSOBI). Eur Radiol. 2022; 32:4036–45.). Atualmente, tanto o ACR como a Sociedade Europeia de Imagem da Mama recomendam rastreamento com RM em pacientes com mamas densas(88 Monticciolo DL, Newell MS, Moy L, et al. Breast cancer screening in women at higher-than-average risk: recommendations from the ACR. J Am Coll Radiol. 2023;20:902–14.,1919 Mann RM, Athanasiou A, Baltzer PAT, et al. Breast cancer screening in women with extremely dense breasts recommendations of the European Society of Breast Imaging (EUSOBI). Eur Radiol. 2022; 32:4036–45.).

Resultados do rastreamento por RM

A auditoria de resultados medicos e essencial para avaliar os resultados de exames de rastreamento(2020 Lam DL, Lee JM. Breast magnetic resonance imaging audit: pitfalls, challenges, and future considerations. Radiol Clin North Am. 2021;59:57–65.). O uso rigoroso da terminologia e recomendações do ACR e BIRADS tornam-se fundamentais para permitir a captura e codificação precisa dos dados(1313 Sickles EA, D’Orsi CJ. Follow-up and outcome monitoring. In: ACR BI-RADS® Atlas. Breast Imaging Reporting and Data System. 5th ed. Reston, VA: American College of Radiology; 2013. p. 21–31.). Os dados da RM de mama devem ser coletados e relatados de maneira semelhante à mamografia. Os resultados do rastreamento no nosso levantamento estiveram de acordo com os valores preconizados pelo BI-RADS e na literatura, confirmando que a RM constitui um metodo com alta acurácia para detecção precoce de neoplasias malignas nessa população.

Sedora Román et al.(2121 Sedora Román NI, Mehta TS, Sharpe RE, et al. Proposed biopsy performance benchmarks for MRI based on an audit of a large academic center. Breast J. 2018;24:319–24.) realizaram um estudo retrospectivo com o objetivo de realizar uma auditoria nas RMs de mama realizadas no período de 2011 a 2013 e encontraram taxas de interpretação anormais para exames de rastreamento variando de 8% a 17%. Em comparação com o nosso estudo, observamos uma maior taxa de interpretação anormal na nossa amostra (28,8%), principalmente por um maior número de RMs classificadas como BI-RADS 3 (24% do total). Esse número alto de RMs classificadas com BI-RADS 3 pode ser justificado pelo fato de o serviço ser referência em oncologia, em razão do número de pacientes em seguimento oncológico ou de alto risco, nas quais se observa uma tendência de os medicos radiologistas valorizarem mais determinados achados. Esses dados são similares aos do estudo de Niell et al.(2222 Niell BL, Gavenonis SC, Motazedi T, et al. Auditing a breast MRI practice: performance measures for screening and diagnostic breast MRI. J Am Coll Radiol. 2014;11:883–9.), que relata alta porcentagem de BI-RADS 3, consistente na literatura publicada que demonstra que a frequência de avaliações BI-RADS 3 diminui com exames de RM de mama seriados e com a experiência dos radiologistas.

A nossa taxa de detecção de câncer na RM foi 18,2/ 1.000 exames, o que está um pouco abaixo das recomendações do BI-RADS (20–30/1.000 exames), mas semelhante à de outros trabalhos descritos na literatura (14–24/1.000 exames)(2020 Lam DL, Lee JM. Breast magnetic resonance imaging audit: pitfalls, challenges, and future considerations. Radiol Clin North Am. 2021;59:57–65.,2121 Sedora Román NI, Mehta TS, Sharpe RE, et al. Proposed biopsy performance benchmarks for MRI based on an audit of a large academic center. Breast J. 2018;24:319–24.,2222 Niell BL, Gavenonis SC, Motazedi T, et al. Auditing a breast MRI practice: performance measures for screening and diagnostic breast MRI. J Am Coll Radiol. 2014;11:883–9.). O VPP3 foi 37,9%, dentro da faixa sugerida pelo BI-RADS (20–50%) e superior ao de outros trabalhos descritos na literatura (21–27%)(2020 Lam DL, Lee JM. Breast magnetic resonance imaging audit: pitfalls, challenges, and future considerations. Radiol Clin North Am. 2021;59:57–65.,2121 Sedora Román NI, Mehta TS, Sharpe RE, et al. Proposed biopsy performance benchmarks for MRI based on an audit of a large academic center. Breast J. 2018;24:319–24.,2222 Niell BL, Gavenonis SC, Motazedi T, et al. Auditing a breast MRI practice: performance measures for screening and diagnostic breast MRI. J Am Coll Radiol. 2014;11:883–9.).

Na nossa amostra, foram identificados 11 pacientes com câncer no rastreamento pela RM, nas quais a idade variava entre 32 e 75 anos. As neoplasias identificadas no rastreamento eram pequenas e em estágios iniciais. Foram identificadas cinco pacientes com tumores malignos ate um ano após a data da RM avaliada, sendo três casos de CDIS identificados apenas por microcalcificações na mamografia. Chiarelli et al.(2323 Chiarelli AM, Blackmore KM, Muradali D, et al. Performance measures of magnetic resonance imaging plus mammography in the high risk Ontario Breast Screening Program. J Natl Cancer Inst. 2020;112:136–44.) demonstraram que a não realização de mamografia nessas pacientes pode potencialmente diminuir a detecção de CDISs, principalmente os de grau baixo ou intermediário.

Limitações do estudo e perspectivas futuras

Neste estudo, fizemos uma análise dos exames realizados em um centro de referência oncológica no período de um ano, mas e importante destacar que esses exames foram realizados de modo oportunista, sem um programa de rastreamento organizado, o que pode ter causado impacto nos resultados. Por ser um estudo retrospectivo, os dados de prontuários de algumas pacientes eram incompletos, houve falta de indicação para o rastreamento por RM, não ocorreu acompanhamento padronizado de todos os casos, alem de pacientes terem perdido o seguimento no serviço. Da nossa amostra, 59,3% correspondia a pacientes com história de neoplasia previa, e o fato de o modelo de TyrerCuzick não incluir pacientes com histórico de câncer de mama, limitou o cálculo do risco dessas pacientes de desenvolver um câncer novo ou recorrência locorregional.

Atualmente, observamos tendência de se desenvolver protocolos de rastreamento mais personalizados, devendose definir a melhor estrategia de rastreamento baseada nas características individuais dos pacientes e de avaliação de risco para desenvolvimento de câncer de mama. No entanto, ainda precisamos de modelos preditivos melhores para definir de maneira mais precisa o risco de desenvolver câncer de mama no futuro. Ferramentas utilizando testes geneticos ou mesmo a inteligência artificial têm demonstrado resultados promissores e podem ser incorporados na prática clínica no futuro. Avanços recentes na RM de mama, especialmente o uso de protocolos abreviados, podem contribuir para reduzir o custo do exame para que este seja disponível para mais mulheres, mantendo elevada acurácia diagnóstica(2424 Saccarelli CR, Bitencourt AGV, Morris EA. Is it the era for personalized screening? Radiol Clin North Am. 2021;59:129–38.).

CONCLUSÕES

As principais indicações para rastreamento por RM na nossa amostra foram: história pessoal de câncer de mama, seguida por história familiar e presença de mutação conhecida, sendo P53, BRCA1 e BRCA 2 as mutações mais frequentes na nossa população. Os resultados do rastreamento estiveram de acordo com os valores preconizados na literatura, demonstrando uma taxa de detecção de câncer na nossa amostra de 18,4/1.000 exames, VPP3 de 37,9%, porcentagem de cânceres “mínimos” (< 1 cm) de 54,5% e porcentagem de carcinomas invasivos com axila negativa de 90,9%. Esses achados confirmam a importância da RM no rastreamento em pacientes com alto risco de câncer de mama em nosso meio, como uma ferramenta para detecção precoce da doença em mulheres assintomáticas, podendo melhorar a eficácia do tratamento e potencialmente reduzir as taxas de mortalidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2023
  • Revisado
    01 Nov 2023
  • Aceito
    17 Nov 2023
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