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Síndrome de Boerhaave: diagnóstico diferencial de dor toracoabdominal

Sr. Editor,

Paciente do sexo masculino, 61 anos, há dois dias com diarreia e êmese, relatando dispneia e dor abdominal e torácica inferior intensa, com irradiação para a região precordial e ombro esquerdo. Ao exame físico apresentava abdome rígido, murmúrios vesiculares reduzidos, com crepitações grosseiras em ambas as bases pulmonares. Foi realizada tomografia computadorizada (TC) de tórax, que demonstrou pneumomediastino posterior e densificação do sítio periesofágico por conteúdo heterogêneo (Figuras 1A e 1B), e de abdome complementada com pequena quantidade de contraste oral iodado, que revelou extravasamento para o mediastino posterior (Figuras 1C e 1D). O paciente apresentou novo episódio de êmese no pronto-socorro, seguido de dessaturação. Foi encaminhado ao bloco cirúrgico em caráter de urgência. Submetido a procedimento cirúrgico extenso, foi identificada perfuração esofágica no terço distal intratorácico, sendo realizadas rafia e drenagem de conteúdo gástrico. O paciente evoluiu com instabilidade hemodinâmica, sendo transferido para o centro de terapia intensiva.

Figura 1
TC do tórax, corte axial, em janela para mediastino (A) e janela pulmonar (B) mostrando pneumomediastino e coleção na região do esôfago torácico distal. TC do abdome com contraste oral, cortes axial (C) e sagital (D), identificando escape do material ingerido para o interior da coleção paraesofágica.

Síndrome de Boerhaave é a perfuração espontânea do esôfago resultante do aumento súbito da pressão intraesofágica combinado com uma pressão intratorácica negativa(11 de Schipper JP, Pull ter Gunne AF, Oostvogel HJM, et al. Spontaneous rupture of the oesophagus: Boerhaave's syndrome in 2008. Literature review and treatment algorithm. Dig Surg. 2009;26:1-6.). Trata-se de um quadro raro, com incidência de 3,1/1.000.000 por ano. Entre as perfurações esofagianas, cerca de 15% são por causas espontâneas e a taxa de mortalidade ultrapassa os 40%(22 Vidarsdotti H, Blondal S, Alfredsson H, et al. Oesophageal perforations in Iceland: a whole population study on incidence, aetiology and surgical outcome. Thorac Cardiovasc Surg. 2010;58:476-80.,33 Brinster CJ, Shinghal S, Lee L, et al. Evolving options in the management of esophageal perforation. Ann Thorac Surg. 2004;77:1475-83.).

A perfuração esofágica ocorre mais frequentemente no aspecto posterolateral do esôfago intratorácico(11 de Schipper JP, Pull ter Gunne AF, Oostvogel HJM, et al. Spontaneous rupture of the oesophagus: Boerhaave's syndrome in 2008. Literature review and treatment algorithm. Dig Surg. 2009;26:1-6.), apesar de poder surgir nas regiões cervical e intra-abdominal. O quadro condiciona contaminação mediastinal por conteúdo gástrico, precipitando mediastinite química, com possibilidade de evolução para infecção bacteriana e necrose(44 Saha A, Jarvis M, Thorpe JA, et al. Atypical presentation of Boerhaave's syndrome as enterococcal bacterial pericardial effusion. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2007;6:130-2.). Os pacientes, comumente, evoluem com sinais e sintomas de dor torácica acentuada e desenvolvem enfisema subcutâneo, porém, um terço dos casos evolui com sintomas atípicos ou é admitido com insuficiência respiratória e/ou choque(44 Saha A, Jarvis M, Thorpe JA, et al. Atypical presentation of Boerhaave's syndrome as enterococcal bacterial pericardial effusion. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2007;6:130-2.,55 Michel L, Grillo HC, Malt RA. Operative and nonoperative management of esophageal perforations. Ann Surg. 1981;194:57-63.). Os pacientes com perfurações cervicais podem apresentar dor local, disfagia e disfonia, bem como tensão à palpação do músculo esternocleidomastóideo e crepitação devida ao enfisema subcutâneo.

Os diagnósticos diferenciais devem incluir infarto do miocárdio, embolia pulmonar, dissecção de aorta, pancreatite, dentre outros quadros de dor toracoabdominal(11 de Schipper JP, Pull ter Gunne AF, Oostvogel HJM, et al. Spontaneous rupture of the oesophagus: Boerhaave's syndrome in 2008. Literature review and treatment algorithm. Dig Surg. 2009;26:1-6.).

A utilização dos métodos de imagem radiografia convencional, esofagograma e TC contrastada, em especial este último, é de grande valor para a detecção imediata da doença. A TC mostra maior detalhamento na avaliação dos pulmões, mediastino, pleura e aorta, além de possuir maior sensibilidade na detecção de coleções fluidas. Os achados que corroboram a ruptura incluem edema e espessamento parietal esofágico, fluido perilesional com ou sem componente gasoso, alargamento mediastinal e fluido ou ar nos espaços pleurais e retroperitônio.

As opções terapêuticas na ruptura esofágica incluem, basicamente, a conservadora, a endoscópica e a cirúrgica(66 Ivey TD, Simonowitz DA, Dillard DH, et al. Boerhaave syndrome. Successful conservative management in three patients with late presentation. Am J Surg. 1981;141:531-3.,77 Carrott PW Jr, Low DE. Advances in the management of esophageal perforation. Thorac Surg Clin. 2011;21:541-55.). A primeira consiste na interrupção da ingestão oral de alimentos, administração de fluidos, nutrição enteral, antibioticoterapia e uso de beta-bloqueadores, além da drenagem de coleções. A terapia endoscópica com colocação de stent pode ser reservada para quadros com diagnóstico precoce, sem contaminação. Por último, a indicação do tratamento cirúrgico, que varia desde debridamento local até extensa ressecção do esôfago para reparação, depende de fatores determinantes como extensão da ruptura, doenças concomitantes e presença de contaminação ou sinais de sepse.

REFERENCES

  • 1
    de Schipper JP, Pull ter Gunne AF, Oostvogel HJM, et al. Spontaneous rupture of the oesophagus: Boerhaave's syndrome in 2008. Literature review and treatment algorithm. Dig Surg. 2009;26:1-6.
  • 2
    Vidarsdotti H, Blondal S, Alfredsson H, et al. Oesophageal perforations in Iceland: a whole population study on incidence, aetiology and surgical outcome. Thorac Cardiovasc Surg. 2010;58:476-80.
  • 3
    Brinster CJ, Shinghal S, Lee L, et al. Evolving options in the management of esophageal perforation. Ann Thorac Surg. 2004;77:1475-83.
  • 4
    Saha A, Jarvis M, Thorpe JA, et al. Atypical presentation of Boerhaave's syndrome as enterococcal bacterial pericardial effusion. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2007;6:130-2.
  • 5
    Michel L, Grillo HC, Malt RA. Operative and nonoperative management of esophageal perforations. Ann Surg. 1981;194:57-63.
  • 6
    Ivey TD, Simonowitz DA, Dillard DH, et al. Boerhaave syndrome. Successful conservative management in three patients with late presentation. Am J Surg. 1981;141:531-3.
  • 7
    Carrott PW Jr, Low DE. Advances in the management of esophageal perforation. Thorac Surg Clin. 2011;21:541-55.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2018
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