Acessibilidade / Reportar erro

Pneumonia intersticial usual. Estamos “falando a mesma língua” e “vendo as mesmas coisas” ao analisar a tomografia computadorizada?

Cabe a nós, médicos radiologistas, buscar a maior precisão e o melhor resultado possíveis ao analisar e reportar as alterações visualizadas em um exame de imagem. Para tanto, inicialmente, além de conhecer a anatomia normal da área que está sendo estudada, a fisiopatologia das doenças que acometam os órgãos analisados e como essas alterações se apresentam no exame de imagem que se está avaliando, é fundamental que nos sejam familiares as informações que são relevantes para a determinação de diagnóstico e prognóstico e para auxílio de tratamento da doença caracterizada ao avaliar o exame, para que, além de trazer o maior benefício possível ao paciente, possamos também atender às necessidades do médico solicitante do exame ao elaborar nossos relatórios(11 Bosmans JML, Weyler JJ, De Schepper AM, et al. The radiology report as seen by radiologists and referring clinicians: results of the COVER and ROVER surveys. Radiology. 2011;259:184-95.).

A tomografia computadorizada desemprenha papel fundamental na avaliação das doenças torácicas(22 Alves Júnior SF, Irion KL, Melo ASA. Neurofibromatosis type 1: evaluation by chest computed tomography. Radiol Bras. 2021;54:375-80.

3 Mogami R, Lopes AJ, Araújo Filho RC, et al. Chest computed tomography in COVID-19 pneumonia: a retrospective study of 155 patients at a university hospital in Rio de Janeiro, Brazil. Radiol Bras. 2021;54:1-8.

4 Louza GF, Nobre LF, Mançano AD, et al. Lymphocytic interstitial pneumonia: computed tomography findings in 36 patients. Radiol Bras. 2020; 53:287-92.

5 Di Puglia EBM, Rodrigues RS, Daltro PA, et al. Tomographic findings in bronchial atresia. Radiol Bras. 2021;54:9-14.
-66 Farias LPG, Strabelli DG, Fonseca EKUN, et al. Thoracic tomographic manifestations in symptomatic respiratory patients with COVID-19. Radiol Bras. 2020;53:255-61.). Para que o exame compra o seu papel, inicialmente é interessante que “falemos a mesma língua”, ou seja, que utilizemos terminologias padronizadas para nos certificarmos que todos entendam da mesma forma ao descrevermos determinada alteração de imagem de determinado modo. A radiologia torácica, em particular, contribui para esta homogeneização nos termos descritores por meio dos glossários de termos radiológicos, tanto em língua inglesa(77 Hansell DM, Bankier AA, MacMAhon H, et al. Fleischner Society: glossary of terms for thoracic imaging. Radiology. 2008;246:697-722.) como em língua portuguesa(88 Hochhegger B, Marchiori E, Rodrigues R, et al. Consenso de terminologia em radiologia torácica em português do Brasil e de Portugal. J Bras Pneumol. 2021;47:e20200595.), municiando os radiologistas com um léxico comum que pode ser entendido por todos.

Finalmente, é fundamental que tenhamos certeza de que estamos todos “vendo a mesma coisa” ao descrever determinado achado de imagem ou ao classificar determinado padrão. Por exemplo, ao colocar em um relatório que um paciente com doença intersticial apresenta padrão tomográfico de pneumonia intersticial usual (PIU) segundo os critérios da Sociedade Fleischner de 2018(99 Lynch DA, Sverzellati N, Travis WD, et al. Diagnostic criteria for idiopathic pulmonary fibrosis: a Fleischner Society White Paper. Lancet Respir Med. 2018;6:138-53.) ou dos guidelines da ATS/ERS/JRS/ALAT de 2018(1010 Raghu G, Remy-Jardin M, Myers JL, et al. Diagnosis of idiopathic pulmonary fibrosis. An Official ATS/ERS/JRS/ALAT Clinical Practice Guideline. Am J Respir Crit Care Med. 2018;198:e44-e68.), como saber se dois radiologistas identificam faveolamento da mesma maneira? Como saber se o padrão que estou classificando como PIU será também assim classificado por outro radiologista? Além de conhecer os descritores de imagem e as classificações existentes, como ambos apresentam algum grau de subjetividade, é importante que possamos fazer comparações interobservadores, certificando-nos que a precisão ao reportar um achado ou fazer a classificação é reprodutível e não relacionada ao acaso, o que frequentemente é feito por medidas de concordância - índice kappa -, proporcionando uma análise quantitativa da concordância entre os observadores(1111 Viera AJ, Garrett JM. Understanding interobserver agreement: the kappa statistic. Fam Med. 2005;37:360-3.).

A correta classificação de determinada doença intersticial no padrão de PIU, conforme os critérios colocados anteriormente(99 Lynch DA, Sverzellati N, Travis WD, et al. Diagnostic criteria for idiopathic pulmonary fibrosis: a Fleischner Society White Paper. Lancet Respir Med. 2018;6:138-53.,1010 Raghu G, Remy-Jardin M, Myers JL, et al. Diagnosis of idiopathic pulmonary fibrosis. An Official ATS/ERS/JRS/ALAT Clinical Practice Guideline. Am J Respir Crit Care Med. 2018;198:e44-e68.), apresenta impacto fundamental no diagnóstico, prognóstico e manejo do paciente, pois, ao estabelecermos que há padrão de PIU em uma tomografia computadorizada do tórax, essencialmente dizemos ao médico solicitante que este é o diagnostico radiológico com correspondência anatomopatológica, não sendo necessária a realização de biópsia(99 Lynch DA, Sverzellati N, Travis WD, et al. Diagnostic criteria for idiopathic pulmonary fibrosis: a Fleischner Society White Paper. Lancet Respir Med. 2018;6:138-53.,1010 Raghu G, Remy-Jardin M, Myers JL, et al. Diagnosis of idiopathic pulmonary fibrosis. An Official ATS/ERS/JRS/ALAT Clinical Practice Guideline. Am J Respir Crit Care Med. 2018;198:e44-e68.). Além disso, mais recentemente, colocamos este paciente como elegível para tratamento com drogas antifibróticas, cujo custo é elevado(1212 Flaherty KR, Wells AU, Cottin V, et al. Nintedanib in progressive fibrosing interstitial lung diseases. N Engl J Med. 2019;381:1718-27.,1313 Galli JA, Pandya A, Vega-Olivo M, et al. Pirfenidone and nintedanib for pulmonary fibrosis in clinical practice: tolerability and adverse drug reactions. Respirology. 2017;22:1171-8.), o que determina, além de impacto no manejo clínico do paciente, implicações financeiras (e muitas vezes jurídicas) que também devem ser levadas em consideração(1414 Rio Grande do Sul. Tribunal Regional Federal da 4ª Região TRF-4. Apelação Cível: AC 5011182-84.2017.4.04.7102. Previdenciário. Prestação de saúde. Fornecimento de medicamento ausente das listas de dispensação do SUS. Pirfenidona. Fibrose pulmonar idiopática. Medicina baseada em evidências. Cabimento. Ressalvas. Contracautelas. [cited 2022 Jan 20]. Available from: https://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/778405542/apelacao-civel-ac-50111828420174047102-rs-5011182-8420174047102/inteiro-teor-778405606.
https://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprud...
).

Pelas questões levantadas, é essencial que ao darmos este diagnóstico tenhamos convicção de não somente estarmos, em nível individual, de acordo com os critérios estabelecidos, mas também de estarmos coletivamente dando o mesmo diagnóstico aos mesmos pacientes de forma reprodutível, e para tal, estudos como o de Westphalen et al.(1515 Westphalen SS, Torres FS, Tonetto MS, et al. Interobserver agreement regarding the Fleischner Society diagnostic criteria for usual interstitial pneumonia patterns on computed tomography. Radiol Bras. 2022;55:71-7.), publicado no número anterior da Radiologia Brasileira, calculando a variabilidade interobservadores ao diagnosticar PIU são extremamente necessários. Ao demonstrar concordâncias moderadas a altas entre os observadores ao classificar o padrão de PIU pode-se ter maior segurança da precisão ao classificar o padrão intersticial observado, o que, em última análise, contribui para a homogeneização dos diagnósticos e, consequentemente, dos tratamentos oferecidos aos pacientes com doenças pulmonares intersticiais fibrosantes, o que tem implicações prognósticas importantes(1616 Almeida RF, Watte G, Marchiori E, et al. High resolution computed tomography patterns in interstitial lung disease (ILD): prevalence and prognosis. J Bras Pneumol. 2020;46:e20190153.).

Embora a comparação entre estudos que analisam a concordância interobservadores seja difícil pelos seus desenhos diferentes, tem-se a impressão de uma melhora constante e progressiva dos resultados na avaliação das pneumonias intersticiais(1515 Westphalen SS, Torres FS, Tonetto MS, et al. Interobserver agreement regarding the Fleischner Society diagnostic criteria for usual interstitial pneumonia patterns on computed tomography. Radiol Bras. 2022;55:71-7.,1717 Walsh SLF, Calandriello L, Sverzellati N, et al. Interobserver agreement for the ATS/ERS/JRS/ALAT criteria for a UIP pattern on CT. Thorax. 2016; 71:45-51.,1818 Thomeer M, Demedts M, Behr J, et al. Multidisciplinary interobserver agreement in the diagnosis of idiopathic pulmonary fibrosis. Eur Respir J. 2008;31:585-91.). A causa desta possível melhora é difícil de ser determinada, porém, possivelmente advém do melhor entendimento das doenças intersticiais ao longo do tempo, associado a publicações frequentes de novos consensos, os quais transportam estes novos conhecimentos para a prática diária de forma objetiva, direta, organizada e padronizada, fornecendo instrumentos que, aliados a experiência e treinamento, levam ao aumento da precisão diagnóstica entre os radiologistas, e podendo, finalmente, culminar com melhora na acurácia diagnóstica das doenças intersticiais pulmonares.

REFERENCES

  • 1
    Bosmans JML, Weyler JJ, De Schepper AM, et al. The radiology report as seen by radiologists and referring clinicians: results of the COVER and ROVER surveys. Radiology. 2011;259:184-95.
  • 2
    Alves Júnior SF, Irion KL, Melo ASA. Neurofibromatosis type 1: evaluation by chest computed tomography. Radiol Bras. 2021;54:375-80.
  • 3
    Mogami R, Lopes AJ, Araújo Filho RC, et al. Chest computed tomography in COVID-19 pneumonia: a retrospective study of 155 patients at a university hospital in Rio de Janeiro, Brazil. Radiol Bras. 2021;54:1-8.
  • 4
    Louza GF, Nobre LF, Mançano AD, et al. Lymphocytic interstitial pneumonia: computed tomography findings in 36 patients. Radiol Bras. 2020; 53:287-92.
  • 5
    Di Puglia EBM, Rodrigues RS, Daltro PA, et al. Tomographic findings in bronchial atresia. Radiol Bras. 2021;54:9-14.
  • 6
    Farias LPG, Strabelli DG, Fonseca EKUN, et al. Thoracic tomographic manifestations in symptomatic respiratory patients with COVID-19. Radiol Bras. 2020;53:255-61.
  • 7
    Hansell DM, Bankier AA, MacMAhon H, et al. Fleischner Society: glossary of terms for thoracic imaging. Radiology. 2008;246:697-722.
  • 8
    Hochhegger B, Marchiori E, Rodrigues R, et al. Consenso de terminologia em radiologia torácica em português do Brasil e de Portugal. J Bras Pneumol. 2021;47:e20200595.
  • 9
    Lynch DA, Sverzellati N, Travis WD, et al. Diagnostic criteria for idiopathic pulmonary fibrosis: a Fleischner Society White Paper. Lancet Respir Med. 2018;6:138-53.
  • 10
    Raghu G, Remy-Jardin M, Myers JL, et al. Diagnosis of idiopathic pulmonary fibrosis. An Official ATS/ERS/JRS/ALAT Clinical Practice Guideline. Am J Respir Crit Care Med. 2018;198:e44-e68.
  • 11
    Viera AJ, Garrett JM. Understanding interobserver agreement: the kappa statistic. Fam Med. 2005;37:360-3.
  • 12
    Flaherty KR, Wells AU, Cottin V, et al. Nintedanib in progressive fibrosing interstitial lung diseases. N Engl J Med. 2019;381:1718-27.
  • 13
    Galli JA, Pandya A, Vega-Olivo M, et al. Pirfenidone and nintedanib for pulmonary fibrosis in clinical practice: tolerability and adverse drug reactions. Respirology. 2017;22:1171-8.
  • 14
    Rio Grande do Sul. Tribunal Regional Federal da 4ª Região TRF-4. Apelação Cível: AC 5011182-84.2017.4.04.7102. Previdenciário. Prestação de saúde. Fornecimento de medicamento ausente das listas de dispensação do SUS. Pirfenidona. Fibrose pulmonar idiopática. Medicina baseada em evidências. Cabimento. Ressalvas. Contracautelas. [cited 2022 Jan 20]. Available from: https://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/778405542/apelacao-civel-ac-50111828420174047102-rs-5011182-8420174047102/inteiro-teor-778405606.
    » https://trf-4.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/778405542/apelacao-civel-ac-50111828420174047102-rs-5011182-8420174047102/inteiro-teor-778405606
  • 15
    Westphalen SS, Torres FS, Tonetto MS, et al. Interobserver agreement regarding the Fleischner Society diagnostic criteria for usual interstitial pneumonia patterns on computed tomography. Radiol Bras. 2022;55:71-7.
  • 16
    Almeida RF, Watte G, Marchiori E, et al. High resolution computed tomography patterns in interstitial lung disease (ILD): prevalence and prognosis. J Bras Pneumol. 2020;46:e20190153.
  • 17
    Walsh SLF, Calandriello L, Sverzellati N, et al. Interobserver agreement for the ATS/ERS/JRS/ALAT criteria for a UIP pattern on CT. Thorax. 2016; 71:45-51.
  • 18
    Thomeer M, Demedts M, Behr J, et al. Multidisciplinary interobserver agreement in the diagnosis of idiopathic pulmonary fibrosis. Eur Respir J. 2008;31:585-91.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2022
Publicação do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem Av. Paulista, 37 - 7º andar - conjunto 71, 01311-902 - São Paulo - SP, Tel.: +55 11 3372-4541, Fax: 3285-1690, Fax: +55 11 3285-1690 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: radiologiabrasileira@cbr.org.br