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Efeitos da administração intracerebroventricular de rocurônio sobre o sistema nervoso central de ratos e determinação da dose indutora de crise epiléptica

Resumo

Justificativa:

O objetivo deste estudo foi investigar os efeitos do brometo de rocurônio administrado intracerebroventricularmente sobre o sistema nervoso central, determinar a dose do limiar convulsivo de rocurônio em ratos e investigar os efeitos de rocurônio no sistema nervoso central em diluições de 1/5, 1/10 e 1/100 da dose do limiar convulsivo determinada.

Métodos:

Uma cânula permanente foi colocada no ventrículo lateral do cérebro dos animais. O estudo foi projetado em duas fases. Na primeira, a dose do limiar convulsivo do brometo de rocurônio foi determinada. Na segunda, o Grupo R 1/5 (n = 6), o Grupo 1/10 (n = 6) e Grupo 1/100 (n = 6) foram formados com doses de 1/5, 1/10 e 1/100, respectivamente, da dose do limiar convulsivo de brometo de rocurônio obtida.

Resultados:

Descobrimos que o valor do limiar convulsivo de brometo de rocurônio é 0,056 ± 0,009 µmoL. O limiar convulsivo, como uma função do peso corporal dos ratos, foi calculado como 0,286 µmoL/kg-1. Uma dose de 1/5 da dose do limiar convulsivo causou principalmente abertura postural dos membros e tremores em todo o corpo, enquanto uma dose de 1/10 da dose do limiar convulsivo causou agitação e tremores. Uma dose de 1/100 da dose do limiar convulsivo foi associada à diminuição da atividade locomotora.

Conclusões:

Este estudo mostrou que o brometo de rocurônio tem efeitos deletérios relacionados com a dose sobre o sistema nervoso central e pode produzir efeitos excitatórios dependentes da dose e convulsões.

PALAVRAS-CHAVE
Rocurônio; Convulsão; Sistema nervoso central; Rato

Abstract

Background:

The aim of this study was to investigate the effects of intracerebroventricularly administered rocuronium bromide on the central nervous system, determine the seizure threshold dose of rocuronium bromide in rats, and investigate the effects of rocuronium on the central nervous system at 1/5, 1/10, and 1/100 dilutions of the determined seizure threshold dose.

Methods:

A permanent cannula was placed in the lateral cerebral ventricle of the animals. The study was designed in two phases. In the first phase, the seizure threshold dose of rocuronium bromide was determined. In the second phase, Group R 1/5 (n = 6), Group 1/10 (n = 6), and Group 1/100 (n = 6) were formed using doses of 1/5, 1/10, and 1/100, respectively, of the obtained rocuronium bromide seizure threshold dose.

Results:

The rocuronium bromide seizure threshold value was found to be 0.056 ± 0.009 µmoL. The seizure threshold, as a function of the body weight of rats, was calculated as 0.286 µmoL/kg-1. A dose of 1/5 of the seizure threshold dose primarily caused splayed limbs, posturing, and tremors of the entire body, whereas the dose of 1/10 of the seizure threshold dose caused agitation and shivering. A dose of 1/100 of the seizure threshold dose was associated with decreased locomotor activity.

Conclusions:

This study showed that rocuronium bromide has dose-related deleterious effects on the central nervous system and can produce dose-dependent excitatory effects and seizures.

KEYWORDS
Rocuronium; Seizure; Central nervous system; Rat

Introdução

Nos casos em que agentes bloqueadores neuromusculares foram administrados acidentalmente no líquido cefalorraquidiano (LCR),11 Peduto V, Gungui P, Di Martino M, et al. Accidental subarachnoid injection of pancuronium. Anesth Analg. 1989;69:516. miotonia, alterações autonômicas e convulsões ocorreram.22 Sparr H, Wierda J, Proost J, et al. Pharmacodynamics and pharmacokinetics of rocuronium in intensive care patients. BJA. 1997;78:267-73. A administração por tempo prolongado de rocurônio a pacientes em estado crítico resultou na entrada do medicamento no LCR.33 Tobias J. Continuous infusion of rocuronium in a paediatric intensive care unit. Can J Anaesth. 1996;43:353-7. Em pacientes cuja função da barreira hematoencefálica esteja prejudicada essas moléculas também podem chegar ao LCR. Tassonyi et al.44 Tassonyi E, Fathi M, Hughes GJ, et al. Cerebrospinal fluid concentrations of atracurium, laudanosine and vecuronium following clinical subarachnoid hemorrhage. Acta Anaesthesiol Scand. 2002;46:1236-41. relataram que como alguns agentes neuromusculares, como o atracúrio e seu metabólito (laudanosina) presente no LCR, o vecurônio não pode ser detectado no LCR na hemorragia subaracnoide e que o atracúrio permaneceu no LCR por várias horas após o fim da infusão. Embora seja um medicamento ionizado não despolarizante com lipofilicidade relativamente baixa, sabe-se que rocurônio pode permear no LCR após injeção intravenosa.55 Savarese JJ, Caldwell JE, Lien CA, et al. In: Miller RD, editor. Pharmacology of muscle relaxants and their antagonists, anesthesia. 5thed. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2000. p. 412-90. A administração acidental de rocurônio no sistema nervoso central (SNC) durante anestesia regional foi relatada.66 Cardone C, Szenohradszky J, Yost S, et al. Activation of brain acetylcholine receptors by neuromuscular blocking drugs: a possible mechanism of neurotoxicity. Anesthesiology. 1994;80:1155-9. Há poucos dados sobre os efeitos desses medicamentos sobre o SNC.

O objetivo deste estudo foi investigar os efeitos da administração intracerebroventricular de rocurônio sobre o SNC, determinar a dose do limiar convulsivo de rocurônio em ratos e investigar os efeitos de rocurônio sobre o SNC em diluições de 1/5, 1/10 e 1/100 da dose do limiar convulsivo determinada.

Métodos

O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Animais da Universidade Dokuz Eylul. Foram usados 36 ratos albinos da linhagem Wistar, criados no Laboratório de Pesquisa Experimental da Universidade Dokuz Eylul. Os ratos pesavam entre 180-260 g e eram 87% homogêneos, estavam entre 18-24 meses e exibiam atividade normal. Os animais foram mantidos em condições laboratoriais padrão (12 h/12h de claro/escuro em temperatura ambiente a 20-22 ºc) por uma semana antes do início das experiências para se adaptar ao ambiente. Tiveram livre acesso à água e ração e o estudo foi feito em ambiente com ruído atenuado e na mesma hora (h) a cada dia.

Cirurgia

A anestesia foi induzida via injeção intraperitoneal de 50 mg.kg-1 de tiopental sódico (Pental® Sodyum I.E. Ulugay Ilaç San. TAS, Istambul, Turquia), mantiveram-se a respiração espontânea e o reflexo ciliar. Os ratos foram posicionados em decúbito ventral e uma área de 4 × 2 cm entre as orelhas que se estendia em direção ao nariz foi raspada. A assepsia da área foi feita com iodopovidona; 1 mL de lidocaína a 1% estéril (Aritmal® 2% amp, Biosel Ilaç Sanayi ve Ticaret A.S, Istambul, Turquia) foi infiltrado sob o couro cabeludo e uma incisão cirúrgica na linha média foi feita. A cabeça do animal foi colocada em um aparelho estereotáxico, onde ficou firme em posição flexionada para frente. A pele foi refletida lateralmente e o crânio exposto foi delicadamente dissecado (estilete rombo) com o bregma exposto. Uma fenda de 2 mm para a injeção de brometo de rocurônio intracerebroventricularmente (ICV) foi aberta nas coordenadas estereotáxicas, determinadas de acordo com o atlas de Paxinos e Watson,77 Fuchs-Buder T, Strowitzki M, Rentsch K, et al. Concentration of rocuronium in cerebrospinal fluid of patients undergoing cerebral aneurysm clipping. BJA. 2004;92:419-21. para acessar o ventrículo lateral. Uma cânula para a execução dos procedimentos intracerebroventriculares (C311/G, 20G, Plastics One Inc., VA, EUA) e um estilete adequado (C311/DC, Plastics One Inc., VA, EUA) para impedir a entrada de tecido e/ou corpos estranhos na cânula foram colocados. A colocação da cânula no ventrículo lateral foi confirmada pela drenagem do LCR através da cânula. As bordas da incisão foram aproximadas, suturadas com fio de seda 2.0 e limpas com iodopovidona a 10%. Esses procedimentos foram feitos sob condições estéreis. Foram estabelecidas 48 horas para o retorno das atividades habituais dos ratos após a intervenção. O objetivo da colocação de uma cânula permanente foi permitir a administração do fármaco ICV enquanto os ratos estavam acordados e móveis.

Preparação do medicamento

Uma solução concentrada com 0,016 µmoL de brometo de rocurônio (Esmeron®, Organon Corp, Oss, Holanda) em 10 µL foi usada para determinar a dose do limiar convulsivo do brometo de rocurônio.

Após a determinação da dose do limiar convulsivo de rocurônio, as diluições de 1/5, 1/10 e 1/100 µL em 10 µL de solução de lactato de Ringer foram preparadas (Ringer lactato, Biosel Ilac San. TAS, Istambul, Turquia).

Os valores de pH do brometo de rocurônio, lactato de Ringer e das soluções de brometo de rocurônio-lactato de Ringer a 23 ºC foram medidos com um medidor de pH (InoLab® 720, WTW Wissenschaftlich-Technische Werkstätten GmbH, Munique, Alemanha).

Protocolo experimental

Determinação da dose do limiar convulsivo do brometo de rocurônio (estudo piloto): para determinar a dose do limiar convulsivo do brometo de rocurônio, 12 ratos foram alocados em dois grupos:

Grupo rocurônio (n = 6): para determinar a dose do limiar convulsivo, um adaptador de polietileno revestido de vinil foi anexado à cânula ICV e uma microsseringa Hamilton foi anexada a esse adaptador (Hamilton® 710SNR 100 µL Syringe Hamilton 710 series syringe, NV, EUA). Brometo de rocurônio (0,016 µmoL × 10 µL-1, 0,08 µmoL no total) foi injetado através da seringa de Hamilton em doses divididas de 5 µL. Cada dose foi administrada consecutivamente por 60 segundos (s) - tempo durante o qual os efeitos da dose sobre os ratos foram observados. A dose total necessária para induzir uma convulsão tônico-clônica foi registrada.

Grupo controle (n = 6): 50 µL da solução de lactato de Ringer, divididos em doses de 5 µL, foram administrados ICV via cânula, como explicado acima. Os ratos que não apresentaram convulsão foram sacrificados após 6 h de observação.

Grupos para estudo de dose-resposta (estudo experimental): após a determinação da dose do limiar convulsivo do brometo de rocurônio, os ratos foram aleatoriamente distribuídos em quatro grupos para estudo de dose-resposta.

Grupo 1 (Grupo C) (n = 6): dez microlitros de uma mistura de solução de lactato de Ringer e ácido acético com pH idêntico ao da solução de rocurônio que induziu convulsão foram administrados com a seringa de Hamilton durante 60 s.

Grupo 2 (Grupo R 1/5) (n = 6): com o mesmo método usado para o Grupo C, 1/5 da dose convulsiva de rocurônio foi adicionado à solução de lactato de Ringer para obter um volume total de 10 µL da solução e administrá-lo aos ratos.

Grupo 3 (Grupo R 1/10) (n = 6): com o mesmo método usado para o Grupo C, 1/10 da dose convulsiva de rocurônio foi adicionado à solução de lactato de Ringer para obter um volume total de 10 µL da solução e administrá-lo aos ratos.

Grupo 4 (Grupo R 1/100) (n = 6): com o mesmo método usado para o Grupo C, 1/100 da dose convulsiva de rocurônio foi adicionado à solução de lactato de Ringer para obter um volume total de 10 µL da solução e administrá-lo aos ratos.

Avaliação dos efeitos do brometo de rocurônio intracerebroventricularmente: uma escala de cinco pontos foi usada para avaliar os efeitos sobre o SNC do brometo de rocurônio administrado por via intracerebroventricular.88 Matteo RS, Pua EK, Khambatta HJ, et al. Cerebrospinal fluid levels of d-tubocurarine in man. Anesthesiology. 1977;46:396.

  • 0 = sem efeitos observáveis

  • 1 = atividade locomotora reduzida e/ou piloereção

  • 2 = agitação ou tremor

  • 3 = tremor em todo o corpo, postura ou membros espalmados

  • 4 = convulsões ou ataques

Término do estudo

Os animais que apresentaram convulsões foram imediatamente mortos com injeção intraperitoneal de 120 mg.kg-1 de tiopental sódico. Os animais que não apresentaram convulsões foram observados por 6 h e mortos com 120 mg.kg-1 de tiopental sódico por via intraperitoneal ao término do estudo.

Post-mortem, o ventrículo cerebral de todos os animais foi injetado com 50 µL de azul de metileno através da cânula permanente e o cérebro foi bisseccionado ao longo da fenda longitudinal para verificar se o corante estava uniformemente distribuído no interior do ventrículo.

Análise estatística

As análises estatísticas foram feitas com o programa estatístico SPSS para Windows v. 11.0. Os resultados são expressos em média ± desvio padrão. O teste de Kruskal-Wallis, seguido do teste U de Mann-Whitney e dos testes exatos de Fisher, foi usado para comparações intergrupo. As comparações intragrupo foram feitas com os testes de Friedman e Wilcoxon e p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados

Determinação do limiar de convulsão (estudo piloto)

Os ratos do grupo controle, que receberam 50 µL de lactato de Ringer (pH = 5,2) nos ventrículos laterais do cérebro, não apresentaram quaisquer alterações comportamentais.

No grupo rocurônio, o limiar convulsivo do brometo de rocurônio ICV (pH = 3,6) foi de 0,056 ± 0,009 µmoL. O volume necessário para induzir uma convulsão foi de 35,0 ± 5,48 µL. O limiar convulsivo, como uma função do peso corporal dos ratos, foi calculado em 0,286 µmoL/kg-1 (tabela 1).

Tabela 1
Doses e volumes de brometo de rocurônio

Avaliação dos resultados do estudo de dose-resposta (estudo experimental)

Os valores de pH do Grupo C, Grupo R 1/5, Grupo R 1/10 e Grupo R 1/100 foram determinados em 3,6; 3,9; 4,1 e 4,8; respectivamente.

Neste estudo, verificamos que 1/5 da dose do limiar convulsivo geralmente causou membros (postura) espalmados e tremores no corpo inteiro, enquanto 1/10 da dose do limiar convulsivo causou agitação e tremores (tabelas 2 e 3). Um centésimo da dose do limiar convulsivo foi associado à redução da atividade locomotora (tabela 4). Os efeitos observados com essas doses melhoraram gradualmente durante uma hora e, em seguida, foram mantidos como atividade locomotora reduzida. Os animais foram observados por 6 h - tempo durante o qual a alimentação e os comportamentos motores ficaram comparáveis com aqueles do grupo controle.

Tabela 2
Efeitos de rocurônio no SNC a 1/5 da dose do limiar convulsivo
Tabela 3
Efeitos no SNC de rocurônio a 1/10 da dose do limiar convulsivo
Tabela 4
Efeitos de rocurônio no SNC a 1/100 da dose do limiar convulsivo

Discussão

Neste estudo, descobrimos que a administração de rocurônio no sistema nervoso central de ratos através dos ventrículos cerebrais causou convulsões quando os ratos não estavam sob anestesia e que a dose do limiar convulsivo de rocurônio foi de 0,286 µmoL.kg-1. Determinamos durante o estudo de dose-resposta que 1/5 e 1/10 da dose do limiar convulsivo de rocurônio produziram respostas excitatórias, enquanto 1/100 da dose resultou em redução da atividade locomotora.

No estudo piloto, alterações comportamentais não foram observadas nos ratos quando administramos 100 µL de lactato de Ringer a 5 µL.min-1. Administramos um máximo de 40 µL enquanto determinávamos a dose do limiar convulsivo. Não formulamos a hipótese de que o volume do medicamento seria responsável pelas alterações no SNC observadas nos ratos. Neste estudo, determinamos que o pH do medicamento administrado ICV via cânula não foi um fator que contribuiu para a indução de convulsões, pois a redução da atividade locomotora foi observada apenas no Grupo 1.

Em estudo similar, Szenohradszky et al. administraram atracúrio, pancurônio e vecurônio no SNC e observaram os efeitos colaterais, identificaram os potenciais convulsivos de atracúrio > pancurônio > vecurônio (0,12; 0,26 e 0,46 µmoL.kg-1, respectivamente).88 Matteo RS, Pua EK, Khambatta HJ, et al. Cerebrospinal fluid levels of d-tubocurarine in man. Anesthesiology. 1977;46:396. No presente estudo, a potência de rocurônio necessária para provocar convulsões foi identificada como próxima àquela de pancurônio.

Nos casos em que agentes bloqueadores neuromusculares foram administrados acidentalmente no LCR,11 Peduto V, Gungui P, Di Martino M, et al. Accidental subarachnoid injection of pancuronium. Anesth Analg. 1989;69:516. a difusão de rocurônio no tecido neuronal a partir do líquido cefalorraquidiano é provavelmente uma função do peso molecular, da solubilidade lipídica e do tempo.99 Segredo V, Matthay MA, Sharma ML, et al. Prolonged neuromuscular blockade after long-term administration of vecuronium in two critically ill patients. Anesthesiology. 1990;72:566-70. Com base em suas propriedades físicas, é provável que rocurônio permaneça no LCR após a injeção, a penetração rápida nos tecidos neuronais é improvável.99 Segredo V, Matthay MA, Sharma ML, et al. Prolonged neuromuscular blockade after long-term administration of vecuronium in two critically ill patients. Anesthesiology. 1990;72:566-70. As substâncias farmacológicas no LCR podem ser redistribuídas para a circulação periférica pelo transporte através da barreira hematoencefálica. Uma infusão ICV pode, em alguns casos, imitar uma infusão intravenosa lenta.1010 Hennis PJ, Fahey MR, Canfell PC, et al. Pharmacology of laudanosine in dogs. Anesthesiology. 1986;65:56-60. Não observamos tal incidência em qualquer fase do estudo, o que pode ter ocorrido porque a dose de rocurônio que entrou na circulação sistêmica não foi suficiente para atingir a concentração necessária para alcançar a junção neuromuscular e causar relaxamento muscular.

Os medicamentos administrados ICV podem exercer efeitos mediados pelo receptor na ou perto da interface cérebro-líquido cefalorraquidiano. Rocurônio é um composto de amônio quaternário. A carga positiva dessa molécula imita o átomo de nitrogênio quaternário de acetilcolina (ACh). Esse átomo é o principal contribuinte para os efeitos de rocurônio sobre o nAChr neuronal.1111 Szenohradszky J, Trevor AJ, Bickler P, et al. Central nervous system effects of intrathecal muscle relaxants in awake rats. Anesth Analg. 1993;76:1304-9. Não há dados suficientes sobre a cinética da distribuição de relaxantes musculares no LCR quando administrados nos ventrículos cerebrais88 Matteo RS, Pua EK, Khambatta HJ, et al. Cerebrospinal fluid levels of d-tubocurarine in man. Anesthesiology. 1977;46:396.,1212 Vassilikos D, Tsakiliotis S, Veroniki F, et al. Inadvertent epidural administration of cisatracurium. EJA. 2004;21:663-72. e não sabemos em que parte do cérebro os receptores de acetilcolina medeiam os efeitos inibitórios e excitatórios observados com rocurônio.

Tal como acontece em todos os relaxantes musculares, o local de ação de rocurônio é o receptor pós-sináptico de ACh na junção neuromuscular. Em um estudo experimental, Jonsson et al.1313 Kostopanagitou G, Mylona M, Massoura L, et al. Accidental epidural injection of vecuronium. Anesth Analg. 2000;91:1550-1. demonstraram que rocurônio inibiu o nAChr muscular e neuronal. O nAChr neuronal é irreversivelmente inibido por rocurônio no nível micromolar, de modo dependente da concentração. Esses achados sugerem que rocurônio exerce efeitos inibidores apenas sobre os receptores de acetilcolina na junção neuromuscular, enquanto exerce efeitos inibitórios e excitatórios sobre os receptores nicotínicos de ACh no SNC.

Fuchs-Buder et al.66 Cardone C, Szenohradszky J, Yost S, et al. Activation of brain acetylcholine receptors by neuromuscular blocking drugs: a possible mechanism of neurotoxicity. Anesthesiology. 1994;80:1155-9. e Tassonyi et al.1414 Cesur M, Alıcı H, Erdem A, et al. Accidental caudal injection of rocuronium in an awake patient. Anesthesiology. 2005;103:444-5. relataram que os agentes bloqueadores neuromusculares podem afetar o SNC, tal como evidenciado pela indução de apneia.

Shao et al.1515 Stoelting RK, Miller RD. Neuromuscular blocking drugs, anesthesia. 4th ed. Philadelphia: Elsevier Health Sciences; 2000. p. 89-106. demonstraram que o sistema nervoso colinérgico é importante na regulação dos padrões respiratórios e a inibição do nAChr pode causar depressão central da respiração. Em nosso estudo, não observamos sinal de depressão da respiração ou apneia.

As alterações comportamentais nos ratos, manifestadas como redução da atividade locomotora após 1 h, e a recuperação dos movimentos e comportamentos alimentares normais após 6 h foram atribuídas à rápida depuração do LCR, que, em ratos, é de 2,83 µL.min-1.1616 Bartkowski RR, Witlkowski TA, Azad S, et al. Rocuronium onset of action: a comparison with atracurium and vecuronium. Anesth Analg. 1993;77:574-8. Como o volume de LCR em ratos é de 500 µL, o tempo de depuração total do LCR é de 176 minutos (min).44 Tassonyi E, Fathi M, Hughes GJ, et al. Cerebrospinal fluid concentrations of atracurium, laudanosine and vecuronium following clinical subarachnoid hemorrhage. Acta Anaesthesiol Scand. 2002;46:1236-41.,88 Matteo RS, Pua EK, Khambatta HJ, et al. Cerebrospinal fluid levels of d-tubocurarine in man. Anesthesiology. 1977;46:396. Meulemans et al.1717 Khalil M, D'Honneur G, Duvalestin P, et al. Pharmacokinetics and pharmacodynamics of rocuronium in patients with cirrhosis. Anesthesiology. 1994;6:241-5. relataram que 45% do LCR de um rato de 290 g foram depurados em 1 h, o que está de acordo com os nossos achados.

Os mecanismos exatos de ação dos relaxantes musculares sobre o SNC não foram estabelecidos. Este estudo mostrou que rocurônio é eficaz no SNC e tem efeitos deletérios relacionados à dose. Com base nos resultados deste estudo, não é possível estabelecer uma relação entre os efeitos de rocurônio em humanos e ratos. A quantidade acumulada de rocurônio no LCR de pacientes que receberam infusão prolongada de rocurônio é desconhecida.

Devemos considerar que efeitos no SNC podem ser observados se rocurônio for infundido por períodos prolongados e nos casos em que a barreira hematoencefálica estiver comprometida ou rocurônio for administrado inadvertidamente durante um bloqueio regional.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    12 Dez 2014
  • Aceito
    23 Fev 2015
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