Acessibilidade / Reportar erro

Correlação de tomografia computadorizada, ressonância magnética e resultados clínicos em intoxicação aguda por monóxido de carbono

Resumo

Justificativa e objetivos:

Monóxido de carbono é um gás tóxico para os seres humanos, além de ser um assassino silencioso tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. O objetivo desta série de casos foi avaliar as imagens radiológicas iniciais como um preditivo de sequelas neuropsicológicas decorrentes de intoxicação por monóxido de carbono.

Caso 1:

Após exposição ao monóxido de carbono, os achados iniciais em tomografias computadorizadas e ressonâncias magnéticas de uma mulher de 52 anos mostraram lesões em globo pálido bilateralmente. A paciente recebeu alta e foi acompanhada por 90 dias. Recuperou-se sem sequelas neurológicas.

Caso 2:

Paciente do sexo feminino, 58 anos, exposta ao monóxido de carbono. A tomografia computadorizada mostrou lesões em globo pálido, bilateralmente, e substância branca periventricular. A ressonância magnética inicial revelou alterações semelhantes àquelas em tomografias precoces. A paciente se recuperou e recebeu alta. No 27° dia de exposição, evoluiu com desorientação e perda de memória. Ressonância magnética posterior mostrou hiperintensidade difusa da substância branca cerebral.

Conclusão:

As lesões da substância branca que progridem para desmielinização e resultam em sequelas neuropsicológicas nem sempre podem ser diagnosticadas em tomografias e ressonâncias iniciais em casos de intoxicação por monóxido de carbono.

Palavras-chave
Tratamento intensivo; Monóxido de carbono; Imagem; Intoxicação

Abstract

Background and objectives:

Carbon monoxide is a toxic gas for humans and is still a silent killer in both developed and developing countries. The aim of this case series was to evaluate early radiological images as a predictor of subsequent neuropsychological sequelae, following carbon monoxide poisoning.

Case 1:

After carbon monoxide exposure, early computed tomography scans and magnetic resonance imaging findings of a 52-year-old woman showed bilateral lesions in the globus pallidus. This patient was discharged and followed for 90 days. The patient recovered without any neurological sequela.

Case 2:

In a 58-year-old woman exposed to carbon monoxide, computed tomography showed lesions in bilateral globus pallidus and periventricular white matter. Early magnetic resonance imaging revealed changes similar to that like in early tomography images. The patient recovered and was discharged from hospital. On the 27th day of exposure, the patient developed disorientation and memory impairment. Late magnetic resonance imaging showed diffuse hyperintensity in the cerebral white matter.

Conclusion:

White matter lesions which progress to demyelination and end up in neuropsychological sequelae cannot always be diagnosed by early computed tomography and magnetic resonance imaging in carbon monoxide poisoning.

Keywords
Intensive care; Carbon monoxide; Imaging; Poisoning

Introdução

O monóxido de carbono (CO) é um gás incolor e inodoro bem conhecido por ser tóxico para todos os tipos de tecidos humanos.11 Kim HJ, Chang KH, Song IC, et al. Delayed encephalopathy of acute carbon monoxide intoxication: diffusivity of cerebral white matter lesions. Am J Neuroradiol. 2003;24:1592-7.,22 Omaye ST. Metabolic modulation of carbon monoxide toxicity. Toxicology. 2002;180:139-50. Após a exposição ao CO, alterações morfológicas são observadas em regiões do cérebro em questão de horas.33 Thom SR, Fisher D, Manevich Y. Roles for platelet-activating factor and NO-derived oxidants causing neutrophil adherence after CO poisoning. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2001;281:H923-H30.

4 Porter SS, Hopkins RO, Weaver LK, et al. Corpus callosum atrophy and neuropsychological outcome following carbon monoxide poisoning. Arch Clin Neuropsychol. 2002;17:195-204.
-55 O’Donnell P, Buxton PJ, Pitkin A, et al. The magnetic resonance imaging appearances of the brain in acute carbon monoxide poisoning. Clin Radiol. 2000;55:273-80. Desmielinização bilateral da substância branca do cérebro, hiperintensidade do centro semioval e necrose hemorrágica do globo pálido são alguns dos achados neuropatológicos observados após intoxicação por CO.44 Porter SS, Hopkins RO, Weaver LK, et al. Corpus callosum atrophy and neuropsychological outcome following carbon monoxide poisoning. Arch Clin Neuropsychol. 2002;17:195-204.,66 Chu K, Jung KH, Kim HJ, et al. Diffusion-weighted MRI and 99mTc-HMPAO SPECT in delayed relapsing type of carbon monoxide poisoning: evidence of delayed cytotoxic edema. Eur Neurol. 2004;51:98-103.

O objetivo deste estudo foi avaliar a integridade da substância branca do cérebro e dos gânglios basais com imagens de ressonância magnética (RM) e tomografia computadorizada (TC) na fase aguda da exposição ao CO e avaliar as imagens radiológicas iniciais como um preditivo de sequelas neuropsicológicas subsequentes após intoxicação por CO.

Caso 1

Paciente do sexo feminino, 52 anos, encontrada inconsciente em casa e levada ao hospital com possível intoxicação por CO. O exame clínico da revelou frequência cardíaca de 95 bpm−1, frequência respiratória de 25 min−1 e pressão arterial de 90/60 mmHg. Os resultados da gasometria foram pH: 7,38; pO2: 25 mmHg; pCO2: 40 mmHg; HCO3: 20,9 mEq L−1; COHb: 46,4%; BE; −12,7; e lactato: 7 mEq L−1 (< 1,5). Os achados laboratoriais mostraram mioglobina: 488 ng mL−1 (0-38,5); CK: 147 U L−1 (0-145); CK-MB: 16,11 ng mL−1 (0-5,6); e troponina-I: 0,048 µg L−1 (< 0,1). Ao exame neurológico, a paciente apresentou comatosidade com escore 9/15 na Escala de Coma de Glasgow (ECG) e pupilas midriáticas.

TC axial mostrou hipodensidade bilateral do globo pálido nas primeiras 24 horas (fig. 1). Os achados da RM no sétimo dia de exposição foram hiperintensidade bilateral do globo pálido, em cortes axial e coronal ponderados em T2 (figs. 1B e C) e sequências axiais ponderadas em Flair. Além disso, as imagens dos cortes axial e sagital em T1 sem contraste (fig. 1E) curiosamente revelaram hiperintensidade periférica do globo pálido.

Figura 1
(A) TC axial, (B) RM axial em T2, (C) RM coronal em T2 e (D) RM axial em T1 do Caso 1.

A paciente recuperou-se progressivamente em três dias e recebeu alta no oitavo dia de internação. Foi acompanhada por 90 dias e não desenvolveu qualquer sequela neurológica.

Caso 2

Paciente do sexo feminino, 58 anos, internada em unidade de terapia intensiva após várias horas de exposição ao CO. O exame clínico revelou frequência cardíaca de 80 bpm−1, frequência respiratória de 15 min−1 e pressão arterial de 80/6 mmHg. Os resultados da gasometria foram pH: 7,18; pO2: 11,6 mmHg; pCO2: 50 mmHg; HCO3: 14,9 mEq L−1; COHb: 56,2%; BE: −12,7; e lactato: 9 mEq L−1 (< 1,5). Os achados laboratoriais mostraram mioglobina 4.000 ng mL−1 (0-38,5); CK: 247 U L−1 (0-145); CK-MB: 27,6 ng mL−1 (0-5,6); troponina-I 0,131 µg L−1 (< 0,1); e ProBNP: 1.040 pmol L−1 (< 350). O exame físico mostrou pipilas midriáticas e papiledema, o escore da ECG foi de 15/5 e a paciente apresentou convulsões generalizadas.

A TC feita na sexta hora de internação mostrou hipodensidade bilateral do globo pálido (fig. 2A). A RM feita no terceiro dia de internação mostrou captação periférica irregular e bilateral do globo pálido em T1 com contraste (fig. 2B), hiperintensidade bilateral do globo pálido e do ramo posterior da cápsula interna em T2 axial, Flair axial (fig. 2C) e T2 coronal. Alterações da substância branca do cérebro não foram observadas em qualquer uma das imagens.

Figura 2
(A) TC axial, (B) TC axial em T1, (C) RM axial em T2 e (D) RM axial em T2 (30o dia) do Caso 2.

A paciente recuperou-se em cinco dias e recebeu alta no oitavo dia de internação. Desenvolveu desorientação e perda de memória no 27° dia de acompanhamento. Outra RM ponderada em difusão foi feita no 30° dia de exposição. Além das descobertas anteriores, hiperintensidade difusa da substância branca do cérebro apareceu, o que era consistente com lesão da substância branca em T2 axial e T2 difusão (fig. 2D).

Conclusão

A exposição aguda e intensa ao CO pode levar à encefalopatia hipoxicoisquêmica, incluindo os gânglios basais e envolvimento da substância branca do cérebro.33 Thom SR, Fisher D, Manevich Y. Roles for platelet-activating factor and NO-derived oxidants causing neutrophil adherence after CO poisoning. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2001;281:H923-H30.,77 Chang KH, Han MH, Kim HS, et al. Delayed encephalopathy after acute carbon monoxide intoxication: MR imaging features and distribution of cerebral white matter lesions. Radiology. 1992;184:117-22. O globo pálido é o local mais comum de envolvimento dos gânglios basais em intoxicação por CO.44 Porter SS, Hopkins RO, Weaver LK, et al. Corpus callosum atrophy and neuropsychological outcome following carbon monoxide poisoning. Arch Clin Neuropsychol. 2002;17:195-204.,66 Chu K, Jung KH, Kim HJ, et al. Diffusion-weighted MRI and 99mTc-HMPAO SPECT in delayed relapsing type of carbon monoxide poisoning: evidence of delayed cytotoxic edema. Eur Neurol. 2004;51:98-103.,88 Lo CP, Chen SY, Lee KW, et al. Brain injury after acute carbon monoxide poisoning: early and late complications. AJR Am J Roentgenol. 2007;189:W205-W11. Vários estudos concluíram que pode haver uma correlação entre as áreas de hipoperfusão na fase aguda e os sintomas neuropsiquiátricos subsequentes.11 Kim HJ, Chang KH, Song IC, et al. Delayed encephalopathy of acute carbon monoxide intoxication: diffusivity of cerebral white matter lesions. Am J Neuroradiol. 2003;24:1592-7.,33 Thom SR, Fisher D, Manevich Y. Roles for platelet-activating factor and NO-derived oxidants causing neutrophil adherence after CO poisoning. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2001;281:H923-H30.,77 Chang KH, Han MH, Kim HS, et al. Delayed encephalopathy after acute carbon monoxide intoxication: MR imaging features and distribution of cerebral white matter lesions. Radiology. 1992;184:117-22.,99 Silver DA, Cross M, Fox B, et al. Computed tomography of the brain in acute carbon monoxide poisoning. Clin Radiol. 1996;51:480-3.,1010 Gale SD, Hopkins RO, Weaver LK, et al. MRI, quantitative MRI, SPECT, and neuropsychological findings following carbon monoxide poisoning. Brain Inj. 1999;13:229-43. Sugeriu-se que as lesões da substância branca estão mais comumente associadas a sequelas neurológicas quando comparadas com as lesões do globo pálido.1010 Gale SD, Hopkins RO, Weaver LK, et al. MRI, quantitative MRI, SPECT, and neuropsychological findings following carbon monoxide poisoning. Brain Inj. 1999;13:229-43.

Após a inalação de CO, as lesões do globo pálido normalmente ocorrem de imediato e as lesões da substância branca ocorrem dentro de horas.33 Thom SR, Fisher D, Manevich Y. Roles for platelet-activating factor and NO-derived oxidants causing neutrophil adherence after CO poisoning. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2001;281:H923-H30.

4 Porter SS, Hopkins RO, Weaver LK, et al. Corpus callosum atrophy and neuropsychological outcome following carbon monoxide poisoning. Arch Clin Neuropsychol. 2002;17:195-204.
-55 O’Donnell P, Buxton PJ, Pitkin A, et al. The magnetic resonance imaging appearances of the brain in acute carbon monoxide poisoning. Clin Radiol. 2000;55:273-80. Relatou-se que as áreas de desmielinização mais comuns são a substância branca periventricular e o centro semioval.44 Porter SS, Hopkins RO, Weaver LK, et al. Corpus callosum atrophy and neuropsychological outcome following carbon monoxide poisoning. Arch Clin Neuropsychol. 2002;17:195-204.,66 Chu K, Jung KH, Kim HJ, et al. Diffusion-weighted MRI and 99mTc-HMPAO SPECT in delayed relapsing type of carbon monoxide poisoning: evidence of delayed cytotoxic edema. Eur Neurol. 2004;51:98-103.,77 Chang KH, Han MH, Kim HS, et al. Delayed encephalopathy after acute carbon monoxide intoxication: MR imaging features and distribution of cerebral white matter lesions. Radiology. 1992;184:117-22. Em casos graves, a desmielinização pode se estender até a substância branca subcortical, o corpo caloso e as cápsulas interna e externa. Esses resultados têm uma boa correlação com o prognóstico.44 Porter SS, Hopkins RO, Weaver LK, et al. Corpus callosum atrophy and neuropsychological outcome following carbon monoxide poisoning. Arch Clin Neuropsychol. 2002;17:195-204.

Em nossos casos, a hipodensidade bilateral e simétrica do globo pálido estava presente nos TCs iniciais de ambos os casos. Nas primeiras RMs, o globo pálido estava isointenso no primeiro caso e, no segundo, curiosamente, a periferia do globo pálido estava hiperintensa em T1. No entanto, observamos o achado típico de intoxicação por CO em T2 e Flair em ambos os casos: globo pálido bilateral e simetricamente hiperintenso. Além disso, o ramo posterior da cápsula interna estava hiperintenso em T2 e Flair no segundo caso. Ao exame de RM, feito um mês depois para controle do segundo caso, observamos a substância branca difusa e hiperintensa em T2 e Flair, o que indica lesão da substância branca. A difusão restrita à substância branca, que reflete edema citotóxico, foi observada em imagens DW e mapas ADC ao mesmo tempo.

Nossos casos confirmam a especificidade regional da intoxicação por CO na substância branca e nos gânglios basais do cérebro. As lesões da substância branca progridem para desmielinização, o que pode ser um preditivo de resultados e sequelas neuropsicológicas. TC e RM precoces nem sempre se correlacionam com o resultado clínico. Outros casos de TC e RM com um maior número de pacientes são necessários para demonstrar o resultado clínico e o prognóstico.

References

  • 1
    Kim HJ, Chang KH, Song IC, et al. Delayed encephalopathy of acute carbon monoxide intoxication: diffusivity of cerebral white matter lesions. Am J Neuroradiol. 2003;24:1592-7.
  • 2
    Omaye ST. Metabolic modulation of carbon monoxide toxicity. Toxicology. 2002;180:139-50.
  • 3
    Thom SR, Fisher D, Manevich Y. Roles for platelet-activating factor and NO-derived oxidants causing neutrophil adherence after CO poisoning. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2001;281:H923-H30.
  • 4
    Porter SS, Hopkins RO, Weaver LK, et al. Corpus callosum atrophy and neuropsychological outcome following carbon monoxide poisoning. Arch Clin Neuropsychol. 2002;17:195-204.
  • 5
    O’Donnell P, Buxton PJ, Pitkin A, et al. The magnetic resonance imaging appearances of the brain in acute carbon monoxide poisoning. Clin Radiol. 2000;55:273-80.
  • 6
    Chu K, Jung KH, Kim HJ, et al. Diffusion-weighted MRI and 99mTc-HMPAO SPECT in delayed relapsing type of carbon monoxide poisoning: evidence of delayed cytotoxic edema. Eur Neurol. 2004;51:98-103.
  • 7
    Chang KH, Han MH, Kim HS, et al. Delayed encephalopathy after acute carbon monoxide intoxication: MR imaging features and distribution of cerebral white matter lesions. Radiology. 1992;184:117-22.
  • 8
    Lo CP, Chen SY, Lee KW, et al. Brain injury after acute carbon monoxide poisoning: early and late complications. AJR Am J Roentgenol. 2007;189:W205-W11.
  • 9
    Silver DA, Cross M, Fox B, et al. Computed tomography of the brain in acute carbon monoxide poisoning. Clin Radiol. 1996;51:480-3.
  • 10
    Gale SD, Hopkins RO, Weaver LK, et al. MRI, quantitative MRI, SPECT, and neuropsychological findings following carbon monoxide poisoning. Brain Inj. 1999;13:229-43.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2014
  • Aceito
    5 Maio 2014
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org