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O aquecimento no perioperatório com avental cirúrgico térmico impede a perda de temperatura materna durante a cesariana eletiva. Estudo clínico randômico

Resumo

Justificativa e objetivos:

A redução da temperatura corporal é comum durante a anestesia tanto geral quanto regional. O sistema de ar forçado aquecido no intraoperatório durante a cesariana sob anestesia peridural não parece conseguir impedi-la. A hipótese considera que o aquecimento ativo antes do período intraoperatório evita a perda de temperatura durante a cesariana.

Métodos:

Quarenta pacientes grávidas, saudáveis, submetidas à cesariana eletiva com anestesia espinal receberam aquecimento ativo de um avental térmico na unidade de cuidados pré-operatórios 30 minutos antes da anestesia e durante a cirurgia (Go, n = 20) ou nenhum aquecimento ativo a qualquer momento (Ct, n = 20). Após a indução da anestesia espinhal, o avental térmico foi colocado sobre o tórax e os membros superiores e mantido durante o estudo. Temperatura ambiente, saturação de hemoglobina, frequência cardíaca, pressão arterial e temperatura corporal timpânica foram registradas 30 minutos antes (fase basal) da anestesia espinhal, logo após a anestesia (tempo zero) e a cada 15 minutos subsequentemente.

Resultados:

Não houve diferença de temperatura na fase basal, mas as diferenças foram significativas ao longo do estudo (p < 0,0001; Ancova de medida repetida). A temperatura timpânica na fase basal foi de 36,6 ± 0,3 °C, mediu 36,5 ± 0,3 °C no tempo zero e atingiu 36,1 ± 0,2 °C no grupo avental, enquanto a temperatura basal do grupo controle foi de 36,4 ± 0,4 °C, mediu 36,3 ± 0,3 °C no tempo zero e atingiu 35,4 ± 0,4 °C (F = 32,53; IC de 95% 0,45-0,86, p < 0,001). A hemodinâmica não diferiu ao longo do estudo em ambos os grupos de pacientes.

Conclusão:

O aquecimento ativo 30 minutos antes da anestesia espinhal e durante a cirurgia evitou a queda da temperatura corporal em mulheres grávidas a termo durante a cesariana eletiva.

Palavras-chave
Temperatura corporal; Cuidados no perioperatório; Anestesia; Espinhal; Cesariana; Complicações no intraoperatório/prevenção e controle

Abstract

Background and objectives:

Decrease in body temperature is common during general and regional anesthesia. Forced-air warming intraoperative during cesarean section under spinal anesthesia seems not able to prevent it. The hypothesis considers that active warming before the intraoperative period avoids temperature loss during cesarean.

Methods:

Forty healthy pregnant patients undergoing elective cesarean section with spinal anesthesia received active warming from a thermal gown in the preoperative care unit 30 min before spinal anesthesia and during surgery (Go, n = 20), or no active warming at any time (Ct, n = 20). After induction of spinal anesthesia, the thermal gown was replaced over the chest and upper limbs and maintained throughout study. Room temperature, hemoglobin saturation, heart rate, arterial pressure, and tympanic body temperature were registered 30 min before (baseline) spinal anesthesia, right after it (time zero) and every 15 min thereafter.

Results:

There was no difference for temperature at baseline, but they were significant throughout the study (p < 0.0001; repeated measure ANCOVA). Tympanic temperature baseline was 36.6 ± 0.3 °C, measured 36.5 ± 0.3 °C at time zero and reached 36.1 ± 0.2 °C for gown group, while control group had baseline temperature of 36.4 ± 0.4 °C, measured 36.3 ± 0.3 °C at time zero and reached 35.4 ± 0.4 °C (F = 32.53; 95% CI 0.45-0.86; p < 0.001). Hemodynamics did not differ throughout the study for both groups of patients.

Conclusion:

Active warming 30 min before spinal anesthesia and during surgery prevented a fall in body temperature in full-term pregnant women during elective cesarean delivery.

Keywords
Body temperature; Perioperative care; Anesthesia; Spinal; Cesarean section; Intraoperative complications/prevention and control

Introdução

A redução da temperatura do corpo é uma ocorrência comum após a indução da anestesia, mesmo quando medidas de aquecimento ativo são estabelecidas no intraoperatório.11 Sessler DI. Temperature monitoring and perioperative thermoregulation. Anesthesiology. 2008;109:318-38.,22 Sessler DI, Sladen RN. Mild perioperative hypothermia. N Engl J Med. 1997;336:1730-7. Porém, quando tais medidas são estabelecidas imediatamente antes da anestesia, o início da hipotermia é mais lento e sua intensidade mais leve devido ao aumento da temperatura periférica e central, sem qualquer modificação das taxas metabólicas.33 Sessler DI, Schroeder M, Merrifield B, et al. Optimal duration and temperature of pre-warming. Anesthesiology. 1995;82:674-81.

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-66 Andrzejowski J, Hoyle J, Eapen G, et al. Effect of prewarming on post-induction core temperature and the incidence of inadvertent perioperative hypothermia in patients undergoing general anaesthesia. Br J Anaesth. 2008;101:627-31.

A diminuição da temperatura corpórea com a anestesia geral ou regional é causada por uma redistribuição do calor do centro para a periférica, como demonstrado por vários estudos anteriores.77 Sessler DI. Temperature monitoring and management during neuraxial anesthesia. Anesth Analg. 1999;88:243-5.

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11 Doufas AG. Consequences of inadvertent perioperative hypothermia. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2003;17:535-49.
-1212 Frank SM, Nguyen JM, Garcia CM, et al. Temperature monitoring practices during regional anesthesia. Anesth Analg. 1999;88:373-7. A hipotermia e suas complicações no período perioperatório foram amplamente estudadas em pacientes submetidos à cirurgia não obstétrica. Não há diretrizes para a população obstétrica, mas o National Institute of Clinical Excellence (Nice) fornece diretrizes para melhorar o manejo térmico no perioperatório que podem ser transferidas para a obstetrícia.1313 NICE Clinical Guideline 65. Inadvertent perioperative hypothermia. The management of inadvertent perioperative hypothermia in adults. National Institute for Health andClinical Excellence; 2008 http://www.nice.org.uk/nicemedia/live/11962/40432/40432.pdf [accessed 07.04.14].
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A incidência de tremores pode chegar a 60% nessas pacientes.1414 Buggy DJ, Crossley AW. Thermoregulation, mild perioperative hypothermia and post-anaesthetic shivering. Br J Anaesth. 2000;84:615-28.

15 Eberhart LHJ, Döderlein F, Eisenhardt G, et al. Independent risk factors for postoperative shivering. Anesth Analg. 2005;101:1849-57.
-1616 Reynolds L, Beckmann J, Kurz A. Perioperative complications of hypothermia. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2008;22:645-57. Estudos anteriores com base no uso da unidade de aquecimento de ar forçado no período intraoperatório durante o parto por cesariana obtiveram resultados conflitantes para hipotermia e tremores em pacientes que receberam anestesia peridural (redução) ou raquianestesia (sem alteração).1717 Horn EP, Schroeder F, Gottschalk A, et al. Active warming during cesarean delivery. Anesth Analg. 2002;94:409-14.,1818 Butwick AJ, Lipman SS, Carvalho B. Intraoperative forced air-warming during cesarean delivery under spinal anesthesia does not prevent maternal hypothermia. Anesth Analg. 2007;105:1413-9.

Vários métodos foram desenvolvidos para ajudar a manter a normotermia durante a cirurgia, incluindo o aquecimento dos pacientes antes da indução da anestesia. O sistema de ar forçado é, de longe, a abordagem de aquecimento mais usada no intraoperatório. Contudo, os cobertores com ar forçado aquecido, vestuário com circulação de água ou colchões de água não permitem facilmente a mudança de posição no leito, especialmente quando a paciente está em uma posição sentada.

Portanto, idealizamos um estudo para estabelecer a eficácia de um sistema de pré-aquecimento que mantém a peça de vestuário durante todo o período perioperatório, sem interrupção, iniciado 30 min antes da indução da raquianestesia para cesariana eletiva. O objetivo deste estudo foi testar a hipótese de que 30 min de aquecimento ativo antes da raquianestesia devem prevenir melhor a queda da temperatura corpórea em grávidas. O objetivo secundário foi avaliar a incidência de tremores, bem como o conforto térmico durante o procedimento.

Métodos

Este estudo foi registrado no clinicaltrials.gov (http://www.clinicaltrials.gov/ct2/home) (NCT02091466). Após obter a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Central, Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, SP, e os termos de consentimento informado assinados, 40 pacientes grávidas saudáveis, estado físico ASA I ou II, agendadas para cesariana sob raquianestesia foram incluídas neste estudo prospectivo e randomizado. O convite para participar ocorreu durante a admissão hospitalar, quando envelopes pardos com números gerados por computador e sequenciais foram abertos.

As participantes elegíveis eram grávidas entre 18 e 40 anos, gestação única e idade gestacional acima de 37 semanas, que foram agendadas para cesariana eletiva entre 18 de março e 17 de julho de 2010. As pacientes com febre (temperatura periférica > 37,8 °C) e/ou condições infecciosas, história familiar de potencial hipertermia maligna, índice de massa corporal (IMC) com valores abaixo de 18,5 kg m-2 ou acima de 36 kg m-2, distúrbios da tiroide, disautonomia, síndrome de Raynaud e aquelas em trabalho de parto foram excluídas.

As participantes permaneceram sentadas na unidade de terapia pré-operatória e foram alocadas em um dos dois grupos: grupo controle (n = 20) não recebeu aquecimento ativo no pré-operatório e recebeu isolamento térmico passivo com cobertores regulares durante a cirurgia; grupo avental (n = 20) recebeu aquecimento ativo por meio de avental térmico (Bair Paws Standard Warming Gown model 810, Bair Hugger®, unidade de aquecimento modelo 850, Arizant Healthcare Inc., Eden Prairie, MN, EUA) com fluxo de ar forçado a 40 °C. As pacientes com o avental permaneceram totalmente cobertas na unidade de terapia pré-operatória 30 min antes da indução da raquianestesia. Uma vez transferidas para a sala de operação, o sistema foi mudado para cobrir o peito e os membros superiores e mantido até o fim da cirurgia.

Todas as pacientes receberam a inserção de cateter venoso no antebraço e uma infusão de solução de lactato de Ringer a 37 °C foi iniciada. A raquianestesia foi administrada com bupivacaína hiperbárica (10 mg), fentanil (10 µg) e morfina (80 µg). A punção foi feita no nível L2-L3 ou L3-L4 da vértebra lombar e a cirurgia começou quando o bloqueio sensorial atingiu um nível entre as vértebras torácicas T4 e T6, conforme estabelecido pela perda de sensibilidade a picadas de agulha. A hidratação no intraoperatório foi mantida com 500 mL da solução de lactato de Ringer a 37 °C antes da extração fetal e 800 µg de metaraminol foram administrados por infusão lenta ou bolus IV de 400 µg foi administrado sempre que a pressão arterial ficasse 25% abaixo do valor basal. Após a extração do feto, mas antes do fim da cirurgia, 1.000 mL da solução aquecida de lactato de Ringer com 20 IU de ocitocina foram infundidos - um protocolo do serviço. Os obstetras não aplicaram qualquer líquido de irrigação ao campo cirúrgico após a ligadura uterina.

As variáveis demográficas incluíram idade, peso, altura e IMC. As pacientes foram monitoradas com saturação periférica da hemoglobina (SpO2), frequência cardíaca (FC), pressão arterial sistólica (PAS) não invasiva e pressão arterial diastólica (PAD). A temperatura timpânica foi medida com termômetro digital (Techline Model TS 201, São Paulo, SP, Brasil). A temperatura ambiente foi mantida em torno de 22 °C, de acordo com um termostato de parede (ABNT NBR 7256).

Todos os dados foram avaliados na fase basal, 30 min antes da indução da raquianestesia; T0 (imediatamente após a raquianestesia); e T15, T30, T45, T60 (15, 30, 45 e 60 min após o início da raquianestesia, respectivamente).

Além disso, os dados do pós-operatório foram avaliados durante a internação em sala de recuperação pós-anestesia (SRPA). Tremor foi avaliado com a escala de Wrench, segundo a qual: 0 = sem tremor; 1 = um ou mais sintomas de piloereção, vasoconstrição periférica e cianose periférica sem qualquer outra causa e sem atividade muscular visível; 2 = atividade muscular visível confinada a um grupo muscular; 3 = atividade muscular visível em mais de um grupo muscular; 4 = forte atividade muscular envolvendo todo o corpo.1919 Wrench IJ, Cavill G, Ward JE, et al. Comparison between alfentanil, pethidine and placebo in the treatment of post-anaesthetic shivering. Br J Anaesth. 1997;79:541-2. Desconforto térmico foi avaliado com a escala numérica verbal de Horn: 0 = pior frio imaginável, 100 = insuportavelmente quente.1717 Horn EP, Schroeder F, Gottschalk A, et al. Active warming during cesarean delivery. Anesth Analg. 2002;94:409-14. Os efeitos adversos durante o período pós-operatório imediato também foram registrados. Além disso, as pacientes receberam 12,5-25 mg de meperidina, sempre que os valores do tremor eram iguais ou superiores a três.

O tamanho da amostra foi calculado como 20 indivíduos em cada grupo para garantir que uma diferença de 0,5 °C em 60 min pudesse ser detectada em um nível de significância de 5% e poder estatístico de 90%, assumiu-se um desvio padrão da diferença de 0,5 °C e considerou-se que uma temperatura abaixo de 36,0 °C poderia ser classificada como hipotermia.1313 NICE Clinical Guideline 65. Inadvertent perioperative hypothermia. The management of inadvertent perioperative hypothermia in adults. National Institute for Health andClinical Excellence; 2008 http://www.nice.org.uk/nicemedia/live/11962/40432/40432.pdf [accessed 07.04.14].
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Os dados são apresentados como média e desvio padrão ou mediana e intervalo interquartil (25-75), de acordo com a distribuição testada (teste de Shapiro-Wilk). A análise de covariância para medidas repetidas (Ancova), ajustada para os valores basais, comparou as temperaturas timpânicas entre os grupos. A significância estatística foi estabelecida em p < 0,05 e a análise estatística foi feita com o programa SPSS versão 20 (Statistical Package for Social Sciences).

Resultados

Todas as pacientes completaram o estudo. Os dados antropométricos não apresentaram diferenças entre os grupos (tabela1). A demografia, os dados monitorados e as temperaturas obtiveram distribuição normal de acordo com o teste de Shapiro-Wilk. SpO2, FC, PAS e PAD não apresentaram diferenças significativas entre os grupos e não houve desvios superiores a 25% dos valores basais (dados não mostrados). A hidratação intravenosa seguiu um protocolo de 1.500 mL de solução de Ringer com lactato. O vasopressor foi usado a critério do anestesiologista. A temperatura timpânica basal não diferiu entre os grupos (p = 0,10; teste t de Student). Nenhuma paciente apresentou qualquer atraso do ponto basal até T0. A única interrupção no grupo de aquecimento ativo foi a aplicação da raquianestesia, que não durou mais do que 3 min, aproximadamente, para cada paciente.

Tabela 1
Características das pacientes

As temperaturas timpânicas do grupo controle, em comparação com o grupo avental, ajustadas para os valores basais, diminuíram significativamente ao longo do estudo (F = 32,53, IC 95% 0,45-0,86; p < 0,001; fig.1). No tempo zero, a diferença de temperatura já apresentava um valor menor no grupo controle (36,40 °C) em comparação com o grupo avental (36,55 °C) (0,19 ± 0,08 °C; IC 95% 0,30-0,37; p = 0,02). Essa tendência continuou até o fim da observação aos 60 min, quando as pacientes do grupo controle alcançaram uma temperatura de 35,44 °C, enquanto as pacientes do grupo avental térmico alcançaram uma temperatura média de 36,15 °C (0,66 ± 0,10 °C; IC 95% 0,45-0,87; p < 0,001).

Figura 1
Temperatura timpânica - da fase basal a 60 min (média ± DP). Barras de erro, DP.

A incidência de tremor medida com a escala de Wrench foi de 10% no grupo avental e de 40% no grupo controle durante a permanência na SRPA (p = 0,02; teste χ 2) (tabela2). A mediana do desconforto térmico de acordo com a escala numérica verbal de Horn foi de 50 para ambos os grupos (p = 0,27; Mann-Whitney).

Tabela 2
Incidência de tremores na SRPA de acordo com a escala de Wrench

Discussão

Este estudo demonstrou que o aquecimento ativo por meio de um avental térmico por 30 min antes da raquianestesia e o uso desse dispositivo como um cobertor durante a cesariana eletiva impediu uma diminuição significativa da temperatura durante o período perioperatório em mulheres grávidas a termo.

Com base em estudos já publicados sobre o melhor método de fornecer aquecimento ativo no perioperatório,2020 Taguchi A, Arkilic CF, Ahluwalia A, et al. Negative pressure rewarming vs. forced air warming in hypothermic postanesthetic volunteers. Anesth Analg. 2001;92:261-6.

21 Ng SF, Oo CS, Loh KH, et al. A comparative study of three warming interventions to determine the most effective technique for maintaining perioperative normothermia. Anesth Analg. 2003;96:171-6.

22 Sessler AI. Complications and treatment of mild hypothermia. Anesthesiology. 2001;95:531-43.
-2323 Yokoyama K, Suzuki M, Shimada Y, et al. Effect of the administration of pre-warmed intravenous fluids on the frequency of hypothermia following spinal anesthesia for cesarean delivery. J Clin Anesth. 2009;21:242-8. o uso de um avental térmico no pré-operatório, seguido do uso de um cobertor térmico no período intraoperatório das pacientes, foi a abordagem escolhida para o presente estudo. Vale observar que as grávidas agendadas para cesariana eletiva geralmente esperam em posição sentada na unidade de terapia pré-operatória, o que torna o uso de cobertores térmicos tradicionais muito improvável. O uso de um avental térmico possibilitaria esse uso.

Durante o período pré-operatório, a temperatura periférica reduziu de forma moderada, mas significativamente, no grupo controle. O uso de um dispositivo de aquecimento no pré-operatório por 30 min parece suficiente para evitar uma queda maior de temperatura após o início da anestesia. Esses achados estão de acordo com os de estudos anteriores.2424 Camus Y, Delva E, Sessler DI, et al. Pre-induction skin-surface warming minimizes intraoperative core hypothermia. J Clin Anesth. 1995;7:384-8.,2525 De Bernardis RCG, Silva MP, Gozzani JL, et al. Use of forced-air to prevent intraoperative hypothermia. Rev Assoc Med Bras. 2009;55:421-6. É interessante notar também que os estudos que aplicaram protocolos de pré-aquecimento observaram uma incidência menor de redução da temperatura durante a cirurgia.33 Sessler DI, Schroeder M, Merrifield B, et al. Optimal duration and temperature of pre-warming. Anesthesiology. 1995;82:674-81. Contudo, não está claro por quanto tempo o aquecimento pré-anestésico deve ser proporcionado para evitar uma queda da temperatura no intraoperatório e lidar ao mesmo tempo com a rotina do centro cirúrgico.2626 Shinn H, Lim H, Kwak Y, et al. Pre-anesthetic active warming reduces hypothermia without delaying anesthesia in cardiac surgery. Anesth Analg. 2004;98:123-34. Embora as temperaturas timpânicas tenham apresentado uma margem pequena de redução, o grupo controle apresentou uma redução consistente e progressiva da temperatura timpânica, que atingiu 35,4 °C, enquanto o aquecimento no perioperatório evitou que a temperatura atingisse níveis abaixo de 36,0 °C.

Esses resultados corroboram os de Horn et al.,1717 Horn EP, Schroeder F, Gottschalk A, et al. Active warming during cesarean delivery. Anesth Analg. 2002;94:409-14. que usaram aquecimento nos períodos pré- e intraoperatório de gestantes submetidas à cesariana eletiva, cobriram os membros superiores com uma manta térmica a 43 °C por 15 min antes do início da anestesia peridural e descobriram que apenas o grupo aquecido manteve uma temperatura normal. Além disso, é importante notar que as pacientes desse estudo receberam raquianestesia com morfina, uma associação que pode intensificar o efeito hipotérmico da raquianestesia com bupivacaína.2727 Ryan KF, Price JW, Warriner CB, et al. Persistent hypothermia after intrathecal morphine: case report and literature review. Can J Anaesth. 2012;59:384-8.,2828 Hui CK, Huang CH, Lin CJ, et al. A randomised double-blind controlled study evaluating the hypothermic effect of 150 microg morphine during spinal anaesthesia for Caesarean section. Anaesthesia. 2006;61:29-31.

Resultados anteriores sugerem que os métodos de aquecimento não afetam os parâmetros fisiológicos em grávidas. Butwick et al. aplicaram cobertores no intraoperatório e descobriram uma incidência de 27% de tremores entre as pacientes aquecidas, em comparação com uma incidência de 47% no grupo controle.1818 Butwick AJ, Lipman SS, Carvalho B. Intraoperative forced air-warming during cesarean delivery under spinal anesthesia does not prevent maternal hypothermia. Anesth Analg. 2007;105:1413-9. Além disso, em um estudo feito por Horn et al., cobertores foram aplicados por 15 min antes da indução da anestesia e houve uma prevalência de 13% de tremores no grupo tratado, em comparação com uma prevalência de 60% no grupo controle.1717 Horn EP, Schroeder F, Gottschalk A, et al. Active warming during cesarean delivery. Anesth Analg. 2002;94:409-14. No entanto, o estudo de Woolnough et al. mostrou que a infusão de soluções aquecidas não contribuiu para quaisquer diferenças significativas na prevalência de tremores entre os grupos.2929 Woolnough M, Allam J, Hemingway C, et al. Intra-operative fluid warming in elective caesarean section: a blind, randomised controlled trial. Int J Obstet Anesth. 2009;18:346-51. No presente estudo, houve uma clara diferença na incidência de tremores, que foi de 10% no grupo que usou o avental térmico e de 40% no grupo controle.

Portanto, a avaliação do desconforto térmico pode ser uma questão importante durante a anestesia regional. Na verdade, de acordo com os resultados de uma pesquisa recente, segundo a qual apenas uma minoria das unidades obstétricas do Reino Unido monitora a temperatura da paciente durante a permanência em sala de cirurgia (27%) ou usa aquecimento ativo (18%), os resultados do presente estudo podem apontar para a necessidade humana de se proporcionar o aquecimento ativo para a população obstétrica durante a cesariana.3030 Aluri S, Wrench IJ. Enhanced recovery from obstetric surgery: a UK survey of practice. Int J Obstet Anesth. 2013, http://dx.doi.org/10.1016/j.ijoa.2013.11.006.
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As limitações deste estudo incluem o fato de que o grupo controle não recebeu qualquer aquecimento ativo opcional, embora as pacientes tenham recebido isolamento passivo com o uso de manta, que é uma realidade em muitos serviços, embora, infelizmente, como única medida. Mostrou-se que há uma falta de evidência de alta qualidade para apoiar a precisão da termometria timpânica,3131 Hooper VD, Andrews JO. Accuracy of noninvasive core temperature measurement in acutely ill adults: the state of the science. Biol Res Nurs. 2006;8:24-34. mas esse método pode proporcionar uma forma aceitável e confortável para essa população saudável. Outra limitação é que o protocolo foi um estudo aberto randomizado e controlado, mas não cego. Finalmente, o vasoconstritor mediado por receptores adrenérgicos, como a fenilefrina, foi relatado como atenuante da hipotermia durante a raquianestesia e a quantidade total de metaraminol usada em ambos os grupos não foi relatada.3232 Ro Y, Huh J, Min S, et al. Phenylephrine attenuates intra-operative hypothermia during spinal anaesthesia. J Int Med Res. 2009;37:1701-8.

Conclusão

Os resultados do presente estudo demonstraram os efeitos benéficos do uso de um avental térmico a 40 °C por 30 min antes e durante 60 min de parto cesáreo para manter a temperatura corpórea da paciente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    27 Out 2014
  • Aceito
    30 Dez 2014
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