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Anestesia para bypass vascular em membro inferior com bloqueio de nervos periféricos

Resumo

A cirurgia para bypass vascular é um procedimento amplamente usado para o tratamento da insuficiência vascular periférica. A técnica anestésica para o intraoperatório e para analgesia pós-operatória mais apropriada para esses pacientes de alto risco ainda permanece controversa. Apresentaremos o caso de um paciente submetido a bypass femoropoplíteo distal no nosso serviço, que apresentava comorbidades relevantes para a escolha da técnica anestésica. Esse paciente apresentava fatores determinantes de via aérea difícil, principalmente cifoescoliose da coluna torácica, que o impedia de ser posicionado adequadamente para o manejo da via aérea, além de ser portador de patologia pulmonar crônica. Também fazia uso de antiplaquetários que contraindicavam o bloqueio de neuroeixo. Por isso, optou-se como técnica anestésica pelo bloqueio de nervos periféricos, especificamente o bloqueio dos nervos femoral e isquiático.

Palavras-chave
Bloqueio de nervo femoral; Bloqueio de nervo isquiático; Cirurgia vascular

Abstract

Vascular bypass is a surgical procedure widely used to treat peripheral vascular disease. The intraoperative anesthetic technique and the most appropriate postoperative analgesia for these high-risk patients remain controversial. We present the case of a patient undergoing femoropopliteal-distal bypass in our service, presenting with relevant comorbidities to the choice of anesthetic technique. This patient had several determining factors of difficult airway, especially thoracic kyphoscoliosis, which prevented him from being properly positioned for airway management, and chronic lung disease. This patient was also taken antiplatelet drugs, which is a contraindication for neuraxial block. So, we chose the anesthetic technique of peripheral nerve block, specifically the blockade of femoral and sciatic nerves.

Keywords
Femoral nerve block; Sciatic nerve block; Vascular surgery

Introdução

A doença arterial obstrutiva crônica dos membros inferiores constitui uma das principais formas de apresentação da ateroesclerose. Essa patologia, não somente pela sua elevada prevalência, acrescenta importante morbimortalidade para os seus portadores e muitos pacientes são submetidos a cirurgia de bypass vascular para o seu tratamento. A técnica anestésica para o intraoperatório e para analgesia pós-operatória mais apropriada para esses pacientes de alto risco submetidos a bypass femoropoplíteo ainda permanece controversa. Apresentaremos o caso de um paciente que apresentava comorbidades relevantes para a escolha da técnica anestésica que foi submetido no nosso serviço a bypass femoropoplíteo.

Relato de caso

IAB, 75 anos, masculino, branco, com quadro de insuficiência cardíaca congestiva (classe funcional II), cardiopatia isquêmica (infarto agudo do miocárdio há três anos com colocação de stent coronariano), fibrilação atrial crônica e ex-tabagista (parou de fumar há 13 anos). Apresenta importante escoliose e cifose toracolombar. Proposto bypass femoropoplíteo distal direito para doença vascular periférica aterosclerótica. Refere não apresentar sintomas cardíacos ou respiratórios para as atividades diárias, capacidade funcional de 4 METs, porém difícil de avaliar clinicamente. Classificado como ASA 3. Nega alergias. Em uso das seguintes medicações: ácido acetilsalicílico 200 mg.dia-1, clopidogrel 75 mg.dia-1, pentoxifilina 400 mg 2 × .dia-1, sinvastatina 40 mg.dia-1, furosemida 40 mg.dia-1, isossorbida 10 mg 3 × .dia-1, digoxina 0,25 mg.dia-1 e omeprazol 20 mg.dia-1.

Relato de procedimentos prévios: angioplastia com stent (2011) com sedação, angioplastia poplítea esquerda (2011) com sedação e amputação do antepé esquerdo (2011) com bloqueio regional; todos sem intercorrências. Jejum completo de oito horas. O paciente e sua família foram esclarecidos sobre o procedimento cirúrgico e anestésico e as possíveis complicações. Após aceitação do protocolo anestésico, foi assinado o termo de consentimento livre e esclarecido. Ao exame físico, peso 51kg, altura 1,70 m, pressão arterial 150/70 mmHg, frequência cardíaca 88 bpm; lúcido, orientado e colaborativo; ausculta cardíaca com ritmo irregular, bulhas normofonéticas, sem sopros; ausculta respiratória murmúrio vesicular uniforme, sem ruídos adventícios. Mallampati 4, mobilidade cervical restrita. Apresenta importante escoliose e cifose da coluna torácica, o que o impossibilita o decúbito dorsal. Refere ser possível dormir somente em decúbito lateral. Exames pré-operatórios: hemoglobina 14 g.dL-1, hematócrito 41%, plaquetas 224.000 mmL, creatinina 1,5 mg.dL-1, ureia 53 mg.dL-1, potássio 4,3 mEq.L-1, sódio 141 mEq.L-1, INR 1, TTPA 38 segundos; ECG com frequência ventricular de 100 batimentos.min-1, fibrilação atrial e zona inativa inferoposterior; RX de tórax com aumento do volume cardíaco e imagem nodular em base do pulmão direito (fig. 1).

Figura 1
Raio X de tórax feito no pré-operatório.

Na sala cirúrgica, o paciente foi posicionado em decúbito dorsal com dorso e região cervical apoiados em coxins, de modo que a cabeça permanecesse apoiada (fig. 2). Monitoração com cardioscopia, oximetria de pulso e pressão arterial não invasiva. Puncionado acesso vascular periférico abocath 18. Colocados óculos nasal e oferta de O2 3L.min-1. Material para via aérea difícil preparado em sala. Administrado cefazolina 1 g EV. A sedação inicialmente foi feita em bolus com midazolam 1 mg e fentanil 75 mcg. Feito bloqueio femoral e isquiático, abordagem infraglútea (técnica de Raj) com auxílio de neuroestimulador e agulha A100 mm. Administrada ropivacaína 0,75% (dose total 300 mg) + lidocaína 1% sem vasoconstritor (dose total 50 mg). No transoperatório permaneceu com infusão contínua de propofol, clonidina e cetamina, manteve um nível de sedação consciente. Durante o procedimento, foi administrada heparina 5.000 unidades antes do clampeamento da artéria femoral e revertido mo fim com protamina 2.500 unidades. Após três horas e 30 minutos, o procedimento proposto é encerrado sem intercorrências. Na visita pós-operatória no dia seguinte, o paciente se apresentava com mínima dor no membro inferior direito (3/10 na escala numérica) e sem bloqueio motor. Recebia analgesia com analgésicos não opioides VO e anti-inflamatórios EV.

Figura 2
Posicionamento do paciente na sala cirúrgica.

Discussão

A obstrução arterial crônica é uma doença na imensa maioria dos casos decorrente da aterosclerose. Em geral, os pacientes são assintomáticos, pois ocorre circulação colateral compensatória; porém, quando múltiplos vasos são acometidos, o sintoma principal aparece: claudicação intermitente (dor muscular ou fadiga nos membros inferiores desencadeada pelo esforço e aliviada com o repouso). Deve-se salientar que a doença vascular periférica é um fator de risco fortemente associado a morte precoce. O tratamento não cirúrgico inclui controle dos fatores de risco, exercícios físicos e terapia famacológica. As opções de tratamento cirúrgico incluem técnicas endovasculares percutâneas e reconstrução cirúrgica. As indicações de cirurgia de revascularização ou bypass para oclusões abaixo do ligamento inguinal incluem claudicação intermitente, dor isquêmica ao repouso ou ulceração/grangrena.11 Helayel PE, Conceição DB, Feix C, et al. Bloqueio isquiaticofemoral guiado por ultrassom para revisão de coto de amputação. Relato de caso. Rev Brasil Anestesiol. 2008;58:480-4. Usualmente, o enxerto autólogo usado é a veia safena e as taxas de patência com essa abordagem são de de 59% em cinco anos e 38% em 10 anos.22 Miller RD, Eriksson LI, Fleisher L, Wiener-Kronish JP, Young WL. Miller's Anesthesia. 7th ed. Churchill Liverstone: Londres; 2013.,33 Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB, et al. Tratado de anestesiologia. 7th ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2011.

Na avaliação pré-operatória é relevante obter os fármacos usados de rotina pelos pacientes. Os antiagregantes plaquetários e/ou anticoagulantes são muito frequentemente prescritos e a orientação para suspensão/manutenção deve ser avaliada individualmente e em conjunto com a equipe cirúrgica. Para pacientes que usam betabloqueadores e AAS cronicamente é importante a sua manutenção.33 Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB, et al. Tratado de anestesiologia. 7th ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2011.

A técnica anestésica para o intraoperatório e para analgesia pós-operatória mais apropriada para esdes pacientes de alto risco com doença vascular periférica crônica submetidos a bypass femoropoplíteo ainda permanece controversa. Diversas técnicas têm sido usadas com sucesso para a reconstrução vascular dos membros inferiores, tais como anestesia geral (balanceada ou venosa total), regional (ex. espinhal ou peridural) ou combinadas. Os bloqueios de nervos periféricos são uma opção à anestesia geral e aos bloqueios regionais de neuroeixo em algumas situações clínicas pouco frequentes.22 Miller RD, Eriksson LI, Fleisher L, Wiener-Kronish JP, Young WL. Miller's Anesthesia. 7th ed. Churchill Liverstone: Londres; 2013.,44 Yazigi A, Madi-Gebara S, Haddad F, et al. Combined sciatic and femoral nerve blocks for infrainguinal arterial bypass surgery: a case series. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2005;19:220-1.

A anestesia geral oferece como vantagem o controle fácil da hemodinâmica durante a cirurgia e a ausência de desconforto ao paciente em procedimentos longos; porém, não inibe a hipercoagulabilidade pós-operatória. Já o bloqueio regional é eficaz no bloqueio da resposta ao estresse cirúrgico e para analgesia pós-operatória; entretanto, é uma técnica difícil muitas vezes em pacientes obesos, não colaborativos, com cifoescoliose ou instrumentação da coluna prévia, além de sua duração limitada para procedimentos prolongados, como na raquianestesia. Um outro ponto a ser considerado é o uso comum de antiagregantes plaquetários, anticoagulantes e trombolíticos nessa população e que contraindica técnicas que abordam o neuroeixo.22 Miller RD, Eriksson LI, Fleisher L, Wiener-Kronish JP, Young WL. Miller's Anesthesia. 7th ed. Churchill Liverstone: Londres; 2013.,55 Noorani R, Rock P. Regional versus general anesthesia for vascular surgery patients. Am Soc Anestesiol. 2009.

Nesse contexto, muitos autores tem considerado o uso de técnicas de bloqueio de nervos periféricos, principalmente quando há contraindicação relativa ao bloqueio regional devido ao uso de fármacos que alteram a coagulação. A analgesia pós-operatória proporcionada pelas técnicas de bloqueio de nervos periféricos pode se estender por até 24 horas. Como não é necessária a instrumentação da via aérea ou o uso de agentes inalatórios ou bloqueadores neuromusculares, é uma boa opção para pacientes com doença pulmonar significativa. O uso dessa técnica, no entanto, deve ser feito com cautela em pacientes anticoagulados, principalmente quando o nervo a ser bloqueado está profundo ou próximo de estruturas vasculares importantes. Também deve-se estar atento à toxicidade sistêmica relacionada a altas doses dos anestésicos locais, usualmente necessárias para o bloqueio de membros inferiores.22 Miller RD, Eriksson LI, Fleisher L, Wiener-Kronish JP, Young WL. Miller's Anesthesia. 7th ed. Churchill Liverstone: Londres; 2013. As contraindicações às técnicas de bloqueios periféricos dos membros inferiores são recusa do paciente, coagulopatia, infecção no local de punção e sistêmica, hipersensibilidade aos anestésicos locais e lesão neurológica prévia. Os efeitos adversos possíveis são: lesão neurológica por injeção intraneural, intoxicação pelos anestésicos locais, infecção local e/ou sistêmica e hematoma no local de punção.66 Hamaji A, Cunha Junior W, Hamaji MWM. Bloqueio do nervo isquiático. In: Luiz Marciano Cangiani, Eduardo Ren Nakashima, et al., editors. Atlas de técnicas de bloqueios regionais. 3rd ed. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA; 2013. p. 369-82.,77 Ruzi RA. Bloqueio do nervo femoral. In: Luiz Marciano Cangiani, Eduardo Ren Nakashima, et al., editors. Atlas de técnicas de bloqueios regionais. 3rd ed. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA; 2013. p. 391-6.

Em suma, deve-se optar pela ténica anestésica mais específica para cada paciente e mais familiar para cada instituição.22 Miller RD, Eriksson LI, Fleisher L, Wiener-Kronish JP, Young WL. Miller's Anesthesia. 7th ed. Churchill Liverstone: Londres; 2013. E independentemente da técnica usada, o aprimoramento global do cuidado perioperatório deve ser enfatizado, pois se trata do fator isolado mais importante relacionado à melhoria dos desfechos pós-operatórios.33 Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB, et al. Tratado de anestesiologia. 7th ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2011.

A monitoração intraoperatória, além da eletrocardioscopia contínua com análise do segmento ST, deve incluir na maioria dos casos a pressão intra-arterial, com o objetivo de aprimorar o fluxo sanguíneo para o membro operado e facilitar a coleta de amostras sanguíneas. A sondagem vesical de demora é rotina devido ao tempo cirúrgico e para avaliação do volume intravascular. O acesso venoso central deve ser considerado em pacientes com insuficiência renal ou cardíaca significativas ou naqueles com acesso venoso periférico inadequado.22 Miller RD, Eriksson LI, Fleisher L, Wiener-Kronish JP, Young WL. Miller's Anesthesia. 7th ed. Churchill Liverstone: Londres; 2013.,33 Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB, et al. Tratado de anestesiologia. 7th ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2011.

A morbimortalidade nesse tipo de cirurgia é principalmente de origem cardíaca, surge frequentemente no período pós-operatório. A incidência de eventos cardíacos perioperatórios é 10 vezes maior em pacientes submetidos a cirurgia vascular do que em pacientes cirúrgicos não vasculares. Os estudos publicados que comparam anestesia geral × regional para bypass de membros inferiores não demonstraram diferenças significativas em relação a mortalidade, IAM, isquemia miocárdica ou insuficiência cardíaca congestiva. Apenas algumas alterações em desfechos cardiológicos secundários ou combinados foram encontradas em alguns estudos.22 Miller RD, Eriksson LI, Fleisher L, Wiener-Kronish JP, Young WL. Miller's Anesthesia. 7th ed. Churchill Liverstone: Londres; 2013.,33 Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB, et al. Tratado de anestesiologia. 7th ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2011.

Um achado clínico secundário, porém significativo, desses estudos é o efeito benéfico da anestesia regional na patência do enxerto dos membros inferiores no período pós-operatório. A anestesia regional esteve associada a uma redução de 5 × na taxa de obstrução do enxerto vascular. A maioria das oclusões de enxerto ocorre entre o primeiro e o terceiro dia após a cirurgia e essa diferença de desfecho entre as diferentes ténicas anestésicas se manteve por mais tempo (seis semanas ou mais). Uma possível explicação para esse achado é o fato de a anestesia geral estar associada a um estado de hipercoagulabilidade no pós-operatório (aumento dos níveis de fibrinogênio e reatividade plaquetária associados ao estresse cirúrgico), o qual é atenuado pela anestesia regional. Um outro mecanismo para o aumento da patência do enxerto de membros inferiores com anestesia regional pode ser o aumento do fluxo sanguíneo para a extremidade associada com a simpatectomia.22 Miller RD, Eriksson LI, Fleisher L, Wiener-Kronish JP, Young WL. Miller's Anesthesia. 7th ed. Churchill Liverstone: Londres; 2013.,33 Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB, et al. Tratado de anestesiologia. 7th ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2011.

A analgesia e a ansiedade no período pós-operatório são um ponto importante a ser considerado, pois a resposta ao estresse cirúrgico e o risco de isquemia miocárdica são máximos nesse momento. Tanto as técnicas epidurais com anestésicos locais e opioides administrados por infusão contínua ou por analgesia controlada pelo paciente como as intravenosas administradas por analgesia controlada pelo paciente classicamente estão correlacionadas com bom controle da dor.

O volume intravascular deve ser aprimorado, com controle cuidadoso da frequência cardíaca e da pressão arterial. Atentar para o momento em que a simpatectomia resolve com a contração do espaço intravascular e o risco de insuficiência cardíaca congestiva. A anemia deve ser evitada, com manutenção da hemoglobina acima de 9 g.dL-1. Os pulsos periféricos devem ser checados com frequência para verificar a patência do enxerto.33 Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB, et al. Tratado de anestesiologia. 7th ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2011.

Bloqueio do nervo isquiático via posterior (técnica de Raj)

O bloqueio do nervo isquiático é fácil e rápido de ser feito quando se usam neuroestimulador e/ou técnicas ecográficas. Além de suas complicações serem pouco frequentes, é uma boa técnica para anestesia e analgesia do membro inferior. Pode ser combinado com outros bloqueios, como o do nervo femoral ou safeno para praticamente qualquer procedimento cirúrgico abaixo do joelho que não requeira torniquete (femorocutâneo, obturador, femoral, 3-1 ou safeno). Associado ao bloqueio do nervo femoral, proporciona analgesia de joelho, perna e pé. Associado ao bloqueio do plexo lombar via posterior proporciona analgesia do fêmur, da coxa, do joelho, da perna e do pé.66 Hamaji A, Cunha Junior W, Hamaji MWM. Bloqueio do nervo isquiático. In: Luiz Marciano Cangiani, Eduardo Ren Nakashima, et al., editors. Atlas de técnicas de bloqueios regionais. 3rd ed. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA; 2013. p. 369-82.

O nervo isquiático forma-se da união do troncolombossacro L4-L5 e os ramos anteriores das raízes de S1-S3.66 Hamaji A, Cunha Junior W, Hamaji MWM. Bloqueio do nervo isquiático. In: Luiz Marciano Cangiani, Eduardo Ren Nakashima, et al., editors. Atlas de técnicas de bloqueios regionais. 3rd ed. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA; 2013. p. 369-82.,88 Jegier MA, Leone FJ, et al. Manual de Anestesiologia: Conceitos e Aplicações para a Prática Diária. 3rd ed. Porto Alegre: Artmed; 2007. Esse é o maior dos quatro principais nervos periféricos para os membros inferiores. Emerge da pelve pelo forame sacroisquiático, passa abaixo do músculo piriforme em um plano profundo na região glútea. Após, desce pela linha média da parte posterior da coxa, divide-se na fossa poplítea em nervo tibial e nervo fibular (ou peroneiro) comum. O nervo isquiático, por meio de seus ramos colaterais, proporciona inervação sensitiva e motora aos músculos de toda a face posterior de coxa, perna e pé, exceto a parte anterointerna da perna, cuja inervação é feita pelo nervo safeno, ramo terminal sensitivo do nervo femoral. O nervo tibial posterior origina o nervo safeno externo ou sural, que é responsável pela inervação sensitiva e motora de toda a parte posterior da perna e plantar do pé (flexão plantar). O nervo fibular comum é responsável pela inervação sensitiva e motora de toda a face dorsal do pé (flexão dorsal).33 Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB, et al. Tratado de anestesiologia. 7th ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2011.,66 Hamaji A, Cunha Junior W, Hamaji MWM. Bloqueio do nervo isquiático. In: Luiz Marciano Cangiani, Eduardo Ren Nakashima, et al., editors. Atlas de técnicas de bloqueios regionais. 3rd ed. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA; 2013. p. 369-82.

Para o bloqueio isquiático foram relatadas várias abordagens. Devido ao seu grande comprimento, pode ser bloqueado praticamente em qualquer ponto. No nosso paciente optamos pela técnica de Raj (abordagem posterior). Nela, o paciente deve ser posicionado em litotomia, sustentada por um ajudante. Os pontos de referência são o grande trocânter e a tuberosidade isquiática (ísquio), nos quais deve ser traçada uma linha. A agulha (22G de 9 cm) com o neuroestimulador é inserida perpendicularmente à pele na metade dessa linha. Essa deve ser avançada lentamente, com uma corrente inicial de 2 mA.

A resposta motora esperada através do nervo tibial é a flexão plantar do pé e dos pododáctilos; e a resposta através do nervo fibular comum é a dorsoflexão ou eversão do pé e a a extensão dos pododáctilos. Os anestésicos locais descritos são: bupivacaína 0,375% com ou sem vasoconstritor, lidocaína 1,5% com ou sem vasoconstritor, ropivacaína 0,5-0,75% com volumes de aproximadamente 20-30 ml. O anestésico local deve ser injetado com uma resposta muscular evocada menor de 0,5 mA. Deve ser observado que essa técnica não bloqueia o nervo cutâneo posterior da coxa e há necessidade de um auxiliar para o posicionamento adequado do paciente.33 Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB, et al. Tratado de anestesiologia. 7th ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2011.,66 Hamaji A, Cunha Junior W, Hamaji MWM. Bloqueio do nervo isquiático. In: Luiz Marciano Cangiani, Eduardo Ren Nakashima, et al., editors. Atlas de técnicas de bloqueios regionais. 3rd ed. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA; 2013. p. 369-82.,88 Jegier MA, Leone FJ, et al. Manual de Anestesiologia: Conceitos e Aplicações para a Prática Diária. 3rd ed. Porto Alegre: Artmed; 2007.,99 Enneking FK, Chan V, Greger J, et al. Lower-extremity peripheral nerve blockade: essentials of our current understanding. Reg Anesth Pain Med. 2005;30:4-35.

Bloqueio do nervo femoral

O nervo femoral ou crural também é um procedimento rápido e fácil de ser executado, pode ser associado com outros bloqueios regionais (femorocutâneo, obturador, 3-1). A técnica pode ser aplicada com ou sem ajuda de estimulador de nervos (duplamente guiado). Classicamente esse bloqueio é usado para anestesia e analgesia pós-operatória para as cirurgias de joelho (artroplastia, reconstrução ligamentar do cruzado anterior e posterior, fratura do platô tibial, fratura de patela), do quadril (artroplastia, fratura do colo do fêmur) e da coxa (fratura transtrocanteriana, diáfise do fêmur, côndilo femoral). Esse bloqueio também é útil para facilitar o posicionamento e o transporte do paciente com fratura de fêmur, na reabilitação fisioterápica precoce, assim como para a mobilização precoce dos pacientes.77 Ruzi RA. Bloqueio do nervo femoral. In: Luiz Marciano Cangiani, Eduardo Ren Nakashima, et al., editors. Atlas de técnicas de bloqueios regionais. 3rd ed. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA; 2013. p. 391-6.,88 Jegier MA, Leone FJ, et al. Manual de Anestesiologia: Conceitos e Aplicações para a Prática Diária. 3rd ed. Porto Alegre: Artmed; 2007.

O nervo femoral é formado pelas raízes de L2-L4, penetra na coxa posteriormente ao ligamento inguinal e passa lateralmente aos vasos femorais. Localiza-se em uma posição ligeiramente mais profunda (0,5 a 1,0 cm) e lateral (cerca de 1,5 cm) em relação à artéria femoral. Existem duas fáscias: a fáscia lata, que passa por cima do nervo e por cima dos vasos; e a fáscia ilíaca, que passa por cima do nervo, mas por baixo dos vasos femorais. Esse fornece inervação motora para a loja muscular anterior da coxa e dá origem ao nervo safeno interno, que é um ramo sensitivo para face anterointerna do joelho e da perna.33 Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB, et al. Tratado de anestesiologia. 7th ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2011.,77 Ruzi RA. Bloqueio do nervo femoral. In: Luiz Marciano Cangiani, Eduardo Ren Nakashima, et al., editors. Atlas de técnicas de bloqueios regionais. 3rd ed. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA; 2013. p. 391-6.,88 Jegier MA, Leone FJ, et al. Manual de Anestesiologia: Conceitos e Aplicações para a Prática Diária. 3rd ed. Porto Alegre: Artmed; 2007.

O bloqueio do nervo femoral proporciona analgesia na pele da face anterior da coxa, da maior parte da articulação do quadril, do periósteo do fêmur, da articulação do joelho, do músculo quadríceps e da pele da face medial da perna e do pé (ramo sensitivo safeno). Em percentual variável dos pacientes, esse bloqueio também se estende para os nervos cutâneo lateral da coxa (analgesia da pele na face lateral da coxa) e obturatório (face medial da coxa e músculos adutores da coxa) e contribui, assim, para a analgesia das articulações do quadril e do joelho.77 Ruzi RA. Bloqueio do nervo femoral. In: Luiz Marciano Cangiani, Eduardo Ren Nakashima, et al., editors. Atlas de técnicas de bloqueios regionais. 3rd ed. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA; 2013. p. 391-6.

8 Jegier MA, Leone FJ, et al. Manual de Anestesiologia: Conceitos e Aplicações para a Prática Diária. 3rd ed. Porto Alegre: Artmed; 2007.
-99 Enneking FK, Chan V, Greger J, et al. Lower-extremity peripheral nerve blockade: essentials of our current understanding. Reg Anesth Pain Med. 2005;30:4-35.

O paciente deve ser posicionado em decúbito dorsal e o membro inferior a ser bloqueado deve estar ligeiramente rotado externamente. Os pontos de referência são a espinha ilíaca anterossuperior, a borda lateral do púbis e o ligamento inguinal. Deve-se palpar a pulsação da artéria femoral, proteger essa com dois dedos; 2 cm abaixo do ligamento inguinal e um 1 cm lateral à pulsação da artéria femoral é o ponto de injeção intradérmica. Introduzir a agulha de neuroestimulação (22G, 4 cm) lentamente e em direção cranial. Procura-se como resposta motora o movimento brusco ascendente da rótula e a contração do quadríceps com 0,3-0,5 mA. O volume de anestésico local usado é de 20-30 mL, após aspiração negativa.33 Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB, et al. Tratado de anestesiologia. 7th ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2011.,77 Ruzi RA. Bloqueio do nervo femoral. In: Luiz Marciano Cangiani, Eduardo Ren Nakashima, et al., editors. Atlas de técnicas de bloqueios regionais. 3rd ed. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA; 2013. p. 391-6.,88 Jegier MA, Leone FJ, et al. Manual de Anestesiologia: Conceitos e Aplicações para a Prática Diária. 3rd ed. Porto Alegre: Artmed; 2007.

A presença de enxerto vascular femoral é uma contraindicação relativa a essa ténica. Além disso, podem ocorrer variações anatômicas importantes, como o nervo femoral distante da artéria femoral ou o nervo femoral fino e largo, os quais podem dificultar o bloqueio.77 Ruzi RA. Bloqueio do nervo femoral. In: Luiz Marciano Cangiani, Eduardo Ren Nakashima, et al., editors. Atlas de técnicas de bloqueios regionais. 3rd ed. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA; 2013. p. 391-6.

Conclusões

Várias são as técnicas anestésicas possíveis para pacientes que serão submetidos a bypass femoropoplíteo. Neste caso, o quadro clínico do paciente, associado com a presença de várias comorbidades, via aérea difícil, patologia pulmonar importante, deformidade na coluna, além de uma contraindicação formal ao bloqueio de neuroeixo, nos fez optar pela anestesia regional. Desse modo, após tomar todas as precauções e opções para abordar uma via aérea difícil caso fosse necessário, optamos como técnica anestésica pelo bloqueio de nervos periféricos, neste caso o bloqueio do nervo femoral e isquiático. A cirurgia transcorreu de forma segura, sem intercorrências e sem desconforto para o paciente, além de ter proporcionado uma analgesia pós-operatória de qualidade e satisfatória para o paciente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2014
  • Aceito
    21 Jul 2014
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