Acessibilidade / Reportar erro

Tradução e adaptação transcultural da Pain Quality Assessment Scale (PQAS) para a versão brasileira Instituto Maranhense de Oncologia Aldenora Bello.

Resumos

INTRODUÇÃO:

a maioria dos pacientes com câncer são tratados com quimioterápicos e a neuropatia periférica é um problema clínico sério e comum que afeta os pacientes em tratamento oncológico. Entretanto, tais sintomas são subjetivos sendo subdiagnosticado pelos profissionais de saúde. Assim, torna-se necessário o desenvolvimento de instrumentos de autorrelato para superar essa limitação e melhorar a percepção do paciente sobre o seu tratamento ou condição clínica.

OBJETIVO:

traduzir e adaptar transculturalmente a versão brasileira do Pain Quality Assessment Scale (PQAS), constituindo em um instrumento útil de avaliação da qualidade da dor neuropática em pacientes com câncer.

MÉTODO:

o procedimento seguiu as etapas de tradução, retrotradução, análise das versões português e inglês por um comitê de juízes e pré-teste. O pré-teste foi realizado em 30 pacientes com câncer em tratamento quimioterápico seguindo normas internacionalmente recomendadas, sendo as versões finais comparadas e avaliadas por comitê de pesquisadores brasileiros e da MAPI Research Trust, originadores da escala.

RESULTADOS:

as versões um e dois apresentaram 100% de equivalência semântica com a versão original. Na retrotradução houve diferenças na tradução linguística com a versão original. Após a avaliação do Comitê de Juízes, foi encontrada uma falha na equivalência empírica e na equivalência idiomática. No pré-teste, duas pessoas não entenderam o item 12 da escala, sem interferir na elaboração final da mesma.

CONCLUSÃO:

o instrumento agora traduzido e adaptado transculturalmente é apresentado nessa publicação e, atualmente, encontra-se em processo de validação clínica no Brasil.

Neuropatia; Quimioterapia; Instrumentos de auto-relato; Tradução; Adaptação transcultural


INTRODUCTION:

Most cancer patients are treated with chemotherapy, and peripheral neuropathy is a serious and common clinical problem affecting patients undergoing cancer treatment. However, the symptoms are subjective and underdiagnosed by health professionals. Thus, it becomes necessary to develop self-report instruments to overcome this limitation and improve the patient's perception about his medical condition or treatment.

OBJECTIVE:

Translate and culturally adapt the Brazilian version of the Pain Quality Assessment Scale, constituting a useful tool for assessing the quality of neuropathic pain in cancer patients.

METHOD:

The procedure followed the steps of translation, back translation, analysis of Portuguese and English versions by a committee of judges, and pretest. Pretest was conducted with 30 cancer patients undergoing chemotherapy following internationally recommended standards, and the final versions were compared and evaluated by a committee of researchers from Brazil and MAPI Research Trust, the scale's creators.

RESULTS:

Versions one and two showed 100% semantic equivalence with the original version. Back-translation showed difference between the linguistic translation and the original version. After evaluation by the committee of judges, a flaw was found in the empirical equivalence and idiomatic equivalence. In pretest, two people did not understand the item 12 of the scale, without interfering in the final elaboration.

CONCLUSION:

The translated and culturally adapted instrument is now presented in this publication, and currently it is in the process of clinical validation in Brazil.

Neuropathy; Chemotherapy; Self-report instruments; Translation; Cross-cultural adaptation


Introdução

As experiências dolorosas não são iguais. As pessoas utilizam a palavra "dor" para descrever uma grande variedade de sensações e experiências decorrentes de diversas etiologias. Embora a intensidade ou a magnitude da dor seja a característica mais avaliada na experiência clínica e em pesquisas científicas, atualmente já temos conhecimento que as pessoas podem apresentar a mesma intensidade da dor, mas com qualidades diferentes.11. Jensen MP, Galer BS, Gammaitomi AR, et al. The Pain Quality Assessment Scale (PQAS) and Revised Pain Quality Assessment Scale (PQAS-R): Manual and User Guide; 2010. Mapi Research Trust website (http://www.mapi-trust.org).
http://www.mapi-trust.org...

A maioria dos pacientes com câncer são tratados com quimioterápicos. A supressão medular e a toxicidade renal e neurológica são os efeitos adversos mais frequentemente observados após a utilização dos agentes quimioterápicos no tratamento de doenças oncológicas, constituindo os principais motivos para a suspensão do tratamento antineoplásico ou para a mudança do regime de tratamento. A neurotoxicidade, que envolve tanto o sistema nervoso periférico quanto o central, tende a ocorrer no início e a persistir mesmo com a diminuição ou a suspensão do tratamento quimioterápico.22. Quasthoff S, Hartung HP. Chemotherapy-induced peripheral neuropathy. J Neurol. 2002;249:9-17 [review]., 33. Stillman M, Cata JP. Management of chemotherapy-induced peripheral neuropathy. Curr Pain Headache Rep. 2006;10: 279-87., 44. Cavaletti G, Marmiroli P. Chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity. Nat Rev Neurol. 2010;6:657-66., 55. Windebank AJ, Grisold W. Chemotherapy-induced neuropathy. J Peripher Nerv Syst. 2008;13:27-46 [review].,66. Smith EM, Cohen JA, Pett MA, et al. The validity of neurop-athy and neuropathic pain measures in patients with cancer receiving taxanes and platinums. Oncol Nurs Forum. 2011;38: 133-42.and77. Naleschinski D, Baron R, Miaskowski C. Identification and treat-ment of neuropathic pain in patients with cancer. Pain Clin Updates. 2012;XX.

Atualmente, aumentou o interesse na percepção subjetiva dos pacientes sobre a intensidade e os efeitos da Neuropatia Periférica Induzida por Quimioterápico (NPIQ) e vários instrumentos de auto-relato estão sendo desenvolvidos para avaliar a percepção do paciente sobre o seu tratamento ou condição clínica.44. Cavaletti G, Marmiroli P. Chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity. Nat Rev Neurol. 2010;6:657-66., 66. Smith EM, Cohen JA, Pett MA, et al. The validity of neurop-athy and neuropathic pain measures in patients with cancer receiving taxanes and platinums. Oncol Nurs Forum. 2011;38: 133-42., 77. Naleschinski D, Baron R, Miaskowski C. Identification and treat-ment of neuropathic pain in patients with cancer. Pain Clin Updates. 2012;XX., 88. Cavaletti G, Frigeni B, Lanzani F, et al. Chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity assessment: a critical revision of the currently available tools. Eur J Cancer. 2010;46: 479-94., 99. Ferreira KA, Teixeira MJ, Mendonza TR, et al. Validation of brief pain inventory to Brazilian patients with pain. Support Care Cancer. 2011;19:505-11.,1010. Sasane M, Tencer T, French A, et al. Patient-reported outcomes in chemotherapy-induced peripheral neuropathy: a review. J Support Oncol. 2010;8:E15-21.and1111. Ferreira KASL, William NW Jr, Mendonza TRK, et al. Traduc¸ão para a Língua Portuguesa do M.D. Anderson Symptom Inven-tory - head and neck module (MDASI-H&N). Rev Bras Cir Cabec¸a Pescoc¸o. 2008;37:109-13.

Dentre os instrumentos de auto-relato utilizados na prática clínica existe a Pain Quality Assessment Scale (PQAS) ( Fig. 1) ou Escala de Avaliação da Qualidade da Dor (EAQD) (anexo). A EAQD não é específica para NPIQ, mas deriva de uma escala denominada Neurophatic Pain Scale (NPS) ou Escala de Dor Neuropática (EDN). A EDN foi desenvolvida para quantificar uma breve medida da dor neuropática, sendo o primeiro instrumento desenhado especificamente para tal fim. 1212. Galer BS, Jensen MP. Development and preliminary validation of a pain measure specific to neuropathic pain: the neuropathic pain scale. Neurology. 1997;48:332-8. A escala inclui dois itens que avaliam as dimensões globais de intensidade e de dor intolerável, além de oito itens onde são descritas qualidades específicas da dor neuropática como: "facada", "queimação", "mal localizada", "congelando", "sensível como carne viva", em "coceira", "superficial" e "profunda".1212. Galer BS, Jensen MP. Development and preliminary validation of a pain measure specific to neuropathic pain: the neuropathic pain scale. Neurology. 1997;48:332-8. Posteriormente, foi observada a necessidade de adicionar 10 descritores relacionados à qualidade da dor ("sensível como uma ferida", "dormência", "choques", "formigamento", "irradiando", "latejante", "como uma dor de dente", "fisgada", "como uma cólica" e tipo "peso") aumentando a validade de conteúdo da EDN e 3 itens relacionados à temporalidade da dor ("constante com aumentos intermitentes", "intermitente" ou "constante com flutuação") sendo útil, assim, para avaliar tanto a dor neuropática quanto a dor não - neuropática, 11. Jensen MP, Galer BS, Gammaitomi AR, et al. The Pain Quality Assessment Scale (PQAS) and Revised Pain Quality Assessment Scale (PQAS-R): Manual and User Guide; 2010. Mapi Research Trust website (http://www.mapi-trust.org).
http://www.mapi-trust.org...
, 1313. Jensen MP, Gammaitoni AR, Olaleye DO, et al. The pain quality assessment scale: assessment of pain quality in carpal tunnel syndrome. J Pain. 2006;11:823-32., 1414. Victor TW, Jensen MP, Gammaitoni AR, et al. The dimensions of pain quality: factor analysis of the pain quality assessment scale. Clin J Pain. 2008;24:550-5.,1515. Waterman C, Victor TW, Jensen MP, et al. The assessment of pain quality: an item response theory analysis. J Pain. 2010;11:273-9.and1616. Wampler MA, Miaskowski C, Hamel K, et al. The modified total neuropathy score: a clinically feasible and valid measure of taxane-induced peripheral neuropathy in women breast cancer. J Support Oncol. 2006;4:W9-16. surgindo, dessa forma, a EAQD. Essa escala, embora útil, ainda não foi validada para o Brasil.

Figura 1
Fluxograma mostrando as etapas da tradução e adaptação transcultural da escala Pain Quality Assessment Scale (PQAS) em um hospital de referência em câncer no Brasil.

Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi realizar a tradução e adaptação transcultural do Pain Quality Assessment Scale (PQAS) para o português do Brasil, visando disponibilizar para clínicos e pesquisadores um instrumento de avaliação da qualidade da dor neuropática em pacientes que realizam tratamento quimioterápico em um hospital público de referência em câncer.

Material e método

O PQAS contém 20 itens que avaliam a intensidade global da dor e seus inconvenientes, dois aspectos espacial da dor e 16 diferentes qualidades da dor. Apesar dos itens apresentarem características semelhantes com mais de uma medida, sua melhor habilidade é capturar as qualidades ou domínios afetados pelo tratamento da dor. Cada item utiliza a escala numérica verbal, onde 0 = "sem dor" ou "nenhuma sensação" e 10 = "a maior sensação de dor imaginável". Como mencionado anteriormente, a dor é avaliada através de dois domínios globais (intensidade da dor e desconforto provocado por ela), dois domínios espaciais (profundo ou superficial) e 16 domínios de qualidade (pontada, queimação, mal localizada, fria, sensível, como uma ferida, como uma "picada de mosquito", fisgada, dormência, em choque, formigamento, em cólica, irradiando, latejante, como uma "dor de dente" e em peso). Ademais, o PQAS também contém um item que avalia o padrão temporal da dor ("intermitente com ausência de dor em outros momentos", "mínimo de dor o tempo todo com períodos de exacerbação" e "dor constante que não muda muito de um momento para outro").11. Jensen MP, Galer BS, Gammaitomi AR, et al. The Pain Quality Assessment Scale (PQAS) and Revised Pain Quality Assessment Scale (PQAS-R): Manual and User Guide; 2010. Mapi Research Trust website (http://www.mapi-trust.org).
http://www.mapi-trust.org...
, 1313. Jensen MP, Gammaitoni AR, Olaleye DO, et al. The pain quality assessment scale: assessment of pain quality in carpal tunnel syndrome. J Pain. 2006;11:823-32., 1414. Victor TW, Jensen MP, Gammaitoni AR, et al. The dimensions of pain quality: factor analysis of the pain quality assessment scale. Clin J Pain. 2008;24:550-5.,1515. Waterman C, Victor TW, Jensen MP, et al. The assessment of pain quality: an item response theory analysis. J Pain. 2010;11:273-9.and1616. Wampler MA, Miaskowski C, Hamel K, et al. The modified total neuropathy score: a clinically feasible and valid measure of taxane-induced peripheral neuropathy in women breast cancer. J Support Oncol. 2006;4:W9-16.

A tradução e adaptação do PQAS foram realizadas seguindo normas internacionalmente recomendadas.1717. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, et al. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25:3186-91. O PQAS foi traduzido para o português por dois brasileiros com fluência em inglês e português, sendo geradas duas versões independentes (V1 e V2). Essas duas versões foram avaliadas pelos pesquisadores brasileiros que elaboraram uma terceira versão (V3). A terceira versão foi então submetida a retrotradução para o inglês (back-translation), realizada por um médico com fluência em português e inglês, que desconhecia o instrumento original e o objetivo da tradução, sendo produzida uma versão em inglês (V4). 1717. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, et al. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25:3186-91.and1818. Fumimoto H, Kobayashi K, Chang C-HE, et al. Cross-cultural vali-dation of an international questionnaire, the general measure of the functional assessment of cancer therapy scale (FACT-G), for Japanese. Qual Life Res. 2001;10:701-9.

A equivalência de cada item da versão original em inglês, da versão em inglês resultante da retrotradução (V4) e da terceira versão em português (V1 + V2 = V3) foram julgadas por um comitê de juízes formado por uma equipe multidisciplinar (médico, enfermeiro, psicólogo, fisioterapeuta) conhecedora do tema pesquisado e da finalidade do instrumento e dos conceitos a serem analisados. O trabalho dos juízes consistiu em detectar possíveis divergências nas traduções, cabendo-lhes comparar os termos e palavras entre si, verificando se os itens da escala referiam-se ou não aos conceitos mensurados no instrumento original. Foram considerados como tendo tradução adequada, os descritores aceitos por pelo menos, 80% dos especialistas. A partir dos pareceres dos juízes, foi elaborada a versão final do instrumento (V5).1717. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, et al. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25:3186-91.and1818. Fumimoto H, Kobayashi K, Chang C-HE, et al. Cross-cultural vali-dation of an international questionnaire, the general measure of the functional assessment of cancer therapy scale (FACT-G), for Japanese. Qual Life Res. 2001;10:701-9.

As decisões foram feitas por este comitê realizando a equivalência entre a fonte e a versão alvo em quatro aspectos:

  • a) Equivalência Semântica : saber se as palavras traduzidas significavam a mesma coisa; se os múltiplos significados são de um dado item e se existiram dificuldades gramaticais na tradução.

  • b) Equivalência Idiomática: foram formuladas expressões equivalentes na versão alvo, evitando dificuldades na tradução de coloquialismos e expressões idiomáticas.

  • c) Equivalência Empírica: foram substituídos termos no questionário por outros semelhantes e que são utilizados em nossa cultura de origem, buscando capturar experiências da vida diária.

  • d) Equivalência Conceitual: foram observadas se as palavras apresentavam diferentes significados entre as culturas, substituindo os termos inadequados.17, 18 and 19

O consenso foi alcançado em todos os itens, com a presença de todos os tradutores no comitê, proporcionando um bom entendimento imediatamente.1717. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, et al. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25:3186-91.and1818. Fumimoto H, Kobayashi K, Chang C-HE, et al. Cross-cultural vali-dation of an international questionnaire, the general measure of the functional assessment of cancer therapy scale (FACT-G), for Japanese. Qual Life Res. 2001;10:701-9.

Após ser escolhida a versão final (V5) foi realizado o pré-teste onde 30 pacientes submetidos ao tratamento quimioterápico em um hospital de referência para Oncologia no Brasil completaram o questionário e foram entrevistados sobre o que pensaram a respeito de cada item e escolheram a melhor resposta, após assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.17 17. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, et al. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25:3186-91.and1818. Fumimoto H, Kobayashi K, Chang C-HE, et al. Cross-cultural vali-dation of an international questionnaire, the general measure of the functional assessment of cancer therapy scale (FACT-G), for Japanese. Qual Life Res. 2001;10:701-9.

A avaliação da equivalência semântica foi realizada sob coordenação dos pesquisadores na MAPI Research Trust, Lyon, France que elaboraram o PQAS original com a participação da pesquisadora principal.

Resultados

A partir da retrotradução e da avaliação dos juízes, resultou a versão brasileira final da PQAS, a qual está sendo submetida à avaliação das suas propriedades psicométricas em estudo em andamento pela equipe de Dor do Hospital Universitário de referência no Brasil.

Durante a elaboração das versões V1 e V2 observamos 100% de concordância semântica entre os tradutores. O item 4 onde perguntamos how dull your pain? a palavra dull foi traduzida como "indefinida" nessas duas versões, o que não persistiu após o julgamento dos juízes.

Ao ser realizado a retrotradução observamos diferenças na tradução linguística com a versão original. Na retrotradução no item 1 onde lemos na escala original "intense" foi retrotraduzido por "severe". No item 2 like a spike foi substituído por like a needle e the most sharp por the most prickling. Todos os outros itens são resumidos na tabela 1.

Tabela 1.
Tabela evidenciando Retrotradução da PQAS

Durante a avaliação do Comitê de Juízes, não houve diferenças quanto à equivalência semântica e conceitual. Nas versões 1 e 2, item 4 a palavra dull foi traduzida como "indefinida" como citado anteriormente. Entretanto, tal expressão foi julgada como pouco elucidativa da característica dolorosa do paciente em nossa linguagem nativa, sendo identificada uma falha na equivalência empírica. Dessa forma, foi substituída pelo termo "mal localizada" exemplificando melhor tal qualidade de dor em nossa população regional.

Os juízes também identificaram coloquialismos e expressões idiomáticas que poderiam interferir na descrição correta da qualidade da dor em nossa população como, por exemplo, no item 1 onde lê-se "nenhuma dor" na V1 e "sem dor" na V2 foi escolhido o termo "sem dor" na versão final. Tal fato decorre em uma alteração na equivalência idiomática. Após conclusão dessa fase foi gerada a versão 5 do instrumento. Os demais termos estão nas Tabela 2 and Tabela 3.

Tabela 2.
Termos escolhidos na Versão V1 após julgamento dos juízes

Tabela 3.
Termos escolhidos na Versão V2 após Julgamento dos Juízes

Durante o pré-teste, onde os pacientes são questionados sobre a escolha entre os termos, apenas no item 12 duas pessoas não marcaram porque não compreenderam o sentido da escala. Nos demais termos 100% dos pacientes relataram entendimento dos itens escolhidos sem nenhuma dificuldade.

Apesar dessa pequena diferença, os originadores da escala decidiram que houve concordância semântica entre as duas traduções, podendo ser iniciado o processo de validação.

Discussão

O principal objetivo desse estudo foi alcançado com a tradução e adaptação transcultural realizada com êxito do instrumento Pain Quality Assessment Scale (Escala de Avaliação da Qualidade da Dor) para a Língua Portuguesa.

Entre os vários eventos adversos decorrentes do tratamento quimioterápico, a NPIQ permanece com seu diagnóstico em fases mais tardias da doença apresentando sintomas de neuropatia sensitiva e/ou motora de grau moderado a severo, quando já ocorreu o comprometimento da qualidade de vida desses indivíduos, tanto física quanto emocionalmente. Dessa maneira, escolhemos para validação da EAQD em tal população de pacientes, que relatam com frequência formigamento, ardência ou queimação, dormência, "picadas e agulhadas", sensações tipo choque bilateralmente em mãos e pés, quando acometidos por sintomas decorrentes da NPIQ em fases ainda precoces da doença. Ademais, a inexistência de um instrumento padrão-ouro para identificar tal doença dificulta ainda mais qualquer possibilidade de prevenção e tratamento adequado.1010. Sasane M, Tencer T, French A, et al. Patient-reported outcomes in chemotherapy-induced peripheral neuropathy: a review. J Support Oncol. 2010;8:E15-21.

Outros estudos comparando os efeitos dos diferentes tratamentos da dor em pacientes com qualidades de dor semelhantes, algumas vezes mostram efeitos similares e outras vezes diferenciais em determinadas qualidades, dependendo do tratamento e da população estudada.11. Jensen MP, Galer BS, Gammaitomi AR, et al. The Pain Quality Assessment Scale (PQAS) and Revised Pain Quality Assessment Scale (PQAS-R): Manual and User Guide; 2010. Mapi Research Trust website (http://www.mapi-trust.org).
http://www.mapi-trust.org...
Um estudo comparou os efeitos do patch de lidocaína a 5% com a injeção isolada de corticoide na Síndrome do Túnel do Carpo (STC). Os resultados mostraram diminuição no formigamento, dormência, sensação desagradável, profundo, elétrico, intenso, superficial, pontada, queimação em ambos os tratamentos, com efeitos maiores no latejamento e na dormência com o patch de lidocaína. 99. Ferreira KA, Teixeira MJ, Mendonza TR, et al. Validation of brief pain inventory to Brazilian patients with pain. Support Care Cancer. 2011;19:505-11. No grupo de pacientes com dor neuropática que incluíam neuralgia pós-herpética (NPH) e neuropatia diabética (NPD), a combinação de pregabalina e oxicodona demonstrou melhora significante na dor tipo congelante, embora a combinação de pregabalina e placebo tenha melhorado a dor em queimação e facada.11. Jensen MP, Galer BS, Gammaitomi AR, et al. The Pain Quality Assessment Scale (PQAS) and Revised Pain Quality Assessment Scale (PQAS-R): Manual and User Guide; 2010. Mapi Research Trust website (http://www.mapi-trust.org).
http://www.mapi-trust.org...
Os resultados desses estudos sugerem a eficácia dos diferentes tratamentos farmacológicos em certas qualidades de dor em pacientes com diagnósticos específicos. Dessa maneira, a tradução e adaptação transcultural da EAQD e sua posterior validação será um instrumento útil para tal fim em nossa população.

Não houve dificuldades na elaboração das versões V1 e V2. Entretanto, o médico que realizou a retrotradução referiu dificuldade ao finalizar a mesma, visto que apresenta especialidade diversa do tema pesquisado, além de muitos termos referentes aos quadros dolorosos não serem fáceis de expressar exatamente a qualidade da dor que o paciente apresenta. Isso gerou mais confiabilidade a essa etapa da pesquisa, já que a versão retrotraduzida foi considerada compatível pelos originadores da escala.

A realização do pré-teste é uma fase necessária para a finalização do processo de tradução e adaptação transcultural das escalas. Durante a realização desse estudo foi preciso dar explicações mais extensas de alguns termos devido ao baixo nível de escolaridade da população pesquisada. Em um estudo realizado no Japão,1818. Fumimoto H, Kobayashi K, Chang C-HE, et al. Cross-cultural vali-dation of an international questionnaire, the general measure of the functional assessment of cancer therapy scale (FACT-G), for Japanese. Qual Life Res. 2001;10:701-9. os pacientes relataram problemas quanto à compreensão dos itens, sendo alguns considerados irrelevantes, divergindo desse estudo onde tal recurso não foi necessário. Não houve problemas quanto à autorização dos originadores da escala para início do processo de tradução, adaptação transcultural e a validação da mesma.

Durante a realização da coleta de dados, o questionário foi respondido por uma entrevista via clínico/pesquisador e paciente utilizando apenas lápis e papel. Os pacientes demoraram aproximadamente 15 minutos, em média, para responder o questionário pela primeira vez. Outras vezes esse tempo era mais extenso. Após ser observado que isso poderia ser um fator complicador para aplicação do questionário na rotina dos consultórios lotados, foi decidido realizar um pequeno treinamento entre os próprios pesquisadores. Assim, a entrevista era realizada com termos mais simples, de entendimento fácil, já que grande parte dos pacientes apresentava um nível educacional mais elementar. Foi conseguido então, encurtar o tempo de realização da entrevista para 8 a 10 minutos, não comprometendo o tempo da consulta e atingindo a satisfação do paciente. Entretanto, sabe-se que os pacientes apresentam dificuldades em expressar os sintomas dolorosos, principalmente quando estes são associados a NPIQ.1010. Sasane M, Tencer T, French A, et al. Patient-reported outcomes in chemotherapy-induced peripheral neuropathy: a review. J Support Oncol. 2010;8:E15-21. Isso pode explicar a dificuldade encontrada pelos pacientes ao responder o questionário.

Embora não exista um processo da tradução e adaptação transcultural padrão-ouro a ser seguido rigorosamente por todos os pesquisadores, três passos são essenciais: realização da tradução/retrotradução, revisão por um comitê de juízes e a fase do pré-teste. Todos os passos foram rigorosamente seguidos neste estudo.1818. Fumimoto H, Kobayashi K, Chang C-HE, et al. Cross-cultural vali-dation of an international questionnaire, the general measure of the functional assessment of cancer therapy scale (FACT-G), for Japanese. Qual Life Res. 2001;10:701-9.

Assim, a versão brasileira do PQAS encontra-se agora traduzida e adaptada transculturalmente e, após, sua validação (atualmente em andamento pelo Grupo de Pesquisa em Dor em um Hospital Universitário de referência no Brasil), será certamente uma ferramenta útil para clínicos e pesquisadores na avaliação dos sinais e sintomas77. Naleschinski D, Baron R, Miaskowski C. Identification and treat-ment of neuropathic pain in patients with cancer. Pain Clin Updates. 2012;XX. decorrentes de diferentes qualidades de dor, seja neuropática ou não, ajudando na elucidação do mecanismo doloroso, na avaliação da eficácia do tratamento de diferentes doenças e, principalmente, na detecção precoce de sintomas sensitivos em pacientes com risco de desenvolver graus mais prejudiciais da NPIQ.

References

  • 1
    Jensen MP, Galer BS, Gammaitomi AR, et al. The Pain Quality Assessment Scale (PQAS) and Revised Pain Quality Assessment Scale (PQAS-R): Manual and User Guide; 2010. Mapi Research Trust website (http://www.mapi-trust.org).
    » http://www.mapi-trust.org
  • 2
    Quasthoff S, Hartung HP. Chemotherapy-induced peripheral neuropathy. J Neurol. 2002;249:9-17 [review].
  • 3
    Stillman M, Cata JP. Management of chemotherapy-induced peripheral neuropathy. Curr Pain Headache Rep. 2006;10: 279-87.
  • 4
    Cavaletti G, Marmiroli P. Chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity. Nat Rev Neurol. 2010;6:657-66.
  • 5
    Windebank AJ, Grisold W. Chemotherapy-induced neuropathy. J Peripher Nerv Syst. 2008;13:27-46 [review].
  • 6
    Smith EM, Cohen JA, Pett MA, et al. The validity of neurop-athy and neuropathic pain measures in patients with cancer receiving taxanes and platinums. Oncol Nurs Forum. 2011;38: 133-42.
  • 7
    Naleschinski D, Baron R, Miaskowski C. Identification and treat-ment of neuropathic pain in patients with cancer. Pain Clin Updates. 2012;XX.
  • 8
    Cavaletti G, Frigeni B, Lanzani F, et al. Chemotherapy-induced peripheral neurotoxicity assessment: a critical revision of the currently available tools. Eur J Cancer. 2010;46: 479-94.
  • 9
    Ferreira KA, Teixeira MJ, Mendonza TR, et al. Validation of brief pain inventory to Brazilian patients with pain. Support Care Cancer. 2011;19:505-11.
  • 10
    Sasane M, Tencer T, French A, et al. Patient-reported outcomes in chemotherapy-induced peripheral neuropathy: a review. J Support Oncol. 2010;8:E15-21.
  • 11
    Ferreira KASL, William NW Jr, Mendonza TRK, et al. Traduc¸ão para a Língua Portuguesa do M.D. Anderson Symptom Inven-tory - head and neck module (MDASI-H&N). Rev Bras Cir Cabec¸a Pescoc¸o. 2008;37:109-13.
  • 12
    Galer BS, Jensen MP. Development and preliminary validation of a pain measure specific to neuropathic pain: the neuropathic pain scale. Neurology. 1997;48:332-8.
  • 13
    Jensen MP, Gammaitoni AR, Olaleye DO, et al. The pain quality assessment scale: assessment of pain quality in carpal tunnel syndrome. J Pain. 2006;11:823-32.
  • 14
    Victor TW, Jensen MP, Gammaitoni AR, et al. The dimensions of pain quality: factor analysis of the pain quality assessment scale. Clin J Pain. 2008;24:550-5.
  • 15
    Waterman C, Victor TW, Jensen MP, et al. The assessment of pain quality: an item response theory analysis. J Pain. 2010;11:273-9.
  • 16
    Wampler MA, Miaskowski C, Hamel K, et al. The modified total neuropathy score: a clinically feasible and valid measure of taxane-induced peripheral neuropathy in women breast cancer. J Support Oncol. 2006;4:W9-16.
  • 17
    Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, et al. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25:3186-91.
  • 18
    Fumimoto H, Kobayashi K, Chang C-HE, et al. Cross-cultural vali-dation of an international questionnaire, the general measure of the functional assessment of cancer therapy scale (FACT-G), for Japanese. Qual Life Res. 2001;10:701-9.
  • 19
    Aaronson N, Alonso J, Burnam A, et al. Assessing health status and quality-of-life instruments: attributes and review criteria. Qual Life Res. 2002;11:193-205.
  • Instituto Maranhense de Oncologia Aldenora Bello.

Anexo. Versão Final em Português da Escalade Avaliac¸ão de Qualidade da Dor --- EAQD

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2013
  • Aceito
    30 Out 2013
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org