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Existe algum benefício em associar a anestesia neuroaxial à anestesia geral para revascularização miocárdica? Local da pesquisa: Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil.

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O uso da anestesia neuroaxial em cirurgia cardíaca é recente, porém os efeitos hemodinâmicos dos anestésicos locais e a anticoagulação podem trazer riscos aos pacientes.

OBJETIVO:

Revisar os benefícios da anestesia neuroaxial em cirurgia cardíaca para revascularização miocárdica por meio de uma revisão sistemática de revisões sistemáticas.

CONTEÚDO:

Foi feita pesquisa nas bases de dados Pubmed (de janeiro de 1966 a dezembro de 2012), Embase (1974 a dezembro 2012), The Cochrane Library (volume 10, 2012) e Lilacs (1982 a dezembro de 2012) em busca de artigos de revisões sistemáticas. Foram analisadas as seguintes variáveis: mortalidade, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, tempo de internação hospitalar, arritmias e hematoma peridural.

CONCLUSÕES:

O uso da anestesia neuroaxial para revascularização miocárdica permanece controverso. O maior benefício encontrado por meio desta revisão foi a possibilidade de redução das arritmias pós-operatórias, porém esse resultado foi contraditório entre as evidências identificadas. Os resultados das evidências encontradas referentes à mortalidade, ao infarto do miocárdio, ao acidente vascular cerebral e ao tempo de internação hospitalar não mostraram maior efetividade da anestesia neuroaxial.

Palavras-chave:
Anestesia geral; Anestesia subaracnoidea; Anestesia epidural torácica; Revisão sistemática; Mortalidade; Evidências

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

The use of neuraxial anesthesia in cardiac surgery is recent, but the hemodynamic effects of local anesthetics and anticoagulation can result in risk to patients.

OBJECTIVE:

To review the benefits of neuraxial anesthesia in cardiac surgery for CABG through a systematic review of systematic reviews.

CONTENT:

The search was performed in Pubmed (January 1966 to December 2012), Embase (1974 to December 2012), The Cochrane Library (volume 10, 2012) and Lilacs (1982 to December 2012) databases, in search of articles of systematic reviews. The following variables: mortality, myocardial infarction, stroke, in-hospital length of stay, arrhythmias and epidural hematoma were analyzed.

CONCLUSIONS:

The use of neuraxial anesthesia in cardiac surgery remains controversial. The greatest benefit found by this review was the possibility of reducing postoperative arrhythmias, but this result was contradictory among the identified findings. The results of findings regarding mortality, myocardial infarction, stroke and in-hospital length of stay did not show greater efficacy of neuraxial anesthesia.

Keywords:
General anesthesia; Subarachnoid anesthesia; Thoracic epidural anesthesia; Systematic review; Mortality; Evidence

Introdução

Os avanços tecnológicos e farmacológicos que ocorreram em anestesia e cirurgia ao longo das últimas décadas, assim como melhores condições de trabalho em unidades de terapia intensiva, diminuíram as complicações em pacientes que se submetem a cirurgia cardíaca.11. Mangano DT. Assessment of the patient with cardiac disease: an anesthesiologist's paradigm. Anesthesiology. 1999;91:1521-6.and22. Coriat P, Beaussier M. Fast-tracking after coronary artery bypass graft surgery. Anesth Analg. 2001;92:1081-3.

A anestesia neuroaxial (AN) causa simpatectomia e pode aprimorar a perfusão coronariana, melhorar o equilíbrio entre a oferta e a demanda de oxigênio miocárdica e reduzir o surgimento de arritmias no período pós-operatório e a incidência de infarto perioperatório.3, 4-5 A associação da anestesia geral (AG) a AN pode trazer benefícios aos pacientes que se submetem a cirurgia cardíaca.33. Nygård E, Kofoed KF, Freiberg J, et al. Effects of high thoracic epidural analgesia on myocardial blood flow in patients with ischemic heart disease. Circulation. 2005;111:2165-70.and44. Beattie WS, Badner NH, Choi PT. Meta-analysis demonstrates statistically significant reduction in postoperative myocardial infarction with the use of thoracic epidural analgesia. Anesth Analg. 2003;97:919-20.

O uso sistemático da anticoagulação em cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea aumenta o risco de hematoma e compressão da medula espinhal quando se faz procedimento anestésico na medula ou nos nervos espinhais.66. Ho AM, Chung DC, Joynt GM. Neuraxial blockade and hematoma in cardiac surgery: estimating the risk of a rare adverse event that has not (yet) occurred. Chest. 2000;117:551-5. O maior problema com o manuseio dos anestésicos locais administrados em neuroeixo é a hipotensão arterial sistêmica, que pode ser acompanhada de diminuição do fluxo sanguíneo coronariano, uma vez que não é conhecido o nível seguro de hipotensão arterial nos pacientes que se submetem a cirurgia cardíaca.77. Chaney MA. Intrathecal and epidural anesthesia and analgesia for cardiac surgery. Anesth Analg. 2006;102:45-64. Se levarmos em consideração os efeitos fisiológicos da administração do anestésico local em neuroeixo e o manuseio da AN em paciente com anticoagulação, percebe-se que o uso da AN, ou seja, a anestesia epidural torácica (AET) e a anestesia subaracnoidea (AS), em cirurgia cardíaca permanece controverso.66. Ho AM, Chung DC, Joynt GM. Neuraxial blockade and hematoma in cardiac surgery: estimating the risk of a rare adverse event that has not (yet) occurred. Chest. 2000;117:551-5.and77. Chaney MA. Intrathecal and epidural anesthesia and analgesia for cardiac surgery. Anesth Analg. 2006;102:45-64. É necessário analisar os dados existentes na literatura para identificar benefícios da administração da NA em cirurgia cardíaca para revascularização miocárdica.

O objetivo deste artigo é revisar os benefícios da AN em cirurgia cardíaca para revascularização miocárdica por meio de uma revisão sistemática de revisões sistemáticas.

Métodos

A estratégia para execução desta revisão seguiu as recomendações da Colaboração Cochrane.88. Higgins JPT, Green S, editors. Cochrane Handbook for System-atic Reviews of Interventions Version 5.1.0 [updated March 2011]. The Cochrane Collaboration; 2011. Available from: www.cochrane-handbook.org [accessed 12.01.13].
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Trata-se de uma revisão sistemática de revisões sistemáticas. Os itens para publicações de revisões sistemáticas do Prisma statement foram seguidos para relatar os resultados desta revisão. 99. Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, et al. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the Prisma state- ment. Ann Intern Med. 2009;151:264-9.

O critério de inclusão foi: artigos publicados de revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados (ECR) que analisaram o uso da anestesia neuroaxial em cirurgia cardíaca para revascularização miocárdica. Não houve restrição de idiomas. As publicações de outros tipos de pesquisa foram excluídas da análise.

A identificação dos artigos publicados de revisões sistemáticas se deu por meio de uma busca em bases de dados eletrônicas. As fontes usadas foram: Medline via Pubmed (de janeiro de 1966 a dezembro de 2012), Embase (1974 a dezembro de 2012), The Cochrane Library (volume 10, 2012) e Lilacs (1982 a dezembro de 2012). A estratégia de busca usada para o Pubmed pode ser vista na tabela 1. A estratégia de busca para o Embase foi: systematic review/exp e general anesthesia/exp ou spinal anesthesia/exp ou epidural anesthesia/exp e cardiac surgery/exp e embase/lim. Os termos anestesia e cirurgia cardíaca foram usados para o Lilacs e a Colaboração Cochrane.

Tabela 1
Estratégia de busca para o Medline via Pubmed

A seleção dos artigos publicados que foram identificados pela estratégia de busca se deu pela análise de títulos e resumos ou por ambos. Essa seleção foi feita por dois revisores (Barbosa FT e Castro AA) de forma independente e seguida por reuniões para resolver discordâncias entre os autores. Os artigos publicados de revisões sistemáticas que se enquadraram no critério de inclusão foram lidos na íntegra.

A qualidade das revisões sistemáticas que continham as variáveis de interesse foi determinada por meio do Overview Quality Assessment Questionnaire (OQAQ).1010. Oxman AD, Guyatt GH. Validation of an index of the quality of review articles. J Clin Epidemiol. 1991;44:1271-8. Esse índice é caracterizado por dez perguntas. As nove primeiras serviram para analisar a estratégia de busca, a estratégia da seleção, a avaliação da qualidade empregada na revisão, a forma como foi feita a análise dos dados e os desfechos. Essas perguntas foram respondidas com sim, não ou parcialmente/indeterminado. A última pergunta com foco na qualidade científica geral da revisão sistemática é composta por uma escala de sete pontos: 1 e 2 para falhas extensas, 2 a 4 para grandes falhas, 4 a 6 para pequenas falhas e 6 e 7 para falhas mínimas.

Apenas um revisor analisou a qualidade metodológica das revisões sistemáticas. Em conformidade com outros autores e para facilitar a interpretação das pontuações do OQAQ, as pontuações foram agrupadas da seguinte forma: 1 e 2 indicam falhas extensas, 3 e 4 grandes falhas, 5 e 6 falhas pequenas e 7 indica falhas mínimas.1111. Kelly KD, Travers A, Dorgan M, Slater L, Rowe BH. Evaluating the quality of systematic reviews in the emergency medicine literature. Ann Emerg Med. 2001;38:518-26.and1212. Barbosa FT, Castro AA, Miranda CT. Neuraxial anesthesia com- pared to general anesthesia for procedures on the lower half of the body: systematic review of systematic reviews. Rev Bras Anestesiol. 2012;62:235-43. As pontuações 5 e 6 foram consideradas como revisão sistemática de qualidade aceitável e a pontuação de 7 como de boa qualidade.

As variáveis de interesse a esta revisão sistemática foram: mortalidade, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, tempo de internação hospitalar, arritmias e hematoma peridural.

A revisão não foi submetida ao comitê de ética em pesquisa por se tratar de uma análise de dados secundários. A amostra foi por conveniência. A concordância entre os revisores foi analisada por meio da estatística kappa. Foi usada uma abordagem qualitativa para analisar os dados das variáveis de interesse relatadas nas revisões sistemáticas encontradas.

Resultados

A busca por artigos publicados de revisões sistemáticas por meio da análise de títulos e resumos identificou 1.469 artigos: 622 no Pubmed, 651 no Embase, 53 revisões sistemáticas na Colaboração Cochrane e 143 artigos no Lilacs. Foram excluídos 1.463 artigos por não se enquadrarem no critério de inclusão. A leitura na íntegra dos artigos publicados restantes excluiu dois artigos por não serem revisões sistemáticas. Foram selecionadas quatro revisões sistemáticas para análise das variáveis no fim do processo.13, 14, 15-16 O índice de concordância kappa foi de 0,75.

A tabela 2 mostra a frequência de respostas ao OQAQ. Após o julgamento da qualidade metodológica observou-se que três revisões sistemáticas foram classificadas como tendo falhas pequenas13, 15-16 e uma revisão como tendo mínimas falhas.1414. Zangrillo A, Bignami E, Biondi-Zoccai GG, et al. Spinal analgesia in cardiac surgery: a meta-analysis of randomized controlled trials. Cardiothorac Vasc Anesth. 2009;23:813-21.

Tabela 2
Frequência das respostas do OQAQ

As características das revisões sistemáticas incluídas para análise das variáveis pode ser vista na tabela 3. Houve planejamento para analisar a variável hematoma peridural nas revisões sistemáticas, porém não houve relato dessa variável nos ensaios clínicos randomizados incluídos nessas revisões.

Tabela 3
Características das revisões sistemáticas incluídas para análise das variáveis

n, número de participantes; N, números de estudos incluídos; CEC, circulação extracorpórea; AG, anestesia geral; AE, anestesia epidural; AS, anestesia subaracnoidea; UTI, unidade de terapia intensiva; AVE, acidente vascular encefálico.

A mortalidade foi avaliada em três revisões sistemáticas. Liu et al.1313. Liu SS, Block BM, Wu CL. Effects of perioperative central neurax- ial analgesia on outcome after coronary artery bypass surgery: a meta-analysis. Anesthesiology. 2004;101:153-61. demonstraram que para anestesia epidural a razão de chances foi de 1,56 (95% IC: 0,35 a 6,91; p = 0,56) e para anestesia subaracnoidea foi de 0,88 (95% IC: 0,13 a 5,72; p = 0,89). Zangrillo et al.1414. Zangrillo A, Bignami E, Biondi-Zoccai GG, et al. Spinal analgesia in cardiac surgery: a meta-analysis of randomized controlled trials. Cardiothorac Vasc Anesth. 2009;23:813-21. demonstraram que para anestesia subaracnoidea a diferença de risco foi de 0,00 (95% IC: -0,02 a +0,02; p = 1,0). Svircevic et al.1515. Svircevic V, van Dijk D, Nierich AP, et al. Meta-analysis of tho- racic epidural anesthesia versus general anesthesia for cardiac surgery. Anesthesiology. 2011;114:271-82. demonstraram que para anestesia epidural o risco relativo foi de 0,81 (95% IC: 0,40 a -1,64; p não fornecido).

O infarto do miocárdio foi avaliado em três revisões sistemáticas. Liu et al.1313. Liu SS, Block BM, Wu CL. Effects of perioperative central neurax- ial analgesia on outcome after coronary artery bypass surgery: a meta-analysis. Anesthesiology. 2004;101:153-61. demonstraram que para anestesia epidural a razão de chances foi de 0,74 (95% IC: 0,34 a 1,59; p = 0,44) e para anestesia subaracnoidea a razão de chances foi de 0,75 (95% IC: 0,24 a 2,31; p = 0,61). Zangrillo et al.1414. Zangrillo A, Bignami E, Biondi-Zoccai GG, et al. Spinal analgesia in cardiac surgery: a meta-analysis of randomized controlled trials. Cardiothorac Vasc Anesth. 2009;23:813-21. demonstraram que para anestesia subaracnoidea a diferença de risco foi de 0,00 (95% IC: -0,03 a +0,02; p = 0,77). Svircevic et al.1515. Svircevic V, van Dijk D, Nierich AP, et al. Meta-analysis of tho- racic epidural anesthesia versus general anesthesia for cardiac surgery. Anesthesiology. 2011;114:271-82. demonstraram que para anestesia epidural o risco relativo foi de 0,80 (95% IC: 0,52 a -1,24; p não fornecido).

O acidente vascular cerebral foi avaliado em uma revisão sistemática. Svircevic et al.1515. Svircevic V, van Dijk D, Nierich AP, et al. Meta-analysis of tho- racic epidural anesthesia versus general anesthesia for cardiac surgery. Anesthesiology. 2011;114:271-82. demonstraram que para anestesia epidural o risco relativo foi de 0,59 (95% IC: 0,24 a -1,46; p não fornecido).

O tempo de internação hospitalar foi analisado em uma revisão sistemática. Zangrillo et al.1414. Zangrillo A, Bignami E, Biondi-Zoccai GG, et al. Spinal analgesia in cardiac surgery: a meta-analysis of randomized controlled trials. Cardiothorac Vasc Anesth. 2009;23:813-21. demonstraram que para anestesia subaracnoidea a diferença média ponderada foi de -0,28 dias (95% IC: -0,68 a 0,13; p = 0,18).

A arritmia foi analisada em três revisões sistemáticas. Liu et al.1313. Liu SS, Block BM, Wu CL. Effects of perioperative central neurax- ial analgesia on outcome after coronary artery bypass surgery: a meta-analysis. Anesthesiology. 2004;101:153-61. demonstraram que para anestesia epidural a razão de chances foi de 0,52 (95% IC: 0,29 a 0,93; p = 0,03) favorável ao grupo de anestesia epidural, O mesmo benefício não se observou nos estudos que consideraram raquianestesia com uma razão de chances de 0,81 (95% IC: 0,42 a 1,53; p = 0,51). Svircevic et al.1515. Svircevic V, van Dijk D, Nierich AP, et al. Meta-analysis of tho- racic epidural anesthesia versus general anesthesia for cardiac surgery. Anesthesiology. 2011;114:271-82. demonstraram que para anestesia epidural o risco relativo foi de 0,68 (95% IC: 0,50 a -0,93; p não fornecido). Gu et al.1616. Gu WJ, Wei CY, Huang DQ, et al. Meta-analysis of randomized controlled trials on the efficacy of thoracic epidural anesthe- sia in preventing atrial fibrillation after coronary artery bypass grafting. BMC Cardiovasc Disord. 2012;12:67. demonstraram que para anestesia epidural o risco relativo foi de 0,61 (95% IC: 0,33 a 1,12; p = 0,11).

Discussão

O inadequado controle da dor em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca pode aumentar a morbidade devido a efeitos adversos hemodinâmicos, intensa resposta metabólica e imunológica ao trauma e alterações hemostáticas.1717. Chaney MA. Should thoracic epidural/spinal analgesia be used for CABG? In: Fleisher L, editor. Evidence-based practice of anesthesiology. 2nd ed. Philadelphia: Saunders; 2009. p. 424-7. O agressivo controle da dor pós-operatória pode melhorar os desfechos clínicos em pacientes de alto risco submetidos à cirurgia cardíaca.1818. Mangano DT, Siliciano D, Hollenberg M, et al. Postoperative myocardial ischemia: therapeutic trials using intensive analge- sia following surgery. Anesthesiology. 1992;76:342-53. Tradicionalmente a escolha se faz para o uso de opioides por via venosa, mesmo sendo conhecidos os efeitos adversos desses fármacos e a probabilidade de ocorrer um maior tempo de intubação e ventilação mecânica.1717. Chaney MA. Should thoracic epidural/spinal analgesia be used for CABG? In: Fleisher L, editor. Evidence-based practice of anesthesiology. 2nd ed. Philadelphia: Saunders; 2009. p. 424-7. Durante as últimas décadas a AS e a AET vêm ganhando espaço nesse cenário por promover analgesia adequada mesmo sabendo-se que essas técnicas anestésicas não são isentas de riscos.77. Chaney MA. Intrathecal and epidural anesthesia and analgesia for cardiac surgery. Anesth Analg. 2006;102:45-64.

A ativação da inervação simpática cardíaca causa vasoconstrição coronariana e diminuição da resposta desses vasos aos agentes vasodilatadores e altera o equilíbrio entre a oferta e o consumo miocárdico de oxigênio.1919. Liu S, Carpenter RL, Neal MJ. Epidural anesthesia and anal- gesia: their role in postoperative outcome. Anesthesiology. 1995;82:1474-506. A ativação simpática cardíaca é considerada como um mecanismo central para o surgimento do infarto pós-operatório.1919. Liu S, Carpenter RL, Neal MJ. Epidural anesthesia and anal- gesia: their role in postoperative outcome. Anesthesiology. 1995;82:1474-506. O bloqueio das fibras simpáticas T1 a T5 atenua a resposta ao estresse cirúrgico, aumenta o diâmetro de seguimentos estenóticos epicárdicos da circulação coronariana, diminui o consumo miocárdico de oxigênio e melhora a função ventricular esquerda.1717. Chaney MA. Should thoracic epidural/spinal analgesia be used for CABG? In: Fleisher L, editor. Evidence-based practice of anesthesiology. 2nd ed. Philadelphia: Saunders; 2009. p. 424-7.

A AS pode atenuar adequadamente a resposta ao estresse cirúrgico, porém as alterações hemodinâmicas, como o surgimento da hipotensão arterial sistêmica e de bradicardia associados a outros efeitos da simpatectomia total, podem trazer malefícios aos pacientes submetidos à revascularização miocárdica.1717. Chaney MA. Should thoracic epidural/spinal analgesia be used for CABG? In: Fleisher L, editor. Evidence-based practice of anesthesiology. 2nd ed. Philadelphia: Saunders; 2009. p. 424-7. Dois ECRs, duplo-cegos e placebo controlados chamaram a atenção dos pesquisadores para a adequada analgesia conseguida com o uso isolado de opioide em neuroeixo.2020. Vanstrum GS, Bjornson KM, Ilko R. Postoperative effects of intrathecal morphine in coronary artery bypass surgery. Anesth Analg. 1988;67:261-7.and2121. Chaney MA, Smith KR, Barclay JC, et al. Large-dose intrathe- cal morphine for coronary artery bypass grafting. Anesth Analg. 1996;83:215-22. Um dos ECRs relatou que o uso de 0,5 mg de morfina antes da indução da anestesia geral pode reduzir o tempo de intubação traqueal e diminuir o tempo de ventilação mecânica.2020. Vanstrum GS, Bjornson KM, Ilko R. Postoperative effects of intrathecal morphine in coronary artery bypass surgery. Anesth Analg. 1988;67:261-7. Embora esse efeito benéfico possa ter ocorrido, ele não foi achado em outros estudos e foi considerado controverso.21, 22-23

A AET pode atenuar adequadamente a resposta ao estresse cirúrgico e as alterações hemodinâmicas, como o surgimento da hipotensão arterial sistêmica e de bradicardia, não parecem trazer malefícios aos pacientes submetidos à revascularização miocárdica com relatos na literatura de redução da dose de betabloqueadores nos pacientes submetidos à revascularização miocárdica.1717. Chaney MA. Should thoracic epidural/spinal analgesia be used for CABG? In: Fleisher L, editor. Evidence-based practice of anesthesiology. 2nd ed. Philadelphia: Saunders; 2009. p. 424-7. Três ECRs demonstraram que a analgesia pós-operatória é eficaz com o uso dessa técnica, porém a divergência foi para a duração do tempo de analgesia, que foi diferente entre esses estudos.24, 25-26 O benefício comum entre esses ECRs foi a redução do tempo de intubação traqueal e a diminuição do tempo de ventilação mecânica.

As revisões sistemáticas usam os dados disponíveis na literatura por meio da combinação dos resultados de estudos, com a finalidade de resolver conflitos existentes no conhecimento médico.1212. Barbosa FT, Castro AA, Miranda CT. Neuraxial anesthesia com- pared to general anesthesia for procedures on the lower half of the body: systematic review of systematic reviews. Rev Bras Anestesiol. 2012;62:235-43. A revisão sistemática permite aumentar o poder estatístico da análise, que pode não ser conseguido nos estudos primários isoladamente e, assim, auxiliar na escolha de intervenções mais apropriadas para populações de interesse.88. Higgins JPT, Green S, editors. Cochrane Handbook for System-atic Reviews of Interventions Version 5.1.0 [updated March 2011]. The Cochrane Collaboration; 2011. Available from: www.cochrane-handbook.org [accessed 12.01.13].
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Quatro revisões sistemáticas que analisaram o uso de AN em pacientes submetidos a revascularização miocárdica foram identificadas.13, 14, 15-16

Uma revisão sistemática publicada em 2004 analisou o uso da analgesia peridural comparada com o opioide venoso.1313. Liu SS, Block BM, Wu CL. Effects of perioperative central neurax- ial analgesia on outcome after coronary artery bypass surgery: a meta-analysis. Anesthesiology. 2004;101:153-61. Os autores concluíram que é favorável o uso da AN considerando o tempo para extubação traqueal, as complicações pulmonares pós-operatórias e as arritmias cardíacas pós-operatórias. Essa pesquisa analisou estudos que combinaram resultados de pacientes que foram submetidos à circulação extracorpórea (CEC) e pacientes que não foram submetidos à CEC. O estresse cirúrgico pode não ser o mesmo entre os pacientes submetidos à CEC e aqueles que não foram submetidos à CEC e isso pode influenciar nos resultados quando são combinados em metanálise. Portanto, seria mais prudente que os autores tivessem analisado dados dos dois tipos de pacientes separadamente. Não houve descrição da análise da qualidade dos estudos incluídos. Estudos com qualidade duvidosa podem ter sido analisados conjuntamente com estudos de boa qualidade e interferido nos resultados da metanálise.

Uma revisão sistemática publicada em 2009 analisou o uso da AS em cirurgia cardíaca.1414. Zangrillo A, Bignami E, Biondi-Zoccai GG, et al. Spinal analgesia in cardiac surgery: a meta-analysis of randomized controlled trials. Cardiothorac Vasc Anesth. 2009;23:813-21. Os autores concluíram que é desfavorável o uso da AN considerando mortalidade, infarto do miocárdio e tempo de internação hospitalar. Essa pesquisa analisou estudos feitos no cenário da cirurgia cardíaca e não individualizadamente para revascularização miocárdica. Pacientes submetidos à cirurgia em válvulas cardíacas podem ter evolução pós-operatória diferente daqueles submetidos à revascularização miocárdica e é difícil individualizar os resultados.

Uma revisão sistemática publicada em 2011 analisou o uso da analgesia peridural comparada à anestesia geral.1515. Svircevic V, van Dijk D, Nierich AP, et al. Meta-analysis of tho- racic epidural anesthesia versus general anesthesia for cardiac surgery. Anesthesiology. 2011;114:271-82. Os autores concluíram que é favorável o uso da AN considerando a redução do risco pós-operatório de arritmias supraventriculares e de complicações respiratórias. Essa pesquisa analisou estudos feitos no cenário da cirurgia cardíaca e não individualizadamente para revascularização miocárdica. Os autores criaram um formulário próprio para avaliar a qualidade metodológica dos estudos incluídos e não descreveram o processo de validação desse instrumento. Um instrumento não validado pode não reproduzir com elevado grau de acurácia a variável de interesse. A análise da qualidade ocorreu para itens da validade interna dos ensaios clínicos randomizados, porém a análise poderia ter sido mais completa se fossem analisados também os itens da validade externa e os dados estatísticos.

A revisão sistemática mais recente foi publicada em 2012 e analisou o uso da AET comparada à anestesia geral.1616. Gu WJ, Wei CY, Huang DQ, et al. Meta-analysis of randomized controlled trials on the efficacy of thoracic epidural anesthe- sia in preventing atrial fibrillation after coronary artery bypass grafting. BMC Cardiovasc Disord. 2012;12:67. Os autores avaliaram apenas a presença de fibrilação atrial pós-operatória e concluíram que não é favorável o uso da AN. Os autores relataram a existência de heterogeneidade estatística, porém não identificaram de onde partiria a heterogeneidade. A análise da qualidade metodológica foi feita adequadamente, porém não auxiliou a identificar a fonte da heterogeneidade. O resultado de metanálise com heterogeneidade deve ser visto com cuidado e pode até não ser considerado, porém pode orientar autores de futuras pesquisas para a presença de pontos falhos a serem evitados.88. Higgins JPT, Green S, editors. Cochrane Handbook for System-atic Reviews of Interventions Version 5.1.0 [updated March 2011]. The Cochrane Collaboration; 2011. Available from: www.cochrane-handbook.org [accessed 12.01.13].
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As implicações para a prática clínica após o término desta revisão sistemática é que os resultados presentes na literatura até o momento devem ser vistos com ressalvas e que o anestesiologista deve considerar sua prática clínica e os cuidados que o serviço de saúde possa oferecer na tomada de decisão perante o paciente que será submetido à cirurgia cardíaca. As varáveis que apresentaram resultados positivos não contribuíram para melhorar desfechos clínicos importantes, como mortalidade, infarto miocárdico, acidente vascular cerebral, tempo de internação hospitalar e até mesmo o grau de satisfação do paciente. Os resultados das revisões sistemáticas identificadas foram contraditórios.

O risco de hematoma em neuroeixo foi estimado por meio de métodos matemáticos em um estudo feito em 2000.2727. Ho AMH, Chung DC, Joynt GM. Neuraxial blockade and hematoma in cardiac surgery: estimating the risk of a rare adverse event that has not (yet) occurred. Chest. 2000;117:551-5. O risco máximo após a heparinização plena foi estimado com sendo de 1:2.400 e com a instrumentalização neuroaxial como sendo de 1:1.000. São sugeridas algumas precauções, como: usar a técnica neuroaxial quando houver demonstração laboratorial de normalidade para testes de coagulação, retardar procedimentos quando a punção for traumática e aguardar pelo menos 60 minutos após a AN para fazer a heparinização plena.1717. Chaney MA. Should thoracic epidural/spinal analgesia be used for CABG? In: Fleisher L, editor. Evidence-based practice of anesthesiology. 2nd ed. Philadelphia: Saunders; 2009. p. 424-7.

A principal implicação clínica para futuras pesquisas nesse cenário clínico envolve a necessidade da feitura de novos ECRs com adequado poder estatístico e que deem prioridade a variáveis clínicas importantes, como: mortalidade, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, tempo de internação hospitalar, arritmias e hematoma peridural. São necessários 284 participantes em cada grupo considerando a mortalidade no grupo da anestesia neuroaxial de 1%, a mortalidade no grupo da anestesia geral de 5%, o poder estatístico de 80% e um nível de significância de 5%.

Conclusão

O uso da anestesia neuroaxial para revascularização miocárdica permanece controverso. O maior benefício encontrado por meio desta revisão foi a possibilidade de redução das arritmias pós-operatórias, porém esse resultado foi contraditório entres as evidências identificadas. Os resultados das evidências encontradas referentes à mortalidade, ao infarto do miocárdio, ao acidente vascular cerebral e ao tempo de internação hospitalar não mostraram maior efetividade da anestesia neuroaxial.

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  • Local da pesquisa: Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2013
  • Aceito
    16 Set 2013
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