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Necessidade de anestésicos avaliada com a análise do índice bispectral bilateral e bloqueio femoral em artroplastia total de joelho

Resumo

Justificativa e objetivos

O bloqueio contínuo de nervos periféricos provou ser benéfico para reduzir o consumo de morfina no pós-operatório. A combinação de um bloqueio femoral e anestesia geral para reduzir a necessidade de anestésicos no intraoperatório ainda não foi avaliada. O objetivo deste estudo foi determinar a relevância do momento propício durante o bloqueio femoral para a necessidade de anestésicos no intraoperatório durante a anestesia geral para artroplastia total de joelho (ATJ).

Métodos

Estudo prospectivo de coorte de pacientes agendados para ATJ. Os pacientes foram sequencialmente alocados em grupos para receber mepivacaína a 2% (20 mL) durante a inserção do cateter femoral, antes da indução da anestesia (pré-operatório) ou no início do fechamento da pele (pós-operatório). Um algoritmo com base nos valores do BIS orientou o manejo da anestesia no intraoperatório. Analgesia no pós-operatório foi administrada via bomba elastomérica de levobupivacaína a 0,125% conectada ao cateter femoral e complementada com analgesia (morfina) controlada pelo paciente durante 48 horas. Os testes de Kruskall-Wallis e do qui-quadrado foram usados para comparar as variáveis. A significância estatística foi estabelecida em p < 0,05.

Resultados

Foram estudados 94 pacientes, 47 no pré-operatório e 47 no pós-operatório. Houve menos necessidade de fentanil e sevoflurano durante o período intraoperatório no grupo pré-operatório; medianas e variações dos valores: 250 (100-600) vs. 450 (200-600) µg e 21 (12-48) vs. 32 (18-67) mL p = 0,001, respectivamente. Não houve diferenças nas medianas dos valores das escalas de classificação numérica e verbal, 4 (0-10) vs. 3 (0-10), e nas medianas do consumo de morfina, 9 (2-73) vs. 8 (0-63) mg no pós-operatório.

Conclusões

O bloqueio femoral no pré-operatório é útil para diminuir a necessidade de anestésicos em ATJ, mas não tem efeito adicional no controle da analgesia no pós-operatório.

PALAVRAS-CHAVE
Bloqueio de nervos; Tratamento da dor; Monitor de índice bispectral; Cloridrato de levobupivacaína; Artroplastia de joelho

Abstract

Background and objectives

A continuous peripheral nerve blockade has proved benefits on reducing postoperative morphine consumption; the combination of a femoral blockade and general anesthesia on reducing intraoperative anesthetic requirements has not been studied. The objective of this study was to determine the relevance of timing in the performance of femoral block to intraoperative anesthetic requirements during general anesthesia for total knee arthroplasty.

Methods

A single-center, prospective cohort study on patients scheduled for total knee arthroplasty, were sequentially allocated to receive 20 mL of 2% mepivacaine throughout a femoral catheter, prior to anesthesia induction (Preoperative) or when skin closure started (Postoperative). An algorithm based on bispectral values guided intraoperative anesthetic management. Postoperative analgesia was done with an elastomeric pump of levobupivacaine 0.125% connected to the femoral catheter and complemented with morphine patient control analgesia for 48 hours. The Kruskall Wallis and the chi-square tests were used to compare variables. Statistical significance was set at p < 0.05.

Results

There were 94 patients, 47 preoperative and 47 postoperative. Lower fentanyl and sevoflurane were needed intraoperatively in the Preoperative group; median values and range: 250 (100-600) vs 450 (200-600) µg and 21 (12-48) vs 32 (18-67) mL p = 0.001, respectively. There were no differences in the median verbal numeric rating scale values 4 (0-10) vs 3 (0-10); and in median morphine consumption 9 (2-73) vs 8 (0-63) mg postoperatively.

Conclusions

A preoperative femoral blockade is useful in decreasing anesthetic requirements in total knee arthroplasty surgery but no added effect in the postoperative analgesic control.

KEYWORDS
Nerve block; Pain management; Bispectral index monitor; Levopubicaine hydrochloride; Knee arthroplasty

Introdução

A incidência de artroplastia total de joelho (ATJ) primária relatada anualmente varia de 30 a 199 por 100.000 habitantes.11 Vielgut I, Kastner N, Pichler K, et al. Application and surgical technique of total knee arthroplasties: a systematic comparative analysis using worldwide registers. Int Orthop. 2013;37:1465-9. Diferentes técnicas de anestesia são usadas para fazer ATJ, inclusive anestesia geral e diferentes formas de anestesia regional: bloqueio neuraxial e bloqueio de nervos periféricos dos membros inferiores.22 Macfarlane AJ, Prasad GA, Chan VW, et al. Does regional anesthesia improve outcome after total knee arthroplasty?. Orthop Relat Res. 2009;467:2379-402. ATJ é um procedimento que produz dor intensa no período pós-operatório e o desafio do tratamento dessa complicação é proporcionar conforto e reabilitação precoce ao paciente. O tratamento padrão para analgesia eficaz em ATJ consiste na administração balanceada de opioides por via intravenosa, combinados com agentes anti-inflamatórios não esteroides. Recentemente, o bloqueio contínuo de nervos periféricos demonstrou ser benéfico, basicamente através da redução do consumo de morfina e, consequentemente, dos efeitos colaterais relacionados à morfina no pós-operatório.33 Kadic L, Boonstra MC, Malefijt MC. Continuous femoral nerve block after total knee arthroplasty?. Acta Anaesthesiol Scand. 2009;53:914-20.,44 Chan EY, Fransen M, Sathappan S, et al. Comparing the analgesia effects of single-injection and continuous femoral nerve blocks with patient controlled analgesia after total knee arthroplasty. J Arthroplasty. 2013;28:608-13.

Um cateter femoral pode ser colocado em pacientes submetidos à ATJ antes da indução da anestesia ou após a conclusão da cirurgia. A feitura do bloqueio antes da cirurgia tem como objetivo prevenir a dor, mas não mostrou um resultado benéfico evidente.55 Chan MH, Chen WH, Tung YW, et al. Single-injection femoral nerve block lacks preemptive effect on postoperative pain and morphine consumption in total knee arthroplasty. Acta Anaesthesiol Taiwan. 2012;50:54-8.

6 Barreveld A, Witte J, Chahal H, et al. Preventive analgesia by local anesthetics: the reduction of postoperative pain by peripheral nerve blocks and intravenous drugs. Anesth Analg. 2013;116:1141-61.
-77 Matava MJ, Prickett WD, Khodamoradi S, et al. Femoral nerve blockade as a preemptive anesthetic in patients undergoing anterior cruciate ligament reconstruction: a prospective, randomized, double-blinded, placebo-controlled study. Am J Sports Med. 2009;37:78-86. A associação de bloqueio neuraxial e anestesia geral mostrou reduzir a necessidade de hipnóticos e opioides88 Kanata K, Sakura S, Kushizaki H, et al. Effects of epidural anesthesia with 0.2% and 1% ropivacaine on predicted propofol concentrations and bispectral index values at three clinical end points. J Clin Anesth. 2006;18:409-14.

9 Zhang J, Zhang W, Li B. The effect of epidural anesthesia with different concentrations of ropivacaine on sevoflurane requirements. Anesth Analg. 2007;104:984-6.
-1010 Shono A, Sakura S, Saito Y, et al. Comparison of 1% and 2% lidocaine epidural anaesthesia combined with sevoflurane general anaesthesia utilizing a constant bispectral index. Br J Anaesth. 2003;91:825-9. e proporcionou melhor controle da dor no pós-operatório.1111 Lavand’homme P, De Kock M, Waterloos H. Intraoperative epidural analgesia combined with ketamine provides effective preventive analgesia in patients undergoing major digestive surgery. Anesthesiology. 2005;103:813-20. No entanto, a combinação de bloqueio femoral contínuo e anestesia geral ainda não foi avaliada.

A hipótese deste estudo foi que um bloqueio femoral pré-incisão cirúrgica reduziria, em geral, a necessidade de anestésicos durante o procedimento e também a dor e o consumo de analgésicos no pós-operatório. O objetivo principal do estudo foi determinar a relevância do momento de aplicação do bloqueio femoral para a necessidade de anestésico no intraoperatório durante a anestesia geral para ATJ. Também avaliamos se o momento da aplicação do bloqueio femoral influenciou as variáveis no pós-operatório, como dor, consumo de opioide e perda de sangue.

Métodos

Este foi um estudo prospectivo de coorte em um único centro. Os pacientes foram alocados em um de dois grupos; o anestesiologista responsável pelo paciente não estava cegado para a alocação dos pacientes nos grupos. O manejo de todos os pacientes durante o período intraoperatório seguiu um rigoroso protocolo de anestesia. Os cirurgiões e médicos que acompanharam os pacientes, bem como os enfermeiros da Sala de Recuperação Pós-Anestesia (SRPA) e da enfermaria, eram cegados para a alocação dos grupos de pacientes.

O estudo foi feito após obter de todos os pacientes a assinatura em termo de consentimento informado e a aprovação do Conselho de Revisão Institucional do Hospital Universitário de Bellvitge, Barcelona, em 10 de dezembro de 2009: protocolo, n° EPA020/09.

Os critérios de inclusão foram todos os pacientes adultos agendados para ATJ. Todos os candidatos conseguiram entender o protocolo analgésico. Os critérios de exclusão foram presença de doença neurológica, uso de medicamentos que atuam no sistema nervoso central, intolerância ou alergia a anti-inflamatórios não esteroides, alergia aos anestésicos locais, história de doença diabética não controlada, via aérea difícil, asma, cirurgia vascular em membros inferiores ou trombose venosa profunda de alto risco, doença cardíaca grave e incapacidade de usar um sistema de analgesia controlada pelo paciente (Patient-Controlled Analgesia - PCA). O estudo foi explicado a todos os pacientes que também receberam informações por escrito. Os pacientes que entregaram o termo de consentimento assinado foram inscritos. O recrutamento para o estudo ocorreu de janeiro de 2010 a junho de 2011.

Todos os pacientes foram internados no dia da cirurgia. Antes da indução da anestesia, um cateter (Pajunk Stimulong Bonus 216 × 64 mm2) foi colocado, em condições assépticas, próximo ao nervo femoral com um ultrassom (Ultrasound scanner S-Nerve Sonosite) como guia para localizar o nervo, mas sem estimulação do nervo. A injeção de solução de dextrose (3-5 mL) ao redor do nervo foi usada para confirmar a colocação do cateter.

Os pacientes foram alocados sequencialmente em blocos de quatro para cada grupo femoral. Três anestesiologistas, não cegados para a sequência aleatória, participaram da alocação e do manejo intraoperatório dos pacientes. Após a colocação do cateter, os pacientes receberam 20 mL de mepivacaína a 2%, 5 minutos (min) antes da indução da anestesia (grupo pré-operatório), ou o mesmo volume de anestésico local no fim da cirurgia quando o fechamento da pele foi iniciado (grupo pós-operatório). Novamente, o administrador da anestesia estava ciente da alocação dos grupos.

Oxigênio foi administrado por 5 min antes da indução da anestesia, aplicada com fentanil (3 µg.kg-1) seguido de propofol (2 mg.kg-1) para obter um índice bispectral (BIS) < 60 e rocurônio (0,6 mg.kg-1). Após a intubação traqueal, as concentrações de sevoflurano foram estabelecidas para atingir valores BIS de 40-60. A manutenção da anestesia foi iniciada com uma fração inspirada de sevoflurano (FISEVO) a 2,5% em fluxo de gás fresco (4 L.min-1) por 4 min para atingir uma concentração alveolar mínima (CAM) de 1,3, com o objetivo de manter os valores BIS entre 40-60. Quando esse objetivo foi atingido, o fluxo de gás fresco foi diminuído para 2 L.min-1 e, consequentemente, o vaporizador de sevoflurano foi calibrado para aumentos ou reduções graduais de 0,4% para atingir os valores BIS predeterminados (fig. 1). Os pulmões foram ventilados para manter a concentração expirada de dióxido de carbono (ETCO2) a 30-35 mmHg. Rocurônio seria administrado em bolus de 0,15 mg .kg-1 caso houvesse duas respostas à sequência de quatro estímulos (TOF) ou o paciente apresentasse sinais de bloqueio neuromuscular inadequado para a cirurgia, tais como assincronia ventilatória ou movimento claramente perceptível do paciente. Após a cirurgia, o bloqueio neuromuscular foi revertido com uma dose apropriada de neostigmina. A extubação traqueal foi feita quando o paciente estava consciente e respirava confortavelmente, com saturação de oxigênio acima de 92%.

Figura 1
Manejo anestésico no intraoperatório.

Todos os pacientes foram aquecidos com um sistema de convecção térmica (Warmtouch, Mallinckrodt, St. Louis, MO) para manter a temperatura corporal entre 35,5 °C e 36,5 °C. O monitoramento incluiu oximetria de pulso, temperatura esofágica, ETCO2, TOF, BIS, índice de variabilidade composto (CVI) e FISEVO - FESEVO de sevoflurano (sistema Datex Ohmeda).

Um monitor de análise bispectral bilateral (BIS Vista, Aspect Medical System Inc., Natick, MA) foi colocado antes da indução, após cuidadosa preparação da pele, e os valores de impedância do eletrodo foram inferiores a 5 kΩ. O CVI, derivado dos desvios-padrão do BIS e de um eletromiograma, foi definido como um modo útil para detectar níveis baixos de analgesia e pode indicar antinocicepção inadequada.1212 Ellerkmann RK, Grass A, Hoeft A, et al. The response of the composite variability index to a standardized noxious stimulus during propofol-remifentanil anesthesia. Anesth Analg. 2013;116:580-8. BIS e CVI foram obtidos com um eletrodo parietal frontal bilateral por dois segundos (s). Após a indução da anestesia, um sistema de torniquete automático (ATS 1200) foi ajustado para 350 mmHg, como indicado pelo ortopedista.

Os valores do BIS, do CVI e hemodinâmicos foram todos medidos a partir do Datex Ohmeda e registados em um computador portátil com o programa de coleta de dados Rugloop em execução que calculou a sincronização das informações do monitor BIS VISTA e do monitor Datex Ohmeda do paciente. Para a análise comparativa, os médicos usaram o programa Rugloop para registrar os seguintes tempos de mensuração: fase basal; 1 min após a indução da anestesia; 5 min após a isquemia do manguito e antes do início da cirurgia; 5 min após a incisão; 5 min após liberação do manguito e isquemia; término da cirurgia e após o fechamento do vaporizador de sevoflurano (quando o paciente já conseguia responder aos comandos orais e o tubo traqueal fora removido). A dose total de fentanil e o consumo total de sevoflurano foram registrados no fim do procedimento. Esse último foi obtido a partir do valor registrado pela máquina de anestesia em mL consumido durante todo o procedimento.

Uma amostra de sangue basal foi colhida do paciente no momento da indução da anestesia e outra amostra foi colhida no fim da cirurgia para determinar o equilíbrio ácido-base, lactato, glicose, creatinina, creatinofosfoquinase e potássio.

Para garantir a homogeneidade e segurança do manejo anestésico, um protocolo anestésico específico para o período intraoperatório foi estabelecido (fig. 1). A pressão sanguínea foi medida a cada 5 min. Em caso de pressão arterial sistólica (PAS) inferior a 90 mmHg e valores BIS na faixa de 40-60, um novo bolus de efedrina (5 mg) era administrado por via intravenosa. Em caso de PAS inferior a 90 mmHg e valor BIS inferior a 40, o vaporizador de sevoflurano era diminuído em 0,4%, até atingir um valor BIS de 40 ou superior. Em caso de PAS superior a 165 mmHg e valor BIS acima de 60, o vaporizador de sevoflurano era aumentado em 0,4%, até atingir um valor BIS de 60 ou inferior. Em caso de PAS superior a 165 mmHg e valores BIS na faixa de 40-60, um bolus de fentanil (1 µg.kg-1) era administrado até atingir uma PAS adequada, considerando a hipnose inadequada como o principal motivo da hipertensão. Em caso de frequência cardíaca inferior a 50 batimentos por minuto, atropina (1 mg) era administrada por via intravenosa.

Para o protocolo de analgesia no pós-operatório, antes da recuperação da anestesia, todos os pacientes de ambos os grupos receberam uma bomba de infusão elastomérica com levobupivacaína a 0,125% a uma taxa de infusão de 7 mL.h-1, conectada ao cateter femoral, e 1 g de paracetamol e 50 mg de dexcetoprofeno por via intravenosa.

Quando o paciente chegou à SRPA, o enfermeiro responsável, que desconhecia o momento da administração do anestésico local, iniciou o sistema de PCA (Gemstar Siete Terapias, Hospira, Madrid, Espanha) com morfina. A dor foi avaliada com o uso de uma escala de classificação numérica verbal (VNRS) (0 = sem dor, 1-3 = dor leve, 4-7 = dor moderada e 8-10 = dor intensa). Bolus intravenosos de morfina (2 mg) foram injetados a cada 5 min até atingir um escore VNRS < 4; subsequentemente, o sistema PCA administrou uma dose de 0,5 mg de morfina, com tempo de bloqueio de 5 min. Quando o paciente estava estável, o enfermeiro responsável o transferiu para a enfermaria com o sistema PCA conectado a uma linha intravenosa e bomba elastomérica com levobupivacaína a 0,125% conectada ao cateter femoral. Ambos os sistemas de infusão foram mantidos por 48 h. Após esse período, o regime analgésico consistiu em aplicação subcutânea de morfina (4 mg), de acordo com a solicitação do paciente. Os valores de VNRS e a dose total de morfina foram registrados até o término da infusão.

O desfecho primário foi o consumo total de sevoflurano (mL) no intraoperatório. Os desfechos secundários avaliados foram: o volume de fentanil (mL) administrado durante a cirurgia; os valores VNRS em intervalos fixos (0 h, 10 min, 20 min, 30 min, 1 h, 4 h, 24 h, 48 h e 72 h) após o término da cirurgia; as doses de morfina administradas durante a permanência na SRPA e em 24 h, 48 h e 72 h de pós-operatório; o sangramento no período peroperatório (a soma do sangramento no intraoperatório e da drenagem sanguínea no pós-operatório registrada na SRPA); a porcentagem de pacientes que precisaram de concentrado de hemácias e o tempo de recuperação, estimado como o período desde o fim da cirurgia até a admissão na enfermaria.

O cálculo do tamanho de amostra foi estimado em um mínimo de 40 pacientes para cada grupo, considerando um valor-α de 0,05, erro-β de 0,2 e uma diferença no consumo de sevoflurano de 35% entre os grupos (variável de desfecho primário).

Os cirurgiões e enfermeiros da SRPA e enfermaria que registraram os valores de VNRS desconheciam a alocação dos pacientes. Os médicos que acompanharam os pacientes também desconheciam a designação do grupo femoral.

A distribuição normal das variáveis contínuas foi verificada com o teste de Kolmogorov-Smirnov. Usamos o teste não paramétrico de Kruskall-Wallis para comparar as variáveis contínuas e o teste do qui-quadrado para comparar outras variáveis. A significância estatística foi estabelecida em p < 0,05. Os dados são apresentados em número absoluto (%) ou mediana e intervalo. O software SPSS versão 15.0 (SPSS, Chicago, IL) foi usado para todas as análises.

Resultados

Fluxo dos participantes

Após a exclusão, 116 pacientes foram avaliados para elegibilidade de acordo com os critérios de exclusão; 22 pacientes foram excluídos: nove por não aceitaram participar do estudo e 13 por apresentarem contraindicações devido a suas condições clínicas. Portanto, 94 pacientes foram incluídos. Em 47 um cateter femoral foi inserido antes da cirurgia (grupo pré-operatório) e em 47, ao contrário, um cateter femoral foi inserido após a cirurgia (grupo pós-operatório) (fig. 2).

Figura 2
Diagrama dos participantes.

Não houve diferença entre os grupos em relação às características, cirurgias e aos tempos de recuperação dos pacientes (tabela 1). Nem houve diferença nas determinações bioquímicas.

Tabela 1
Características e dados dos grupos de pacientes no intraoperatório

Desfechos e estimativa

O uso de fentanil e sevoflurano no período intraoperatório foi significativamente menor no grupo pré-operatório (tabela 1). Os valores hemodinâmicos e do BIS registrados durante a cirurgia foram semelhantes nos dois grupos (tabelas 2 e 3). Não houve diferença entre os grupos em nenhum dos valores mensurados de VNRS ou no consumo de morfina (tabela 4). A perda de sangue no período peroperatório e o percentual de pacientes transfundidos foram semelhantes.

Tabela 2
Valores eletroencefalográficos
Tabela 3
Valores hemodinâmicos
Tabela 4
Valores VNRS e consumo de morfina no pós-operatório

Discussão

De acordo com as expectativas, um bloqueio femoral no período pré-operatório com 20 mL de mepivacaína a 2% reduziu o consumo de sevoflurano e fentanil nos pacientes submetidos à ATJ. Esse resultado intuitivo confirma que o bloqueio femoral teve efeito analgésico e reduziu o estresse nociceptivo durante a cirurgia. No entanto, o único estudo publicado anteriormente que explorou a influência do bloqueio femoral sobre a necessidade de anestesia em pacientes submetidos à reconstrução endoscópica do tendão patelar do ligamento cruzado anterior não encontrou diferença no consumo de opioides. Porém, a falta de um protocolo de monitoração hemodinâmica limita o valor deste estudo.77 Matava MJ, Prickett WD, Khodamoradi S, et al. Femoral nerve blockade as a preemptive anesthetic in patients undergoing anterior cruciate ligament reconstruction: a prospective, randomized, double-blinded, placebo-controlled study. Am J Sports Med. 2009;37:78-86. Em contraste, a administração peridural de lidocaína a 2% obteve sucesso na redução do consumo de sevoflurano e também leva a uma redução dos hormônios do estresse.1010 Shono A, Sakura S, Saito Y, et al. Comparison of 1% and 2% lidocaine epidural anaesthesia combined with sevoflurane general anaesthesia utilizing a constant bispectral index. Br J Anaesth. 2003;91:825-9. Um estudo que comparou a administração peridural de solução salina, ropivacaína a 0,2% e ropivacaína a 1% descobriu uma redução maior de sevoflurano expirado no grupo que recebeu uma concentração maior de ropivacaína; os autores especularam que um nível mais alto de bloqueio em dermátomo superior criou uma supressão mais intensa da consciência.99 Zhang J, Zhang W, Li B. The effect of epidural anesthesia with different concentrations of ropivacaine on sevoflurane requirements. Anesth Analg. 2007;104:984-6. Além disso, Ishiyama et al.1313 Ishiyama T, Kashimoto S, Oguchi T, et al. Epidural ropivacaine anesthesia decreases the bispectral index during the awake phase and sevoflurane general anesthesia. Anesth Analg. 2005;100:728-32. descobriram que os pacientes submetidos ao bloqueio epidural com ropivacaína a 0,75% apresentaram valores BIS menores do que os do grupo controle durante a fase de vigília da anestesia. A explicação para a influência de um bloqueio peridural sobre as necessidades anestésicas pode estar diretamente relacionada aos níveis plasmáticos de anestésico local e, portanto, a uma ação supraespinhal.1414 Hamp T, Krammel M, Weber U, et al. The effect of a bolus dose of intravenous lidocaine on the minimum alveolar concentration of sevoflurane: a prospective, randomized, double-blinded, placebo-controlled trial. Anesth Analg. 2013;117:323-8. O bloqueio de nervos periféricos para analgesia é atualmente uma boa opção à analgesia peridural no pós-operatório, com uma taxa de sucesso ainda melhor, e foi relatado como seguro quando o ultrassom é usado para guiar o bloqueio.1515 Lavand’homme P. From preemptive to preventive analgesia: time to reconsider the role of perioperative peripheral nerve blocks?. Reg Anesth Pain Med. 2011;36:4-6. Além disso, uma revisão de artigos na base de dados Cochrane concluiu que o bloqueio contínuo do nervo femoral proporcionou analgesia mais eficaz em ATJ do que o uso isolado de PCA e que foi semelhante à analgesia epidural.1616 Chan EY, Fransen M, Parker DA, et al. Femoral nerve blocks for acute postoperative pain after knee replacement surgery. Cochrane Database Syst Rev. 2014;13:5.

Em nosso estudo não foi possível demonstrar que o momento da aplicação do bloqueio femoral (antes ou depois da cirurgia) influenciou a demanda por analgésicos. Os valores VNRS nos tempos mensurados não diferiram entre os grupos e o consumo de morfina avaliado na SRPA e na enfermaria foi semelhante nos dois grupos. Martin et al.1717 Martin F, Martinez V, Mazoit JX, et al. Antiinflammatory effect of peripheral nerve blocks after knee surgery: clinical and biologics evaluation. Anesthesiology. 2008;109:484-90. descobriram que os pacientes com bolus único para bloqueio ciático em combinação com o bloqueio femoral contínuo experimentaram efeito anti-inflamatório positivo, medido pela circunferência do joelho e temperatura da pele. Porém, esse estudo não encontrou associação entre a redução dos mediadores inflamatórios e a demanda por analgésicos, encontrada por outros autores.1818 Carvalho B, Aleshi P, Horstman DJ, et al. Effect of a preemptive femoral nerve block on cytokine release and hyperalgesia in experimentally inflamed skin of human volunteers. Reg Anesth Pain Med. 2010;35:514-9. A adição de um bloqueio do nervo ciático a um bloqueio contínuo do nervo femoral demonstrou ser mais eficaz para reduzir a dor posterior e anterior do joelho durante oito horas, mas não após esse período. Portanto, essa redução da dor não influenciaria a demanda por analgésicos na enfermaria.1919 Abdallah FW, Chan VWS, Gandhi R, et al. The analgesic effects of proximal, distal, or no sciaticnerve block on posterior knee pain after total knee arthroplasty. a double-blind placebo-controlled randomized trial. Anesthesiology. 2014;121:1302-10. Não adicionamos o bloqueio do nervo ciático porque o objetivo deste estudo foi avaliar a necessidade de analgésicos até 72 h após a cirurgia. Um estudo randômico que comparou o bloqueio femoral (bolus único) em adição à raquianestesia antes ou após a artroplastia de joelho não encontrou diferença significativa no consumo de morfina entre os grupos55 Chan MH, Chen WH, Tung YW, et al. Single-injection femoral nerve block lacks preemptive effect on postoperative pain and morphine consumption in total knee arthroplasty. Acta Anaesthesiol Taiwan. 2012;50:54-8.. Em uma revisão sistemática,66 Barreveld A, Witte J, Chahal H, et al. Preventive analgesia by local anesthetics: the reduction of postoperative pain by peripheral nerve blocks and intravenous drugs. Anesth Analg. 2013;116:1141-61. Barreveld et al. documentaram uma redução da dor no pós-operatório quando o bloqueio de nervos periféricos foi comparado com placebo ou PCA, mas o momento do bloqueio (pré- ou pós-incisão) não pareceu demonstrar significância clínica. Além disso, os autores descobriram uma ação analgésica preventiva com a administração intravenosa de lidocaína, questionaram o efeito líquido do anestésico local sobre o bloqueio de nervos. Outra revisão sistemática do bloqueio de nervos periféricos encontrou evidências limitadas de um efeito positivo da analgesia preventiva.2020 Møiniche S, Kehlet H, Dahl JB. A qualitative and quantitative systematic review of preemptive analgesia for postoperative pain relief: the role of timing of analgesia. Anesthesiology. 2002;96:725-41.

Em nosso estudo, os valores BIS foram semelhantes nos dois grupos, conforme esperado devido à metodologia usada. Mesmo assim, não observamos diferenças entre valores direito e esquerdo do BIS. O desenvolvimento do CVI baseia-se na variabilidade do BIS e EMG facial e aumenta durante a anestesia inadequada com estímulos nociceptivos de alta intensidade. Esse índice ajuda a identificar níveis inadequados de analgesia com sensibilidade e especificidade aceitáveis.1212 Ellerkmann RK, Grass A, Hoeft A, et al. The response of the composite variability index to a standardized noxious stimulus during propofol-remifentanil anesthesia. Anesth Analg. 2013;116:580-8. Em nosso estudo, os valores do CVI não diferenciaram o grupo com maior consumo de opioides durante a cirurgia, corroboraram os achados de Dincklage et al.,2121 Von Dincklage F, Correll C, Schneider MH, et al. Utility of nociceptive flexion reflex threshold, bispectral index, composite variability index and noxious stimulation response index as measures for nociception during general anaesthesia. Anaesthesia. 2012;67:899-905. que não encontraram resposta preditiva positiva ou negativa do CVI à incisão ou à inserção de máscara laríngea.

As limitações deste estudo incluem o fato de os três anestesiologistas responsáveis pelo manejo intraoperatório terem conhecimento da alocação dos grupos, mas o protocolo anestésico foi definido para o uso de sevoflurano e fentanil, de acordo com normas estritas. Em contraste, o BIS e a hemodinâmica foram semelhantes nos dois grupos, além de não identificarmos diferenças nas determinações bioquímicas durante o procedimento cirúrgico (dados não mostrados). Por outro lado, os cirurgiões e enfermeiros não tinham conhecimento do manejo anestésico, o que confirma o valor dos dados obtidos no estudo.

Um bloqueio do nervo femoral no pré-operatório é útil para diminuir a necessidade de anestésicos durante o procedimento cirúrgico, mas não tem outros efeitos benéficos sobre o controle analgésico no pós-operatório.

  • Financiamento
    Recursos financeiros foram fornecidos pelo Departamento de Anestesia. Aspect Medical System Inc., Natick, MA, EUA, forneceu os eletrodos do Bilateral BIS para o monitor BIS Vista.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    14 Jan 2016
  • Aceito
    20 Jul 2016
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