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Avaliação imunohistoquímica comparativa do efeito da anestesia repetitiva com isoflurano e sevoflurano sobre o fígado de rato Estudo feito no Departamento de Anestesiologia e Propedêutica Cirúrgica, Universidade de Ciências Agrárias e Medicina Veterinária, Cluj-Napoca, Romênia.

Resumo

Justificativa e objetivos:

Anestésicos inalatórios são usados em humanos e também na prática médica veterinária. No presente estudo investigamos o efeito de isoflurano e sevoflurano em hepatócitos de rato.

Métodos:

Foram usados neste estudo 40 ratos Wistar fêmeas. Os animais foram divididos em grupos de cinco. Os grupos IM e SM serviram como controle. Os grupos I1, I2 e I3 foram usados para o estudo de isoflurano e os grupos S1, S2 e S3 para o estudo de sevoflurano. Os ratos foram anestesiados três vezes, durante duas horas em intervalos de dois dias, com uma concentração de 1,5% de isoflurano (I1, I2, I3) e 2% de sevoflurano (S1, S2, S3). O fornecimento de oxigênio durante a anestesia foi de 1 L O2/min. Os grupos IM, IS, I1 e S1 foram sacrificados imediatamente após a última anestesia. Os grupos I2 e S2 foram sacrificados seis horas após a última anestesia e os grupos I3 e S3 foram sacrificados 24 horas após a anestesia. Amostras dos fígados foram colhidas para ressaltar a caspase-3 em hepatócitos apoptóticos.

Resultados:

Após a administração de isoflurano, havia menos de 1% das células em apoptose em destaque nos fígados dos ratos dos grupos IM, I1 e I2. Às 24 horas após a anestesia (grupo I3), um pequeno número de hepatócitos apoptóticos foi destacado (3,23% de células em apoptose), com uma disposição estritamente periacinar, distribuídos aleatoriamente em um pequeno número de lóbulos hepáticos. Após a administração do sevoflurano, menos de 1% de hepatócitos apoptóticos foi identificado em todos os momentos de controle ao longo do estudo.

Conclusões:

Os resultados sugerem que os anestésicos não apresentam uma hepatotoxicidade considerável. A avaliação comparativa dos dois anestésicos mostra que sevoflurano é superior ao isoflurano.

Palavras-chave
Anestesia; Caspase-3; Isoflurano; Fígado; Sevoflurano

Abstract

Background and objectives:

Inhalation anesthetics are used in human, as well as veterinary medical practice. In the present study we investigated the effect of isoflurane and sevoflurane on rat hepatocytes.

Methods:

A total of 40 Wistar female rats were used in this study. Animals were divided in groups of 5 rats. Groups IM, SM served as control groups. Groups I1, I2, I3 were used to study isoflurane and S1, S2, S3 for sevoflurane study. They were anesthetized 3 times, for 2 h long, at 2 days interval with a concentration of: 1.5% isoflurane (I1, I2, I3) and 2% sevoflurane (S1, S2, S3). The oxygen supply throughout the anesthesia was 1 L O2/min. Groups IM, IS, I1, S1 were sacrificed immediately after the last anesthesia. Groups I2, S2 were sacrificed 6 h after the last anesthesia, and groups I3, S3, 24 h post-anesthesia. Liver samples were harvested to highlight caspase-3 in apoptotic hepatocytes.

Results:

Following isoflurane administration, there were less than 1% cells in apoptosis highlighted in rat livers from groups IM, I1 and I2. At 24 h post-anesthesia (group I3), a small number of apoptotic hepatocytes was highlighted (around 3.23% cells in apoptosis), with a strictly periacinar disposition, randomly distributed in a small number of hepatic lobules. After sevoflurane administration, less than 1% apoptotic hepatocytes were identified at all control moments throughout the study.

Conclusions:

The results suggest that the anesthetics do not present a considerable hepatotoxicity. The comparative assessment of the two anesthetics shows that sevoflurane is superior to isoflurane.

Keywords
Anesthesia; Caspase-3; Isoflurane; Liver; Sevoflurane

Introdução

Anestésicos inalatórios são amplamente usados em medicina humana e veterinária. Podem ser usados no manejo anestésico em um grande número de espécies, incluindo aves, répteis e animais selvagens.11 Lewis JCM. Field use of isoflurane and air anesthetic equipment in wildlife. J Zoo Wildl Med. 2004;35:303-11.

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9 Zizek D, Ribnikar M, Zizek B, et al. Fatal subacute liver failure after repeated administration of sevoflurane anaesthesia. Eur J Gastroeneterol Hepatol. 2010;22:112-5.
-1010 Soubhia AF, Lauz S, Montero EF, et al. Effects of the inhalational anesthetics halothane and sevoflurane on an experimental model of hepatic injury. Rev Bras Anestesiol. 2011;61:591-603.

A grande maioria das pesquisas avaliou os efeitos dos anestésicos inalatórios sobre a função hepática.1111 Sahin SH, Cinar SO, Paksoy I, et al. Comparison between low flow seovflurane anesthesia and total intravenous anesthesia during intermediate-duration surgery: effects on renal and hepatic toxicity. Hippokratia. 2011;15:69-74. Aspectos macro e especialmente microscópicos foram o objeto de estudo de um número relativamente pequeno de pesquisas. Alguns autores sustentam que a anestesia prolongada com isoflurano não induz lesões hepáticas em animais.1212 Byles PH, Dobkin AB, Ferguson JH, et al. Forane (compound 469): 2. Biochemical effects of repeated administration to animals, response to bleeding, and compatibility with epinephrine. Can Anaesth Soc J. 1971;18:387-96.

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Considerando o pequeno número de pesquisas e, especialmente, as informações conflitantes disponíveis na literatura da especialidade, consideramos oportuno conduzir um estudo histológico e imunohistoquímico do efeito de isoflurano e sevoflurano sobre o fígado de ratos.

Métodos

O protocolo experimental foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Científica da University of Agricultural Sciences and Veterinary Medicine (UASVM) Cluj-Napoca e conduzido de acordo com as normas do Ministério da Saúde e a legislação europeia sobre o tema. O estudo experimental foi feito no Biobase e no Departamento de Anestesiologia e Propedêutica Cirúrgica da UASVM Cluj-Napoca.

Foram usados no estudo experimental 40 ratos da linhagem Wistar, fêmeas de seis semanas. Os ratos foram alocados aleatoriamente em oito grupos com cinco cada. Dois desses grupos serviram como controles: Grupo IM (controle para isoflurano) e grupo SM (controle para sevoflurano); os ratos desses grupos foram expostos a oxigênio isolado (1 L.min-1) por três vezes, durante duas horas, com dois dias de intervalo. Três grupos (I1, I2 e I3) foram submetidos à anestesia com isoflurano a 1,5% de concentração e os outros três grupos (S1, S2 e S3) à anestesia com sevoflurano a 2% de concentração. Nas concentrações usadas, a concentração alveolar mínima (CAM) foi de aproximadamente um, tanto para isoflurano1818 Mazze RI, Rice SA, Baden JM. Halothane, isoflurane and enflurane MAC in pregnant and nonpregnant female and male mice and rats. Anesthesiology. 1985;62:339-41. quanto para sevoflurano.1919 Tamada M, Inoue T, Watanabe Y, et al. MAC values of sevoflurane. Prog Med. 1986;6:3248-3253 (in Japanese with English abstract). A concentração do anestésico foi ajustada com um vaporizador.

Usamos uma caixa de indução para as anestesias. Os ratos foram introduzidos na caixa de indução 15 minutos antes do início da anestesia, com o objetivo de acomodar. Os grupos experimentais foram anestesiados três vezes, durante duas horas, em dois dias de intervalo. O fornecimento de oxigênio durante a anestesia foi de 1 L O2.min-1 para ambos isoflurano e sevoflurano. Seguimos o protocolo recomendado por Honda et al.,1515 Honda M, Yamada T, Nomura T, et al. Differential, histochemical and immunohistochemical changes in rat hepatocytes after isoflurane or sevoflurane exposure. Acta Med Okayama. 2003;57:1-12. as anestesias foram repetidas três vezes para avaliar os efeitos da anestesia repetida com isoflurano e sevoflurano.

Após a conclusão das anestesias, os ratos foram sacrificados por deslocamento cervical, em diferentes momentos pós-anestésicos: os grupos IM, SM, I1 e S2 imediatamente após a anestesia; os grupos I2 e S2 seis h após a anestesia e os grupos I3 e S3 24 horas após a anestesia.

Imediatamente após a eutanásia, amostras do fígado foram colhidas, introduzidas em formalina tamponada a 10% para fixação. Após o período de fixação, as amostras foram embebidas em parafina e depois seccionadas a uma espessura de 5 µm e montadas em lâminas microscópicas revestidas com poli-L-lisina (para a reação imunohistoquímica).

Para detectar os hepatócitos apoptóticos, usamos a reação imunohistoquímica para realçar a expressão da caspase-3, como marcador de morte celular programada. Para esse propósito, o sistema Leica Bond-max™ Imunohistochemistry (Leica Biosystems Melbourne, BondMax, M2 12154) foi usado. A imunomarcação foi feita com anticorpos anti-caspase-3 policlonal de coelho (diluição 1/75, Rabbit Anticaspase 3 Polyclonal, Linaris, Biologische Produkte, Dossenheim, Alemanha - Cat. N° RB-1197-R7). As etapas do sistema para corar as seções foram as seguintes: (a) desparafinização e lavagem com uma solução de EDTA com pH 8,8 (solução de recuperação de epitopo 2), 98 °C por 20 minutos; (b) após a lavagem, o kit DC 9800 foi usado por 10 minutos (Leica Microsystems GmbH) para bloquear a peroxidase endógena; (c) lavagem e, em seguida, o anticorpo primário anti-caspase-3 de coelho foi adicionado e incubado por 30 minutos; (d) adição e incubação da polimerase por 10 minutos, obteve-se a reação de cor com a ajuda de DAB (diaminobenzidina).

A avaliação do marcador foi feita por meio de quantificação das células imunomarcadas. As células com um citoplasma marrom de intensidade diferente foram consideradas positivas. As células imunomarcadas de cinco campos microscópicos, com ampliação de 400×, foram contadas. O seguinte método de classificação foi usado para cada caso: (I) menos de 1% de células em apoptose, (II) 1-2% de células em apoptose e (III) mais de 2% de células em apoptose. As imagens microscópicas foram obtidas com o microscópio óptico Olympus BX51 conectado a uma câmera digital Olympus DP-25, armazenadas em cartão de memória digital e mostradas no monitor.

Resultados

A reação imunohistoquímica para a caspase-3 destacou um número pequeno de caspase-3 em células positivas hepáticas dos ratos dos grupos IM e SM (i. é, menos de 1% de células em apoptose), não mais do que a taxa de troca dos hepatócitos normais. Além do fato de serem escassas, as células positivas para caspase-3 estavam isoladas e dispersas nos lóbulos hepáticos. Na maior parte da área de secção, os lóbulos hepáticos apresentavam estrutura normal e não continham células apoptóticas (fig.1).

Figura 1
Grupo controle - células não apoptóticas; reação imunohistoquímica, anticorpos policlonais anticaspase-3; contracorado com hematoxilina de Mayer.

Os fígados dos ratos do Grupo I1 não apresentaram mais células positivas para caspase-3 do que o Grupo controle (i. é, menos de 1% de células em apoptose), de modo que não estavam presentes na grande maioria dos lóbulos, nem mesmo isoladamente. A situação foi semelhante no Grupo I2, em relação tanto ao aspecto geral do órgão quanto ao pequeno número de células em apoptose, em comparação com o grupo controle (i. é, menos de 1% de células em apoptose). As primeiras alterações visíveis aparecem somente no Grupo I3 e consistiam na presença de células positivas para caspase-3 em alguns lóbulos (3,23% das células em apoptose, o que representa mais de 2% das células em apoptose, de acordo com o método de classificação sugerido). Algumas das células bem próximas à veia centrolobular pareceram afetadas (fig.2). Observamos que o fenômeno não estava presente em todos os lóbulos hepáticos, mas apenas em alguns deles. Não observamos alterações inflamatórias ou distúrbios circulatórios após a exposição dos ratos ao isoflurano.

Figura 2
Grupo experimental I3 - células apoptóticas distribuídas em áreas centrolobulares (sugeridas por um citoplasma mais escuro) - setas pretas; reação imunohistoquímica, anticorpos policlonais anti-caspase-3; contracorado com hematoxilina de Mayer.

Nos fígados colhidos de ratos no Grupo S1, a situação foi comparável com a do grupo controle, o número de células positivas para caspase-3 foi muito pequeno. Um grande aumento das células positivas para caspase-3 não foi observado nos grupos S2 e S3. Não observamos outras lesões associadas (p. ex., lesões distróficas, inflamatórias ou distúrbios circulatórios) no fígado após a exposição dos ratos ao sevoflurano.

Discussão

Os fígados dos ratos nos grupos de controle apresentaram um aspecto normal quanto à lobulação e ao padrão lobular. Células positivas para caspase-3 (i. é, em apoptose) foram identificadas, mas seu número foi pequeno; na verdade, representaram a taxa normal de troca de hepatócitos (aspecto sugerido pela disposição isolada, dispersa pelos lóbulos hepáticos, com numerosos lóbulos hepáticos sem células imunomarcadas).

Os fígados dos ratos no Grupo I1 foram comparáveis com os dos ratos no grupo controle, em todos os aspectos. Células positivas para caspase-3 estavam presentes em pequenas quantidades e apenas em alguns lóbulos, de modo que não podemos afirmar que após a administração do anestésico houve reações adversas imediatas, ou mesmo reações discretas. No Grupo I2 não foram observadas alterações em relação à distribuição de apoptoses no fígado, em comparação com os dois grupos apresentados anteriormente. No Grupo I3, um ligeiro aumento do número de células positivas para caspase-3 foi observado, em comparação com os grupos controle, I1 e I2 e com o observado nos grupos IM, I1 e I2; no caso dos sujeitos do Grupo I3, um número maior de células imunomarcadas (em apoptose) foi identificado, focalmente dispostas, predominantemente centroacinares. Uma possível explicação para a afetação das células na vizinhança imediata da veia centrolobular pode ser o fato de o anestésico atingir o fígado através do sistema circulatório, mas nesse caso os hepatócitos na periferia dos lóbulos deveriam ser as primeiras células a ceder, porque esse é o local de entrada dos sinusoides nos lóbulos hepáticos. Porém, os hepatócitos na periferia dos lóbulos são favorecidos em termos de suprimento de nutrientes e oxigênio, são os primeiros a ser beneficiados devido à sua disposição, o que parece conferir resistência à ação anestésica. As células próximas à veia centrolobular são as últimas a ser supridas. Aparentemente, isso as torna um pouco vulneráveis, algumas entram em apoptose sob a ação anestésica. Outros relatos sugerem que a zona periacinar é particularmente vulnerável à necrose/apoptose (conhecida como necrose/apoptose da zona 3 ou periacinar), em parte porque estão mais distantes da chegada do sangue arterial e venoso portal que traz oxigênio e nutrientes essenciais.2020 Jubb KVF, Kennedy PC, Palmer N. Pathology of domestic animals, vol. 2, 3rd ed. Academic Press, Inc.; 1985. p. 240-307.,2121 Treuting PM, Dintzis SM. Comparative Anatomy and Histology: A Mouse and Human Atlas. United States of America: Academic Press; 2012. p. 193-9 [chapter 13].

Contudo, o número de células apoptóticas foi pequeno; podemos afirmar que isoflurano é um anestésico com boa tolerância. As reações adversas que apareceram no fígado após a sua administração em dose terapêutica foram mínimas, sem outras lesões celulares (p. ex., distrofias, necroses, desordens vasculares) que induzem alterações no padrão do órgão.

A administração de sevoflurano não resultou no aumento do número de hepatócitos positivos para caspase-3 nos grupos experimentais imediatamente após a anestesia ou nos outros tempos de avaliação (6 h e 24 h após a anestesia). Em nenhum desses momentos, as células positivas para caspase-3 estiveram em um nível que sugerisse a apoptose de hepatócitos provocada pelo anestésico. Apoptoses estiveram presentes em um pequeno número de células, de alguma forma comparável em todos os grupos, o que nos permite declarar que sua presença foi absolutamente normal e vinculada à taxa normal de troca de hepatócitos. Em outras palavras, sevoflurano parece não induzir reações adversas em fígado de rato, detectáveis por meio de exame histológico. Isso demonstra uma tolerabilidade hepática muito boa de sevoflurano.

A avaliação comparativa do efeito dos dois anestésicos em fígado de rato sublinha o fato de que, embora ambos tenham sido bem tolerados, pelo menos na dose e no tempo de administração escolhidos por nós no presente protocolo experimental existem certas diferenças entre eles. Essas diferenças referem-se ao fato de que apesar de apresentar uma boa tolerância, isoflurano desencadeou a apoptose em um número relativamente pequeno de hepatócitos, enquanto sevoflurano não o fez. Embora as diferenças sejam mínimas, o fato de sevoflurano apresentar uma tolerabilidade superior em comparação com isoflurano é um destaque. A esse respeito, nossos resultados são consistentes com os resultados de Nishiyama et al.2222 Nishiyama T, Yokoyama T, Hanaoka K. Liver and renal function after repeated sevoflurane or isoflurane anaesthesia. Can J Anaesth. 1998;45:789-93. e Nishiyama.2323 Nishiyama T. Effects of repeat exposure to inhalation anesthetics on liver and renal function. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2013;29:83-7. Eles relataram que o grau das lesões hepáticas induzidas pela exposição ao isoflurano foi maior do que o induzido por sevoflurano. Honda et al.1515 Honda M, Yamada T, Nomura T, et al. Differential, histochemical and immunohistochemical changes in rat hepatocytes after isoflurane or sevoflurane exposure. Acta Med Okayama. 2003;57:1-12. fizeram declarações comparáveis, mas os autores acima citados estavam se referindo a outros tipos de lesões hepáticas, não apoptose. Além disso, relatam que não observaram apoptose de zero hora ao dia sete após a exposição ao isoflurano ou sevoflurano com o uso de anticorpos anti-ssDNA policlonais de coelho. A explicação fornecida pelos autores é o fato de os resultados parecerem ter sido influenciados pela dose que, segundo eles, pode ter sido muito alta para permitir apoptose. A declaração parece correta, sabe-se que a necrose ocorre quando a hipóxia é grave e a apoptose ocorre quando a hipóxia é leve.2424 Kerr JF. Shrinkage necrosis: a distinct mode of cellular death. J Pathol. 1971;105:13-20.

A via exata de indução de apoptose por anestésicos inalatórios não é totalmente conhecida, mas existem estudos que propõem diferentes hipóteses. Zhang et al.2525 Zhang Y, Dong Y, Wu X, et al. The mitochondrial pathway of anesthetic isoflurane-induced apoptosis. J Biol Chem. 2010;285:4025-37. mostraram que isoflurano a 2% para tratamento por seis horas pode causar apoptose. O estudo foi feito em culturas de células de neurônios primários de ratos. Os autores relataram que isoflurano pode aumentar o nível do fator pró-apoptótico Bax, diminuir o nível do fator antiapoptótico Bcl-2, aumentar o acúmulo de espécies reativas de oxigênio, permitir a libertação de citocromo-c das mitocôndrias no citosol, induzir a ativação da caspase 9 e caspase-3 e induzir assim a apoptose através da família de proteínas Bcl-2 e via mitocondrial.

Wei et al.2626 Wei H, Liang G, Yang H, et al. The common inhalational anesthtic isoflurane induces apoptosis via activation of inositol 1,4,5-triphosphate receptors. Anesthesiology. 2008;108:251-60. propuseram outra hipótese: a ativação dos receptores de inositol 1,4,5-trifosfato (IP3) nas membranas do retículo endoplasmático por isoflurano. Esse fato causa a liberação excessiva de cálcio e desencadeia a apoptose. Os autores especificaram que a apoptose induzida por isoflurano, dependente da concentração e duração do anestésico, aumentou o cálcio citosólico e, em seguida, o mitocondrial. Turrilazzi et al.2727 Turrilazzi E, D’errico S, Neri M, et al. A fatal case of fulminant hepatic necrosis following sevoflurane anesthesia. Toxicol Pathol. 2007;35:780-5. relatam um caso de necrose hepática fulminante fatal após anestesia com sevoflurano e atribuíram como causa o aumento de cálcio citoplasmático por sevoflurano.

Em conclusão, nossos resultados mostram que sevoflurano não desencadeia a apoptose de hepatócitos, enquanto isoflurano determina apoptose periacinar moderada inconstante, 24 horas após a anestesia. Nossos resultados sugerem que os anestésicos testados não apresentam uma hepatotoxicidade significativa, sevoflurano provou ter uma tolerabilidade superior em comparação com isoflurano.

  • Estudo feito no Departamento de Anestesiologia e Propedêutica Cirúrgica, Universidade de Ciências Agrárias e Medicina Veterinária, Cluj-Napoca, Romênia.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    14 Jan 2015
  • Aceito
    11 Fev 2015
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