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Dor no período pós-operatório de nefrectomia laparoscópica com bloqueio do plano transverso abdominal guiado por ultrassom versus infiltração do sítio do trocarte: um estudo prospectivo Este estudo foi conduzido no Centro Hospitalar do Porto (CHP), Porto, Portugal.

Resumo

Justificativa

O bloqueio do plano transverso abdominal (TAP) é útil para reduzir a dor no pós-operatório de nefrectomia laparoscópica comparado com o placebo. O objetivo deste estudo foi comparar a dor no pós-operatório e a recuperação após bloqueio TAP ou infiltração do sítio do trocarte (TSI) nesse tipo de cirurgia.

Métodos

Estudo prospectivo e cego com pacientes agendados para nefrectomia laparoscópica. Os pacientes foram divididos em dois grupos: Grupo TSI: infiltração do sítio do trocarte ao final da cirurgia; Grupo TAP: bloqueio TAP unilateral guiado por ultrassom após a indução. Sevoflurano e remifentanil administrado em perfusão alvo-controlada foram usados para a manutenção da anestesia geral. Paracetamol, tramadol e morfina foram administrados antes do fim da cirurgia. Escala analógica visual (VAS 0-100 mm), para avaliar a dor em repouso e durante a tosse, foi aplicada em três momentos: na sala de recuperação [na admissão (T1) e antes da alta (T2)] e 24 horas após a cirurgia (T3). Os escores de dor com espirômetro de incentivo também foram avaliados em T3. Durante a recuperação, morfina foi administrada como medicamento de resgate, sempre que VAS > 30 mm. Os tempos até a ingestão oral, sentar em cadeira, deambulação e de permanência hospitalar foram avaliados 24 horas após a cirurgia. Análise estatística: teste t de Student, teste do qui-quadrado e modelos de regressão linear. Um valor de p < 0,05 foi considerado significativo. Os dados foram expressos em média (DP).

Resultados

Quarenta pacientes foram incluídos no estudo. Os escores do desfecho primário e da VAS não apresentaram diferença estatística significativa entre os grupos (p > 0,05). Os escores VAS em repouso (TAP vs. TSI) foram: T1 = 33 ± 29 vs. 39 ± 32; T2 = 10 ± 9 vs. 17 ± 18 e T3 = 7 ± 12 vs. 10 ± 18. Os escores VAS durante a tosse (TAP vs. TSI) foram: T1 = 51 ± 34 vs. 45 ± 32; T2 = 24 ± 24 vs. 33 ± 23 e T3 = 20 ± 23 vs. 23 ± 23. Os escores VAS com espirômetro de incentivo (TAP vs. TSI) foram: T3 = 21 ± 27 vs. 21 ± 25. O consumo de remifentanil no intraoperatório foi semelhante entre os grupos TAP (0,16 ± 0,07 mcg.kg-1.min-1) e TSI (0,18 ± 0,9 mcg.kg-1.min-1). Não houve diferença no consumo de opioides entre os grupos TAP (4,4 ± 3,49 mg) e TSI (6,87 ± 4,83 mg) durante a recuperação. Os parâmetros funcionais de recuperação não foram estatisticamente diferentes entre os grupos.

Conclusões

A analgesia multimodal com bloqueio TAP não mostrou benefício clínico significativo comparado com a infiltração do sítio do trocarte em nefrectomia laparoscópica.

PALAVRAS-CHAVE
Analgesia multimodal; Nefrectomia laparoscópica; Bloqueio TAP guiado por ultrassom

Abstract

Background

Transversus abdominis plane (TAP) block is useful in reducing post-operative pain in laparoscopic nephrectomy compared to placebo. The purpose of this work is to compare post-operative pain and recovery after TAP block or trocar site infiltration (TSI) in this surgery.

Methods

A prospective, single blinded study on patients scheduled for laparoscopic nephrectomy. Patients were assigned to two groups: TSI Group: trocar site infiltration at the end of surgery; TAP Group: unilateral ultrasound-guided TAP block after induction. Sevoflurane and remifentanil, in a target controlled infusion mode, were used for maintenance of general anesthesia. Before the end of surgery paracetamol, tramadol and morphine were administered. Visual analogue scale (VAS 0-100 mm) at rest and with cough was applied in three moments: in recovery room (T1 at admission and T2 before discharge) and 24 h after surgery (T3). Pain scores with incentive spirometer were also evaluated at T3. In recovery, morphine was administered as a rescue drug whenever VAS > 30 mm. Time to oral intake, chair sitting, ambulation and length of hospital stay were evaluated 24 h after surgery. Statistical analysis: Student's t-test and Chi-square test, and linear regression models. A p-value < 0.05 was considered significant. Data are presented as mean (SD).

Results

Forty patients were enrolled in the study. The primary outcome variable, VAS pain scores did not show a statistical significant difference between groups (p > 0.05). VAS at rest (TAP vs. TSI groups) was: T1 = 33 ± 29 vs. 39 ± 32, T2 = 10 ± 9 vs. 17 ± 18 and T3 = 7 ± 12 vs. 10 ± 18. VAS with cough (TAP vs. TSI groups) was: T1 = 51 ± 34 vs. 45 ± 32, T2 = 24 ± 24 vs. 33 ± 23 and T3 = 20 ± 23 vs. 23 ± 23. VAS with incentive spirometer (TAP vs. TSI groups) was: T3 = 21 ± 27 vs. 21 ± 25. Intraoperative remifentanil consumption was similar between TAP (0.16 ± 0.07 mcg.kg-1.min-1) and TSI (0.18 ± 0.9 mcg.kg-1.min-1) groups. There were no differences in opioid consumption between TAP (4.4 ± 3.49 mg) and TSI (6.87 ± 4.83 mg) groups during recovery. Functional recovery parameters were not statistically different between groups.

Conclusions

Multimodal analgesia with TAP block did not show a significant clinical benefit compared with trocar site infiltration in laparoscopic nephrectomies.

KEYWORDS
Multimodal analgesia; Laparoscopic nephrectomy; Ultrasound Transversus abdominis plane block

Introdução

As técnicas laparoscópicas são amplamente usadas em diferentes procedimentos urológicos desde a década de 199011 Greco F, Hoda MR, Alcaraz A, et al. Laparoscopic living-donor nephrectomy: analysis of the existing literature. Eur Urol. 2010;58:498-509. com benefícios comprovados para os pacientes, inclusive a redução da dor no pós-operatório. Uma abordagem multimodal de manejo da dor com anti-inflamatórios não esteroides, opioides e técnicas locorregionais foi recomendada para a cirurgia laparoscópica.22 Ortiz J, Rajagopalan S. A review of local anesthetic techniques for analgesia after laparoscopic surgery. J Minim Invasive Surg Sci. 2014;3:e11310.

O bloqueio do plano transverso abdominal (TAP) é uma técnica anestésica locorregional que bloqueia os aferentes neurais da parede abdominal anterolateral (de T6 a L1). A injeção de anestésicos locais é feita no plano da fáscia do abdome transverso guiada por ultrassom ou por referências anatômicas. Essa técnica foi usada para o controle da dor após cirurgia ginecológica e abdominal.33 Petersen PL, Mathiesen O, Torup H, et al. The transversus abdominis plane block: a valuable option for postoperative analgesia? A topical review. Acta Anaesthesiol Scand. 2010;54:529-35. O bloqueio TAP guiado por ultrassom foi avaliado em ensaios clínicos randômicos e controlados para cirurgia colorretal, cesariana, colecistectomia, histerectomia, hérnia inguinal, apendicectomia, nefrectomia, gastrectomia e bariátrica.44 Ripollés J, Mezquita SM, Abad A, et al. Analgesic efficacy of the ultrasound-guided blockade of the transversus abdominis plane - a systematic review. Braz J Anesthesiol. 2015;65:255-80.

Em relação aos procedimentos urológicos, dois ensaios clínicos randômicos e controlados compararam TAP com placebo para nefrectomia em doador vivo. Em ambos os estudos, tanto o consumo médio de opioides nas primeiras 24 horas (h) quanto os escores na escala visual analógica (VAS) foram menores no período pós-operatório.55 Hosgood SA, Thiyagarajan UM, Nicholson HF, et al. Randomized clinical trial of transversus abdominis plane block versus placebo control in live-donor nephrectomy. Transplantation. 2012;94:520-5.,66 Parikh Beena KWVT, Shah VR, Mehta T, et al. The analgesic efficacy of ultrasound-guided transversus abdominis plane block for retroperitoneoscopic donor nephrectomy: a randomized controlled study. Saudi J Anaesth. 2013;7:43-7. Porém, esses estudos não compararam o bloqueio TAP com outras técnicas locorregionais e não avaliaram o consumo de opioides no intraoperatório ou a qualidade da recuperação.

O objetivo deste estudo foi comparar os escores de dor no pós-operatório em nefrectomias laparoscópicas com o uso do bloqueio TAP ou da infiltração no sítio do trocarte. Além disso, este estudo teve como objetivo avaliar o consumo de opioides no perioperatório e a qualidade da recuperação funcional com ambas as técnicas locorregionais.

Métodos

Questões éticas

O estudo foi feito após a aprovação do Conselho de Revisão Hospitalar e do Comitê de Ética IRB: N/REF. 2014.013 (011-DEFI/013-CES). O bloqueio TAP e a infiltração no sítio do trocarte são práticas habituais no hospital.

O anestésico local de escolha foi ropivacaína - fármaco aprovado para administração perineural pelo Órgão Regulador de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) e pela Autoridade Nacional de Medicamentos e Produtos de Saúde (Infarmed).

No dia anterior à cirurgia, todos os pacientes receberam informações por escrito e orais sobre o estudo e assinaram o termo de consentimento informado. Os pacientes também foram instruídos sobre o uso da escala VAS de 100 mm e treinados para o uso de um espirômetro de incentivo.

Protocolo de anestesia e técnica cirúrgica

Os pacientes foram designados para receber um bloqueio TAP (Grupo TAP) ou infiltração no sítio do trocarte (Grupo TSI) pelo pesquisador principal, de acordo com a experiência do anestesista designado para a aplicação do bloqueio TAP. Os pacientes e o pesquisador que fez a avaliação no pós-operatório desconheciam as designações dos grupos.

Pacientes adultos, estado físico ASA I-III, ≥ 18 anos e agendados para nefrectomia laparoscópica eletiva foram incluídos. Os critérios de exclusão foram: incapacidade de compreender o português, alergia relevante aos medicamentos, abuso de álcool ou drogas, ingestão diária de opioides, consumo de analgésico nas 24h anteriores à cirurgia e infecção no local da injeção.

Todos os pacientes receberam um protocolo anestésico padronizado: indução de anestesia geral com propofol (1-2 mg.kg-1), rocurônio (0,6 mg.kg-1) e remifentanil, com o uso de dispositivo de infusão alvo-controlado (Orchestra® Base Primea - Fresenius Kabi), com o modelo de Minto e considerada uma concentração no sítio-efetor de 2,5 ng.mL-1. Após a intubação orotraqueal, a concentração alvo de remifentanil no sítio-efetor diminuiu para 1,5 ng.mL-1 e, antes da incisão, essa concentração foi aumentada para 3,5 ng.mL-1. A anestesia foi continuada com sevoflurano e remifentanil para manter os valores do índice bispectral entre 40 e 60 e a pressão arterial média e frequência cardíaca em um intervalo de 10-20%, em relação aos valores pré-operatórios. Durante a cirurgia, a concentração alvo de remifentanil no sítio-efetor foi ajustada por alterações de 0,5 ng.mL-1, de acordo com os parâmetros fisiológicos. A infusão de remifentanil foi interrompida imediatamente após o término da cirurgia e o bloqueio neuromuscular foi revertido de acordo com a monitoração da sequencia de quatro estímulos (TOF).

Trinta minutos antes do fim da cirurgia, paracetamol intravenoso (1000 mg), tramadol (100 mg) e morfina (0,05 mg.kg-1) foram administrados a todos os pacientes.

O procedimento laparoscópico foi feito com quatro incisões para nefrectomia esquerda (três incisões de 5 mm e uma de 10 mm) e cinco incisões para nefrectomia direita (três incisões de 5 mm e duas de 10 mm). Em ambas as situações, uma incisão de 10 mm foi estendida para 60-70 mm para remoção do rim. O pneumoperitônio foi mantido em torno de 12 mmHg durante todo o procedimento.

Na sala de recuperação pós-anestesia (SRPA), uma dose intravenosa de morfina em bolus de 2 mg foi administrada a cada 10 minutos (min) caso os valores VAS estivessem acima de 30 mm.

Na enfermaria, o regime analgésico pós-operatório incluiu paracetamol intravenoso (1000 mg) a cada 8 h e tramadol intravenoso (100 mg) a cada 6 h. Para a profilaxia de náusea e vômito, ondansetrona (4 mg) foi administrado por via intravenosa a cada 8 h.

Intervenções

No Grupo TAP, um bloqueio TAP unilateral foi feito por um anestesiologista após a indução da anestesia. A sonda do ultrassom foi colocada na linha axilar média entre a crista ilíaca e a margem costal. Os músculos oblíquo externo, oblíquo interno e transverso abdominal e sua fáscia foram identificados. Uma agulha de 50 mm e calibre 21G (Echoplex®, Vygon, Reino Unido) foi introduzida anteriormente no plano com a sonda do ultrassom e ropivacaína a 0,375% em um volume total de 30 mL foi injetada após confirmar o posicionamento correto da agulha.

No Grupo TSI, a infiltração no sítio do trocarte foi feita pelo cirurgião imediatamente antes da sutura da incisão. A pele, o tecido subcutâneo e a fáscia abdominal profunda de cada borda das incisões foram infiltrados com 30 mL de ropivacaína a 0,375%, de acordo com o tamanho da incisão.

Desfechos

Os desfechos primários foram os escores VAS para a dor em repouso e ao tossir, avaliados na admissão à SRPA (T1), imediatamente antes da alta da SRPA (T2) e 24 h após a cirurgia (T3), e os escores VAS para a dor com espirometria de incentivo 24 h após a cirurgia (T3).

Os desfechos secundários foram o consumo de remifentanil no período intraoperatório, a administração de morfina na SRPA e a qualidade da recuperação funcional 24 h após a cirurgia, considerando o tempo para ingestão oral, sentar-se em cadeira, deambulação e permanência hospitalar.

Tamanho da amostra

Baseamos nosso cálculo do tamanho da amostra em um estudo randômico e controlado anterior de nefrectomia em doador vivo que comparou TAP versus placebo.55 Hosgood SA, Thiyagarajan UM, Nicholson HF, et al. Randomized clinical trial of transversus abdominis plane block versus placebo control in live-donor nephrectomy. Transplantation. 2012;94:520-5. Nesse estudo, o escore VAS antecipado em 24 h foi de 19 mm (DP 15 mm). Consideramos que uma redução de 20% nos escores VAS teria relevância clínica. Considerando um erro α de 0,05 e um erro β - 1 de 0,8 o cálculo do tamanho da amostra determinou 20 pacientes em cada grupo.

Análise estatística

As variáveis categóricas foram expressas em frequência e porcentagem e as variáveis contínuas em média ± desvio padrão (DP). Para a comparação entre os grupos, o teste t de Student e o teste do qui-quadrado foram usados para as variáveis contínuas e variáveis categóricas, respectivamente. A modelagem linear multivariada foi usada para identificar os fatores de risco independentes para os escores VAS (em repouso, ao tossir e na espirometria de incentivo), inclusive as características basais dos pacientes (idade, sexo, peso, classificação ASA), o consumo de morfina e o tempo de cirurgia. O coeficiente de correlação de Pearson (r) foi usado para analisar as correlações entre o consumo de remifentanil e o tempo de cirurgia e o escore VAS na admissão à SRPA. Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados

Foram elegíveis 42 pacientes para participar do estudo, de fevereiro de 2014 a novembro de 2014. Dois foram excluídos devido ao uso de medicamento dentro de 24 h antes da cirurgia e 40 foram recrutados e designados para os grupos de tratamento. Um paciente com complicação cirúrgica iniciou analgesia controlada pelo paciente com morfina na SRPA e foi posteriormente excluído da análise final, o que resultou em 39 na análise final. Todos os bloqueios TAP guiados por ultrassom foram feitos sem complicações. Os dados demográficos e perioperatórios dos pacientes são apresentados na tabela 1; não houve diferença entre os grupos. As variáveis de desfecho primário, escores VAS em repouso e ao tossir na admissão à SRPA (T1) e antes da alta (T2) e 24 horas após a cirurgia (T3) não apresentaram diferença estatisticamente significativa entre os grupos TAP e TSI. Os escores VAS na espirometria de incentivo 24 h após a cirurgia (T3) também não mostraram diferença estatisticamente significativa entre os grupos TAP e TSI. Os escores VAS em cada tempo mensurado (T1, T2 e T3) são apresentados na tabela 2.

Tabela 1
Características demográficas e dados perioperatórios dos pacientes
Tabela 2
Desfechos primários e secundários

Além disso, o consumo de remifentanil no intraoperatório, a administração de morfina na SRPA e as variáveis de recuperação funcional não demonstraram diferença estatisticamente significativa entre os grupos (tabelas 2 e 3). O tempo para ingestão oral foi < 6 h na maioria dos pacientes em ambos os grupos (TAP 89%; TSI 65%); o tempo para sentar-se em cadeira ocorreu principalmente entre 12 h e 18 h (TAP 74%, TSI 65%) e o tempo para deambulação foi iniciado com mais frequência entre 12 h e 24 h (TAP 79% e TSI 60%). Também não houve diferença significativa no tempo de permanência hospitalar entre os grupos (TAP ≈ TSI ≈ 4 dias).

Tabela 3
Variáveis de recuperação funcional

A regressão linear multivariada não identificou fator independente significativo entre as características demográficas e os escores VAS em repouso dos pacientes na admissão à SRPA. Porém, a regressão linear multivariada para os escores VAS revelou que o consumo de morfina foi um preditivo independente dos escores VAS na espirometria de incentivo.

Houve correlação significativa entre o consumo de remifentanil e o escore VAS em repouso na SRPA (r = 0,472; p = 0,003). Além disso, essa análise identificou correlação significativa entre o consumo de morfina na SRPA e os escores VAS na espirometria de incentivo (r = 0,373; p = 0,035).

Efeitos adversos ou complicações relacionadas ao bloqueio TAP ou infiltração no sítio do trocarte não foram observados.

Discussão

A cirurgia laparoscópica pode estar associada à redução da resposta ao trauma cirúrgico e a um tempo menor de recuperação, em comparação com os procedimentos abertos. Contudo, a dor no pós-operatório imediato é uma queixa frequente entre os pacientes. Portanto, as técnicas locorregionais periféricas para o alívio da dor no pós-operatório são uma abordagem atraente que pode melhorar o controle precoce da dor e minimizar a necessidade de opioides.77 Moiniche S, Jorgensen H, Wetterslev J, et al. Local anesthetic infiltration for postoperative pain relief after laparoscopy: a qualitative and quantitative systematic review of intraperitoneal, port-site infiltration and mesosalpinx block. Anesth Analg. 2000;90:899-912. Embora o uso de anestésicos locais e incisionais e intraperitoneais seja uma prática comum, o bloqueio TAP recentemente tornou-se mais popular devido à prática guiada por ultrassom. De fato, o bloqueio TAP guiado por ultrassom tem sido usado e avaliado em ensaios clínicos randômicos para vários tipos de cirurgia.44 Ripollés J, Mezquita SM, Abad A, et al. Analgesic efficacy of the ultrasound-guided blockade of the transversus abdominis plane - a systematic review. Braz J Anesthesiol. 2015;65:255-80. No entanto, esses resultados destacam a heterogeneidade substancial dos estudos disponíveis.88 Boddy AP, Mehta S, Rhodes M. The effect of intraperitoneal local anesthesia in laparoscopic cholecystectomy: a systematic review and meta-analysis. Anesth Analg. 2006;103:682-8.

Nosso estudo mostra que os escores VAS não apresentaram diferença estatisticamente significativa entre os grupos TSI e TAP. Além disso, nossos resultados mostram que o consumo de remifentanil no período intraoperatório e a administração de morfina na SRPA não apresentaram diferença estatisticamente significativa entre os grupos. Esses resultados não discordam daqueles apresentados em ensaios anteriormente publicados de nefrectomias laparoscópicas em doadores, indicam que o bloqueio TAP foi associado a um escore VAS menor no pós-operatório e a um consumo médio também menor de opioides nas primeiras 24 h, pois os ensaios mencionados foram controlados com placebo e a infiltração do sítio com anestésico local não foi feita.

Nossos resultados podem ser explicados se levarmos em consideração que o bloqueio TAP proporciona analgesia à pele, ao tecido subcutâneo e ao peritônio parietal. Como resultado, o bloqueio TAP não é eficaz para o controle de dor visceral e deve ser sempre executado como um componente adicional dentro da analgesia multimodal. Quando a infiltração no sítio do trocarte é corretamente feita, os mesmos planos anatômicos serão cobertos por anestésico local. De fato, foi discutido em um estudo anterior,33 Petersen PL, Mathiesen O, Torup H, et al. The transversus abdominis plane block: a valuable option for postoperative analgesia? A topical review. Acta Anaesthesiol Scand. 2010;54:529-35. que avaliou o bloqueio TAP em cirurgias de colecistectomia, que o bloqueio TAP pode ser desnecessário se considerarmos os níveis de dor e que a infiltração dos sítios com anestésico local pode ser uma opção melhor. Além disso, não há consenso sobre a distribuição do anestésico local após um bloqueio TAP de injeção única, pois alguns estudos estabelecem uma extensão de T7 a L1 e outros uma extensão de T10 a L1. A maior disseminação observada com a técnica guiada por ultrassom foi T7 com o bloqueio TAP subcostal oblíquo, T9 com a abordagem axilar média e T4 a L1 com a abordagem posterior. Na verdade, os ensaios clínicos randômicos estão pouco correlacionados com a extensão antecipada e, consequentemente, os bloqueios TAP não são todos equivalentes. A abordagem técnica modifica significativamente a farmacodinâmica e as características analgésicas subsequentes.44 Ripollés J, Mezquita SM, Abad A, et al. Analgesic efficacy of the ultrasound-guided blockade of the transversus abdominis plane - a systematic review. Braz J Anesthesiol. 2015;65:255-80. Além disso, apesar de a anestesia local ser usada para prevenir a sensibilização de nociceptores antes da incisão cirúrgica,22 Ortiz J, Rajagopalan S. A review of local anesthetic techniques for analgesia after laparoscopic surgery. J Minim Invasive Surg Sci. 2014;3:e11310. nossos resultados não mostraram diferença significativa no consumo de opioides entre o bloqueio TAP feito antes da cirurgia e a TSI feita no fim da cirurgia.

Neste estudo, o consumo de morfina foi um preditivo independente dos escores VAS na espirometria de incentivo. Embora a regressão tenha uma precisão aproximada de apenas 30%, conseguiu identificar uma correlação importante entre VAS e o consumo de morfina, sugeriu que alguns pacientes com mais necessidade de opioides na SRPA podem ser beneficiados com outras estratégias analgésicas para reduzir a dor ao esforço respiratório no dia seguinte à cirurgia.

Nossos resultados também não mostram diferenças no tempo para a ingestão oral, sentar-se em cadeira e deambulação entre os grupos. De acordo com a literatura, a recuperação funcional após nefrectomia laparoscópica foi avaliada em relação aos procedimentos abertos. Acar et al.99 Acar C, Bilen C, Bayazit Y, et al. Quality of life survey following laparoscopic and open radical nephrectomy. Urol J. 2014;11:1944-50. avaliaram a recuperação funcional com o uso de PCA com petidina. Os autores mostraram que o tempo médio para a ingestão oral no grupo laparoscópico foi de 19 h e que o tempo para a deambulação teve início 14 h após a cirurgia. Em nosso estudo, a maioria dos pacientes iniciou a ingestão oral em menos de 6 h, o que pode estar associado a uma redução geral do consumo de opioides e de seus efeitos colaterais. Nossos resultados relacionados ao tempo de deambulação não foram superiores. A eficácia do bloqueio TAP já foi avaliada somente após cirurgia laparoscópica ginecológica. De Oliveira et al.1010 De Oliveira GS, Fitzgerald PC, Marcus RJ, et al. A dose-ranging study of the effect of transversus abdominis block on postoperative quality of recovery and analgesia after outpatient laparoscopy. Anesth Analg. 2011;113:1218-25. concluíram que o bloqueio TAP proporcionou alta precoce, a qual foi associada a uma melhor qualidade de recuperação, porém esse estudo foi controlado com placebo.

Existem potenciais limitações associadas ao nosso estudo. Primeiro, embora os bloqueios TAP guiados por ultrassom tenham sido feitos por um anestesiologista experiente, o teste da picada de agulha não foi usado para avaliar o bloqueio sensorial e a eficácia do bloqueio TAP. Esse teste foi evitado no presente estudo para garantir a ceguidade do paciente. Além disso, o anestesiologista designado para a cirurgia urológica não estava cego para o grupo avaliado. Simultaneamente, os bloqueios TAP foram feitos por diferentes operadores, o que também introduziu uma variabilidade na eficácia da técnica.

Conclusão: neste estudo, a analgesia multimodal com bloqueio TAP ou com infiltração no sítio do trocarte foi uma técnica efetiva de analgesia no pós-operatório de nefrectomia laparoscópica.

  • 1
    Ambos os autores contribuíram igualmente para este trabalho.
  • Este estudo foi conduzido no Centro Hospitalar do Porto (CHP), Porto, Portugal.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2016
  • Aceito
    10 Ago 2016
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