Acessibilidade / Reportar erro

Hematoma subdural agudo potencialmente fatal após anestesia combinada raqui-peridural em parto

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Apenas alguns relatos na literatura mencionaram a possibilidade de formação de hematoma subdural craniano associada à punção durante a raquianestesia ou anestesia epidural. O presente relato descreve um caso tão raro que foi diagnosticado como hematoma subdural agudo após anestesia combinada raqui-peridural usada em parto.

RELATO DE CASO:

Paciente primípara, 34 anos, com 38 semanas de gestação, submetida à cesariana sob anestesia combinada raqui-peridural, deu à luz um menino saudável. Após 32 horas do parto, a dor de cabeça moderada da paciente progrediu para dor de cabeça intensa associada a náusea e vômito e se complicou subsequentemente com crise convulsiva generalizada tônico-clônica e consequente letargia. Tomografia computadorizada do cérebro revelou hematoma subdural agudo do lado direito em região frontotemporoparietal (FTP) com edema cerebral difuso. A paciente foi submetida à craniotomia FTP de urgência e evacuação do hematoma. Tomografia computadorizada do crânio no pós-operatório precoce mostrou um sítio operatório limpo. Oito dias após a cirurgia do hematoma subdural, a paciente voltou a ficar letárgica e, dessa vez, a tomografia computadorizada revelou um hematoma extradural sob o retalho ósseo que exigiu outra cirurgia. Dois dias depois, a paciente recebeu alta hospitalar com classificação de desempenho Karnofsky de 90/100. Ao exame de acompanhamento, a paciente apresentou-se neurologicamente intacta e sua tomografia computadorizada e ressonância magnética estavam normais.

CONCLUSÃO:

Ao usar a anestesia combinada raqui-peridural deve-se ter em mente que dor de cabeça nem sempre significa dor de cabeça hipotensiva associada à raquianestesia e que uma complicação catastrófica de hematoma subdural também pode ocorrer.

Palavras-chave:
Anestesia combinada raquiperidural; Parto; Hematoma subdural

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Only few reports in literature have pointed out to the possibility of a cranial subdural haematoma formation associated with dural puncture during spinal or epidural analgesia. We herein describe such a rare case who was diagnosed to have acute subdural haematoma after combined spinal-epidural anaesthesia used in labour.

CASE REPORT:

A 34-year-old, primigravid women with a gestation of 38 weeks underwent caesarean section under combined spinal-epidural anaesthesia and gave birth to a healthy boy. Thirty-two hours after delivery, her moderate headache progressed to a severe headache associated with nausea and vomiting and later was more complicated with a generalized tonic-clonic seizure and ensuing lethargy. Computed tomography of the brain demonstrated a right-sided fronto-temporo-parietal acute subdural haematoma with diffuse cerebral oedema. She underwent urgent FTP craniotomy and evacuation of the haematoma. Early postoperative cranial computed tomography showed a clean operative site. Eight days after subdural haematoma surgery, she became lethargic again, and this time cranial computed tomography disclosed an extradural haematoma under the bone flap for which she had to undergo surgery again. Two days later, she was discharged home with Karnofsky performance score of 90/100. At follow-up exam, she was neurologically intact and her cranial computed tomography and magnetic resonance were normal.

CONCLUSIONS:

As conclusion, with the use of this combined spinal-epidural anaesthesia, it should be kept in mind that headache does not always mean low pressure headache associated with spinal anaesthesia and that a catastrophic complication of subdural haematoma may also occur.

Keywords:
Combined spinal-epidural anaesthesia; Labour; Subdural haematoma

Introdução

Atualmente, muitos anestesiologistas preferem a anestesia combinada raqui-peridural (CRP) para evitar a dor do parto. Contudo, essa técnica apresenta alguns riscos, como prurido, náusea, vômito, hipotensão materna, dor de cabeça, convulsão, meningite, toxicidade e até parada cardíaca. Além disso, poucos relatos, porém recentes, mencionam a possibilidade de desenvolvimento de hematoma subdural craniano associado à punção durante a anestesia CRP em parto.11. Vaughan DJ, Stirrup CA, Robinson PN. Cranial subdural haematoma associated with dural puncture in labour. Br J Anaesth. 2000;84:518-20. 22. Kayacan N, Arici G, Karsli B, et al. Acute subdural haematoma after accidental dural puncture during epidural anaesthesia. Int J Obstet Anesth. 2004;13:47-9. and 33. Bisinotto FM, Dezena RA, Fabri DC, et al. Intracranial subdural hematoma: a rare complication following spinal anesthesia: case report. Rev Bras Anestesiol. 2012;62:88-95. Nosso relato também descreve um caso raro que foi submetido à cirurgia de hematoma subdural agudo em caráter de urgência, que ocorreu 32 h após a anestesia CRP usada em parto.

Relato de caso

Paciente primípara, 34 anos, com 38 semanas de gestação, submetida à cesariana por causa de desproporção céfalo-pélvica e sofrimento fetal. Os testes laboratoriais pré-operatórios estavam normais, exceto em relação à trombocitopenia (90.000/mm3) na contagem de sangue total. A cirurgia ocorreu sob anestesia CRP e a paciente deu à luz um menino saudável. Para fazer a anestesia CRP, agulhas espinhais Tuohy de calibres 18 e 27 foram inseridas no espaço interespinhoso L4-5 e depois 10 mg de bupivacaína e 25 µg de fentanil foram infundidos por via intratecal. O pós-operatório imediato transcorreu sem intercorrências, exceto por coloração vaginal mínima. No dia seguinte, 32 horas após a cirurgia, a paciente sentiu uma dor de cabeça progressiva ao redor do pescoço. Ao tentar levantar-se da cama, vomitou e sofreu uma convulsão generalizada tônico-clônica e caiu na cama. Após a convulsão, ficou letárgica, sem resposta visual ou verbal a estímulos dolorosos (Escala de Coma de GlasgowECG E1M5V1 - Total 7/15) e com a pupila direita dilatada, enquanto a respiração era atáxica e seu ritmo cardíaco bradicárdico (45 min-1). Não havia história anterior de trauma ou ataque epiléptico. Uma tomografia computadorizada (TC) do cérebro mostrou hematoma subdural agudo do lado direito em região frontotemporoparietal (FTP) com edema cerebral difuso para o tecido cerebral circundante (fig. 1). A paciente foi submetida à craniotomia FTP de urgência e o hematoma agudo foi evacuado (fig. 2). No pós-operatório, a paciente foi sedada e mecanicamente ventilada por 48 h em unidade de terapia intensiva (UTI). Na UTI, por causa do resultado do hemograma pós-operatório de controle que mostrou trombocitopenia grave (50.000/mm3), doses repetidas de plaquetas padrão foram transfundidas para a paciente para melhorar a trombocitopenia. Após a extubação, a ECG inicial era de 10/5 (E3M5V2). TC do crânio documentou um sítio operatório limpo e os resultados da contagem de sangue, parâmetros químicos do sangue e fatores da cascata de coagulação (isto é, tempo de tromboplastina ativa e tempo de protrombina) da paciente estavam dentro dos limites normais no pós-operatório. Cinco dias após a cirurgia, a paciente chegou a 15 na ECG e foi levada para a enfermaria. Oito dias após a cirurgia do hematoma subdural, a paciente se tornou letárgica novamente com 14/15 (E3M6V5) na ECG e CT do crânio revelou um hematoma extradural sob o retalho ósseo, que exigiu outra cirurgia. Dois dias depois, a paciente recebeu alta hospitalar com classificação de desempenho Karnofsky de 90/100. Um exame de acompanhamento cinco meses após a alta revelou uma paciente plenamente capaz, funcional e neurologicamente intacta (desempenho Karnofsky 100/100). TC do crânio e ressonância magnética (RM) estavam normais (fig. 3).

Figura 1
TC do crânio no período pré-operatório revela hematoma subdural agudo do lado direito em região frontotemporoparietal com edema cerebral difuso.

Figura 2
Fotografia tirada no período intraoperatório, que mostra hematoma subdural agudo.

Figura 3
(A) Tomografia computadorizada e (B) ressonância magnética com gadolínio feitas após a cirurgia não revelam hematoma residual ou outras condições patológicas (como malformação arteriovenosa, contusão, aneurisma ou massa tumoral).

Discussão

A segurança das anestesias raqui e peridural como técnicas separadas foi documentada. Porém, há relatos de que a anestesia CRP durante o parto pode causar hipotensão como complicação imediata. Essa hipotensão, que provavelmente é causada por efeitos indesejáveis, tanto de opiáceos intratecais quanto de anestésicos locais epidurais, pode ter provocado uma hipotensão intracraniana secundária.44. Norris MC, Grieco WM, Borkowski M, et al. Complications of labor analgesia: epidural versus combined spinal-epidural techniques. Anesth Analg. 1994;79:529-37. and 55. Abbinante C, Lauta E, DiVenosa N, et al. Acute subdural intracra- nial hematoma after combined spinal-epidural analgesia in labor. Minerva Anestesiol. 2010;76:1091-4. Além disso, como pode acontecer com raquianestesia e/ou anestesia peridural, uma punção dural, intencional ou não, também pode provocar vazamento de líquido cefalorraquidiano (LCR) no espaço epidural. Esse vazamento também causa hipotensão intracraniana.66. Sharma S, Halliwell R, Dexter M, et al. Acute subdural haematoma in the presence of an intrathecal catheter placed for the preven- tion of post-dural puncture headache. Anaesth Intensive Care. 2010;38:939-41. Além disso, esse vazamento causa deslocamento caudal do cérebro e distende as veias-ponte cerebrais (especialmente as veias e vênulas cerebrais). As paredes dessas veias-ponte são muito finas quando atravessam o espaço subdural, embora sejam mais espessas quando localizadas no espaço subaracnoideo. Assim, é possível que a hipotensão ou as forças gravitacionais que separam o córtex da dura sobreposta pode(m) ter causado uma ruptura inicial que poderia ser reparada com o sistema de coagulação normal.33. Bisinotto FM, Dezena RA, Fabri DC, et al. Intracranial subdural hematoma: a rare complication following spinal anesthesia: case report. Rev Bras Anestesiol. 2012;62:88-95. Por outro lado, hematomas subdurais cerebrais também podem ocorrer espontaneamente em parturientes, sem que a punção dural tenha ocorrido, como resultado de uma queda rápida de pressão intracraniana após a manobra de Valsalva.66. Sharma S, Halliwell R, Dexter M, et al. Acute subdural haematoma in the presence of an intrathecal catheter placed for the preven- tion of post-dural puncture headache. Anaesth Intensive Care. 2010;38:939-41. and 77. Ramos-Aparici R, Segura-Pastor D, Edo-Cebollada L, et al. Acute subdural hematoma after spinal anesthesia in an obstetric patient. J Clin Anesth. 2008;20:376-8.

Acredita-se que hematomas subdurais agudos foram descritos como lesões que apresentam sinais ou sintomas em menos de sete dias após o início do sangramento.11. Vaughan DJ, Stirrup CA, Robinson PN. Cranial subdural haematoma associated with dural puncture in labour. Br J Anaesth. 2000;84:518-20. Atrofia cerebral, desidratação, vazamento excessivo de LCR proveniente de punção dural, anticoagulantes e malformações arteriovenosas (MAV) talvez sejam fatores que contribuem para a formação de hematoma subdural. Por outro lado, pode-se argumentar que somente uma agulha espinhal maior pode causar vazamento significante de LCR, mas Zeidan et al. relataram que a mortalidade não está relacionada ao tamanho da agulha espinhal usada em anestesia CRP.88. Zeidan A, Farhat O, Maaliki H, et al. Does postdural punc- ture headache left untreated lead to subdural hematoma? Case report and review of the literature. Middle East J Anesthesiol. 2010;20:483-92. Nossa paciente não fez uso de anticoagulante e a RM do crânio com gadolínio no pós-operatório não revelou MAV e/ou aneurisma cerebral. Além disso, o anestesiologista que aplicou a CRP em nossa paciente não relatou vazamento excessivo de LCR ou evento inesperado durante os procedimentos. Ademais, não podíamos explicar a etiologia da trombocitopenia em nosso paciente.

Na maioria dos casos, uma dor de cabeça não postural, mudanças nas características da dor de cabeça (como dor de cabeça resistente, retro-orbitária ou frontal), vômito, convulsão e letargia são sinais de alerta. Em tais pacientes, além desses sintomas, a etiologia deve ser bem diferenciada e cefaleia pós-punção dural, pré-eclâmptica e eclâmptica, tensão simples ou enxaqueca, hemorragia subdural/subaracnoidea, acidente vascular cerebral, tumor, meningite e trombose venosa cerebral devem ser excluídos.11. Vaughan DJ, Stirrup CA, Robinson PN. Cranial subdural haematoma associated with dural puncture in labour. Br J Anaesth. 2000;84:518-20. and 55. Abbinante C, Lauta E, DiVenosa N, et al. Acute subdural intracra- nial hematoma after combined spinal-epidural analgesia in labor. Minerva Anestesiol. 2010;76:1091-4. Em nossa paciente, a dor de cabeça ocorreu rapidamente, dentro de dois dias após o parto, e progrediu rapidamente para convulsão. O diagnóstico diferencial de convulsão no presente caso inclui eclâmpsia, hemorragia intracraniana, episódios embólicos e toxicidade do anestésico local.11. Vaughan DJ, Stirrup CA, Robinson PN. Cranial subdural haematoma associated with dural puncture in labour. Br J Anaesth. 2000;84:518-20. Eclâmpsia foi excluída porque nenhum outro sintoma, exceto convulsão, estava presente em nossa paciente. Toxicidade pode ser excluída porque a convulsão ocorreu no segundo dia. A história não sugeria trombose venosa cortical e meningite foi excluída por ausência de neutrofilia, rigidez da nuca e febre. Além disso, o desenvolvimento rápido dos sintomas neurológicos graves e a tomografia de crânio feita em caráter de emergência pelas equipes médicas em alerta confirmaram o diagnóstico clínico.

O tratamento de hematoma subdural inclui o uso de técnicas conservadoras (observação médica, medicação antiedema) ou cirúrgicas (monitoramento da pressão intracraniana, drenagem do LCR ventricular externo, drenagem por meio de trepanação simples ou múltipla e craniotomia/craniectomia). Hematomas com menos de 10 mm de largura muitas vezes desaparecem espontaneamente. Porém, hematomas maiores com progressão para edema cerebral reativo com frequência causam sintomas neurológicos graves e requerem intervenção cirúrgica. A condição neurológica pré-operatória está correlacionada à evolução pós-operatória.11. Vaughan DJ, Stirrup CA, Robinson PN. Cranial subdural haematoma associated with dural puncture in labour. Br J Anaesth. 2000;84:518-20. and 55. Abbinante C, Lauta E, DiVenosa N, et al. Acute subdural intracra- nial hematoma after combined spinal-epidural analgesia in labor. Minerva Anestesiol. 2010;76:1091-4. Em nossa paciente, não foi possível esclarecer a causa exata do hematoma subdural. Certamente, algum vazamento de LCR ocorreu e provavelmente causou uma hipotensão intracraniana relativa, o que levou à distensão das veias-ponte. Todavia, não houve manobra de Valsalva como em um parto normal, o que teria contribuído para o aumento do volume do hematoma. Seja qual for a razão, o hematoma subdural de nossa paciente era espesso e denso o suficiente para ser considerado para a cirurgia.

Conclusão

Este relato de caso descreveu um hematoma subdural agudo após anestesia CRP em uma paciente que não apresentava fatores de risco para hemorragia. Como conclusão, com o uso de anestesia CRP, essa complicação rara, mas catastrófica, de hematoma subdural deve ser sempre considerada.

References

  • 1. Vaughan DJ, Stirrup CA, Robinson PN. Cranial subdural haematoma associated with dural puncture in labour. Br J Anaesth. 2000;84:518-20.
  • 2. Kayacan N, Arici G, Karsli B, et al. Acute subdural haematoma after accidental dural puncture during epidural anaesthesia. Int J Obstet Anesth. 2004;13:47-9.
  • 3. Bisinotto FM, Dezena RA, Fabri DC, et al. Intracranial subdural hematoma: a rare complication following spinal anesthesia: case report. Rev Bras Anestesiol. 2012;62:88-95.
  • 4. Norris MC, Grieco WM, Borkowski M, et al. Complications of labor analgesia: epidural versus combined spinal-epidural techniques. Anesth Analg. 1994;79:529-37.
  • 5. Abbinante C, Lauta E, DiVenosa N, et al. Acute subdural intracra- nial hematoma after combined spinal-epidural analgesia in labor. Minerva Anestesiol. 2010;76:1091-4.
  • 6. Sharma S, Halliwell R, Dexter M, et al. Acute subdural haematoma in the presence of an intrathecal catheter placed for the preven- tion of post-dural puncture headache. Anaesth Intensive Care. 2010;38:939-41.
  • 7. Ramos-Aparici R, Segura-Pastor D, Edo-Cebollada L, et al. Acute subdural hematoma after spinal anesthesia in an obstetric patient. J Clin Anesth. 2008;20:376-8.
  • 8. Zeidan A, Farhat O, Maaliki H, et al. Does postdural punc- ture headache left untreated lead to subdural hematoma? Case report and review of the literature. Middle East J Anesthesiol. 2010;20:483-92.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2013
  • Aceito
    09 Jul 2013
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org