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Abordagem perioperatória de doente com síndrome de takotsubo

Resumo

Introdução:

A miocardiopatia takotsubo (MT) é uma miocardiopatia induzida pelo estresse. Caracteriza-se por um início agudo de sintomas e alterações eletrocardiográficas que mimetizam uma síndrome coronária aguda na ausência de doença arterial coronária obstrutiva. Qualquer evento anestésico-cirúrgico corresponde a uma situação de estresse, pelo que a abordagem anestésica dos doentes com MT exige um cuidado especial em todo o período perioperatório. Descrevemos a abordagem anestésica de uma doente com diagnóstico confirmado de MT submetida a colectomia segmentar.

Caso clínico:

Paciente do sexo feminino, 55 anos, ASA III, com antecedentes de síndrome de takotsubo diagnosticada havia dois anos, encaminhada para colectomia segmentar. A paciente, sem outras alterações na avaliação pré-operatória, foi submetida a anestesia geral associada a epidural lombar e manteve-se hemodinamicamente estável durante as duas horas do procedimento cirúrgico. Após uma breve permanência na Unidade de Cuidados Pós-Anestésicos foi transferida para a Unidade de Cuidados Intermédios (UCIM) com analgesia peridural para o pós-operatório.

Conclusão:

A MT é uma doença rara, cuja verdadeira fisiopatologia continua por esclarecer, assim como a estratégia anestésico-cirúrgica mais apropriada. Nesse caso, por causa de uma abordagem preventiva, com monitoração rigorosa e o menor estímulo possível, todo o perioperatório decorreu sem intercorrências. Sendo uma doença rara, o seu relato poderá contribuir para o avanço do conhecimento sobre a MT.

PALAVRAS-CHAVE
Síndrome de takotsubo; Anestesia; Miocardiopatia; Estresse

Abstract

Introduction:

Takotsubo cardiomyopathy (TCM) is a stress-induced cardiomyopathy. It is characterized by an acute onset of symptoms and electrocardiographic abnormalities mimicking an acute coronary syndrome in the absence of obstructive coronary artery disease. Any anesthetic-surgical event corresponds to a stressful situation, so the anesthetic management of patients with TCM requires special care throughout the perioperative period. We describe the anesthetic management of a patient with a confirmed diagnosis of TCM undergoing segmental colectomy.

Case report:

Female patient, 55 years old, ASA III, with history of takotsubo syndrome diagnosed 2 years ago, scheduled for segmental colectomy. The patient, without other changes in preoperative evaluation, underwent general anesthesia associated with lumbar epidural and remained hemodynamically stable during the 2 h of surgery. After a brief stay in the Post-Anesthesia Care Unit, she was transferred to the Intermediate Care Unit (IMCU), with epidural analgesia for postoperative period.

Conclusion:

TCM is a rare disease which true pathophysiology remains unclear, as well as the most appropriate anesthetic-surgical strategy. In this case, through a preventive approach, with close monitoring and the lowest possible stimulus, all the perioperative period was uneventful. Because it is a rare disease, this report could help to raise awareness about TCM.

KEYWORDS
Takotsubo syndrome; Anesthesia; Cardiomyopathy; Stress

Introdução

A miocardiopatia takotsubo (MT), descrita pela primeira vez em 1990 na população japonesa, é uma miocardiopatia induzida pelo estresse físico ou emocional.11 Satoh H, Tateishi H, Ushita T, et al. Takotsubo-type cardiomyopathy due to multivessel spasm. In: Clinical aspect of myocardial injury: from ischemia to heart failure. Tokyo: Kagakuhyouronsya Co.; 1990. p. 56-64. Caracteriza-se por um início agudo de sintomas e alterações eletrocardiográficas que mimetizam uma síndrome coronária aguda (SCA). Embora possa existir uma elevação ligeira das enzimas de lesão miocárdica, observa-se ausência de doença arterial coronária obstrutiva (DAC) e o quadro clínico reverte totalmente em dias ou semanas.22 Nóbrega S, Brito D. Miocardiopatia takotsubo: estado da arte. Rev Port Cardiol. 2012;31:589-96.

3 Richard C. Stress-related cardiomyopathies. Ann Intensive Care. 2011;1:39.
-44 Koulouris S, Pastromas S, Sakellariou D, et al. Takotsubo cardiomyopathy: the "broken Heart" syndrome. Hellenic J Cardiol. 2010;51:451-7.

A designação de MT advém da ocorrência de disfunção transitória do ventrículo esquerdo (VE). A aparência do VE durante a sístole assemelha-se a um takotsubo (vaso de cerâmica japonês com base arredondada e colo estreito (tsubo) usado na pesca do polvo (tako). Essa morfologia deve-se à acinesia apical e mesoventricular e à hipercinesia basal do ventrículo (estreito na base e com abaulamento apical).22 Nóbrega S, Brito D. Miocardiopatia takotsubo: estado da arte. Rev Port Cardiol. 2012;31:589-96.,55 Sharkey SW, Lesser JR, Maron MS, et al. Why not just call it takotsubo cardiomyopathy: a discussion of nomenclature. J Am Coll Cardiol. 2011;57:1496-500.

Com o crescente número de casos descritos em todo o mundo, várias outras designações foram sendo propostas, justificadas pela morfologia cardíaca e pelo contexto clínico de apresentação: síndrome do abaulamento apical, disfunção ventricular esquerda transitória com abaulamento apical, síndrome do coração partido (broken heart syndrome) e, mais recentemente, acinesia/discinesia apical transitória do ventrículo esquerdo ou miocardiopatia induzida por estresse são algumas, num total de 75 designações diferentes. Contudo, o nome inicial parece ser o mais adequado, sendo generalista o suficiente para permitir a inclusão de novas variantes, remete-nos para as alterações da morfologia do VE e é um reconhecimento aos investigadores que primeiro o descreveram.55 Sharkey SW, Lesser JR, Maron MS, et al. Why not just call it takotsubo cardiomyopathy: a discussion of nomenclature. J Am Coll Cardiol. 2011;57:1496-500.

A verdadeira prevalência da MT permanece incerta, mas estima-se que corresponda a 1%-2% das situações em que existe suspeita clínica de SCA; afeta predominantemente mulheres no período pós-menopausa entre os 62 e os 76 anos.22 Nóbrega S, Brito D. Miocardiopatia takotsubo: estado da arte. Rev Port Cardiol. 2012;31:589-96.,44 Koulouris S, Pastromas S, Sakellariou D, et al. Takotsubo cardiomyopathy: the "broken Heart" syndrome. Hellenic J Cardiol. 2010;51:451-7.,66 Cesário V, Loureiro MJ, Pereira H. Miocardiopatia de takotsubo num serviço de cardiologia. Rev Port Cardiol. 2012;31:603-8.

Para o diagnóstico da MT, é necessário um elevado índice de suspeita clínica e são imprescindíveis exames complementares de diagnóstico, como o ecocardiograma e o cateterismo cardíaco, além do ECG e de marcadores de lesão miocárdica. O ecocardiograma permite verificar as alterações típicas da contratilidade segmentar do VE. E o cateterismo cardíaco comprova a ausência de alterações coronárias significativas.22 Nóbrega S, Brito D. Miocardiopatia takotsubo: estado da arte. Rev Port Cardiol. 2012;31:589-96.,66 Cesário V, Loureiro MJ, Pereira H. Miocardiopatia de takotsubo num serviço de cardiologia. Rev Port Cardiol. 2012;31:603-8. Vários critérios de diagnóstico foram propostos. Os mais usados atualmente são os critérios da Mayo Clinic (tabela 1).77 Madhavan M, Prasad A. Proposed Mayo Clinic criteria for the diagnosis of takotsubo cardiomyopathy and long-term prognosis. Herz. 2010;35:240-4.

Tabela 1
Critérios de diagnóstico (Mayo Clinic).77 Madhavan M, Prasad A. Proposed Mayo Clinic criteria for the diagnosis of takotsubo cardiomyopathy and long-term prognosis. Herz. 2010;35:240-4.

Apesar da inexistência de uma explicação clara, singular e inequívoca sobre a fisiopatologia da MT, os mecanismos etiológicos subjacentes têm sido alvo de muitos estudos e várias teorias têm sido propostas, como a cardiotoxicidade associada às catecolaminas, a ocorrência de espasmos coronários, a isquemia microvascular, a instabilidade autonômica cardíaca, a ruptura de placa isolada na artéria coronária descendente anterior e/ou a obstrução aguda e dinâmica do trato de saída do VE.22 Nóbrega S, Brito D. Miocardiopatia takotsubo: estado da arte. Rev Port Cardiol. 2012;31:589-96.

Não existe um tratamento padrão para esses doentes devido à sua reversibilidade e incerteza fisiopatológica. Na fase aguda, o tratamento é sintomático, com terapêutica de suporte de acordo com o grau de disfunção sistólica e direcionada às complicações agudas que ocorrem em cerca de 20% dos doentes e incluem edema agudo do pulmão, arritmias, embolia, choque cardiogênico e morte.22 Nóbrega S, Brito D. Miocardiopatia takotsubo: estado da arte. Rev Port Cardiol. 2012;31:589-96.,66 Cesário V, Loureiro MJ, Pereira H. Miocardiopatia de takotsubo num serviço de cardiologia. Rev Port Cardiol. 2012;31:603-8.

Na ausência de complicações, o prognóstico é geralmente benigno, com recuperação integral da função ventricular, desaparecimento completo dos sintomas e das alterações eletrocardiográficas e anomalias de movimento ventricular e normalização dos marcadores de lesão miocárdica. Embora essa recuperação ocorra num período de cerca de seis a oito semanas, o traçado eletrocardiográfico pode levar anos a normalizar.22 Nóbrega S, Brito D. Miocardiopatia takotsubo: estado da arte. Rev Port Cardiol. 2012;31:589-96.,55 Sharkey SW, Lesser JR, Maron MS, et al. Why not just call it takotsubo cardiomyopathy: a discussion of nomenclature. J Am Coll Cardiol. 2011;57:1496-500. Nos doentes cuja recuperação é completa, a sobrevida em longo prazo é semelhante à da população geral. A recorrência da MT é inferior a 10% e recomenda-se um seguimento clínico prolongado.

Sendo qualquer evento anestésico-cirúrgico definido como uma situação de estresse físico e emocional, todos os doentes com diagnóstico confirmado de síndrome de takotsubo exigem uma monitoração apertada e um cuidado especial durante o período perioperatório.

Caso clínico

Doente do sexo feminino, 55 anos, branca, 60 kg, proposta para colectomia segmentar eletiva por angiodisplasia do cólon, com episódios recorrentes de hemorragia digestiva baixa. A doente apresentava como antecedentes acidente vascular cerebral isquêmico com hemiparesia direita sequelar de predomínio braquial, hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo 2, dislipidemia e história de síndrome de takotsubo diagnosticada dois anos antes após suspeita de SCA sem elevação de ST (excluído por cateterismo cardíaco com artérias coronárias normais e com resolução clínica completa ao fim de três dias). Encontrava-se medicada com alopurinol 300 mg, omeprazol 20 mg, gabapentina 400 mg, sinvastatina 40 mg, amlodipina 5 mg, ácido acetilsalicílico 100 mg, carvedilol 25 mg, lisinopril 20 mg, hidroclororiazida 12,5 mg, furosemida 20 mg e glicazida 60 mg; medicação que manteve até ao dia da cirurgia.

Na avaliação pré-anestésica não se detectaram alterações relevantes ao exame físico ou nos exames auxiliares de diagnóstico. Foi classificada como ASA III.

A monitoração intraoperatória incluiu ECG de cinco derivações, pressão arterial invasiva, saturação periférica de oxigênio arterial, capnografia, temperatura esofágica, BIS®, bloqueio neuromuscular e débito urinário.

Após pré-medicação com midazolam (1 mg) e fentanilo (0,05 mg), foi colocado um cateter epidural lombar, assim como uma linha arterial na artéria radial esquerda. A anestesia geral foi induzida com fentanilo (0,02 mg/kg) e propofol (2 mg/kg) e o bloqueio neuromuscular com rocurônio (0,6 mg/kg). A anestesia foi mantida com sevoflurano para BIS® entre 40-60, rocurônio em bólus endovenosos e ropivacaína 0,2% por via epidural. A anestesia foi complementada com bólus seguido de perfusão de esmolol, para frequências cardíaca de 60-70 batimentos por minuto.

A doente manteve-se hemodinamicamente estável durante todo o procedimento, que decorreu sem complicações e teve uma duração de duas horas. No fim da cirurgia, o bloqueio neuromuscular foi revertido com sugamadex (2 mg/kg) e a paciente extubada sem incidentes.

Após duas horas na Unidade de Cuidados Pós-Anestésicos (UCPA), sem intercorrências, o esmolol foi suspenso e a doente foi transferida para a Unidade de Cuidados Intermédios (UCIM). A analgesia pós-operatória foi efetuada com ropivacaína 1 mg/mL e sufentanil 0,008 mcg/mL em perfusão, via epidural, a 10,4 mL/h durante 24 horas.

Conclusão

Apesar do bom prognóstico e da baixa recorrência, a MT não deve ser menosprezada, pelas sérias complicações que dela podem advir.22 Nóbrega S, Brito D. Miocardiopatia takotsubo: estado da arte. Rev Port Cardiol. 2012;31:589-96.,88 Costin G, Mukerji V, Resch DS. A psychosomatic perspective on takotsubo cardiomyopathy: a case report. Prim Care Companion CNS Disord. 2011;:13. Das complicações agudas, a insuficiência cardíaca sistólica é a mais comum, segue-se a rotura cardíaca (fatal se não for reparada cirurgicamente) e outras menos comuns, como o choque cardiogênico (com necessidade de tratamento vasopressor e/ou inotrópico intensivo ou a colocação de balão intra-aórtico), edema agudo do pulmão, arritmias auriculares ou ventriculares, defeito septal ventricular ou formação de trombos no nível do VE com eventual embolia.99 Madhavan M, Rihal CS, Lerman A, et al. Acute heart failure in apical ballooning syndrome (takotsubo/stress cardiomyopathy): clinical correlates and Mayo Clinic risk score. J Am Coll Cardiol. 2011;57:1400-3.,1010 Kumar S, Kaushik S, Nautiyal A, et al. Cardiac rupture in takotsubo cardiomyopathy: a systematic review. Clin Cardiol. 2011;34:672-6. Essas complicações são responsáveis pelas hospitalizações prolongadas e recorrentes, assim como pela mortalidade associada a essa síndrome.22 Nóbrega S, Brito D. Miocardiopatia takotsubo: estado da arte. Rev Port Cardiol. 2012;31:589-96.,88 Costin G, Mukerji V, Resch DS. A psychosomatic perspective on takotsubo cardiomyopathy: a case report. Prim Care Companion CNS Disord. 2011;:13.

O mecanismo fisiológico que relaciona o estresse perioperatório com a MT ainda não está totalmente esclarecido, quer pela patogênese ser multifatorial quer pela verdadeira etiologia continuar desconhecida.22 Nóbrega S, Brito D. Miocardiopatia takotsubo: estado da arte. Rev Port Cardiol. 2012;31:589-96. Apesar de por vezes não ser identificado qualquer fator desencadeante, a associação com o estresse, emocional e/ou físico, surge em cerca de dois terços dos pacientes que desenvolvem MT.1111 Gianni M, Dentali F, Grandi AM, et al. Apical ballooning syndrome or takotsubo cardiomyopathy: a systematic review. Eur Heart J. 2006;27:1523-9.

12 Dorfman TA, Iskandrian AE. Takotsubo cardiomyopathy: state-of the-art review. J Nucl Cardiol. 2009;16:122-34.
-1313 Regnante RA, Zuzek RW, Weinsier SB, et al. Clinical characteristics and four-year outcomes of patients in the Rhode Island Takotsubo Cardiomyopathy Registry. Am J Cardiol. 2009;103:1015-9.

Atualmente a etiologia mais aceita relaciona os estímulos de estresse ao aumento significativo da libertação de catecolaminas, por estimulação simpática aumentada. Essa é capaz de provocar estimulação adrenérgica miocárdica e consequente alteração na contratilidade e disfunção cardíaca transitória.22 Nóbrega S, Brito D. Miocardiopatia takotsubo: estado da arte. Rev Port Cardiol. 2012;31:589-96.,33 Richard C. Stress-related cardiomyopathies. Ann Intensive Care. 2011;1:39.,88 Costin G, Mukerji V, Resch DS. A psychosomatic perspective on takotsubo cardiomyopathy: a case report. Prim Care Companion CNS Disord. 2011;:13. O estresse que induz a estimulação do sistema límbico pode levar à excitação dos centros medulares do sistema nervoso autônomo, que vão estimular os neurônios pré e pós-sinápticos e levar à libertação de noradrenalina e seus metabolitos neuronais; ao mesmo tempo em que ocorre estimulação da medula da glândula suprarrenal e é induzida a libertação de adrenalina. Essas catecolaminas, por meio dos nervos simpáticos cardíacos e extracardíacos, assim como pela corrente sanguínea, estimulam o coração ao ligarem-se aos receptores adrenérgicos dos vasos e induzem toxicidade nos miócitos cardíacos. A toxicidade pode ser exercida de uma forma indireta, por espasmo coronário e/ou alterações microvasculares, ou direta, por excesso de cálcio e produção de radicais livres.22 Nóbrega S, Brito D. Miocardiopatia takotsubo: estado da arte. Rev Port Cardiol. 2012;31:589-96.,33 Richard C. Stress-related cardiomyopathies. Ann Intensive Care. 2011;1:39.,1414 Wittstein IS, Thiemann DR, Lima JAC, et al. Neurohumoral features of myocardial stunning due to emotional stress. N Engl J Med. 2005;352:539-48. Os doentes com MT apresentam níveis suprafisiológicos de catecolaminas plasmáticas, com aumentos significativos de epinefrina e norepinefrina, entre outros neurotransmissores, consistente com síntese e recaptação aumentadas.1111 Gianni M, Dentali F, Grandi AM, et al. Apical ballooning syndrome or takotsubo cardiomyopathy: a systematic review. Eur Heart J. 2006;27:1523-9.,1414 Wittstein IS, Thiemann DR, Lima JAC, et al. Neurohumoral features of myocardial stunning due to emotional stress. N Engl J Med. 2005;352:539-48.

Qualquer evento anestésico-cirúrgico apresenta-se, para esses doentes, como um acontecimento de estresse e inicia a cascata de eventos fisiológicos e metabólicos pela ativação direta do sistema nervoso simpático e somático, com aumento importante das catecolaminas plasmáticas, que tem início no período pré-anestésico e termina nos três a quatro dias pós-operatórios.1515 Bradbury B, Cohen F. Early postoperative Takotsubo cardiomyopathy: a case report. AANA J. 2011;79:181-8.,1616 Cruvinel MGC, Carneiro FS, Bessa RC, et al. Síndrome de Tako-Tsubo em decorrência de Bloqueio Neuromuscular Residual. Relato de Caso. Rev Bras Anestesiol. 2008;58:623-30. Desconhece-se, no entanto, explicação clara para a suscetibilidade individual a essa cardiomiopatia após exposição a um grau semelhante de estresse; é possível que se deva a uma heterogeneidade genética associada aos receptores adrenérgicos, que os torna mais ou menos sensíveis aos estímulos.1616 Cruvinel MGC, Carneiro FS, Bessa RC, et al. Síndrome de Tako-Tsubo em decorrência de Bloqueio Neuromuscular Residual. Relato de Caso. Rev Bras Anestesiol. 2008;58:623-30.

Na literatura, não existe uma estratégia anestésico-cirúrgica claramente definida para prevenir a recidiva da miocardiopatia de takotsubo em doentes que necessitam de ser intervencionados cirurgicamente. No entanto, potenciar o menor estímulo possível e uma monitoração rigorosa, para o diagnóstico prematuro de uma provável complicação aguda, durante todo o período perioperatório parecem ser as opções mais seguras.1717 Hessel EA, London MJ. Takotsubo (stress) cardiomyopathy and the anesthesiologist: enough case reports. Let's try to answer some specific questions!. Anesth Analg. 2010;110:674-9.,1818 Liu S, Bravo-Fernandez C, Riedl C, et al. Anesthetic management of takotsubo cardiomyopathy: general versus regional anesthesia. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2008;22:438-41.

Idealmente, esse tipo de doente só deverá ser intervencionado em hospitais dotados de serviço de cardiologia, com unidade de hemodinâmica e cuidados intensivos coronários. Apesar de não existir consenso absoluto, se possível, deve optar-se pela anestesia regional, capaz de atenuar a libertação de catecolaminas associada ao estresse cirúrgico, intubação e extubação, além de proporcionar excelente analgesia pós-operatória. A anestesia geral, que tem como vantagem a inconsciência do doente, pode ser substituída pela suplementação da anestesia regional com sedação.1515 Bradbury B, Cohen F. Early postoperative Takotsubo cardiomyopathy: a case report. AANA J. 2011;79:181-8.,1919 Ueyama T, Yoshida K, Senba E. Stress-induced elevation of the ST segment in the rat electrocardiogram is normalized by an adrenoceptor blocker. Clin Exp Pharmacol Physiol. 2002;27:384-6.

No período pré-operatório, o tempo que antecede o procedimento cirúrgico propriamente dito e o desequilíbrio emocional devem ser minimizados para proporcionar um nível mais profundo de ansiólise, por meio de abordagens farmacológicas e psicológicas, ainda antes de o doente entrar no bloco operatório.1515 Bradbury B, Cohen F. Early postoperative Takotsubo cardiomyopathy: a case report. AANA J. 2011;79:181-8.,2020 Wong AK, Vernick WJ, Wiegers SE, et al. Preoperative takotsubo cardiomyopathy identified in the operating room before induction of anesthesia. Anesth Analg. 2010;110:712-5. A terapêutica β-bloqueadora profilática parece ser útil para prevenção do estresse agudo, ao diminuir o impacto emocional da cirurgia no estado funcional do doente. Assim, se não existirem contraindicações, deve ser instituída nesses pacientes; no entanto, continua por esclarecer qual a dose necessária para bloquear os níveis elevados de catecolaminas, assim como se existe alguma diferença significativa entre os diferentes β-bloqueadores.88 Costin G, Mukerji V, Resch DS. A psychosomatic perspective on takotsubo cardiomyopathy: a case report. Prim Care Companion CNS Disord. 2011;:13.,1515 Bradbury B, Cohen F. Early postoperative Takotsubo cardiomyopathy: a case report. AANA J. 2011;79:181-8.,1919 Ueyama T, Yoshida K, Senba E. Stress-induced elevation of the ST segment in the rat electrocardiogram is normalized by an adrenoceptor blocker. Clin Exp Pharmacol Physiol. 2002;27:384-6. Estudos em animais sugerem que tanto o bloqueio α como o β poderão normalizar as alterações eletrocardiográficas induzidas pelo estresse.2121 Ueyama T. Emotional stress-induced takotsubo cardiomyopathy: animal model and molecular mechanism. Ann NY Acad Sci. 2004;1018:437-44.

A monitoração intra e pós-operatória deverá ser cuidadosa. É recomendada monitoração contínua da pressão arterial de forma invasiva através de um catéter arterial e, se possível, monitoração intraoperatória da função ventricular esquerda com ecocardiograma transesofágico se for feita uma anestesia geral. Na monitoração do eletrocardiograma deverão ser usadas cinco derivações.

A fim de evitar a estimulação simpática e a libertação exagerada de catecolaminas, a laringoscopia deve ser breve, o despertar e a extubação devem ser suaves e o bloqueio neuromuscular residual deve ser evitado. Os agentes anestésicos de escolha, tanto para a indução como a manutenção, deverão ser aqueles com menor potencial de depressão do miocárdio para evitar instabilidade hemodinâmica. Um controle adequado da fluidoterapia, com evicção de sobrecarga de volume, é aconselhável, tal como um bom controle da dor.1515 Bradbury B, Cohen F. Early postoperative Takotsubo cardiomyopathy: a case report. AANA J. 2011;79:181-8.,1919 Ueyama T, Yoshida K, Senba E. Stress-induced elevation of the ST segment in the rat electrocardiogram is normalized by an adrenoceptor blocker. Clin Exp Pharmacol Physiol. 2002;27:384-6.

No caso clínico supracitado, o plano anestésico englobou uma anestesia geral balanceada combinada com epidural torácica. Tal teve o intuito de diminuir a resposta simpática inerente a esse tipo de cirurgias abdominais, classicamente classificadas como major. Todos os cuidados pré-operatórios foram efetuados, incluindo o bloqueio β, medicação que a doente já fazia em ambulatório. No pós-operatório, foi mantida a monitoração constante na UCIM e verificou-se que a perfusão de anestésico local por via epidural providenciou uma analgesia eficaz.

Questiona-se se este foi um caso de sucesso, dada a abordagem perioperatória, ou apenas um acaso. Contudo, é importante ressalvar que qualquer doente com diagnóstico de MT a ser intervencionado cirurgicamente necessita de uma abordagem perioperatória individualizada, de forma a evitar uma possível recorrência e um desfecho fatal causado por uma das suas complicações agudas.

Dada a raridade da MT, torna-se importante expor e discutir a abordagem anestésica de qualquer doente com essa patologia e contribuir para o esclarecimento da melhor abordagem profilática e anestésica nesses doentes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2014
  • Aceito
    04 Nov 2014
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