Acessibilidade / Reportar erro

Aplicação de protocolo e avaliação da incidência de curarização residual pós-operatória na ausência de aceleromiografia intraoperatória - Ensaio clínico randomizado

Resumo

Objetivo

Avaliou-se a incidência de curarização residual pós-operatória (CRPO) na sala de recuperação pós-anestésica (SRPA) após emprego de protocolo e ausência de aceleromiografia (AMG) intraoperatória.

Métodos

Ensaio clínico, aleatório, com 122 pacientes, distribuídas em dois grupos: protocolo e controle. Protocolo: dose inicial e adicionais de rocurônio foram de 0,6 mg.kg-1 e 10 mg, respectivamente; evitou-se o uso de rocurônio nos 45 minutos finais; reversão do bloqueio com neostigmina (50 µg.kg-1); tempo ≥ 15 minutos entre reversão e extubação. Controle: doses inicial e adicional de rocurônio, reversão do bloqueio, dose de neostigmina e momento da extubação decididos pelo anestesiologista. Foi usada AMG na SRPA e considerado CRPO razão T4/T1 < 1,0.

Resultados

A incidência de CRPO foi menor no grupo protocolo em relação ao controle (25% vs. 45,2%; p = 0,02). No grupo controle, a dose total de rocurônio foi maior em pacientes com CRPO em relação àqueles sem CRPO (0,43 vs. 0,35 mg.kg-1.h-1; p = 0,03) e o intervalo entre a última administração de rocurônio e a neostigmina foi menor (75,0 vs. 101,0 min; p < 0,01). No grupo protocolo não houve diferença dos parâmetros analisados (com CRPO vs. sem CRPO). Considerando toda a população de estudo e a presença ou não de CRPO, a dose total de rocurônio foi maior em pacientes com CRPO (0,42 vs. 0,31 mg.kg-1.h-1; p = 0,01), enquanto o intervalo entre a última administração de rocurônio e a neostigmina foi menor (72,5 vs. 99,0 min; p ≤ 0,01).

Conclusão

A sistematização proposta reduziu a incidência de CRPO na SRPA na ausência de AMG intraoperatória.

Palavras-chave
Bloqueadores neuromusculares; Rocurônio; Neostigmina; Curarização residual pós-operatória; Monitoração neuromuscular quantitativa; Aceleromiografia

Abstract

Objective

Evaluate the incidence of postoperative residual curarization (PORC) in the post-anesthesia care unit (PACU) after the use of protocol and absence of intraoperative acceleromyography (AMG).

Methods

Randomized clinical trial with 122 patients allocated into two groups (protocol and control). Protocol group received initial and additional doses of rocuronium (0.6 mg·kg-1 and 10 mg, respectively); the use of rocuronium was avoided in the final 45 min; blockade reversal with neostigmine (50 µg·kg-1); time ≥15 min between reversion and extubation. Control: initial and additional doses of rocuronium, blockade reversal, neostigmine dose, and extubation time, all at the discretion of the anesthesiologist. AMG was used in the PACU and PORC considered at T4/T1 ratio <1.0.

Results

The incidence of PORC was lower in protocol group than in control group (25% vs. 45.2%, p = 0.02). In control group, total dose of rocuronium was higher in patients with PORC than without PORC (0.43 vs. 0.35 mg·kg-1·h-1, p = 0.03) and the time interval between the last administration of rocuronium and neostigmine was lower (75.0 vs. 101.0 min, p < 0.01). In protocol group, there was no difference regarding the analyzed parameters (with PORC vs. without PORC). Considering the entire study population and the presence or absence of PORC, total dose of rocuronium was higher in patients with PORC (0.42 vs. 0.31 mg·kg-1·h-1, p = 0.01), while the time interval between the last administration of rocuronium and neostigmine was lower (72.5 vs. 99.0 min, p ≤ 0.01).

Conclusion

The proposed systematization reduced PORC incidence in PACU in the absence of intraoperative AMG.

Keywords
Neuromuscular blockers; Rocuronium; Neostigmine; Postoperative residual curarization; Quantitative neuromuscular monitoring; Acceleromyography

Introdução

A publicação de inúmeros estudos que relacionam o uso de Bloqueadores Neuromusculares Adespolarizantes (BNMA) à ocorrência de Curarização Residual Pós-Operatória (CRPO) tem ampliado o reconhecimento e o entendimento desse evento pelos anestesiologistas.11 Murphy GS, Brull SJ. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part I: definitions, incidence, and adverse physiologic effects of residual neuromuscular block. Anesth Analg. 2010;111:120-8. Há evidências de que a CRPO está associada a inúmeras complicações, principalmente respiratórias, e maior permanência na Sala de Recuperação Pós-Anestésica (SRPA).22 Brull SJ, Murphy GS. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part II: methods to reduce the risk of residual weakness. Anesth Analg. 2010;111:129-40. Sua incidência varia de 3,5% a 83%,11 Murphy GS, Brull SJ. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part I: definitions, incidence, and adverse physiologic effects of residual neuromuscular block. Anesth Analg. 2010;111:120-8. valores próximos a 50% são frequentemente relatados, inclusive na presença de monitoração intraoperatória.11 Murphy GS, Brull SJ. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part I: definitions, incidence, and adverse physiologic effects of residual neuromuscular block. Anesth Analg. 2010;111:120-8.,33 Yu B, Ouyang B, Ge S, et al. Incidence of postoperative residual neuromuscular blockade after general anesthesia: a prospective, multicenter, anesthetist-blind, observational study. Curr Med Res Opin. 2016;32:1-9.

4 Debaene B, Plaud B, Dilly MP, et al. Residual paralysis in the PACU after a single intubating dose of nondepolarizing muscle relaxant with an intermediate duration of action. Anesthesiology. 2003;98:1042-8.

5 Hayes AH, Mirakhur RK, Breslin DS, et al. Postoperative residual block after intermediate-acting neuromuscular blocking drugs. Anaesthesia. 2001;56:312-8.
-66 Videira RL, Vieira JE. What rules of thumb do clinicians use to decide whether to antagonize nondepolarizing neuromuscular blocking drugs? Anesth Analg. 2011;113:1192-6.

O uso de monitoração neuromuscular objetiva no intraoperatório é essencial no momento da reversão do bloqueio neuromuscular e pode contribuir para a redução da incidência de CRPO. Foi observado que o uso de Aceleromiografia (AMG) intraoperatória reduziu a incidência de CRPO de 50% para 14,5%, possivelmente por reduzir o uso de doses adicionais de BNMA, de 18,9% para 6,6%, nos 45 minutos finais da cirurgia.77 Murphy GS, Szokol JW, Avram MJ, et al. Intraoperative acceleromyography monitoring reduces symptoms of muscle weakness and improves quality of recovery in the early postoperative period. Anesthesiology. 2011;115:946-54. No entanto, a maioria dos anestesiologistas ainda considera a análise de dados clínicos subjetivos para avaliar a reversão do bloqueio neuromuscular.22 Brull SJ, Murphy GS. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part II: methods to reduce the risk of residual weakness. Anesth Analg. 2010;111:129-40.,66 Videira RL, Vieira JE. What rules of thumb do clinicians use to decide whether to antagonize nondepolarizing neuromuscular blocking drugs? Anesth Analg. 2011;113:1192-6.,88 Esteves S, Martins M, Barros F, et al. Incidence of postoperative residual neuromuscular blockade in the postanaesthesia care unit: an observational multicentre study in Portugal. Eur J Anaesthesiol. 2013;30:243-9. A dificuldade de empregar rotineiramente a monitoração neuromuscular no intraoperatório é um problema mundial que tem persistido ao longo dos anos.22 Brull SJ, Murphy GS. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part II: methods to reduce the risk of residual weakness. Anesth Analg. 2010;111:129-40.,66 Videira RL, Vieira JE. What rules of thumb do clinicians use to decide whether to antagonize nondepolarizing neuromuscular blocking drugs? Anesth Analg. 2011;113:1192-6.,88 Esteves S, Martins M, Barros F, et al. Incidence of postoperative residual neuromuscular blockade in the postanaesthesia care unit: an observational multicentre study in Portugal. Eur J Anaesthesiol. 2013;30:243-9.,99 Naguib M, Kopman AF, Lien CA, et al. A survey of current management of neuromuscular block in the United States and Europe. Anesth Analg. 2010;111:110-9.

Sabe-se também que a maioria dos anestesiologistas europeus e americanos não administra rotineiramente anticolinesterásico no fim da cirurgia.99 Naguib M, Kopman AF, Lien CA, et al. A survey of current management of neuromuscular block in the United States and Europe. Anesth Analg. 2010;111:110-9. Em estudo brasileiro, na ausência de monitoração intraoperatória, apenas 36% dos pacientes receberam agente reversor.66 Videira RL, Vieira JE. What rules of thumb do clinicians use to decide whether to antagonize nondepolarizing neuromuscular blocking drugs? Anesth Analg. 2011;113:1192-6. O momento da reversão também é fundamental, é necessário aguardar uma contagem TOF > 2 para a administração de neostigmina e um período superior a 10 minutos para a extubação em anestesias venosas com propofol. Nas anestesias nas quais se usa o sevoflurano, essas variáveis devem ser de TOF igual 4 e 15 minutos, respectivamente.1010 Kim KS, Cheong MA, Lee HJ, et al. Tactile assessment for the reversibility of rocuronium-induced neuromuscular blockade during propofol or sevoflurane anesthesia. Anesth Analg. 2004;99:1080-5.

É inegável a importância de se usar monitoração intraoperatória de modo rotineiro e fazer a reversão adequada sempre que necessário, assim como a necessidade de estudos que objetivem a redução de CRPO e suas complicações. Assim, levantamos a hipótese de que um protocolo de sistematização do uso do rocurônio e da neostigmina pudesse ser de importância relevante para a redução da incidência de CRPO na SRPA em serviços de saúde que não empregam monitores neuromusculares, o que proporciona melhor atendimento às pacientes e, possivelmente, redução de custos.

O objetivo deste estudo foi avaliar comparativamente, em pacientes submetidas à anestesia geral, a incidência de bloqueio residual na SRPA após a aplicação ou não de protocolo de sistematização do uso do rocurônio e reversão do bloqueio neuromuscular com neostigmina.

Método

O estudo foi feito após aprovação pelo Comitê de Ética Médica e de Pesquisa da instituição e assinatura de consentimento livre e esclarecido. Trata-se de ensaio clínico, aleatório, tipo paralelo, com razão de alocação de 1:1 entre os grupos, nos quais foram incluídas consecutivamente pacientes do sexo feminino, entre 18 e 60 anos, IMC ≤ 30 kg.m-2, estado físico I ou II (ASA), submetidas a cirurgias eletivas sob anestesia geral e duração prevista superior a 60 minutos. Constituíram critérios de exclusão: pacientes portadores de doenças neuromusculares, pulmonares, renais ou hepáticas, insuficiência cardíaca, alterações hidroeletrolíticas e ácido-base, história de refluxo gastroesofágico, em uso de drogas que interagem com os bloqueadores neuromusculares, com sinais indicativos de dificuldades para a feitura das manobras de laringoscopia e intubação traqueal, impossibilidade de monitoração da função neuromuscular na SRPA e pacientes que não fossem extubadas na sala operatória.

O cálculo do tamanho amostral foi baseado em resultados de estudos anteriores,44 Debaene B, Plaud B, Dilly MP, et al. Residual paralysis in the PACU after a single intubating dose of nondepolarizing muscle relaxant with an intermediate duration of action. Anesthesiology. 2003;98:1042-8.

5 Hayes AH, Mirakhur RK, Breslin DS, et al. Postoperative residual block after intermediate-acting neuromuscular blocking drugs. Anaesthesia. 2001;56:312-8.

6 Videira RL, Vieira JE. What rules of thumb do clinicians use to decide whether to antagonize nondepolarizing neuromuscular blocking drugs? Anesth Analg. 2011;113:1192-6.
-77 Murphy GS, Szokol JW, Avram MJ, et al. Intraoperative acceleromyography monitoring reduces symptoms of muscle weakness and improves quality of recovery in the early postoperative period. Anesthesiology. 2011;115:946-54. nos quais a incidência de bloqueio residual na sala de recuperação pós-anestésica foi de aproximadamente 50%. Considerando que a aplicação do protocolo proposto pudesse reduzir a incidência de CRPO na SRPA pela metade e assumindo um nível de significância de 5% e um poder do teste de 80%, de detectar uma diferença de 0,25 (25%) na incidência entre os grupos, o tamanho mínimo necessário foi calculado em n = 58 pacientes em cada grupo. As pacientes foram distribuídas aleatoriamente (simples 1:1) por lista gerada por computador em dois grupos (protocolo × controle). As pacientes não eram informadas sobre em que grupo foram alocadas; os anestesiologistas responsáveis pelo ato anestésico tinham ciência, no momento da admissão da paciente na sala de cirurgia, em qual grupo a paciente havia sido alocada.

A técnica anestésica foi padronizada para os dois grupos: anestesia geral balanceada (endovenosa e inalatória), sem bloqueio do neuroeixo; indução com sufentanil 0,5-1,0 mcg.kg-1, propofol 1-2,5 mg.kg-1 e rocurônio como BNMA; manutenção com sevoflurano 1,5-2,5% de fração expirada em uma mistura de oxigênio e óxido nitroso a 50%; neostigmina como agente reversor. Usou-se como monitoração contínua o cardioscópio na derivação DII e V5, oxímetro de pulso, capnografia e monitor não invasivo de pressão arterial. Não foi usado no intraoperatório qualquer método de monitoração neuromuscular, qualitativo ou quantitativo. Na sala cirúrgica, uma veia periférica foi cateterizada para hidratação e administração de drogas.

Grupo protocolo

A dose inicial de rocurônio foi de 0,6 mg.kg-1, com doses adicionais de 10 mg durante a cirurgia se necessário; evitar sempre que possível o uso de BNMA nos 45 minutos finais da cirurgia; obrigatoriedade de reversão do bloqueio neuromuscular no fim do procedimento com atropina (10-20 µg.kg-1) e neostigmina (50 µg.kg-1), o anestesiologista era responsável por decidir o melhor momento da reversão; aguardar um tempo mínimo de 15 minutos após a reversão para proceder à extubação.

Grupo controle

As doses inicial e adicional de rocurônio, a reversão ou não do bloqueio, as doses de atropina e neostigmina e o momento da extubação foram decididos pelo anestesiologista responsável pela anestesia.

Avaliação do bloqueio neuromuscular na SRPA

Todas as pacientes foram extubadas e levadas à SRPA e foram igualmente monitoradas através de aceleromiografia (TOF GUARD®, Organon, Teknika), por um dos investigadores principais, independentemente do grupo. Após limpeza e preparo da pele, dois eletrodos de superfície foram colocados no punho, no trajeto do nervo ulnar, com distância de 3 cm um do outro. O transdutor de aceleração (piezoelétrico) foi fixado na falange distal do polegar e um sensor de temperatura sobre a pele na região tenar. Os demais dedos e o braço da paciente foram fixados, a fim de evitar possíveis interferências na monitoração. Uma sequência de quatro estímulos (TOF), não calibrada e não normalizada, com duração de 0,2 ms; frequência de 2 Hz e corrente de 60 mA foi aplicada. Duas medidas sequenciais com intervalo de 15 segundos entre si foram obtidas; caso os valores apresentassem uma diferença superior a 10%, novas medidas foram feitas até que tal diferença fosse inferior a 10%. Então, o valor médio da razão T4/T1 era anotado.

Variáveis estudadas e análise estatística

Incidência de bloqueio residual na SRPA: foi considerado como critério diagnóstico de bloqueio residual uma razão TOF (AMG < 1,0). Esse resultado foi apresentado em percentual e analisado através do teste de qui-quadrado.

Outras variáveis: dose inicial (mg.kg-1) e dose total (mg.kg-1.h-1) de rocurônio; dose de neostigmina (µg.kg-1); duração da anestesia (min): intervalo entre a dose inicial de rocurônio e a extubação; intervalo entre a última dose de rocurônio e o momento da reversão do bloqueio neuromuscular; intervalo entre o momento da reversão do bloqueio neuromuscular e a extubação; intervalo entre a extubação e a monitoração neuromuscular na SRPA.

Dados contínuos com distribuição normal foram expressos como médias e desvios-padrão e analisados através do teste t de Student. Dados contínuos que não apresentaram distribuição normal foram expressos como mediana e intervalo interquartil (q1-q3), foram analisados com o teste U de Mann-Whitney ou o teste de Wilcoxon. As variáveis categóricas foram avaliadas através do teste de qui-quadrado. Um valor p < 0,05 foi considerado como estatisticamente significativo.

Resultados

Foram incluídas no estudo 122 pacientes. Não houve diferença significativa entre os grupos, em relação às características das pacientes (tabela 1). A dose inicial de rocurônio foi diferente entre os grupos, foi significativamente menor (p < 0,01) no grupo protocolo. A dose de neostigmina (µg.kg-1) e o tempo entre a reversão do bloqueio e a extubação foram significativamente menores no grupo controle (p < 0,01). Não houve diferença significativa entre os grupos em relação à dose total de rocurônio (mg.kg-1.h-1), duração da anestesia, intervalo entre a última dose de rocurônio e a neostigmina ou entre a extubação e o momento da avaliação TOF na SRPA (tabela 2).

Tabela 1
Características das pacientes
Tabela 2
Dados referentes a rocurônio, neostigmina e intervalos de acordo o grupo e TOF

O número de pacientes com CRPO foi significativamente menor (p = 0,02) no grupo protocolo quando comparado com o grupo controle (25% vs. 45,2%; respectivamente). Analisando separadamente a presença ou não de CRPO em cada grupo, observou-se que no grupo controle a dose total de rocurônio (mg.kg-1.h-1) foi maior (p = 0,03) e o intervalo entre a última administração de rocurônio e a neostigmina foi menor (p < 0,01) nas pacientes com CRPO em relação às que não apresentaram essa complicação. No grupo protocolo, considerando pacientes com ou sem CRPO (TOF < ou ≥ 1,0), não houve diferença significativa em relação ao uso de rocurônio (dose inicial e dose total), dose de neostigmina, duração da anestesia ou demais intervalos avaliados (tabela 3).

Tabela 3
Características do uso de rocurônio, neostigmina e intervalos de acordo com grupo e PORC

Analisando toda a população de estudo (n = 122), independente do grupo, e classificando-a de acordo com a presença ou não de CRPO, a dose total de rocurônio (mg.kg-1.h-1) foi maior e o intervalo entre a última administração de rocurônio e a neostigmina foi menor nas pacientes com CRPO (TOF < 1,0); com diferença significativa (p ≤ 0,01) em relação aos sem CRPO (TOF ≥ 1,0). Não houve diferença entre os pacientes com ou sem CRPO quanto aos demais parâmetros (tabela 2).

Discussão

Este estudo mostra que a incidência de CRPO na SRPA é alta na ausência de aceleromiografia intraoperatória e que o protocolo proposto reduziu em aproximadamente 50% a incidência de CRPO. Isso é de grande relevância tendo em vista as inúmeras complicações associadas à CRPO e o fato de o protocolo proposto não acarretar aumento de custos ou necessidade de novos equipamentos. Além disso, muitas instituições não dispõem de monitoração neuromuscular e de opções à neostigmina, o que torna esse assunto de suma importância e tema atual de debate entre especialistas.1111 Sasaki N, Meyer MJ, Malviya SA, et al. Effects of neostigmine reversal of nondepolarizing neuromuscular blocking agents on postoperative respiratory outcomes: a prospective study. Anesthesiology. 2014;121:959-68.

12 Kopman AF, Naguib M. Neostigmine: you can't have it both ways. Anesthesiology. 2015;123:231-3.
-1313 Meyer MJ, Sasaki N, Eikermann M. In reply. Anesthesiology. 2015;123:233-4.

Segundo algumas estimativas, anualmente 112.000 pacientes nos EUA estão sob risco de eventos adversos associados a bloqueios residuais não detectados.99 Naguib M, Kopman AF, Lien CA, et al. A survey of current management of neuromuscular block in the United States and Europe. Anesth Analg. 2010;111:110-9. Entre eles, pode-se citar a alteração da função faríngea, fraqueza dos músculos da via aérea superior e redução da resposta ventilatória à hipoxemia.11 Murphy GS, Brull SJ. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part I: definitions, incidence, and adverse physiologic effects of residual neuromuscular block. Anesth Analg. 2010;111:120-8. Há aumento do risco de aspiração, atelectasia, hipercarbia, hipoxemia, obstrução de via aérea, necessidade de reintubação e outras complicações pulmonares.1111 Sasaki N, Meyer MJ, Malviya SA, et al. Effects of neostigmine reversal of nondepolarizing neuromuscular blocking agents on postoperative respiratory outcomes: a prospective study. Anesthesiology. 2014;121:959-68.,1414 McLean DJ, Diaz-Gil D, Farhan HN, et al. Dose-dependent association between intermediate-acting neuromuscular-blocking agents and postoperative respiratory complications. Anesthesiology. 2015;122:1201-13. A CRPO também aumenta a percepção de sintomas de fraqueza muscular e piora a sensação de bem-estar no pós-operatório,77 Murphy GS, Szokol JW, Avram MJ, et al. Intraoperative acceleromyography monitoring reduces symptoms of muscle weakness and improves quality of recovery in the early postoperative period. Anesthesiology. 2011;115:946-54. além de aumentar o tempo de permanência na SRPA.1515 Butterly A, Bittner EA, George E, et al. Postoperative residual curarization from intermediate-acting neuromuscular blocking agents delays recovery room discharge. Br J Anaesth. 2010;105:304-9.

Para se excluir a presença de CRPO, propõe-se que a recuperação neuromuscular completa seja baseada na razão T4:T1 (RTOF) ≥ 0,9 avaliada através de mecanomiografia, atual padrão-ouro para monitoração neuromuscular objetiva.22 Brull SJ, Murphy GS. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part II: methods to reduce the risk of residual weakness. Anesth Analg. 2010;111:129-40. No entanto, quando avaliado através de Aceleromiografia (AMG), mesmo após RTOF = 1,0 a maioria dos receptores de acetilcolina pode ainda estar ocupada por BNM, o que torna a paciente potencialmente susceptível a CRPO.1616 Lien CA. Neostigmine: how much is necessary for patients who receive a nondepolarizing neuromuscular blocking agent? Anesthesiology. 2010;112:16-8. Além disso, há uma grande diferença na dose necessária de anticolinesterásico para se atingir uma RTOF = 0,9 ou 1,0 avaliada por AMG.1717 Fuchs-Buder T, Meistelman C, Alla F, et al. Antagonism of low degrees of atracurium-induced neuromuscular blockade: dose-effect relationship for neostigmine. Anesthesiology. 2010;112:34-40. Assim, atualmente, muitos autores consideram necessário uma RTOF = 1,0 na AMG para que se possa garantir uma recuperação completa do bloqueio.1818 Fuchs-Buder T, Claudius C, Skovgaard LT, et al. Good clinical research practice in pharmacodynamic studies of neuromuscular blocking agents II: the Stockholm revision. Acta Anaesthesiol Scand. 2007;51:789-808.

19 Piccioni F, Mariani L, Bogno L, et al. An acceleromyographic train-of-four ratio of 1.0 reliably excludes respiratory muscle weakness after major abdominal surgery: a randomized double-blind study. Can J Anaesth. 2014;61:641-9.

20 Capron F, Alla F, Hottier C, et al. Can acceleromyography detect low levels of residual paralysis? A probability approach to detect a mechanomyographic train-of-four ratio of 0.9. Anesthesiology. 2004;100:1119-24.
-2121 Claudius C, Skovgaard LT, Viby-Mogensen J. Is the performance of acceleromyography improved with preload and normalization? A comparison with mechanomyography. Anesthesiology. 2009;110:1261-70.

Sabe-se que a AMG não calibrada e não normalizada pode superestimar a RTOF, de modo que pacientes com CRPO podem erroneamente ser considerados como apresentando uma recuperação completa do bloqueio.2121 Claudius C, Skovgaard LT, Viby-Mogensen J. Is the performance of acceleromyography improved with preload and normalization? A comparison with mechanomyography. Anesthesiology. 2009;110:1261-70. Porém, apesar de entender a importância da calibração e da normalização, o objetivo do estudo foi tentar se aproximar ao máximo da realidade de locais que não usam a monitoração neuromuscular rotineiramente. A monitoração muitas vezes vista em ambientes de pesquisa difere da empregada na prática clínica diária.2121 Claudius C, Skovgaard LT, Viby-Mogensen J. Is the performance of acceleromyography improved with preload and normalization? A comparison with mechanomyography. Anesthesiology. 2009;110:1261-70. A dificuldade e a demora na instalação do monitor antes da administração do BNMA são fatores que possivelmente contribuem para que muitos anestesiologistas desistam de usar a monitoração. Tendo em vista esses aspectos, optamos por fazer a avaliação da função neuromuscular em um único momento, na admissão à SRPA, e considerar uma RTOF < 1,0 como critério diagnóstico para CRPO.

Não houve diferença na dose total de rocurônio (mg.kg-1.h-1) entre os grupos protocolo e controle. Porém, o uso de rocurônio de acordo com o protocolo proposto neste estudo fez com que a dose total (mg.kg-1.h-1), levando em consideração o peso corporal e a duração do procedimento, deixasse de ser um fator significativo na ocorrência de CRPO, diferentemente do observado no grupo não exposto ao protocolo. A dose sugerida e empregada no protocolo segue o recomendado por outros autores, para a feitura de manobras de laringoscopia e intubação traqueal, assim como para assegurar relaxamento muscular adequado durante o procedimento cirúrgico, com dose inicial de 2 DE 95 (0,6 mg.kg-1) e doses adicionais de 10 mg, repectivamente.1919 Piccioni F, Mariani L, Bogno L, et al. An acceleromyographic train-of-four ratio of 1.0 reliably excludes respiratory muscle weakness after major abdominal surgery: a randomized double-blind study. Can J Anaesth. 2014;61:641-9.,2222 Kim KS, Lew SH, Cho HY, et al. Residual paralysis induced by either vecuronium or rocuronium after reversal with pyridostigmine. Anesth Analg. 2002;95:1656-60. Além disso, propusemos que fosse evitado o uso de BNMA nos 45 minutos finais da cirurgia, o que pode ser importante para que níveis mais superficiais de bloqueio neuromuscular estejam presentes no momento da reversão. Sabe-se que a aceleromiografia intraoperatória diminui a incidência de CRPO, por possibilitar a redução do uso de BNMA nos 45-60 minutos finais da cirurgia.77 Murphy GS, Szokol JW, Avram MJ, et al. Intraoperative acceleromyography monitoring reduces symptoms of muscle weakness and improves quality of recovery in the early postoperative period. Anesthesiology. 2011;115:946-54. Recentemente, outros autores encontraram resultado semelhante ao observar correlação entre a ocorrência de CRPO no momento da extubação e intervalos menores do que 60 minutos, entre a última administração de BNMA e a extubação.33 Yu B, Ouyang B, Ge S, et al. Incidence of postoperative residual neuromuscular blockade after general anesthesia: a prospective, multicenter, anesthetist-blind, observational study. Curr Med Res Opin. 2016;32:1-9.

Apesar de o protocolo ter reduzido a incidência de CRPO na SRPA de maneira significativa, uma taxa de CRPO de 25% ainda é alta. Isso mostra que apesar de termos reduzido a contribuição de alguns fatores na ocorrência de CRPO, sua etiologia é multifatorial e outros aspectos não avaliados neste estudo podem ter contribuído. Isso pode ser devido a diversos fatores, tais como hipotermia, uso de neostigmina em pacientes com recuperação espontânea e completa da transmissão neuromuscular, interação entre drogas anestésicas e BNM, entre outros. Sabe-se que mesmo com o uso de monitores qualitativos durante o intraoperatório, a incidência de CRPO continua alta na SRPA. Portanto, a única maneira eficaz de minimizar a ocorrência de CRPO é pelo uso de monitores quantitativos no intraoperatório ou de reversores específicos, tal como o sugammadex.

Em estudo caso-controle foi avaliado o impacto da técnica anestésica na mortalidade durante as primeiras 24 horas do período pós-operatório imediato e observado um aumento de dez vezes no risco de morte quando não se faz a reversão do bloqueio neuromuscular no fim da anestesia.2323 Arbous MS, Meursing AE, van Kleef JW, et al. Impact of anesthesia management characteristics on severe morbidity and mortality. Anesthesiology. 2005;102:257-68. A incidência de CRPO, avaliada na Sala de Recuperação Pós-Anestésica (SRPA) após 2 horas ou mais da administração de uma única dose de BNMA, é de 37% quando não se reverte o bloqueio neuromuscular.44 Debaene B, Plaud B, Dilly MP, et al. Residual paralysis in the PACU after a single intubating dose of nondepolarizing muscle relaxant with an intermediate duration of action. Anesthesiology. 2003;98:1042-8. Assim, em situações nas quais não se dispõe de monitoração neuromuscular, a recomendação atual é que haja reversão farmacológica rotineira após se observar retorno espontâneo da atividade muscular.22 Brull SJ, Murphy GS. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part II: methods to reduce the risk of residual weakness. Anesth Analg. 2010;111:129-40.

A dose de neostigmina, quando empregada na reversão do bloqueio neuromuscular, varia de 20-70 µg.kg-1, 50 µg.kg-1 são frequentemente usados e recomendados.22 Brull SJ, Murphy GS. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part II: methods to reduce the risk of residual weakness. Anesth Analg. 2010;111:129-40.,77 Murphy GS, Szokol JW, Avram MJ, et al. Intraoperative acceleromyography monitoring reduces symptoms of muscle weakness and improves quality of recovery in the early postoperative period. Anesthesiology. 2011;115:946-54.,1010 Kim KS, Cheong MA, Lee HJ, et al. Tactile assessment for the reversibility of rocuronium-induced neuromuscular blockade during propofol or sevoflurane anesthesia. Anesth Analg. 2004;99:1080-5.,1515 Butterly A, Bittner EA, George E, et al. Postoperative residual curarization from intermediate-acting neuromuscular blocking agents delays recovery room discharge. Br J Anaesth. 2010;105:304-9.,1717 Fuchs-Buder T, Meistelman C, Alla F, et al. Antagonism of low degrees of atracurium-induced neuromuscular blockade: dose-effect relationship for neostigmine. Anesthesiology. 2010;112:34-40.,2424 Kopman AF, Eikermann M. Antagonism of non-depolarising neuromuscular block: current practice. Anaesthesia. 2009;64:22-30. No entanto, o seu uso em pacientes que já apresentam recuperação completa do bloqueio não é seguro, uma vez que pode levar ao colapso da via aérea superior e à disfunção muscular respiratória.11 Murphy GS, Brull SJ. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part I: definitions, incidence, and adverse physiologic effects of residual neuromuscular block. Anesth Analg. 2010;111:120-8.,1111 Sasaki N, Meyer MJ, Malviya SA, et al. Effects of neostigmine reversal of nondepolarizing neuromuscular blocking agents on postoperative respiratory outcomes: a prospective study. Anesthesiology. 2014;121:959-68.,1414 McLean DJ, Diaz-Gil D, Farhan HN, et al. Dose-dependent association between intermediate-acting neuromuscular-blocking agents and postoperative respiratory complications. Anesthesiology. 2015;122:1201-13. Além disso, a neostigmina aumenta o tempo para alta na SRPA e a permanência hospitalar, independentemente de bloqueio residual na admissão à SRPA.1111 Sasaki N, Meyer MJ, Malviya SA, et al. Effects of neostigmine reversal of nondepolarizing neuromuscular blocking agents on postoperative respiratory outcomes: a prospective study. Anesthesiology. 2014;121:959-68. Quando administrada em altas doses (> 60 µg.kg-1), aumenta ainda as chances de complicações pós-operatórias e triplica a chance de atelectasia.1111 Sasaki N, Meyer MJ, Malviya SA, et al. Effects of neostigmine reversal of nondepolarizing neuromuscular blocking agents on postoperative respiratory outcomes: a prospective study. Anesthesiology. 2014;121:959-68.,1414 McLean DJ, Diaz-Gil D, Farhan HN, et al. Dose-dependent association between intermediate-acting neuromuscular-blocking agents and postoperative respiratory complications. Anesthesiology. 2015;122:1201-13. Esses efeitos parecem estar relacionados a um bloqueio despolarizante causado pela neostigmina, dessensibilização dos receptores de acetilcolina ou bloqueio de canal aberto dos receptores de acetilcolina.1111 Sasaki N, Meyer MJ, Malviya SA, et al. Effects of neostigmine reversal of nondepolarizing neuromuscular blocking agents on postoperative respiratory outcomes: a prospective study. Anesthesiology. 2014;121:959-68.

Desse modo, fica claro que a dose de neostigmina deve ser baseada em dados obtidos através da monitoração objetiva no intraoperatório. Assim, o uso rotineiro e em doses fixas de neostigmina, conforme proposto no protocolo estudado, está longe do ideal, porém está de acordo com a melhor prática clínica em situações nas quais não se dispõe de monitoração neuromuscular ou opção à neostigmina.22 Brull SJ, Murphy GS. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part II: methods to reduce the risk of residual weakness. Anesth Analg. 2010;111:129-40. Além disso, a dose preconizada (50 µg.kg-1) é inferior àquelas capazes de causar efeitos respiratórios indesejados (> 60 µg.kg-1).1111 Sasaki N, Meyer MJ, Malviya SA, et al. Effects of neostigmine reversal of nondepolarizing neuromuscular blocking agents on postoperative respiratory outcomes: a prospective study. Anesthesiology. 2014;121:959-68.,1414 McLean DJ, Diaz-Gil D, Farhan HN, et al. Dose-dependent association between intermediate-acting neuromuscular-blocking agents and postoperative respiratory complications. Anesthesiology. 2015;122:1201-13. Acreditamos que a redução da incidência de CRPO com o uso do protocolo supera os possíveis efeitos indesejados do uso da neostigmina usada na ausência de monitoração adequada; porém, novos estudos são necessários para que se possa confirmar essa hipótese.

Kim et al.1010 Kim KS, Cheong MA, Lee HJ, et al. Tactile assessment for the reversibility of rocuronium-induced neuromuscular blockade during propofol or sevoflurane anesthesia. Anesth Analg. 2004;99:1080-5. observaram, em pacientes submetidos à anestesia geral com sevoflurano, monitorados e com quatro respostas presentes ao TOF, o tempo de 15 minutos após o uso da neostigmina para reversão do bloqueio e extubação segura. Estudo recente evidenciou que na presença de monitoração intraoperatória o tempo médio entre a administração da neostigmina e a extubação foi de 15,6 minutos; significativamente maior do que o observado nas pacientes não monitoradas.1111 Sasaki N, Meyer MJ, Malviya SA, et al. Effects of neostigmine reversal of nondepolarizing neuromuscular blocking agents on postoperative respiratory outcomes: a prospective study. Anesthesiology. 2014;121:959-68.

Tais valores são próximos ao encontrado no grupo controle deste estudo. Apesar de no grupo exposto ao protocolo o intervalo entre a neostigmina e a extubação ter sido significativamente maior em relação ao grupo não exposto, esse tempo não foi significativamente diferente entre as pacientes que apresentaram ou não CRPO. Uma possível explicação para esse resultado seria o fato de a maior parte, mesmo no grupo controle, apresentar um intervalo > 10 minutos. Yu et al.33 Yu B, Ouyang B, Ge S, et al. Incidence of postoperative residual neuromuscular blockade after general anesthesia: a prospective, multicenter, anesthetist-blind, observational study. Curr Med Res Opin. 2016;32:1-9. observaram que a extubação com menos de 10 minutos após a administração da neostigmina pode estar associada ao aumento da incidência de CRPO no momento da extubação.

A falta de monitoração neuromuscular adequada aumenta os riscos de edema pulmonar e reintubação, é essencial para guiar a reversão adequada do bloqueio neuromuscular na prática clínica.22 Brull SJ, Murphy GS. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part II: methods to reduce the risk of residual weakness. Anesth Analg. 2010;111:129-40.,1111 Sasaki N, Meyer MJ, Malviya SA, et al. Effects of neostigmine reversal of nondepolarizing neuromuscular blocking agents on postoperative respiratory outcomes: a prospective study. Anesthesiology. 2014;121:959-68. Porém, mesmo em locais que dispõem do equipamento, uma de cada cinco pacientes que recebem BNMA não tem um único TOF avaliado.1111 Sasaki N, Meyer MJ, Malviya SA, et al. Effects of neostigmine reversal of nondepolarizing neuromuscular blocking agents on postoperative respiratory outcomes: a prospective study. Anesthesiology. 2014;121:959-68. Esse comportamento não é restrito a uma única instituição, é observado em diversos serviços.66 Videira RL, Vieira JE. What rules of thumb do clinicians use to decide whether to antagonize nondepolarizing neuromuscular blocking drugs? Anesth Analg. 2011;113:1192-6.,99 Naguib M, Kopman AF, Lien CA, et al. A survey of current management of neuromuscular block in the United States and Europe. Anesth Analg. 2010;111:110-9. Os motivos são vários: falta de disseminação do conhecimento, desinteresse ou desmotivação dos médicos, dificuldade do uso dos monitores, longo tempo para se atingir uma resposta confiável, sensibilidade a fatores externos, resultados de difícil interpretação e necessidade de treinamento e uso rotineiro. Todos esses fatores tornam a inclusão da monitoração neuromuscular na prática diária pouco provável, fato evidenciado em pesquisas feitas mundialmente.22 Brull SJ, Murphy GS. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part II: methods to reduce the risk of residual weakness. Anesth Analg. 2010;111:129-40.,2525 Kopman AF, Lien CA, Naguib M. Determining the potency of neuromuscular blockers: are traditional methods flawed? Br J Anaesth. 2010;104:705-10. Frente a essa realidade, este estudo propõe uma opção para reduzir a incidência de CRPO em situações não ideais.

Limitações

Este estudo foi feito em um único centro, um hospital universitário terciário brasileiro. Portanto, não há como afirmarmos que a aplicação do protocolo em outras instituições terá o mesmo impacto, uma vez que a CRPO é multifatorial. No entanto, o protocolo modificou fatores apontados como responsáveis pelo aumento de CRPO em estudos maiores de outros centros.33 Yu B, Ouyang B, Ge S, et al. Incidence of postoperative residual neuromuscular blockade after general anesthesia: a prospective, multicenter, anesthetist-blind, observational study. Curr Med Res Opin. 2016;32:1-9.,77 Murphy GS, Szokol JW, Avram MJ, et al. Intraoperative acceleromyography monitoring reduces symptoms of muscle weakness and improves quality of recovery in the early postoperative period. Anesthesiology. 2011;115:946-54.

Outro aspecto a ser considerado foi o uso apenas do rocurônio como BNMA. Apesar de dificultar a generalização dos resultados para a prática clínica que envolve o uso de outros BNMA, essa escolha foi essencial para padronizar a elaboração do protocolo e facilitar a análise dos dados obtidos. A escolha do rocurônio se deve ao fato de ser o BNMA mais usado na maioria das instituições,99 Naguib M, Kopman AF, Lien CA, et al. A survey of current management of neuromuscular block in the United States and Europe. Anesth Analg. 2010;111:110-9.,2626 Fortier LP, McKeen D, Turner K, et al. The RECITE study: a Canadian prospective, multicenter study of the incidence and severity of residual neuromuscular blockade. Anesth Analg. 2015;121:366-72. principalmente após a introdução do sugammadex no mercado.

Conforme discutido anteriormente, optamos por fazer a AMG não calibrada e não normalizada, o que pode ter levado a resultados menos fidedignos e com maior viés. No entanto, tentamos minimizar esse fator considerando um limiar RTOF < 1,0 para diagnóstico de CRPO.

Conclusão

A sistematização proposta para reversão do bloqueio neuromuscular, em pacientes submetidos à anestesia geral e que receberam rocurônio, mostrou-se eficaz, reduziu de maneira significativa a incidência de bloqueio residual na SRPA quando não se dispõe de monitoração neuromuscular intraoperatória. Os pacientes expostos ao protocolo tiveram uma menor incidência de bloqueio residual possivelmente pelo fato de que fatores como dose total de rocurônio e intervalo entre a última dose desse fármaco e o momento da reversão deixaram de ser relevantes para a ocorrência dessa complicação. Pode-se inferir, portanto, que a ocorrência de curarização residual seja multifatorial.

References

  • 1
    Murphy GS, Brull SJ. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part I: definitions, incidence, and adverse physiologic effects of residual neuromuscular block. Anesth Analg. 2010;111:120-8.
  • 2
    Brull SJ, Murphy GS. Residual neuromuscular block: lessons unlearned. Part II: methods to reduce the risk of residual weakness. Anesth Analg. 2010;111:129-40.
  • 3
    Yu B, Ouyang B, Ge S, et al. Incidence of postoperative residual neuromuscular blockade after general anesthesia: a prospective, multicenter, anesthetist-blind, observational study. Curr Med Res Opin. 2016;32:1-9.
  • 4
    Debaene B, Plaud B, Dilly MP, et al. Residual paralysis in the PACU after a single intubating dose of nondepolarizing muscle relaxant with an intermediate duration of action. Anesthesiology. 2003;98:1042-8.
  • 5
    Hayes AH, Mirakhur RK, Breslin DS, et al. Postoperative residual block after intermediate-acting neuromuscular blocking drugs. Anaesthesia. 2001;56:312-8.
  • 6
    Videira RL, Vieira JE. What rules of thumb do clinicians use to decide whether to antagonize nondepolarizing neuromuscular blocking drugs? Anesth Analg. 2011;113:1192-6.
  • 7
    Murphy GS, Szokol JW, Avram MJ, et al. Intraoperative acceleromyography monitoring reduces symptoms of muscle weakness and improves quality of recovery in the early postoperative period. Anesthesiology. 2011;115:946-54.
  • 8
    Esteves S, Martins M, Barros F, et al. Incidence of postoperative residual neuromuscular blockade in the postanaesthesia care unit: an observational multicentre study in Portugal. Eur J Anaesthesiol. 2013;30:243-9.
  • 9
    Naguib M, Kopman AF, Lien CA, et al. A survey of current management of neuromuscular block in the United States and Europe. Anesth Analg. 2010;111:110-9.
  • 10
    Kim KS, Cheong MA, Lee HJ, et al. Tactile assessment for the reversibility of rocuronium-induced neuromuscular blockade during propofol or sevoflurane anesthesia. Anesth Analg. 2004;99:1080-5.
  • 11
    Sasaki N, Meyer MJ, Malviya SA, et al. Effects of neostigmine reversal of nondepolarizing neuromuscular blocking agents on postoperative respiratory outcomes: a prospective study. Anesthesiology. 2014;121:959-68.
  • 12
    Kopman AF, Naguib M. Neostigmine: you can't have it both ways. Anesthesiology. 2015;123:231-3.
  • 13
    Meyer MJ, Sasaki N, Eikermann M. In reply. Anesthesiology. 2015;123:233-4.
  • 14
    McLean DJ, Diaz-Gil D, Farhan HN, et al. Dose-dependent association between intermediate-acting neuromuscular-blocking agents and postoperative respiratory complications. Anesthesiology. 2015;122:1201-13.
  • 15
    Butterly A, Bittner EA, George E, et al. Postoperative residual curarization from intermediate-acting neuromuscular blocking agents delays recovery room discharge. Br J Anaesth. 2010;105:304-9.
  • 16
    Lien CA. Neostigmine: how much is necessary for patients who receive a nondepolarizing neuromuscular blocking agent? Anesthesiology. 2010;112:16-8.
  • 17
    Fuchs-Buder T, Meistelman C, Alla F, et al. Antagonism of low degrees of atracurium-induced neuromuscular blockade: dose-effect relationship for neostigmine. Anesthesiology. 2010;112:34-40.
  • 18
    Fuchs-Buder T, Claudius C, Skovgaard LT, et al. Good clinical research practice in pharmacodynamic studies of neuromuscular blocking agents II: the Stockholm revision. Acta Anaesthesiol Scand. 2007;51:789-808.
  • 19
    Piccioni F, Mariani L, Bogno L, et al. An acceleromyographic train-of-four ratio of 1.0 reliably excludes respiratory muscle weakness after major abdominal surgery: a randomized double-blind study. Can J Anaesth. 2014;61:641-9.
  • 20
    Capron F, Alla F, Hottier C, et al. Can acceleromyography detect low levels of residual paralysis? A probability approach to detect a mechanomyographic train-of-four ratio of 0.9. Anesthesiology. 2004;100:1119-24.
  • 21
    Claudius C, Skovgaard LT, Viby-Mogensen J. Is the performance of acceleromyography improved with preload and normalization? A comparison with mechanomyography. Anesthesiology. 2009;110:1261-70.
  • 22
    Kim KS, Lew SH, Cho HY, et al. Residual paralysis induced by either vecuronium or rocuronium after reversal with pyridostigmine. Anesth Analg. 2002;95:1656-60.
  • 23
    Arbous MS, Meursing AE, van Kleef JW, et al. Impact of anesthesia management characteristics on severe morbidity and mortality. Anesthesiology. 2005;102:257-68.
  • 24
    Kopman AF, Eikermann M. Antagonism of non-depolarising neuromuscular block: current practice. Anaesthesia. 2009;64:22-30.
  • 25
    Kopman AF, Lien CA, Naguib M. Determining the potency of neuromuscular blockers: are traditional methods flawed? Br J Anaesth. 2010;104:705-10.
  • 26
    Fortier LP, McKeen D, Turner K, et al. The RECITE study: a Canadian prospective, multicenter study of the incidence and severity of residual neuromuscular blockade. Anesth Analg. 2015;121:366-72.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    20 Out 2016
  • Aceito
    9 Fev 2017
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org