Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação e manejo perioperatório de pacientes com diabetes melito. Um desafio para o anestesiologista Instituição: Complexo Hospitalar Santa Genoveva, Uberlândia, MG, Brasil.

Resumo

O diabetes melito (DM) é caracterizado por alteração no metabolismo de carboidratos que leva à hiperglicemia e ao aumento da morbimortalidade perioperatória. Cursa com alterações fisiológicas diversas e progressivas e, para o manejo anestésico, deve-se atentar para a interferência dessa doença nos múltiplos sistemas orgânicos e suas respectivas complicações. Anamnese, exame físico e exames complementares são importantes no manejo pré-operatório, com destaque para a hemoglobina glicosilada (HbA1c), que tem forte valor preditivo para complicações associadas ao diabetes. O planejamento cirúrgico tem como objetivos a redução do tempo de jejum e a manutenção da rotina do paciente. Pacientes portadores de DM Tipo 1 precisam receber, mesmo em jejum perioperatório, insulina para suprir as demandas fisiológicas basais e evitar cetoacidose. Já os pacientes portadores de DM Tipo 2, tratados com múltiplos fármacos injetáveis e/ou orais, são suscetíveis ao desenvolvimento de um estado hiperosmolar hiperglicêmico (EHH). Assim, o manejo dos hipoglicemiantes e dos diferentes tipos de insulina é fundamental, além da determinação do horário cirúrgico e, consequentemente, do número de refeições perdidas para adequação de doses ou suspensão dos medicamentos. As evidências atuais sugerem o alvo de manutenção da glicemia seguro para os pacientes cirúrgicos, sem concluir se deve ser obtido com controle glicêmico intensivo ou moderado.

PALAVRAS-CHAVE
Diabetes melito; Anestesia; Cuidados perioperatórios; Hipoglicemiantes; Insulina; Hemoglobina glicosilada

Abstract

Diabetes mellitus (DM) is characterized by alteration in carbohydrate metabolism, leading to hyperglycemia and increased perioperative morbidity and mortality. It evolves with diverse and progressive physiological changes, and the anesthetic management requires attention regarding this disease interference in multiple organ systems and their respective complications. Patient's history, physical examination, and complementary exams are important in the preoperative management, particularly glycosylated hemoglobin (HbA1c), which has a strong predictive value for complications associated with diabetes. The goal of surgical planning is to reduce the fasting time and maintain the patient's routine. Patients with Type 1 DM must receive insulin (even during the preoperative fast) to meet the basal physiological demands and avoid ketoacidosis. Whereas patients with Type 2 DM treated with multiple injectable and/or oral drugs are susceptible to develop a hyperglycemic hyperosmolar state (HHS). Therefore, the management of hypoglycemic agents and different types of insulin is fundamental, as well as determining the surgical schedule and, consequently, the number of lost meals for dose adjustment and drug suspension. Current evidence suggests the safe target to maintain glycemic control in surgical patients, but does not conclude whether it should be obtained with either moderate or severe glycemic control.

KEYWORDS
Diabetes mellitus; Anesthesia; Perioperative care; Hypoglycemic agents; Insulin; Glycosylated hemoglobin

Introdução

Nos pacientes cirúrgicos, a presença de diabetes melito (DM) ou hiperglicemia associa-se a aumento da morbimortalidade, com taxa de mortalidade perioperatória até 50% maior do que na população não diabética.11 Frisch A, Chandra P, Smiley D, et al. Prevalence and clinical outcome of hyperglycemia in the perioperative period in noncardiac surgery. Diabetes Care. 2010;33:1783-8. As razões para esses resultados adversos são múltiplas: falha ao identificar pacientes diabéticos ou hiperglicêmicos; múltiplas comorbidades, inclusive complicações micro e macrovasculares; polifarmácia complexa e erros na prescrição de insulina; aumentos nas infecções perioperatórias e pós-operatórias; associação de episódios de hipoglicemia e hiperglicemia;11 Frisch A, Chandra P, Smiley D, et al. Prevalence and clinical outcome of hyperglycemia in the perioperative period in noncardiac surgery. Diabetes Care. 2010;33:1783-8. a falta de, ou uso, de protocolos inadequados para manejo dos pacientes diabéticos ou hiperglicêmicos internados nas instituições; e conhecimento inadequado do manejo do diabetes e da hiperglicemia entre a equipe cuidadora.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.

Material e métodos

Foram feitas buscas em múltiplas bases de dados, inclusive Medline via PubMed (de janeiro de 1966 a agosto de 2016), The Cochrane Library e Lilacs (1982 a agosto de 2016). Após levantamento bibliográfico foram selecionados os artigos com melhor desenho metodológico. Foram ainda usadas as atualizações baseadas em evidência dos domínios UpToDate e Medscape. Não houve restrição de idiomas.

As buscas foram feitas entre maio e agosto de 2016. Para as buscas no PubMed, foram usadas as seguintes estratégias de pesquisa:

  1. "Diabetes Mellitus" [All Fields] AND "Anesthesia" [All Fields], "Diabetes Mellitus" [All Fields] AND "Perioperative Period" [All Fields], "Glycemic Control" [All Fields] AND "Perioperative Care" [All Fields], "Glycemic Control" [All Fields] AND "Anesthesia" [All Fields], "Diabetes Mellitus" [All Fields] AND "Anesthesia" [All Fields] AND "Perioperative" [All Fields];

  2. "Diabetes Mellitus" [MeSH Terms] AND "Anesthesia" [MeSH Terms], "Diabetes Mellitus" [MeSH Terms] AND "Perioperative Period" [MeSH Terms], "Anesthesia" [MeSH Terms] AND "Diabetes Mellitus" [MeSH Terms] AND "Perioperative Period" [MeSH Terms], "Diabetes Mellitus" [MeSH Terms] AND "Perioperative Care" [MeSH Terms];

  3. "Diabetes Mellitus" [MeSH Terms] OR ("diabetes" [All Fields] AND "mellitus" [All Fields]) OR "diabetes mellitus" [All Fields]) AND ("anaesthesia" [All Fields] OR "anesthesia" [MeSH Terms] OR "anesthesia" [All Fields]) AND Perioperative [All Fields].

Alterações fisiológicas e implicações anestésicas

O diabetes melito é uma doença caracterizada por metabolismo anormal dos carboidratos que cursa com hiperglicemia. Se permanecer sem tratamento, é doença debilitante, que leva à insuficiência e disfunção orgânica crônica. O diabetes tipo 1 (DM1) é o resultado de uma destruição das células β pancreáticas produtoras de insulina mediada por mecanismo autoimune, ocasiona deficiência completa na secreção de insulina. Já o diabetes tipo 2 (DM2), forma mais comum, é consequência da resistência periférica à ação da insulina e é frequentemente associado com falha progressiva na secreção desse hormônio com o passar dos anos, resultado da disfunção das células β pancreáticas devido à glicotoxicidade, lipotoxicidade e formação amiloide.33 Stumvall M, Goldstein BJ, van Haeften TW. Type 2 diabetes: principles of pathogenesis and therapy. Lancet. 2005;365:1333-46.

Os critérios diagnósticos do diabetes melito são listados na tabela 1.

Tabela 1
Critérios diagnósticos do diabetes melito segundo American Diabetes Association - 201544 Standards of medical care in diabetes - 2015. Classification and diagnosis of diabetes. Diabetes Care. 2015;38(Suppl. 1):S8-16.

Com o maior rastreamento da glicemia, outro grupo de pacientes conhecidos como pré-diabéticos também tem sido identificado. Podem ser classificados em duas classes principais: glicemia de jejum alterada e intolerância a glicose. O rastreamento positivo desses pacientes inclui: glicemia de jejum entre 100-125 mg.dL-1; glicemia 2 horas após teste de tolerância a glicose (TTG) oral entre 140-199 mg.dL-1; ou HbA1c entre 5,7%-6,4%.55 Sebranek JJ, Lugli AK, Coursin DB. Glycaemic control in the perioperative period. Br J Anaesth. 2013;111(Suppl. 1):i18-34.

As alterações fisiológicas do paciente diabético são múltiplas e progressivas e, para o manejo anestésico, deve ser dada ênfase aos seguintes órgãos e sistemas: musculoesquelético, rim, neurológico e cardiovascular.

Sistema musculoesquelético

A hiperglicemia crônica leva à glicosilação não enzimática de proteínas e a ligações cruzadas anormais do colágeno das articulações, limita sua mobilidade e leva à chamada síndrome da rigidez articular (SRA) ou stiff joint syndrome. As articulações temporomandibular, atlanto-occipital e da coluna cervical podem ser afetadas.66 Larkin ME, Barnie A, Braffett BH, et al. Musculoskeletal complications in type 1 diabetes. Diabetes Care. 2014;37:1863-9. O escleroedema do diabetes caracteriza-se por um edema firme, lenhoso e não compressível das regiões posterior do pescoço e superior do dorso e, associado com a mobilidade articular reduzida, pode limitar a amplitude de movimento do pescoço e dificultar a intubação orotraqueal.77 Wall R. Endocrine disease. In: Hines RL, Marschall KE, editors. Stoelting's anesthesia and co-existing disease. 6th ed. Philadelphia: Elsevier; 2012. p. 376-84.

Rim

Uma proporção relevante de pacientes com DM apresenta nefropatia diabética. Essa complicação crônica é caracterizada pelo desenvolvimento de albuminúria e redução progressiva da função renal nos pacientes sem controle glicêmico adequado. Em geral, pacientes portadores dessa complicação estão sob risco ainda maior de morbimortalidade no período perioperatório. Portanto, a pesquisa de albuminúria nesses pacientes contribuiria para avaliação adicional do risco de insuficiência renal aguda (IRA).88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92.

Na presença de hipovolemia, o uso intraoperatório de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) pode prejudicar a redistribuição do fluxo sanguíneo renal e piorar a função renal. Isso é especialmente importante quando do uso concomitante de drogas que modulam o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA).88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92. Deve-se, portanto, ter cuidado com uso de AINEs nos pacientes com DM, os quais já podem ter algum grau de disfunção renal; além disso, o uso de AINEs também aumenta o risco de edema, que pode ser agravado quando administrados concomitantemente com os antidiabéticos orais da classe das glitazonas.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.

Do mesmo modo, inibidores da ciclooxigenase tipo 2 (COX-2) podem afetar a função renal em pacientes de risco, inclusive os pacientes com nefropatia diabética. Em revisão da literatura, IRA e/ou distúrbios eletrolíticos graves (particularmente hipercalemia e acidose metabólica) foram claramente causados pelo celecoxib ou pelo rofecoxib.99 Perazella MA, Tray K. Selective cyclooxygenase-2 inhibitors: a pattern of nephrotoxicity similar to traditional nonsteroidal anti-inflammatory drugs. Am J Med. 2001;111:64. Faltam estudos acerca da segurança do parecoxibe, disponível no Brasil para uso venoso perioperatório, e seu impacto na função renal dessa população de pacientes.

Sistema neurológico

Os efeitos neurológicos do diabetes aumentam o risco de acidente vascular encefálico (AVE) e a presença de hiperglicemia é um forte preditor de piores resultados em várias formas de lesão cerebral aguda.1010 Moitra VK, Meiler SE. The diabetic surgical patient. Curr Opin Anaesthesiol. 2006;19:339-45. Estudo prospectivo encontrou associação entre níveis de HbA1c e risco de AVE em pacientes diabéticos e não diabéticos.1111 Selvin E, Coresh J, Shahar E, et al. Glycaemia (haemoglobin A1c) and incident ischaemic stroke: the Atherosclerosis Risk in Communities (ARIC) Study. Lancet Neurol. 2005;4:821-6. De fato, a resposta vasodilatadora à hipercapnia, medida pelo Doppler transcraniano, foi reduzida nos diabéticos quando comparados com os não diabéticos. O grau de redução foi correlacionado com os níveis de HbA1c dos pacientes.1212 Kadoi Y, Hinohara H, Kunimoto F, et al. Diabetic patients have an impaired cerebral vasodilatory response to hypercapnia under propfol anesthesia. Stroke. 2003;34:2399-403. Esse achado levanta questões interessantes sobre o papel do controle glicêmico em longo prazo na regulação da reatividade vascular cerebral nos diabéticos.

As fibras nervosas nos pacientes diabéticos podem ser mais suscetíveis à lesão isquêmica, pois já estão sob estresse pela hipóxia isquêmica crônica. Os anestésicos locais podem ser neurotóxicos. Para evitar lesão nervosa nesses pacientes, deve-se ter cautela na dosagem total e na concentração de anestésicos locais usados na anestesia regional.88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92.

Neuropatia autonômica

A neuropatia autonômica diabética é uma complicação comum do DM frequentemente não diagnosticada. Essa complicação pode afetar os sistemas: gastrointestinal, genitourinário e cardiovascular. As principais manifestações clínicas da neuropatia autonômica diabética incluem taquicardia em repouso, intolerância ao exercício, hipotensão ortostática, obstipação intestinal, gastroparesia, disfunção vesical, função neurovascular prejudicada e perda da resposta autonômica à hipoglicemia. Para o manejo anestésico, além das alterações autonômicas cardiovasculares, é fundamental lembrar que a motilidade esofágica reduzida e a gastroparesia podem levar a vômitos e aspiração do conteúdo gástrico.88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92. A hiperglicemia, aguda ou crônica, aumenta o tempo de esvaziamento gástrico e pode aumentar o volume do conteúdo gástrico.1010 Moitra VK, Meiler SE. The diabetic surgical patient. Curr Opin Anaesthesiol. 2006;19:339-45.

Sistema cardiovascular

Pacientes diabéticos têm risco aumentado de hipertensão arterial, doença arterial coronariana (DAC), isquemia miocárdica silenciosa, disfunção cardíaca sistólica e diastólica e insuficiência cardíaca congestiva.88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92. Através de vários mecanismos, a hiperglicemia prejudica a vasodilatação e induz um estado pró-inflamatório, pró-trombótico e pró-aterogênico crônico que serve como base para as complicações vasculares comumente encontradas nos pacientes diabéticos.1313 Beckman JA, Creager MA, Libby P. Diabetes and atherosclerosis. JAMA. 2002;287:2570-81. Pacientes com diabetes mas sem infarto agudo do miocárdio (IAM) prévio têm o mesmo risco de eventos coronarianos de um paciente não diabético com IAM prévio.1414 Haffner SM, Lehto S, Ronnemaa T, et al. Mortality from coronary artery disease in subjects with type 2 diabetes and in nondiabetic subjects with and without prior myocardial infarction. N Engl J Med. 1998;339:229-34. De fato, pacientes diabéticos são considerados de risco aumentado para DAC, é obrigatório o uso intensivo de terapia antiaterosclerótica.1515 Executive summary of the Third Report of the National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection. Evaluation and treatment of high blood cholesterol in adults (Adult Treatment Panel III). JAMA. 2001;285:2486-97. Diretriz da American Heart Association (AHA) para avaliação cardiológica perioperatória de pacientes submetidos à cirurgia não cardíaca colocam o diabetes, especialmente aquele paciente que recebe terapia insulínica, como fator de risco independente para eventos cardíacos adversos.1616 Fleisher LA, Fleischmann KE, Auerbach AD, et al. 2014 ACC/AHA guideline on perioperative cardiovascular evaluation and management of patients undergoing noncardiac surgery: executive summary: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2014;130:2215-45.

Avaliação pré-operatória e importância da HbA1c

No paciente com DM a história clínica deve esclarecer o tipo (DM1, DM2, diabetes melito gestacional ou outros tipos), controle glicêmico, tempo de diagnóstico (preditor de complicações crônicas), terapia medicamentosa (antidiabéticos orais, injetáveis não insulínicos ou insulina), dose das medicações e horários em que são administradas.1717 Joshi GP, Chung F, Vann MA, et al. Society for ambulatory anaesthesia consensus statement on perioperative blood glucose management in diabetic patients undergoing ambulatory surgery. Anesth Analg. 2010;111:1378-87.

A ocorrência e a frequência de hipoglicemia devem ser questionadas, pois interferem na conduta pré-operatória das medicações, além da frequência de internação hospitalar relacionada ao controle glicêmico (descompensações agudas). A capacidade do paciente para medir sua glicemia e entender os princípios da terapia do diabetes deve ser avaliada, já que influencia no manejo perioperatório desses pacientes.1717 Joshi GP, Chung F, Vann MA, et al. Society for ambulatory anaesthesia consensus statement on perioperative blood glucose management in diabetic patients undergoing ambulatory surgery. Anesth Analg. 2010;111:1378-87.

Outros fatores de risco para aterosclerose devem ser pesquisados (tabagismo, hipertensão, dislipidemia, história familiar, sedentarismo), presença de infecções recentes que possam alterar o controle glicêmico perioperatório (pele, pés, trato genitourinário, odontológicas) e o uso de medicações para outras comorbidades.1818 Loh-Trivedi M, Croley WC. Perioperative management of the diabetic patient; 2015. http://emedicine.medscape.com/article/284451-overview#a3 [accessed 27.08.16].
http://emedicine.medscape.com/article/28...

Uma preocupação importante nos pacientes diabéticos é o número significante de pacientes com DM2 que não têm conhecimento do diagnóstico e só descobrem no momento da cirurgia. Estudo feito em pacientes submetidos a cirurgias não cardíacas encontrou taxa de DM não diagnosticada de 10% e de glicemia de jejum alterada de 11%.1919 Abdelmalak B, Abdelmalak JB, Knittel J, et al. The prevalence of undiagnosed diabetes in non-cardiac surgery patients, an observational study. Can J Anaesth. 2010;57:1058-64. Outro estudo mostrou que 24% dos pacientes encaminhados da atenção primária para a cirurgia eletiva tiveram o diagnóstico de DM ou glicemia de jejum alterada descobertos no dia da cirurgia.2020 Sheehy AM, Benca J, Glinberg SL, et al. Preoperative ‘NPO' as an opportunity for diabetes screening. J Hosp Med. 2012;7:611-66. Curiosamente, pacientes com DM não diagnosticados foram mais propensos a necessitar de ressuscitação, reintubação e ventilação mecânica pós-operatória mais prolongada e tiveram maior mortalidade perioperatória quando comparados com pacientes sem DM e com pacientes com DM diagnosticado previamente.2121 Lauruschkat AH, Arnrich B, Albert AA, et al. Prevalence and risks of undiagnosed diabetes mellitus in patients undergoing coronary artery bypass grafting. Circulation. 2005;112:2397-402. Esses achados, juntamente com os de outros pesquisadores, sugerem que o DM não diagnosticado é fator de risco ainda maior para morbimortalidade perioperatória do que o DM previamente diagnosticado. O risco aumentado pode estar relacionado a vários fatores, inclusive o cuidado inadequado preventivo e a terapia menos agressiva pela equipe assistencial.55 Sebranek JJ, Lugli AK, Coursin DB. Glycaemic control in the perioperative period. Br J Anaesth. 2013;111(Suppl. 1):i18-34.

O exame físico inclui avaliação da pressão arterial com ênfase na pesquisa de hipotensão ortostática, um sinal potencial de neuropatia autonômica. O exame de fundo de olho pode fornecer uma ideia sobre o risco de o paciente desenvolver perda visual pós-operatória, especialmente após cirurgia prolongada de coluna na posição prona e após cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea. Devido à homologia entre as microcirculações cerebral e da retina, mudanças na vasculatura da retina podem refletir mudanças similares na vasculatura cerebral. A presença de retinopatia diabética pode, portanto, indicar também prejuízo da microcirculação cerebral. Alguns estudos mostraram que a retinopatia diabética foi um preditor de disfunção cognitiva pós-operatória devido ao prejuízo da circulação cerebral coexistente.2222 Kadoi Y. Anaesthetic considerations in diabetic patients. Part I: preoperative considerations of patients with diabetes mellitus. J Anesth. 2010;24:739-47.

A síndrome da rigidez articular, ou stiff joint syndrome, acrescenta risco significativo durante o manejo das vias aéreas. Ao exame físico se apresenta por meio da incapacidade de aproximar as superfícies palmares das articulações interfalangeanas enquanto se pressiona uma mão contra a outra - "sinal da prece" positivo. A avaliação das vias aéreas deveria incluir o tamanho da glândula tireoide, pois pacientes portadores de DM1 têm associação de cerca de 15% com outras doenças autoimunes, como a tireoidite de Hashimoto e a doença de Graves.1818 Loh-Trivedi M, Croley WC. Perioperative management of the diabetic patient; 2015. http://emedicine.medscape.com/article/284451-overview#a3 [accessed 27.08.16].
http://emedicine.medscape.com/article/28...

Para avaliar o grau de lesão nervosa subsequente, o grau de disfunção neurológica pré-operatória deve ser sempre documentado, especialmente antes da administração de anestesia regional. Em busca de sinais de lesões cutâneas ou de infecção, o exame da pele (sítio de injeção de insulina) e dos pés deve fazer parte da rotina da avaliação.

A investigação complementar básica deveria incluir: eletrocardiograma de repouso (ECG), avaliação da função renal (creatinina sérica), eletrólitos, glicemia de jejum e HbA1c (se não medida nos últimos dois a três meses). Em casos individualizados, investigações adicionais que incluam testes cardíacos não invasivos deveriam ser consideradas.2323 Khan NA, Ghali WA, Cagliero E. Perioperative management of blood glucose in adults with diabetes mellitus; 2016 www.UpToDate.com
www.UpToDate.com...

A HbA1c fornece visão do controle glicêmico dos últimos dois a três meses e tem forte valor preditivo para complicações do diabetes.2424 American Diabetes Association. Standards of medical care in diabetes - 2015. Diabetes Care. 2015;38(Suppl. 1):S33-40. Níveis pré-operatórios elevados estão associados a risco perioperatório aumentado e constituem-se em bom teste de screening pré-operatório.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.,55 Sebranek JJ, Lugli AK, Coursin DB. Glycaemic control in the perioperative period. Br J Anaesth. 2013;111(Suppl. 1):i18-34.,88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92. A tabela 2 mostra a correlação entre os níveis de HbA1c e de glicemia média baseados em dois grandes estudos.2525 Wei N, Zheng H, Nathan DM. Empirically establishing blood glucose targets to achieve HbA1c goals. Diabetes Care. 2014;37:1048-51.,2626 Nathan DM, Kuenen J, Borg R, et al. Translating the A1C assay into estimated average glucose values. Diabetes Care. 2008;31:1473-8.

Tabela 2
Glicemia média estimada para valores específicos de HbA1c

Estudos têm demonstrado que o mau controle glicêmico, refletido através de altos níveis de glicemia e HbA1c no perioperatório, estão associados com piores desfechos cirúrgicos. Esses resultados foram encontrados em ambos os tipos de cirurgia, eletiva e de emergência, inclusive cirurgia na coluna,2727 Walid MS, Newman BF, Yelverton JC, et al. Prevalence of previously unknown elevation of glycosylated hemoglobin in spine surgery patients and impact on length of stay and total cost. J Hosp Med. 2010;5:10-4. vascular,2828 O'Sullivan CJ, Hynes N, Mahendran B, et al. Haemoglobin A1c (HbA1C) in non-diabetic and diabetic vascular patients. Is HbA1C an independent risk factor and predictor of adverse outcome?. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2006;32:188-97. colorretal,2929 Gustafsson UO, Thorell A, Soop M, et al. Haemoglobin A1c as a predictor of postoperative hyperglycaemia and complications after major colorectal surgery. Br J Surg. 2009;96:1358-64. cardíaca,3030 Halkos ME, Lattouf OM, Puskas JD, et al. Elevated preoperative hemoglobin A1c level is associated with reduced long-term survival after coronary artery bypass surgery. Ann Thorac Surg. 2008;86:1431-7.,3131 Alserius T, Anderson RE, Hammar N, et al. Elevated glycosylated haemoglobin (HbA1c) is a risk marker in coronary artery bypass surgery. Scand Cardiovasc J. 2008;42:392-8. trauma,3232 Kreutziger J, Schlaepfer J, Wenzel V, et al. The role of admission blood glucose in outcome prediction of surviving patients with multiple injuries. J Trauma. 2009;67:704-8. torácica,3333 Vilar-Compte D, Alvarez de Iturbe I, Martin-Onraet A, et al. Hyperglycemia as a risk factor for surgical site infections in patients undergoing mastectomy. Am J Infect Control. 2008;36:192-8. ortopédica,3434 Shibuya N, Humphers JM, Fluhman BL, et al. Factors associated with nonunion, delayed union, and malunion in foot and ankle surgery in diabetic patients. J Foot Ankle Surg. 2013;52:207-11. neurocirurgia e hepatobiliar.3535 Chuang SC, Lee KT, Chang WT, et al. Risk factors for wound infection after cholecystectomy. J Formos Med Assoc. 2004;103:607-12.,3636 Ambiru S, Kato A, Kimura F, et al. Poor postoperative blood glucose control increases surgical site infections after surgery for hepato-biliary-pancreatic cancer: a prospective study in a high-volume institute in Japan. J Hosp Infect. 2008;68:230-3. Um estudo mostrou que entre os piores desfechos observa-se um aumento da mortalidade maior do que 50%, aumento de 2,4 vezes na incidência de infecções respiratórias pós-operatórias, incidência de IAM duplicada e aumento de quase duas vezes na incidência de IRA.11 Frisch A, Chandra P, Smiley D, et al. Prevalence and clinical outcome of hyperglycemia in the perioperative period in noncardiac surgery. Diabetes Care. 2010;33:1783-8.,22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40. Um nível de HbA1c > 7% foi associado com risco aumentado de infecção e morbidade após diferentes tipos de cirurgia.3737 Underwood P, Askari R, Hurwitz S, et al. Preoperative A1C and clinical outcomes in patients with diabetes undergoing major noncardiac surgical procedures. Diabetes Care. 2014;37:611-6.

Em virtude das novas evidências que associam níveis elevados de HbA1c, como marcador de mau controle glicêmico, e complicações perioperatórias, um recente guideline britânico recomenda que pacientes com DM encaminhados da atenção primária para avaliação cirúrgica devem ter seus resultados de HbA1c mais recentes incluídos em seu encaminhamento e deve ser solicitada a dosagem de HbA1c a diabéticos com cirurgia agendada, se não tiverem medida registrada nos últimos três meses.3838 NICE Guideline. Preoperative tests (update): routine preoperative tests for elective surgery. London: National Institute for Health and Care Excellence (UK); 2016, nice.org.uk/guidance/ng45.
nice.org.uk/guidance/ng45...
Além de avaliação de rotina nos pacientes diabéticos que não têm medidas de HbA1c nos últimos três meses, durante a avaliação pré-operatória de pacientes não diabéticos com fatores de risco para DM (idade > 45 anos, hipertensão, dislipidemia, sobrepeso, sedentarismo, história de ovário policístico, entre outros), alguns autores recomendam medidas de rotina dos níveis de HbA1c.44 Standards of medical care in diabetes - 2015. Classification and diagnosis of diabetes. Diabetes Care. 2015;38(Suppl. 1):S8-16.,88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92.

De fato, em pacientes com o diagnóstico de DM ou fatores de risco, a dosagem HbA1c é exame pré-operatório indicado. Por outro lado, com o objetivo de avaliar melhor o controle glicêmico e diagnosticar diabetes naqueles com DM desconhecido, alguns autores sugerem determinar os níveis de HbA1c no pré-operatório de todos os pacientes que serão submetidos a cirurgias de grande porte.3939 Aldam P, Levy N, Hall GM. Perioperative management of diabetic patients: new controversies. Br J Anaesth. 2014;113:906-9. Essa conduta é justificada considerando que pacientes hiperglicêmicos e/ou com DM não tratado no pré-operatório apresentam piores desfechos quando comparados com pacientes diabéticos tratados, mesmo com valores de glicemia pré-operatórias similares.2121 Lauruschkat AH, Arnrich B, Albert AA, et al. Prevalence and risks of undiagnosed diabetes mellitus in patients undergoing coronary artery bypass grafting. Circulation. 2005;112:2397-402.,11 Frisch A, Chandra P, Smiley D, et al. Prevalence and clinical outcome of hyperglycemia in the perioperative period in noncardiac surgery. Diabetes Care. 2010;33:1783-8.,4040 Kwon S, Thompson R, Dellinger P, et al. Importance of perioperative glycemic control in general surgery: a report from the surgical care and outcomes assessment program. Ann Surg. 2013;257:8-14. Essa conduta pode não apenas identificar o DM nesses pacientes sem diagnóstico, mas influenciar na escolha do melhor momento para fazer a cirurgia eletiva, considerando que o adiamento poderia melhorar o controle glicêmico e reduzir complicações.3939 Aldam P, Levy N, Hall GM. Perioperative management of diabetic patients: new controversies. Br J Anaesth. 2014;113:906-9.

Por outro lado, uma revisão sistemática concluiu, em pacientes submetidos à cirurgia não cardíaca eletiva, que a dosagem dos níveis pré-operatórios de glicemia e HbA1c não é necessária nos pacientes assintomáticos e não diabéticos. Nesse grupo de pacientes, a dosagem de HbA1c e da glicemia somente se justificaria naqueles que serão submetidos a cirurgia vascular e ortopédica de grande porte, pois apresentam maior risco.4141 Bock M, Johansson T, Fritsch G, et al. The impact of preoperative testing for blood glucose concentration and haemoglobin A1c on mortality, changes in management and complications in noncardiac elective surgery: a systematic review. Eur J Anaesthesiol. 2015;32:152-9.

Impacto do estresse cirúrgico e da anestesia no controle metabólico

Em pacientes diabéticos, durante o período perioperatório, múltiplas situações podem resultar na piora da hiperglicemia.4242 Akhtar S, Barash PG, Inzucchi SE. Scientific principles and clinical implications of perioperative glucose regulation and control. Anesth Analg. 2010;110:478-97.,4343 Bagry HS, Raghavendran S, Carli F. Metabolic syndrome and insulin resistance: perioperative considerations. Anesthesiology. 2008;108:506-23. O estresse cirúrgico induz resposta neuroendócrina, o glucagon, a epinefrina e o cortisol (hormônios contrarregulatórios) são os primeiros hormônios secretados. Esses hormônios levam a um estado catabólico que contribui para a hiperglicemia observada durante o período perioperatório. Em casos extremos, o aumento dos hormônios contrarregulatórios e a hiperglicemia por eles causada podem levar a descompensação metabólica e resultar em cetoacidose diabética em pacientes com DM1 ou em um estado hiperglicêmico hiperosmolar não cetótico naqueles com DM2.4444 McAnulty GR, Robertshaw HJ, Hall GM. Anaesthetic management of patients with diabetes mellitus. Br J Anaesth. 2000;85:80-90.

As medicações que são usadas durante a cirurgia também podem influenciar o grau da hiperglicemia no paciente diabético. Agentes anestésicos e sedativos podem afetar a homeostase da glicose pela modulação do tônus simpático.4242 Akhtar S, Barash PG, Inzucchi SE. Scientific principles and clinical implications of perioperative glucose regulation and control. Anesth Analg. 2010;110:478-97. De fato, alguns agentes anestésicos podem reduzir a secreção de hormônios catabólicos ou alterar a secreção de insulina em pacientes com DM2 com secreção residual de insulina.88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92.

A anestesia geral pode mascarar os sinais e sintomas comuns de hipoglicemia, uma das principais preocupações do anestesista no período perioperatório.88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92. A escolha do agente anestésico pode afetar a homeostase da glicose. Altas doses de benzodiazepínicos e agonistas do ácido gama-aminobutírico (GABA) reduzem a secreção de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) e do cortisol e podem reduzir a resposta hiperglicêmica à cirurgia.88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92. O etomidato inibe a síntese adrenal de esteroides, pelo bloqueio da atividade da enzima 11-beta-hidroxilase, e desencadeia uma redução na resposta hiperglicêmica à cirurgia.4545 Fragen RJ, Shanks CA, Molteni A, et al. Effects of etomidate on hormonal responses to surgical stress. Anesthesiology. 1984;61:652-6. A clonidina reduz o tônus simpático e a liberação de norepinefrina nos terminais nervosos. Altas doses de opioides parecem diminuir a resposta hiperglicêmica à cirurgia pela redução dos hormônios catabólicos.4646 Belhoula M, Ciébiéra JP, De La Chapelle A, et al. Clonidine premedication improves metabolic control in type 2 diabetic patients during ophthalmic surgery. Br J Anaesth. 2003;90:434-9. Estudos in vitro revelaram que anestésicos inalatórios, tais como halotano e isoflurano, inibem a produção normal de insulina desencadeada pela glicose de forma dose-dependente e resultam em uma resposta hiperglicêmica.4747 Lattermann RT, Schricker U, Wachter M, et al. Understanding the mechanisms by which isoflurane modifies the hyperglycemic response to surgery. Anesth Analg. 2001;93:121-7.

A anestesia regional, inclusive subaracnoidea, peridural e outros bloqueios regionais, pode modular a secreção de hormônios catabólicos e de insulina. A ativação do sistema nervoso simpático e do eixo hipotálamo-hipófise, induzidos pelo estresse cirúrgico, pode ser evitada por essa modalidade de anestesia.4848 Halter JB, Pflug AE. Effect of sympathetic blockade by spinal anaesthesia on pancreatic islet function in man. Am J Physiol. 1980;239:150-5. Em pacientes com resistência à insulina, alguns autores demostraram que a anestesia e a analgesia peridural, comparadas com a anestesia geral, podem reduzir o grau de resistência insulínica no pós-operatório imediato.4949 Donatelli F, Vavassori A, Bonfanti S. Epidural anaesthesia and analgesia decrease the postoperative incidence of insulin resistance in preoperative insulin-resistant subjects only. Anesth Analg. 2007;104:1587-93. Entretanto, existem ressalvas e preocupações a respeito do uso da anestesia regional nos pacientes com DM, tanto na execução de bloqueios periféricos quanto na aplicação de técnicas que abordam o neuroeixo. O DM está associado a vários tipos de neuropatias, a polineuropatia distal simétrica (polineuropatia diabética ou DPN) e a neuropatia autonômica estão presentes em até 50% dos pacientes diabéticos de longa data.77 Wall R. Endocrine disease. In: Hines RL, Marschall KE, editors. Stoelting's anesthesia and co-existing disease. 6th ed. Philadelphia: Elsevier; 2012. p. 376-84.,2222 Kadoi Y. Anaesthetic considerations in diabetic patients. Part I: preoperative considerations of patients with diabetes mellitus. J Anesth. 2010;24:739-47. Pacientes com DPN podem ser mais suscetíveis à lesão double-crush (suscetibilidade aumentada à lesão nervosa subsequente a agressão secundária de baixo grau, se presumirmos que a fibra diabética já tem algum grau de lesão pela hipoxemia crônica),5050 Osterman AL. The double crush syndrome. Orthop Clin N Am. 1988;19:147-55. mas as evidências clínicas atuais são inconclusivas. Estudos feitos em animais demonstraram que as fibras nervosas do animal diabético são mais sensíveis aos efeitos dos anestésicos locais e podem apresentar suscetibilidade aumentada à neurotoxicidade desencadeada por essas drogas.5151 Kalichman MW, Calcutt NA. Local anesthetic-induced conduction block and nerve fiber injury in streptozotocin-diabetic rats. Anesthesiology. 1992;77:941-7.,5252 Willams BA. Toward a paradigm shift for the clinical care of diabetic patients requiring perineural analgesia: strategies for using the diabetic rat model. Reg Anesth Pain Med. 2010;35:329-32. Nos pacientes diabéticos submetidos a bloqueios de nervos periféricos, estudos clínicos sugerem sensibilidade aumentada aos anestésicos locais.5353 Gebhard RE, Nielsen KC, Pietrobon R, et al. Diabetes mellitus, independent of body mass index, is associated with a "higher success" rate for supraclavicular brachial plexus blocks. Reg Anesth Pain Med. 2009;34:404-7. Além disso, nervos diabéticos são menos sensíveis à estimulação elétrica, o que teoricamente aumentaria o risco de lesão nervosa pela agulha ao tentar localizar os nervos com um estimulador de nervo periférico.5454 Sites BD, Gallagher J, Sparks M. Ultrasound-guided popliteal block demonstrates an atypical motor response to nerve stimulation in 2 patients with diabetes mellitus. Reg Anesth Pain Med. 2003;28:479-82. Por esses motivos, a American Society of Regional Anesthesia (ASRA)5555 Neal JM, Barrington MJ, Brull R, et al. The second ASRA practice advisory on neurologic complications associated with regional anesthesia and pain medicine executive summary 2015. Reg Anesth Pain Med. 2015;40:401-30. recomenda que, ao fazer bloqueios de nervos periféricos em pacientes muito sintomáticos, se considere limitar a concentração e/ou a dose do anestésico local, evitar o uso de epinefrina como adjuvante e guiar-se por ultrassom com o objetivo de manter a ponta da agulha distante do nervo. Além disso, evidências demonstram que pacientes diabéticos são mais propensos a desenvolver abscessos peridurais e instabilidade hemodinâmica após bloqueios do neuroeixo (pacientes com neuropatia autonômica).22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.

Planejamento cirúrgico

Os principais objetivos são diminuir o período de jejum, garantir normoglicemia (glicemia capilar entre 108 e 180 mg.dL-1) e reduzir ao máximo a interrupção da rotina do paciente. Idealmente, o paciente deveria ser agendado para o primeiro horário no mapa cirúrgico. Se o período de jejum do paciente for limitado a uma refeição perdida, opta-se pela modificação de sua medicação normal para diabetes. Se períodos mais longos de jejum são previstos, uma infusão variável intravenosa de insulina (IVIVI) deveria ser usada e solicitada uma avaliação com especialista. O paciente deve receber instruções por escrito quanto ao manejo das medicações no dia da cirurgia e sobre o controle da hipo ou da hiperglicemia perioperatória e sobre os prováveis efeitos da cirurgia no controle do diabetes.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.

A glicemia capilar deve ser checada na admissão, antes da indução da anestesia, e monitorada regularmente durante o procedimento (pelo menos a cada hora, ou mais frequentemente se os resultados estiverem fora da variação normal).22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.

Manejo dos antidiabéticos orais e injetáveis não insulínicos

Em pacientes diabéticos, o controle glicêmico consiste no balanço entre a ingestão de carboidratos e seu uso (p. ex.: exercício físico). Isso também depende de qual medicação é usada e como essas medicações funcionam. Durante períodos de jejum, alguns agentes (sulfonilureias e glinidas) reduzem a concentração de glicose e as doses precisam ser modificadas e/ou os agentes suspensos. Outros previnem o aumento dos níveis de glicose (metformina, análogos do Glucagon Like Peptide - GLP-1 e inibidores da enzima dipeptidil peptidase IV - DPP-IV) e podem ser continuados sem o risco de desencadear hipoglicemia.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.

A metformina age como um sensibilizador à insulina e inibe a gliconeogênese. Alguns guidelines recomendam suspender o uso de metformina 24-48 horas antes do início da cirurgia, pelo risco de desenvolver acidose lática e insuficiência renal perioperatória devido ao acúmulo dessa droga.5656 Duncan AI, Koch CG, Xu M, et al. Recent metformin ingestion does not increase in-hospital morbidity or mortality after cardiac surgery. Anesth Analg. 2007;104:42-50. Como a evidência para essa abordagem é fraca e existem evidências de que a continuação perioperatória da metformina é segura, durante o perioperatório uma conduta racional é continuar o uso da metformina em todos os pacientes com período curto de jejum, com função renal normal e quando não houver uso de contraste.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.,3939 Aldam P, Levy N, Hall GM. Perioperative management of diabetic patients: new controversies. Br J Anaesth. 2014;113:906-9. Por outro lado, a metformina deveria ser suspensa quando houver lesão renal pré-existente (taxa de filtração glomerular estimada - TGFe < 60 mL.min-1 ou creatinina elevada),22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.,5757 The Royal College of Radiologists. Standards for intravascular contrast agent administration to adult patients. 2nd ed. London: The Royal College of Radiologists; 2010. Available from https://www.rcr.ac.uk/docs/radiology/pdf/BFCR(10)4_Stand_contrast.pdf [accessed 05.06.16].
https://www.rcr.ac.uk/docs/radiology/pdf...
uso de contraste ou risco significativo do paciente desenvolver IRA. Nesses casos, a suspensão deve ocorrer no dia da cirurgia e durante as 48 horas seguintes.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.

Durante o jejum, as sulfonilureias estimulam a secreção de insulina e podem levar a hipoglicemia. Por terem meia-vida mais longa (2-10 h),5858 Standards of medical care in diabetes - 2015. Approach to glycemic control. Diabetes Care. 2015;38(Suppl. 1):S41-S48. recomenda-se omitir a dose do dia da cirurgia independentemente do horário do procedimento.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40. As glinidas apresentam mecanismo de ação semelhante às sulfonilureias e, por terem meia vida curta (1 h) e pico de ação precoce, são usadas para controle da glicemia pós-prandial, a hipoglicemia com esse tipo de agente é menos comum.1717 Joshi GP, Chung F, Vann MA, et al. Society for ambulatory anaesthesia consensus statement on perioperative blood glucose management in diabetic patients undergoing ambulatory surgery. Anesth Analg. 2010;111:1378-87. A omissão da dose no dia da cirurgia deve ocorrer nos procedimentos feitos de manhã. Caso a cirurgia seja no período vespertino e o paciente faça uma refeição pela manhã, a dose pré-refeição pode ser usada.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.

Similar à metformina, as glitazonas ou tiazolinedionas agem através da sensibilização periférica à insulina. Não estão associadas à acidose lática, embora possam estar associadas à retenção hídrica e possível pioria do edema e da insuficiência cardíaca no período pós-operatório.5959 Sudhakaran S, Surani SR. Guidelines for perioperative management of the diabetic patient. Surg Res Pract. 2015;2015:284063. Os consensos não sugerem a suspensão dessa droga no período perioperatório,22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.,1717 Joshi GP, Chung F, Vann MA, et al. Society for ambulatory anaesthesia consensus statement on perioperative blood glucose management in diabetic patients undergoing ambulatory surgery. Anesth Analg. 2010;111:1378-87.,6060 Dhatariya K, Levy N, Kilvert A, et al. NHS diabetes guideline for the perioperative management of the adult patient with diabetes. Diabet Med. 2012;29:420-33.,6161 Australian Diabetes Society. Peri-operative diabetes management guidelines; 2012. https://diabetessociety.com.au/documents/PerioperativeDiabetesManagementGuidelinesFINALCleanJuly2012.pdf [accessed 10.06.16].
https://diabetessociety.com.au/documents...
deve ser usada no dia da cirurgia e atentar-se para a possibilidade de pioria de edema e descompensação cardíaca em pacientes de risco.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.

Os inibidores da alfa-glicosidase inibem as enzimas oligossacaridases e dissacaridases e reduzem a absorção de glicose após as refeições. No dia da cirurgia deve-se omitir a dose nos procedimentos feitos de manhã. Porém, caso a cirurgia seja no período vespertino e o paciente faça uma refeição de manhã, a dose pré-refeição pode ser usada,22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40. se considerarmos que tais drogas não cursam com hipoglicemia e têm meia-vida curta.1717 Joshi GP, Chung F, Vann MA, et al. Society for ambulatory anaesthesia consensus statement on perioperative blood glucose management in diabetic patients undergoing ambulatory surgery. Anesth Analg. 2010;111:1378-87.

As novas drogas incretínicas, representadas pelos análogos do GLP-1 e os inibidores da enzima DPP-IV, aumentam a secreção de insulina após a ingestão de glicose e reduzem a secreção de glucagon.5858 Standards of medical care in diabetes - 2015. Approach to glycemic control. Diabetes Care. 2015;38(Suppl. 1):S41-S48. Não causam hipoglicemia, mas podem levar a um retardo no esvaziamento gástrico pelo aumento do GLP-1.6060 Dhatariya K, Levy N, Kilvert A, et al. NHS diabetes guideline for the perioperative management of the adult patient with diabetes. Diabet Med. 2012;29:420-33. Por essa razão alguns autores sugerem sua suspensão no dia do procedimento.88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92.,6060 Dhatariya K, Levy N, Kilvert A, et al. NHS diabetes guideline for the perioperative management of the adult patient with diabetes. Diabet Med. 2012;29:420-33. Embora a diretriz britânica mais recente recomende o uso até no dia da cirurgia, independentemente do horário cirúrgico.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.

Os inibidores da proteína cotransportadora de glicose/sódio Tipo 2 (SGLT-2), presente no túbulo contorcido proximal do néfron, foram recentemente introduzidos no tratamento do DM. Por levarem à glicosúria, podem gerar diurese osmótica com desidratação e hipotensão arterial, esses efeitos são mais comuns com o uso concomitante de diuréticos.6262 Ferreira VA. Avanços farmacológicos no tratamento do diabetes tipo 2. Braz J Surg Clin Res (BJSCR). 2014;8:72-8. Pela falta de experiência com essas medicações, recomenda-se omitir a dose no dia da cirurgia, independentemente do horário do procedimento.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.

O manejo dos antidiabéticos orais nos pacientes que serão submetidos a curto período de jejum, ou seja, limitados a uma refeição perdida, está resumido na tabela 3. Todos devem ficar suspensos até que a ingesta por via oral seja restabelecida.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.,88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92.

Tabela 3
Recomendações para uso perioperatório dos antidiabéticos orais e injetáveis não insulínicos

Manejo das insulinas

Pacientes com DM1 são frequentemente tratados com múltiplas injeções de insulina. O regime preferido de dosagem fisiológica de insulina (também chamada de bólus basal) mimetiza a produção endógena de insulina através do fornecimento das doses basal, prandial e de correção. A dose basal pode ser ofertada através de infusão subcutânea contínua de insulina através de bomba de insulina (baseada numa taxa de análogos insulínicos de ação rápida) ou através de análogos de insulina de longa ação e sem pico. A insulina basal compreende aproximadamente 50% da dose total diária de insulina do paciente, cobre as necessidades metabólicas sem causar hipoglicemia. Os pacientes administram bólus variáveis de insulina de ação rápida de acordo com a ingesta de carboidratos das refeições.6363 Vann MA. Management of diabetes medications for patients undergoing ambulatory surgery. Anesthesiol Clin. 2014;32:329-39.

Entretanto, nos pacientes com DM 2, algoritmos de tratamento atuais incluem o uso de diferentes tipos de hipoglicemiantes orais, medicações injetáveis não insulínicas e insulinas.88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92. Insulina de longa ação, de ação intermediária ou insulinas pré-misturadas são regimes opcionais usados na maioria das vezes por esses pacientes com o objetivo de suplementar as medicações orais e a produção endógena de insulina, mas podem causar hipoglicemia durante o jejum. Pacientes com DM2 são insulinorresistentes e normalmente requerem doses maiores de insulina para o mesmo nível de controle glicêmico.

É fundamental lembrar que o metabolismo basal usa aproximadamente 50% da insulina diária produzida pelo indivíduo, mesmo na ausência de alimentação. Dessa forma, o paciente deve continuar a receber certa quantidade de insulina mesmo em jejum. Isso é obrigatório nos pacientes com DM1, pois são insulinodeficientes e propensos a desenvolver cetoacidose diabética. Necessitam, portanto, de um suprimento exógeno contínuo de insulina. Um erro comum é manejar esses pacientes como pacientes com DM2, que não são propensos a cetose. Esses últimos são suscetíveis a desenvolver um EHH, que pode levar a graves depleções volêmicas e complicações neurológicas, embora eles também possam desenvolver cetoacidose em resposta a condições de estresse extremo.88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92.

Os tipos de insulina disponíveis para tratamento do DM estão citados na tabela 4, assim como sua farmacocinética.

Análogos de insulina de longa ação, como glargina, degludec ou detemir, são normalmente usados para manter o controle glicêmico entre as refeições. Os pacientes geralmente não apresentam risco aumentado de hipoglicemia com esses análogos, mesmo se não fizerem refeições, como observado no jejum pré e pós-operatório. Recomenda-se a administração da dose usual desses análogos aplicada no dia anterior e no dia da cirurgia, exceto se houver história de hipoglicemia ou ingesta calórica reduzida na véspera do procedimento.1717 Joshi GP, Chung F, Vann MA, et al. Society for ambulatory anaesthesia consensus statement on perioperative blood glucose management in diabetic patients undergoing ambulatory surgery. Anesth Analg. 2010;111:1378-87.,6060 Dhatariya K, Levy N, Kilvert A, et al. NHS diabetes guideline for the perioperative management of the adult patient with diabetes. Diabet Med. 2012;29:420-33. Alguns autores recomendam reduzir suas doses em 20%-30% na noite anterior ou na manhã do dia da cirurgia.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.,6363 Vann MA. Management of diabetes medications for patients undergoing ambulatory surgery. Anesthesiol Clin. 2014;32:329-39.

Tabela 4
Tipos e farmacocinética das insulinas

Os tratamentos combinados com insulinas, de ação intermediária ou pré-misturadas, e drogas antidiabéticas orais podem causar hipoglicemia durante o jejum. Em relação à insulina de ação intermediária, como neutral protamine hagedorn (NPH) ou neutral protamine lispro (NPL), administrada no dia anterior a cirurgia, pode-se manter a dose aplicada de manhã; entretanto, alguns autores recomendam uma redução de 25% na dose aplicada à noite, principalmente se existir história de hipoglicemia. No dia da cirurgia, recomenda-se redução da dose da manhã em 25% a 50%.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.,88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92.,1717 Joshi GP, Chung F, Vann MA, et al. Society for ambulatory anaesthesia consensus statement on perioperative blood glucose management in diabetic patients undergoing ambulatory surgery. Anesth Analg. 2010;111:1378-87.,6060 Dhatariya K, Levy N, Kilvert A, et al. NHS diabetes guideline for the perioperative management of the adult patient with diabetes. Diabet Med. 2012;29:420-33.

As insulinas pré-misturadas são combinações fixas de insulina de ação rápida e intermediária.6363 Vann MA. Management of diabetes medications for patients undergoing ambulatory surgery. Anesthesiol Clin. 2014;32:329-39. Não é necessário mudar sua dose no dia anterior à cirurgia. Entretanto, no dia do procedimento, deveriam ser substituídas por aquelas de ação intermediária e de ação rápida. Para minimizar o risco de hipoglicemia causado pelo componente de ação rápida, a dose de cada tipo de insulina deveria ser administrada de forma independente.6363 Vann MA. Management of diabetes medications for patients undergoing ambulatory surgery. Anesthesiol Clin. 2014;32:329-39. Quanto ao componente de ação intermediária, recomenda-se a redução proporcional da dose da manhã em 25%-50%.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.,1717 Joshi GP, Chung F, Vann MA, et al. Society for ambulatory anaesthesia consensus statement on perioperative blood glucose management in diabetic patients undergoing ambulatory surgery. Anesth Analg. 2010;111:1378-87.,6060 Dhatariya K, Levy N, Kilvert A, et al. NHS diabetes guideline for the perioperative management of the adult patient with diabetes. Diabet Med. 2012;29:420-33.,6363 Vann MA. Management of diabetes medications for patients undergoing ambulatory surgery. Anesthesiol Clin. 2014;32:329-39.

As insulinas de curta ação (insulina regular) ou os análogos de rápida ação (aspart, glulisina, lispro) têm o objetivo de controlar variações glicêmicas induzidas pela refeição. Assim é recomendado que a dose permaneça inalterada no dia anterior à cirurgia. No dia da cirurgia, devido a risco de hipoglicemia, é intuitivo evitar a administração da dose dessas insulinas enquanto o paciente estiver em jejum.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.,88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92.,1717 Joshi GP, Chung F, Vann MA, et al. Society for ambulatory anaesthesia consensus statement on perioperative blood glucose management in diabetic patients undergoing ambulatory surgery. Anesth Analg. 2010;111:1378-87.,6060 Dhatariya K, Levy N, Kilvert A, et al. NHS diabetes guideline for the perioperative management of the adult patient with diabetes. Diabet Med. 2012;29:420-33.,6363 Vann MA. Management of diabetes medications for patients undergoing ambulatory surgery. Anesthesiol Clin. 2014;32:329-39.

Para determinar o manejo pré-operatório da insulina é fundamental, além de se conhecer o esquema de insulina usado pelo paciente, definir o horário da cirurgia e, dessa forma, quantas refeições serão perdidas. Nos pacientes que perderão apenas uma refeição, o controle da glicemia pode ser feito com a manipulação das doses habituais de insulina conforme citado anteriormente e resumido na tabela 5.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.,1717 Joshi GP, Chung F, Vann MA, et al. Society for ambulatory anaesthesia consensus statement on perioperative blood glucose management in diabetic patients undergoing ambulatory surgery. Anesth Analg. 2010;111:1378-87.,6060 Dhatariya K, Levy N, Kilvert A, et al. NHS diabetes guideline for the perioperative management of the adult patient with diabetes. Diabet Med. 2012;29:420-33.

Tabela 5
Manejo da terapia insulínica para pacientes com período curto de jejum (até uma refeição perdida)

É importante lembrar que as evidências sobre o manejo perioperatório das insulinas ainda são escassas e não há consenso entre os diferentes guidelines. Entretanto, para cirurgias que necessitem um longo período de jejum com perda de mais de uma refeição ou cirurgias de grande porte,22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.,6161 Australian Diabetes Society. Peri-operative diabetes management guidelines; 2012. https://diabetessociety.com.au/documents/PerioperativeDiabetesManagementGuidelinesFINALCleanJuly2012.pdf [accessed 10.06.16].
https://diabetessociety.com.au/documents...
torna-se mais indicado o uso de infusão variável intravenosa de insulina (IVIVI) descrito a seguir.

Infusão variável intravenosa de insulina (IVIVI)

A infusão variável intravenosa de insulina (IVIVI) é preferida: em pacientes que perderão mais de uma refeição; naqueles com DM1 submetidos à cirurgia e que não receberam insulina basal; naqueles com diabetes mal controlado (HbA1c > 8,5%) e na maioria dos pacientes com diabetes que necessitam de cirurgia de emergência. A IVIVI deve ser administrada e monitorada por profissionais qualificados e experientes.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40. Deve ser fornecido um suprimento adequado de glicose para prevenir a indução de estado catabólico, cetose de jejum e hipoglicemia induzida pela insulina. É recomendado que a glicemia seja medida pelo menos a cada hora.88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92.

Existem inúmeros algoritmos de IVIVI publicados na literatura, com soluções de insulina e glicose infundidas separadamente ou como solução combinada de glicose, insulina e potássio (GIK). O regime de escolha é a infusão separada de insulina e glicose, em que a glicose é administrada a aproximadamente 5-10 g.hora-1; e a insulina usada é aquela de curta ação (1 mL.100-1U de insulina em 99 mL de SF 0,9%).2323 Khan NA, Ghali WA, Cagliero E. Perioperative management of blood glucose in adults with diabetes mellitus; 2016 www.UpToDate.com
www.UpToDate.com...
A maioria dos pacientes DM1 necessita de infusão com taxa de 1-2 unidades.hora-1, enquanto os pacientes DM2, insulinorresistentes, podem necessitar de taxas mais elevadas.2323 Khan NA, Ghali WA, Cagliero E. Perioperative management of blood glucose in adults with diabetes mellitus; 2016 www.UpToDate.com
www.UpToDate.com...

Um algorítmo comumente seguido calcula a taxa inicial de infusão com a divisão do nível glicêmico (em mg.dL-1) por 100 e, então, arredonda-se o resultado em unidades.hora-1 (p. ex.: glicemia de 210; 210 dividido por 100 = 2,1 unidades.hora-1). No caso de hipoglicemia, a infusão de insulina pode ser diminuída; entretanto, para evitar cetose, a tentação de suspender a infusão de insulina deve ser evitada nos pacientes com DM1. Nesses casos, a infusão de insulina pode ser reduzida para 0,5 unidades.hora-1 e a taxa de infusão de glicose aumentada para manter os alvos de glicemia.2323 Khan NA, Ghali WA, Cagliero E. Perioperative management of blood glucose in adults with diabetes mellitus; 2016 www.UpToDate.com
www.UpToDate.com...

A taxa de infusão de insulina deve ser titulada conforme o procedimento e o grau de resistência insulínica. Para procedimentos de revascularização miocárdica, as necessidades de insulina podem aumentar até 10 vezes, especialmente após a recuperação do período de hipotermia, necessita-se de um aumento na taxa inicial de insulina em três a cinco vezes.2323 Khan NA, Ghali WA, Cagliero E. Perioperative management of blood glucose in adults with diabetes mellitus; 2016 www.UpToDate.com
www.UpToDate.com...

Qual fluido usar no período perioperatório?

O objetivo é evitar soluções com glicose, exceto se houver hipoglicemia.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40. A solução recomendada para pacientes diabéticos que não necessitem de IVIVI é a solução de Hartmann (ringer lactato - RL), preferida em relação ao cloreto de sódio 0,9% por reduzir o risco de acidose hiperclorêmica.88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92. Em pacientes com diabetes o RL pode levar a hiperglicemia. De fato, foi demonstrado que um litro de solução de RL aumenta a glicose plasmática não mais do que 1 mmol.L-1 (18 mg.dL-1).6464 Simpson AK, Levy N, Hall GM. Peri-operative i.v. fluids in diabetic patients - don't forget the salt. Anaesthesia. 2008;63:1043-5. O que não contraindica seu uso em pacientes diabéticos.88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92.

Em pacientes que recebem IVIVI, o objetivo é fornecer glicose como substrato para prevenir proteólise, lipólise e cetogênese e para melhorar o volume intravascular e manter os eletrólitos plasmáticos nos valores normais, principalmente o potássio. Os fluidos devem ser administrados a uma taxa apropriada às necessidades normais de manutenção do paciente - normalmente 25-50 mL.Kg-1.dia-1 (aproximadamente 83 mL.hora-1 para um paciente de 70 Kg).22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40. Para evitar catabolismo, a glicose deve ser fornecida a uma taxa de aproximadamente 5-10 g.hora-1.2323 Khan NA, Ghali WA, Cagliero E. Perioperative management of blood glucose in adults with diabetes mellitus; 2016 www.UpToDate.com
www.UpToDate.com...
Solução de RL adicional ou outra solução cristaloide isotônica balanceada deve ser usada para repor o volume intravascular.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.

Metas glicêmicas no período perioperatório

Existe forte recomendação22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.,1717 Joshi GP, Chung F, Vann MA, et al. Society for ambulatory anaesthesia consensus statement on perioperative blood glucose management in diabetic patients undergoing ambulatory surgery. Anesth Analg. 2010;111:1378-87.,6060 Dhatariya K, Levy N, Kilvert A, et al. NHS diabetes guideline for the perioperative management of the adult patient with diabetes. Diabet Med. 2012;29:420-33.,6565 Moghissi ES, Korytkowski MT, Di Nardo M, et al. American Association of Clinical Endocrinologists and American Diabetes Association consensus statement on inpatient glycemic control. Endocr Pract. 2009;15:353-69. para seguir a implantação do alvo de segurança cirúrgica da Organização Mundial de Saúde (OMS) que estabelece que a variação ideal de glicose intra-hospitalar para pacientes diabéticos não criticamente doentes deveria ser de 108-180 mg.dL-1 (6-10 mmoL.L-1 - nos EUA, o limite inferior é de 100 mg.dL-1 ou 5,6 mmoL.L-1). O controle glicêmico adequado reduz infecção perioperatória, morbidade e mortalidade.11 Frisch A, Chandra P, Smiley D, et al. Prevalence and clinical outcome of hyperglycemia in the perioperative period in noncardiac surgery. Diabetes Care. 2010;33:1783-8.,4040 Kwon S, Thompson R, Dellinger P, et al. Importance of perioperative glycemic control in general surgery: a report from the surgical care and outcomes assessment program. Ann Surg. 2013;257:8-14.

Alguns autores consideram que uma variação de 72-216 mg.dL-1 (4-12 mmoL.L-1) seria aceitável.6060 Dhatariya K, Levy N, Kilvert A, et al. NHS diabetes guideline for the perioperative management of the adult patient with diabetes. Diabet Med. 2012;29:420-33. Entretanto, há alguns argumentos contra o uso dessa faixa mais extensa. O limite superior de 216 mg.dL-1 (12 mmoL.L-1) é similar à concentração que, in vitro, resulta em uma variedade de mudanças na função endotelial, síntese aumentada de citocinas e função prejudicada dos neutrófilos que aumentam o risco de infecção.6666 Langouche L, Vanhorebeek I, Vlasselaers D, et al. Intensive insulin therapy protects the endothelium of critically ill patients. J Clin Invest. 2005;115:2277-86. O limite inferior de 72 mg.dL-1 (4 mmoL.L-1) é próximo aos valores de glicemia que, em alguns pacientes diabéticos, induz sintomas de hipoglicemia.3939 Aldam P, Levy N, Hall GM. Perioperative management of diabetic patients: new controversies. Br J Anaesth. 2014;113:906-9.

Revisões sistemáticas e metanálises têm tentado identificar os benefícios de um controle glicêmico intensivo em pacientes diabéticos submetidos a cirurgia. Uma metanálise concluiu que o controle glicêmico moderado, definido como alvo glicêmico entre 150 e 200 mg.dL-1 (8,3-11,1 mmoL.L-1), durante ou imediatamente após a cirurgia, está associado a uma redução no risco de mortalidade e AVE em pacientes com DM quando comparado com um controle glicêmico liberal, definido como um alvo glicêmico > 200 mg.dL-1 (> 11,1 mmoL.L-1). Os resultados dessa metanálise também demonstraram que não houve diferenças em relação aos desfechos entre controle glicêmico moderado e rigoroso, que foi definido como alvos glicêmicos entre 90 e 150 mg.dL-1 (5,6-8,3 mmoL.L-1).6767 Sathya B, Davis R, Taveira T, et al. Intensity of peri-operative glycaemic control and postoperative outcomes in patients with diabetes: a meta-analysis. Diabetes Res Clin Pract. 2013;102:8-15. Esses achados são corroborados por revisão recente do Instituto Cochrane, que concluiu não haver diferenças entre controle glicêmico intensivo, glicemia com alvo próximo ao normal e controle convencional em relação aos desfechos pós-operatórios, exceto por um aumento nos eventos de hipoglicemia que ocorreram nos pacientes tratados com controle intensivo.6868 Buchleitner AM, Martínez-Alonso M, Hernández M, et al. Perioperative glycaemic control for diabetic patients undergoing surgery. Cochrane Database Syst Rev. 2012;:CD007315.

Níveis glicêmicos cronicamente elevados não devem ser reduzidos ou normalizados agudamente devido ao potencial de hipoglicemia e porque flutuações significativas na glicemia podem aumentar a morbimortalidade perioperatória.55 Sebranek JJ, Lugli AK, Coursin DB. Glycaemic control in the perioperative period. Br J Anaesth. 2013;111(Suppl. 1):i18-34.,4242 Akhtar S, Barash PG, Inzucchi SE. Scientific principles and clinical implications of perioperative glucose regulation and control. Anesth Analg. 2010;110:478-97.

Quando postergar a cirurgia?

Em geral, a cirurgia deve ser postergada em pacientes com complicações significantes da hiperglicemia, tais como desidratação, cetoacidose ou EHH.1717 Joshi GP, Chung F, Vann MA, et al. Society for ambulatory anaesthesia consensus statement on perioperative blood glucose management in diabetic patients undergoing ambulatory surgery. Anesth Analg. 2010;111:1378-87.,4242 Akhtar S, Barash PG, Inzucchi SE. Scientific principles and clinical implications of perioperative glucose regulation and control. Anesth Analg. 2010;110:478-97. Entretanto, a cirurgia pode ser indicada em pacientes com hiperglicemia pré-operatória, desde que o paciente tenha registro de controle glicêmico adequado nos últimos meses.1717 Joshi GP, Chung F, Vann MA, et al. Society for ambulatory anaesthesia consensus statement on perioperative blood glucose management in diabetic patients undergoing ambulatory surgery. Anesth Analg. 2010;111:1378-87. A depender de circunstâncias individuais, um limite superior de HbA1c entre 8% e 9% é aceitável.88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92. As últimas diretrizes britânicas recomendam que a cirurgia deve ser adiada na presença de HbA1c acima de 8,5% (média: 200 mg.dL-1) com o objetivo de aprimorar o controle glicêmico e reduzir complicações.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40. Para a Sociedade Australiana de diabetes, o valor de HbA1c deve ser acima de 9% (glicemia média de 215 mg.dL-1) para o adiamento da cirurgia.6161 Australian Diabetes Society. Peri-operative diabetes management guidelines; 2012. https://diabetessociety.com.au/documents/PerioperativeDiabetesManagementGuidelinesFINALCleanJuly2012.pdf [accessed 10.06.16].
https://diabetessociety.com.au/documents...

No dia a dia, essas recomendações podem ser pouco práticas se considerarmos que a redução dos níveis de HbA1c poderia levar semanas/meses6060 Dhatariya K, Levy N, Kilvert A, et al. NHS diabetes guideline for the perioperative management of the adult patient with diabetes. Diabet Med. 2012;29:420-33. e que em determinados casos pode não ser possível melhorar o controle glicêmico em tempo hábil, particularmente se o motivo da cirurgia, tal como infecção crônica, contribuir para o pior controle ou se a cirurgia for de urgência. Nessas circunstâncias, pode ser aceitável prosseguir com a cirurgia após explicar ao paciente sobre os riscos aumentados.22 Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40. A HbA1c seria, nesses pacientes, uma ferramenta útil para intensificar a terapia diabética perioperatória na tentativa de reduzir complicações.88 Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92.

Conclusão

Os pacientes com DM têm risco aumentado para desenvolver complicações no período perioperatório. O estresse metabólico causado pelo procedimento cirúrgico leva a aumento da demanda por insulina, o que pode causar descompensação e hiperglicêmia. Antes da cirurgia, uma avaliação completa das características desses pacientes, inclusive o tratamento para o DM, é fundamental. O manejo perioperatório, especialmente o tratamento medicamentoso, deve ser ajustado de acordo com a rotina do paciente e com as características do procedimento cirúrgico (tipo e duração). Se o período de jejum for limitado a uma refeição perdida, opta-se pela manutenção ou modificação da forma como a medicação é usada habitualmente. Se períodos mais longos de jejum são previstos, uma infusão variável intravenosa de insulina (IVIVI) deveria ser usada e solicitada uma avaliação com especialista. As evidências sobre o manejo perioperatório das medicações ainda são escassas e não há concordância entre os diferentes guidelines, portanto são necessários mais ensaios clínicos para determinar o melhor planejamento para o tratamento desses pacientes.

  • Instituição: Complexo Hospitalar Santa Genoveva, Uberlândia, MG, Brasil.

References

  • 1
    Frisch A, Chandra P, Smiley D, et al. Prevalence and clinical outcome of hyperglycemia in the perioperative period in noncardiac surgery. Diabetes Care. 2010;33:1783-8.
  • 2
    Barker P, Creasey PE, Dhatariya K, et al. Peri-operative management of the surgical patient with diabetes 2015: Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Anaesthesia. 2015;70:1427-40.
  • 3
    Stumvall M, Goldstein BJ, van Haeften TW. Type 2 diabetes: principles of pathogenesis and therapy. Lancet. 2005;365:1333-46.
  • 4
    Standards of medical care in diabetes - 2015. Classification and diagnosis of diabetes. Diabetes Care. 2015;38(Suppl. 1):S8-16.
  • 5
    Sebranek JJ, Lugli AK, Coursin DB. Glycaemic control in the perioperative period. Br J Anaesth. 2013;111(Suppl. 1):i18-34.
  • 6
    Larkin ME, Barnie A, Braffett BH, et al. Musculoskeletal complications in type 1 diabetes. Diabetes Care. 2014;37:1863-9.
  • 7
    Wall R. Endocrine disease. In: Hines RL, Marschall KE, editors. Stoelting's anesthesia and co-existing disease. 6th ed. Philadelphia: Elsevier; 2012. p. 376-84.
  • 8
    Soldevila B, Lucas AM, Zavala R, et al. Perioperative management of the diabetic patient. In: Stuart-Smith K, editor. Perioperative medicine - current controversies. Switzerland: Springer; 2016. p. 165-92.
  • 9
    Perazella MA, Tray K. Selective cyclooxygenase-2 inhibitors: a pattern of nephrotoxicity similar to traditional nonsteroidal anti-inflammatory drugs. Am J Med. 2001;111:64.
  • 10
    Moitra VK, Meiler SE. The diabetic surgical patient. Curr Opin Anaesthesiol. 2006;19:339-45.
  • 11
    Selvin E, Coresh J, Shahar E, et al. Glycaemia (haemoglobin A1c) and incident ischaemic stroke: the Atherosclerosis Risk in Communities (ARIC) Study. Lancet Neurol. 2005;4:821-6.
  • 12
    Kadoi Y, Hinohara H, Kunimoto F, et al. Diabetic patients have an impaired cerebral vasodilatory response to hypercapnia under propfol anesthesia. Stroke. 2003;34:2399-403.
  • 13
    Beckman JA, Creager MA, Libby P. Diabetes and atherosclerosis. JAMA. 2002;287:2570-81.
  • 14
    Haffner SM, Lehto S, Ronnemaa T, et al. Mortality from coronary artery disease in subjects with type 2 diabetes and in nondiabetic subjects with and without prior myocardial infarction. N Engl J Med. 1998;339:229-34.
  • 15
    Executive summary of the Third Report of the National Cholesterol Education Program (NCEP) Expert Panel on Detection. Evaluation and treatment of high blood cholesterol in adults (Adult Treatment Panel III). JAMA. 2001;285:2486-97.
  • 16
    Fleisher LA, Fleischmann KE, Auerbach AD, et al. 2014 ACC/AHA guideline on perioperative cardiovascular evaluation and management of patients undergoing noncardiac surgery: executive summary: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation. 2014;130:2215-45.
  • 17
    Joshi GP, Chung F, Vann MA, et al. Society for ambulatory anaesthesia consensus statement on perioperative blood glucose management in diabetic patients undergoing ambulatory surgery. Anesth Analg. 2010;111:1378-87.
  • 18
    Loh-Trivedi M, Croley WC. Perioperative management of the diabetic patient; 2015. http://emedicine.medscape.com/article/284451-overview#a3 [accessed 27.08.16].
    » http://emedicine.medscape.com/article/284451-overview#a3
  • 19
    Abdelmalak B, Abdelmalak JB, Knittel J, et al. The prevalence of undiagnosed diabetes in non-cardiac surgery patients, an observational study. Can J Anaesth. 2010;57:1058-64.
  • 20
    Sheehy AM, Benca J, Glinberg SL, et al. Preoperative ‘NPO' as an opportunity for diabetes screening. J Hosp Med. 2012;7:611-66.
  • 21
    Lauruschkat AH, Arnrich B, Albert AA, et al. Prevalence and risks of undiagnosed diabetes mellitus in patients undergoing coronary artery bypass grafting. Circulation. 2005;112:2397-402.
  • 22
    Kadoi Y. Anaesthetic considerations in diabetic patients. Part I: preoperative considerations of patients with diabetes mellitus. J Anesth. 2010;24:739-47.
  • 23
    Khan NA, Ghali WA, Cagliero E. Perioperative management of blood glucose in adults with diabetes mellitus; 2016 www.UpToDate.com
    » www.UpToDate.com
  • 24
    American Diabetes Association. Standards of medical care in diabetes - 2015. Diabetes Care. 2015;38(Suppl. 1):S33-40.
  • 25
    Wei N, Zheng H, Nathan DM. Empirically establishing blood glucose targets to achieve HbA1c goals. Diabetes Care. 2014;37:1048-51.
  • 26
    Nathan DM, Kuenen J, Borg R, et al. Translating the A1C assay into estimated average glucose values. Diabetes Care. 2008;31:1473-8.
  • 27
    Walid MS, Newman BF, Yelverton JC, et al. Prevalence of previously unknown elevation of glycosylated hemoglobin in spine surgery patients and impact on length of stay and total cost. J Hosp Med. 2010;5:10-4.
  • 28
    O'Sullivan CJ, Hynes N, Mahendran B, et al. Haemoglobin A1c (HbA1C) in non-diabetic and diabetic vascular patients. Is HbA1C an independent risk factor and predictor of adverse outcome?. Eur J Vasc Endovasc Surg. 2006;32:188-97.
  • 29
    Gustafsson UO, Thorell A, Soop M, et al. Haemoglobin A1c as a predictor of postoperative hyperglycaemia and complications after major colorectal surgery. Br J Surg. 2009;96:1358-64.
  • 30
    Halkos ME, Lattouf OM, Puskas JD, et al. Elevated preoperative hemoglobin A1c level is associated with reduced long-term survival after coronary artery bypass surgery. Ann Thorac Surg. 2008;86:1431-7.
  • 31
    Alserius T, Anderson RE, Hammar N, et al. Elevated glycosylated haemoglobin (HbA1c) is a risk marker in coronary artery bypass surgery. Scand Cardiovasc J. 2008;42:392-8.
  • 32
    Kreutziger J, Schlaepfer J, Wenzel V, et al. The role of admission blood glucose in outcome prediction of surviving patients with multiple injuries. J Trauma. 2009;67:704-8.
  • 33
    Vilar-Compte D, Alvarez de Iturbe I, Martin-Onraet A, et al. Hyperglycemia as a risk factor for surgical site infections in patients undergoing mastectomy. Am J Infect Control. 2008;36:192-8.
  • 34
    Shibuya N, Humphers JM, Fluhman BL, et al. Factors associated with nonunion, delayed union, and malunion in foot and ankle surgery in diabetic patients. J Foot Ankle Surg. 2013;52:207-11.
  • 35
    Chuang SC, Lee KT, Chang WT, et al. Risk factors for wound infection after cholecystectomy. J Formos Med Assoc. 2004;103:607-12.
  • 36
    Ambiru S, Kato A, Kimura F, et al. Poor postoperative blood glucose control increases surgical site infections after surgery for hepato-biliary-pancreatic cancer: a prospective study in a high-volume institute in Japan. J Hosp Infect. 2008;68:230-3.
  • 37
    Underwood P, Askari R, Hurwitz S, et al. Preoperative A1C and clinical outcomes in patients with diabetes undergoing major noncardiac surgical procedures. Diabetes Care. 2014;37:611-6.
  • 38
    NICE Guideline. Preoperative tests (update): routine preoperative tests for elective surgery. London: National Institute for Health and Care Excellence (UK); 2016, nice.org.uk/guidance/ng45
  • 39
    Aldam P, Levy N, Hall GM. Perioperative management of diabetic patients: new controversies. Br J Anaesth. 2014;113:906-9.
  • 40
    Kwon S, Thompson R, Dellinger P, et al. Importance of perioperative glycemic control in general surgery: a report from the surgical care and outcomes assessment program. Ann Surg. 2013;257:8-14.
  • 41
    Bock M, Johansson T, Fritsch G, et al. The impact of preoperative testing for blood glucose concentration and haemoglobin A1c on mortality, changes in management and complications in noncardiac elective surgery: a systematic review. Eur J Anaesthesiol. 2015;32:152-9.
  • 42
    Akhtar S, Barash PG, Inzucchi SE. Scientific principles and clinical implications of perioperative glucose regulation and control. Anesth Analg. 2010;110:478-97.
  • 43
    Bagry HS, Raghavendran S, Carli F. Metabolic syndrome and insulin resistance: perioperative considerations. Anesthesiology. 2008;108:506-23.
  • 44
    McAnulty GR, Robertshaw HJ, Hall GM. Anaesthetic management of patients with diabetes mellitus. Br J Anaesth. 2000;85:80-90.
  • 45
    Fragen RJ, Shanks CA, Molteni A, et al. Effects of etomidate on hormonal responses to surgical stress. Anesthesiology. 1984;61:652-6.
  • 46
    Belhoula M, Ciébiéra JP, De La Chapelle A, et al. Clonidine premedication improves metabolic control in type 2 diabetic patients during ophthalmic surgery. Br J Anaesth. 2003;90:434-9.
  • 47
    Lattermann RT, Schricker U, Wachter M, et al. Understanding the mechanisms by which isoflurane modifies the hyperglycemic response to surgery. Anesth Analg. 2001;93:121-7.
  • 48
    Halter JB, Pflug AE. Effect of sympathetic blockade by spinal anaesthesia on pancreatic islet function in man. Am J Physiol. 1980;239:150-5.
  • 49
    Donatelli F, Vavassori A, Bonfanti S. Epidural anaesthesia and analgesia decrease the postoperative incidence of insulin resistance in preoperative insulin-resistant subjects only. Anesth Analg. 2007;104:1587-93.
  • 50
    Osterman AL. The double crush syndrome. Orthop Clin N Am. 1988;19:147-55.
  • 51
    Kalichman MW, Calcutt NA. Local anesthetic-induced conduction block and nerve fiber injury in streptozotocin-diabetic rats. Anesthesiology. 1992;77:941-7.
  • 52
    Willams BA. Toward a paradigm shift for the clinical care of diabetic patients requiring perineural analgesia: strategies for using the diabetic rat model. Reg Anesth Pain Med. 2010;35:329-32.
  • 53
    Gebhard RE, Nielsen KC, Pietrobon R, et al. Diabetes mellitus, independent of body mass index, is associated with a "higher success" rate for supraclavicular brachial plexus blocks. Reg Anesth Pain Med. 2009;34:404-7.
  • 54
    Sites BD, Gallagher J, Sparks M. Ultrasound-guided popliteal block demonstrates an atypical motor response to nerve stimulation in 2 patients with diabetes mellitus. Reg Anesth Pain Med. 2003;28:479-82.
  • 55
    Neal JM, Barrington MJ, Brull R, et al. The second ASRA practice advisory on neurologic complications associated with regional anesthesia and pain medicine executive summary 2015. Reg Anesth Pain Med. 2015;40:401-30.
  • 56
    Duncan AI, Koch CG, Xu M, et al. Recent metformin ingestion does not increase in-hospital morbidity or mortality after cardiac surgery. Anesth Analg. 2007;104:42-50.
  • 57
    The Royal College of Radiologists. Standards for intravascular contrast agent administration to adult patients. 2nd ed. London: The Royal College of Radiologists; 2010. Available from https://www.rcr.ac.uk/docs/radiology/pdf/BFCR(10)4_Stand_contrast.pdf [accessed 05.06.16].
    » https://www.rcr.ac.uk/docs/radiology/pdf/BFCR(10)4_Stand_contrast.pdf
  • 58
    Standards of medical care in diabetes - 2015. Approach to glycemic control. Diabetes Care. 2015;38(Suppl. 1):S41-S48.
  • 59
    Sudhakaran S, Surani SR. Guidelines for perioperative management of the diabetic patient. Surg Res Pract. 2015;2015:284063.
  • 60
    Dhatariya K, Levy N, Kilvert A, et al. NHS diabetes guideline for the perioperative management of the adult patient with diabetes. Diabet Med. 2012;29:420-33.
  • 61
    Australian Diabetes Society. Peri-operative diabetes management guidelines; 2012. https://diabetessociety.com.au/documents/PerioperativeDiabetesManagementGuidelinesFINALCleanJuly2012.pdf [accessed 10.06.16].
    » https://diabetessociety.com.au/documents/PerioperativeDiabetesManagementGuidelinesFINALCleanJuly2012.pdf
  • 62
    Ferreira VA. Avanços farmacológicos no tratamento do diabetes tipo 2. Braz J Surg Clin Res (BJSCR). 2014;8:72-8.
  • 63
    Vann MA. Management of diabetes medications for patients undergoing ambulatory surgery. Anesthesiol Clin. 2014;32:329-39.
  • 64
    Simpson AK, Levy N, Hall GM. Peri-operative i.v. fluids in diabetic patients - don't forget the salt. Anaesthesia. 2008;63:1043-5.
  • 65
    Moghissi ES, Korytkowski MT, Di Nardo M, et al. American Association of Clinical Endocrinologists and American Diabetes Association consensus statement on inpatient glycemic control. Endocr Pract. 2009;15:353-69.
  • 66
    Langouche L, Vanhorebeek I, Vlasselaers D, et al. Intensive insulin therapy protects the endothelium of critically ill patients. J Clin Invest. 2005;115:2277-86.
  • 67
    Sathya B, Davis R, Taveira T, et al. Intensity of peri-operative glycaemic control and postoperative outcomes in patients with diabetes: a meta-analysis. Diabetes Res Clin Pract. 2013;102:8-15.
  • 68
    Buchleitner AM, Martínez-Alonso M, Hernández M, et al. Perioperative glycaemic control for diabetic patients undergoing surgery. Cochrane Database Syst Rev. 2012;:CD007315.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2018

Histórico

  • Recebido
    6 Set 2016
  • Aceito
    12 Abr 2017
Sociedade Brasileira de Anestesiologia R. Professor Alfredo Gomes, 36, 22251-080 Botafogo RJ Brasil, Tel: +55 21 2537-8100, Fax: +55 21 2537-8188 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: bjan@sbahq.org