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Insulinoma e gestação: anestesia e manejo perioperatório Trabalho feito no Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil.

Resumo

O insulinoma é um tumor neuroendócrino funcional de células beta das ilhotas de Langerhans pancreáticas, geralmente solitários, benignos, curáveis com cirurgia (enucleação). Raramente ocorre durante a gravidez e se manifesta clinicamente por hipoglicemia, principalmente no primeiro trimestre da gravidez. Durante a gestação as condutas terapêuticas conservadoras (medicamentosas) e o tratamento cirúrgico constituem desafios tendo em vista a impossibilidade de estudos sobre teratogenicidade de fármacos, assim como as repercussões materno-fetais durante intervenções cirúrgicas, como a hipoglicemia e alterações decorrentes do estresse.

Relato de caso:

Paciente com 33 anos, 86 Kg, 1,62m, IMC 32,7 kg.m-2, primigesta, 15 semanas de idade gestacional, estado físico III da ASA, investigada por rebaixamento do nível de consciência. Aos exames laboratoriais constataram-se: hipoglicemia (45 mg.dL-1) associada à hiperinsulinemia (24 nUI.mL-1) e hemoglobina glicosilada (4,1%); demais exames laboratoriais e exame físico normais. A ressonância magnética mostrou nódulo de 1,1 cm em cauda de pâncreas com hipótese de insulinoma. Devido ao difícil controle glicêmico com infusão em bolus e contínua de glicose, foi feita laparotomia para enucleação do tumor sob anestesia venosa total associada a bloqueio peridural. Monitoração, acesso venoso central e periférico, cateterização de artéria radial, diurese, glicosimetria a cada 15 minutos. No intraoperatório, observou-se hipoglicemia acentuada nos momentos de manipulação e imediatamente antes da enucleação do tumor, controlada com infusão contínua de solução cristaloide balanceada glicosada a 10% (100 a 230 ml.h-1). A evolução no pós-operatório seguiu sem intercorrências, com resolução dos quadros de hipoglicemia e retirada total da infusão venosa de glicose.

PALAVRAS-CHAVE
Tumor neuroendócrino: insulinoma; Anestesia: venosa total e peridural; Hipoglicemia e hiperglicemia; Gravidez

Abstract

Insulinoma is a functional neuroendocrine tumor derived from beta cells of the pancreatic islets of Langerhans, usually solitary, benign, and curable with surgery (enucleation). It rarely occurs during pregnancy and is clinically manifested by hypoglycemia, particularly in the first trimester of pregnancy. During pregnancy, both conservative therapeutic measures (medication) and surgical treatment are challenging regarding the impossibility of studies on drug teratogenicity as well as the maternal-fetal repercussions during surgery, such as hypoglycemia and changes due to stress.

Case report:

A 33-year primiparous woman, 86 kg, 1.62 m, BMI 32.7 kg·m-2, at 15 weeks’ gestation, physical status ASA III, investigated for a reduced level of consciousness. Laboratory tests showed: hypoglycemia (45 mg.dL-1) associated with hyperinsulinemia (24 nUI.mL-1), glycosylated hemoglobin (4.1%); other laboratory findings and physical examination were normal. Magnetic resonance imaging showed a 1.1 cm nodule in the pancreatic tail with suspected insulinoma. Due to the difficult glycemic control with bolus and continuous infusion of glucose, laparotomy was performed for tumor enucleation under total intravenous anesthesia combined with epidural block. Monitoring, central and peripheral venous access, radial artery catheterization, diuresis, and glucosimetry were recorded every 15 minutes. Intraoperatively, there was severe hypoglycemia while handling the tumor and shortly before its enucleation, which was controlled through continuous infusion of 10% glucose balanced crystalloid solution (100-230 mL.h-1). The patient's postoperative evolution was uneventful, with resolution of hypoglycemia and total withdrawal of glucose intravenous infusion.

KEYWORDS
Neuroendocrine tumor: insulinoma; Anesthesia: total intravenous and epidural; Hypoglycemia and hyperglycemia; Pregnancy

Introdução

O insulinoma é um tumor neuroendócrino funcional de células beta das ilhotas de Langerhans pancreáticas, geralmente solitários, benignos, curáveis com cirurgia (enucleação) e com incidência de 1 a 4 por milhão por ano, 20% em pacientes do sexo feminino.11 Christiansen E, Vestergaard H. Insulinoma in a third-trimester pregnant woman combined with pre-eclampsia: a case report and review of the diagnostic strategies. Gynecol Endocrinol. 2008;24:417-22.

2 Goswami J, Somkuwar P, Naik Y. Insulinoma and anaesthetic implications. Indian J Anaesth. 2012;56:117-22.
-33 Takacs CA, Krivak TC, Napolitano PG. Insulinoma in pregnancy: a case report and review of the literature. Obstet Gynecol Surv. 2002;57:229-35.

A associação insulinoma-gestação é muito rara, foram descritos cerca de 20 casos na literatura internacional. Durante a gestação, as condutas terapêuticas conservadoras (medicamentosas) e o tratamento cirúrgico representam desafios, tendo em vista tanto a dificuldade de estudo da teratogenicidade de drogas em grandes populações quanto a incerteza das repercussões materno-fetais por intervenções cirúrgicas, como hipoglicemia e estresse pós-operatório.44 Hemalatha P, Devi RS, Samantaray A, et al. Anaesthetic management of excision of a functioning pancreatic beta cell tumour. Indian J Anaesth. 2014;58:757-9.,55 Mannelli L, Yeh MM, Wang CL. A pregnant patient with hypoglycemia. Gastroenterology. 2012;143:3-4. O objetivo deste relato é apresentar o caso de uma gestante portadora de insulinoma, submetida a enucleação do tumor sob anestesia geral e bloqueio peridural.

Relato de caso

Paciente com 33 anos; 86 Kg; 1,62 m; IMC 32,7 kg.m-2; primigesta, 15 semanas de idade gestacional, estado físico III da ASA, admitida em pronto atendimento para investigação de rebaixamento de nível de consciência. Aos exames laboratoriais constataram-se: hipoglicemia (45 mg.dL-1) associada à hiperinsulinemia (24 nUI.mL-1) e hemoglobina glicosilada (4,1%); demais exames laboratoriais e exame físico completo normais. A ressonância magnética mostrou nódulo de 1,1 cm em cauda de pâncreas, com hipótese diagnóstica de insulinoma. Para a manutenção da normoglicemia foram instituídas medidas nutricionais e infusão contínua de glicose, no entanto sem sucesso, com necessidade adicional da administração de vários bolus de glicose. Devido ao difícil controle glicêmico, apesar da infusão contínua de glicose, e à pouca experiência com o uso de octreotide, betabloqueadores e diazóxido em gestantes, o consenso entre os especialistas responsáveis foi pelo tratamento cirúrgico por laparotomia. Na avaliação pré-anestésica, a paciente apresentava-se em bom estado geral, corada, hidratada, pressão arterial nos membros superiores (90 × 60 mmHg), frequência cardíaca (70 bpm). Fazia uso de infusão contínua de glicose e uma hora antes da indução anestésica foram administradas ranitidina (50 mg) e metoclopramida (10 mg).

Na sala de cirurgia, foi monitorada com cardioscópio (derivação DII), pressão arterial invasiva (artéria radial), oxímetro de pulso, capnógrafo. Acesso venoso central e venóclise em membro superior com cânula 14G, cateter vesical, glicosimetria a cada 15 minutos, e foi mantida infusão contínua de glicose a 10% ajustada conforme glicemia. Diante de coagulograma normal, com a paciente em posição sentada, procedeu-se à anestesia peridural, com punção mediana no interespaço L3-L4 com agulha de Tuohy calibre 18G, e após identificação do espaço peridural com a técnica da perda de resistência (com ar na seringa), injetou-se bupivacaína 0,25% com adrenalina 1:200.000 (25 mg) associada a morfina (2 mg). Após o bloqueio, posicionou-se a paciente em decúbito dorsal horizontal e iniciou-se a anestesia geral venosa total. A indução da anestesia foi obtida com sufentanil (50 µg) seguido de propofol (150 mg) e atracúrio (0,5 mg.kg-1). Seguiu-se ventilação sob máscara com oxigênio a 100%, fizeram-se as manobras de laringoscopia e intubação traqueal. Para manutenção foi usado remifentanil (0,15-0,25 µg.kg-1.min-1) e propofol (total 1.830 mg) em infusão contínua através de bomba de infusão alvocontrolada, mistura de O2 e ar. A cirurgia teve duração de três horas e 30 minutos e ao término fez-se a reversão do bloqueio neuromuscular e extubação. A paciente foi levada para a UTI consciente e orientada, em ventilação espontânea com máscara de oxigênio, estável e sem drogas vasoativas.

Como intercorrências no intraoperatório, observaram-se oscilações dos níveis glicêmicos nos momentos de manipulação e imediatamente antes da enucleação do tumor (mínima de 79 mg.dL-1), com variação de 79-140 mg.dL-1, mantida por meio de controle dinâmico de infusão contínua de solução cristaloide balanceada glicosada a 10%, e variação de velocidade de 100-230 mL.h-1; hipocalemia (mínimo de 2,9 mEq.L-1), com necessidade de reposição de 25 mEq de potássio endovenoso.

A evolução pós-operatória seguiu sem intercorrências, com resolução dos quadros de hipoglicemia e retirada total da infusão venosa de glicose. A vitalidade fetal foi monitorada por ultrassonográfica periodicamente e manteve-se sem alterações até a 32ª semana de idade gestacional. O feto apresentou-se eutrófico e sem outras anomalias à avaliação.

Discussão

Os tumores neuroendócrinos do pâncreas são relativamente raros, acometem predominantemente mulheres (1,4 mulher para cada homem), em idade média de 47 anos. O insulinoma é um tumor das células betapancreáticas produtoras de insulina que cursa com hipoglicemia grave associada a concentrações elevadas de um subproduto da secreção de insulina endógena, o peptídeo C.22 Goswami J, Somkuwar P, Naik Y. Insulinoma and anaesthetic implications. Indian J Anaesth. 2012;56:117-22.,66 Besemer B, Müssig K. Insulinoma in pregnancy. Exp Clin Endocrinol Diabetes. 2010;118:9-18.,77 Freemark M. Ontogenesis of prolactin receptors in the human fetus: roles in fetal development. Biochem Soc Trans. 2001;29:38-41.

Trata-se de caso raro e embora a associação insulinoma, gestação e puerpério seja raramente observada, é descrita na literatura internacional e se apresenta com sinais clínicos semelhantes àqueles encontrados em adultos hígidos, principalmente o ganho de peso associado ao aumento de ingesta.11 Christiansen E, Vestergaard H. Insulinoma in a third-trimester pregnant woman combined with pre-eclampsia: a case report and review of the diagnostic strategies. Gynecol Endocrinol. 2008;24:417-22.,88 Diaz AG, Herrera J, López M, et al. Insulinoma associated with pregnancy. Fertil Steril. 2008;90:199.,99 Müssig K, Wehrmann M, Horger M. Insulinoma and pregnancy. Fertil Steril. 2009;91:656. Alguns casos de insulinoma diagnosticados e descritos na literatura foram achados e considerados diagnósticos diferenciais em parturientes com psicose pós-parto, devido à presença de sintomas neuroglicopênicos, que se manifestam com níveis de glicose abaixo de 45 mg.dL-1 e, em virtude de sua complexa apresentação, podem desviar os raciocínios diagnósticos.99 Müssig K, Wehrmann M, Horger M. Insulinoma and pregnancy. Fertil Steril. 2009;91:656. A tríade de Whipple é patognomônica de insulinoma e inclui hipoglicemia, com níveis de glicose no plasma menores de 50 mg.dL-1, alívio dos sintomas após a injeção de glicose e os sintomas neuroglicopênicos presentes com apresentações variadas. Pode se manifestar desde uma leve confusão mental até sintomas focais, convulsões e coma. Tendo em vista tal quadro neurológico, não é raro proporem-se como hipótese diagnóstica doenças hipertensivas da gestação que evoluem para eclâmpsia.11 Christiansen E, Vestergaard H. Insulinoma in a third-trimester pregnant woman combined with pre-eclampsia: a case report and review of the diagnostic strategies. Gynecol Endocrinol. 2008;24:417-22.

Ao contrário do observado em indivíduos hígidos, em que a produção de insulina é dependente dos níveis de glicose sanguínea, nos casos de insulinoma os níveis aumentados de insulina não estão relacionados aos níveis de glicose sanguínea e a presença de hipoglicemia pode auxiliar no diagnóstico de insulinoma. Nas grávidas diabéticas são frequentemente observados episódios de hipoglicemia, devido ao tratamento com insulina, achado raro naquelas não diabéticas.11 Christiansen E, Vestergaard H. Insulinoma in a third-trimester pregnant woman combined with pre-eclampsia: a case report and review of the diagnostic strategies. Gynecol Endocrinol. 2008;24:417-22.,22 Goswami J, Somkuwar P, Naik Y. Insulinoma and anaesthetic implications. Indian J Anaesth. 2012;56:117-22.

Embora diversos procedimentos de imagens possam ser usados para a localização do tumor, devido ao pequeno tamanho e à localização dos insulinomas, o sucesso é baixo.11 Christiansen E, Vestergaard H. Insulinoma in a third-trimester pregnant woman combined with pre-eclampsia: a case report and review of the diagnostic strategies. Gynecol Endocrinol. 2008;24:417-22. Em trabalho de revisão, Besemer e Müssig66 Besemer B, Müssig K. Insulinoma in pregnancy. Exp Clin Endocrinol Diabetes. 2010;118:9-18. mostraram que em 27 casos descritos a localização do tumor em 12 casos só foi possível durante a laparotomia. Metade dos casos apresentou sinais já no primeiro trimestre e em um terço as manifestações clínicas foram evidentes somente no puerpério. As dificuldades de se diagnosticar a presença de insulinoma no início da gravidez também podem ser atribuídas a presença de sinais e sintomas similares aos observados em gestantes normais. No que diz respeito aos níveis baixos de glicose observados nesse período da gravidez, são justificados por um aumento tanto na produção como na sensibilidade à insulina, relacionados possivelmente com as alterações hormonais da gestação, como aumento de estrógenos.11 Christiansen E, Vestergaard H. Insulinoma in a third-trimester pregnant woman combined with pre-eclampsia: a case report and review of the diagnostic strategies. Gynecol Endocrinol. 2008;24:417-22.,33 Takacs CA, Krivak TC, Napolitano PG. Insulinoma in pregnancy: a case report and review of the literature. Obstet Gynecol Surv. 2002;57:229-35.,88 Diaz AG, Herrera J, López M, et al. Insulinoma associated with pregnancy. Fertil Steril. 2008;90:199.

Tendo em vista a manutenção do binômio materno-fetal e diante da possibilidade do seguro tratamento clínico, há evidências para se evitar o tratamento cirúrgico. Para tal manejo discute-se o uso de dieta supervisionada por especialista, como também uso de medicações como diazóxido, betabloqueadores, bloqueadores de canal de cálcio e octreotide.11 Christiansen E, Vestergaard H. Insulinoma in a third-trimester pregnant woman combined with pre-eclampsia: a case report and review of the diagnostic strategies. Gynecol Endocrinol. 2008;24:417-22.,22 Goswami J, Somkuwar P, Naik Y. Insulinoma and anaesthetic implications. Indian J Anaesth. 2012;56:117-22.

No referido caso, devido à necessidade de bolus de glicose no pré-operatório adicionalmente à infusão contínua, foi discutido o uso de octreotide, um análogo da somatostatina, e do pindolol, um betabloqueador, ambos nível B de segurança para uso durante a gestação.66 Besemer B, Müssig K. Insulinoma in pregnancy. Exp Clin Endocrinol Diabetes. 2010;118:9-18.,77 Freemark M. Ontogenesis of prolactin receptors in the human fetus: roles in fetal development. Biochem Soc Trans. 2001;29:38-41. No entanto, devido à raridade da doença e consequentemente ao pequeno e inexpressivo número de casos em que esses fármacos foram usados em gestantes, o consenso entre os especialistas responsáveis foi pelo tratamento cirúrgico por laparotomia. Em caso de tumores malignos, com metástases e indicação de tratamento quimioterápico agressivo, é discutida a interrupção da gestação após consentimento materno. Conduta conservadora para manutenção da gestação tem sido relatada e o uso do octreotide se mostra eficaz no controle dos episódios de hipoglicemia até o fim da gestação.44 Hemalatha P, Devi RS, Samantaray A, et al. Anaesthetic management of excision of a functioning pancreatic beta cell tumour. Indian J Anaesth. 2014;58:757-9.,77 Freemark M. Ontogenesis of prolactin receptors in the human fetus: roles in fetal development. Biochem Soc Trans. 2001;29:38-41.

Apesar dos riscos de a hipoglicemia na gestação afetar a vitalidade fetal, o aumento do hormônio lactogênio placentário e consequentemente o aumento da resistência insulínica atenuam a intensidade do quadro clínico presente nos casos de insulinoma, existem registros na literatura de casos que foram tratados somente com readequação de dieta até o fim da gestação. Nesses pacientes observou-se ganho de peso expressivo, bem como agravamento dos sintomas logo após o nascimento, que teve como tratamento definitivo a excisão cirúrgica.33 Takacs CA, Krivak TC, Napolitano PG. Insulinoma in pregnancy: a case report and review of the literature. Obstet Gynecol Surv. 2002;57:229-35.,77 Freemark M. Ontogenesis of prolactin receptors in the human fetus: roles in fetal development. Biochem Soc Trans. 2001;29:38-41.,1010 Fredericks B, Entsch G, Lepre F, et al. Pregnancy ameliorates symptoms of insulinoma - a case report. Aust N Z J Obstet Gynaecol. 2002;42:564-5.

Em relação ao manejo anestésico nesses pacientes, tem como objetivo maior a prevenção de hipoglicemia e o controle da hiperglicemia rebote pós-ressecção, é portanto premente a monitoração frequente da glicemia durante o procedimento.11 Christiansen E, Vestergaard H. Insulinoma in a third-trimester pregnant woman combined with pre-eclampsia: a case report and review of the diagnostic strategies. Gynecol Endocrinol. 2008;24:417-22.,66 Besemer B, Müssig K. Insulinoma in pregnancy. Exp Clin Endocrinol Diabetes. 2010;118:9-18.,77 Freemark M. Ontogenesis of prolactin receptors in the human fetus: roles in fetal development. Biochem Soc Trans. 2001;29:38-41. Também é de grande interesse o conhecimento das alterações fisiológicas da gravidez e suas implicações anestésicas. Alterações respiratórias presentes contribuem para o maior risco de hipóxia e a hiperventilação associada à ansiedade e ao estresse com consequente hipocapnia, desvio da curva de oxihemoglobina para a esquerda e menor disponibilidade de oxigênio para o feto, repercussões que são minimizadas por adequada ventilação. Assim, é importante a prevenção da ansiedade e do estresse pré e intraoperatório, com manutenção da frequência respiratória para evitar valores de PETCO2 abaixo de 30 mmHg. Adicionalmente, alterações gastrointestinais aumentam o risco para a aspiração de conteúdo gástrico e medidas preventivas, como metoclopramida (10 mg) e ranitidina (50 mg) por via intravenosa, devem ser consideradas.1111 Beilin Y. Anesthesia for nonobstetric surgery during pregnancy. Mt Sinai J Med. 1998;65:265-70.

Do ponto de vista cardiovascular, a compressão da veia cava inferior pelo útero gravídico durante a posição supina deve ser evitada, visto que a diminuição do retorno venoso e a hipotensão arterial com diminuição do fluxo sanguíneo uterino podem cursar com prejuízo do bem estar fetal, é imperativo o desvio do útero para a esquerda.1111 Beilin Y. Anesthesia for nonobstetric surgery during pregnancy. Mt Sinai J Med. 1998;65:265-70. Embora não exista consenso em relação à escolha de agentes anestésicos, a recomendação é se optar por fármacos que reduzam a taxa metabólica e consumo de oxigênio cerebral, como os hipnóticos tiopental ou propofol. O tiopental deve ser usado com cuidado em pacientes que fazem uso de diazóxido, devido ao maior risco de hipotensão arterial. Esse evidente e acentuado efeito na pressão arterial pode ser atribuído à grande afinidade e competição desses fármacos e sua ligação com proteínas plasmáticas.1212 Burch PG, McLeskey CH. Anesthesia for patients with insulinoma treatment with oral diazoxide. Anesthesiology. 1981;55:472-5. O propofol tem sido muito usado em anestesia durante a gravidez por evitar náuseas e vômitos e promover despertar precoce;1111 Beilin Y. Anesthesia for nonobstetric surgery during pregnancy. Mt Sinai J Med. 1998;65:265-70. além de não apresentar efeitos sobre a liberação de insulina e regulação da glicose, efeitos que justificam seu emprego no manejo anestésico de pacientes portadores de insulinoma.1313 Grant F. Anesthetic considerations in the multiple endocrine neoplasia syndromes. Curr Opin Anaesthesiol. 2005;18:345-52.

14 Maciel RT, Fernandes FC, Pereira Ldos S. Anesthesia in a patient with multiple endocrine abnormalities. Case report. Rev Bras Anestesiol. 2008;58:172-8.
-1515 Sato Y, Onozawa H, Fujiwara C, et al. Propofol anesthesia for a patient with insulinoma. Masui. 1998;47:738-41. Embora os agentes voláteis possam reduzir a liberação de insulina, propriedade não clinicamente comprovada, mas desejável, seu uso parece ser interessante nos casos de insulinoma.11 Christiansen E, Vestergaard H. Insulinoma in a third-trimester pregnant woman combined with pre-eclampsia: a case report and review of the diagnostic strategies. Gynecol Endocrinol. 2008;24:417-22.,66 Besemer B, Müssig K. Insulinoma in pregnancy. Exp Clin Endocrinol Diabetes. 2010;118:9-18.,77 Freemark M. Ontogenesis of prolactin receptors in the human fetus: roles in fetal development. Biochem Soc Trans. 2001;29:38-41.,1616 Diltoer M, Camu F. Glucose homeostasis and insulin secretion during isoflurane anesthesia in humans. Anesthesiology. 1988;68:880-6. Como descrito por outros autores,1717 Kunisawa T, Takahata O, Yamamoto Y, et al. Anesthetic management of two patients with insulinoma using propofol in association with rapid radioimmunoassay for insulin. Masui. 2001;50:144-9. a técnica anestésica empregada neste caso - anestesia venosa com propofol associada a bloqueio peridural - constitui técnica útil para remoção de insulinoma.

Conclusão

A associação de anestesia venosa total e bloqueio peridural mostrou-se segura e adequada no manuseio cirúrgico de insulinoma em paciente grávida. Buscou-se o emprego de drogas adequadas em termos de teratogenicidade para o feto. Cabe ressaltar a importância da programação do ato anestésico, particularmente as implicações anestésicas correlacionadas às alterações fisiológicas da gravidez e às repercussões endócrino-metabólicas do tumor secretor presente. É recomendada e de grande importância no per e pós-operatório a monitoração e o controle, para evitar grandes oscilações nos níveis de glicose sanguínea.

  • Trabalho feito no Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2016
  • Aceito
    28 Jun 2016
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