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Alterações posturais em crianças e adolescentes obesos e não-obesos

Postural changes in obese and non-obese children and adolescents

Resumos

Nos últimos anos, a obesidade assumiu proporções epidêmicas, relacionando-se aos fatores de risco cardiovasculares e também ao aparecimento de alterações posturais, tanto no adulto como em crianças e adolescentes. O objetivo do presente estudo foi identificar e comparar a frequência de alterações posturais e dor em escolares obesos e não obesos de acordo com o gênero. Foram analisadas 51 crianças e adolescentes, de 9 a 17 anos, de ambos os sexos, divididas em dois grupos: obesos (n=33) e não-obesos (n=18), estes foram posteriormente subdivididos por sexo para as análises. A partir da massa corporal e da estatura, foi calculado o índice de massa corporal (IMC). Utilizou-se questionário elaborado pelos autores e validado em conteúdo para avaliar a presença ou não de dor. Foram avaliados desvios posturais de ombro, cabeça e joelho, pelo uso de fotometria para análise angular e de dimensão. Os meninos obesos apresentaram maiores alterações posturais do que os não-obesos somente na região do joelho (p<0,01). Entre as meninas, não houve diferença para nenhuma das regiões. A frequência de dor nas meninas obesas foi significativamente maior do que nas não-obesas (p<0,05). Conclui-se que as alterações não são exclusivas dos indivíduos obesos, mas o excesso de peso pode acentuar esses desvios. Mais estudos são necessários para diagnosticar, já na infância, essas alterações, possibilitando intervenção precoce e boa postura na vida adulta.

Adolescente; Criança; Dor; Fotometria; Obesidade; Postura


Obesity has reached epidemic proportions over recent years and is related to cardiovascular risk factors, as well as to the occurrence of postural changes in adults, children and adolescents. The objective of this study was to identify the prevalence of postural abnormalities and pain in schoolchildren. Fifty-one children and adolescents of both genders aged 9-17 years were divided into an obese (n = 33) and a non-obese group (n = 18). Weight and height were measured to calculate the body mass index. A questionnaire was used to assess the presence or absence of pain. Postural deviations of the shoulder, head and knees were analyzed by photometry using the Corel Draw12 software for the determination of angular measures and size. Obese boys showed greater postural changes in the region of the knees than non-obese ones (p<0.001). No significant differences in any of the regions analyzed were observed for girls. On the other hand, the prevalence of pain was significantly higher among obese girls than among non-obese girls. We conclude that postural changes are not limited to obese children, but excess weight may increase this deviation. Further studies are needed to diagnose these changes during childhood in order to permit early intervention and good posture in adult life.

Adolescent; Child; Obesity; Pain; Photometry; Posture


ARTIGO ORIGINAL

Alterações posturais em crianças e adolescentes obesos e não-obesos

Postural changes in obese and non-obese children and adolescents

Larissa Rosa da SilvaI; André Luiz Felix RodackiI,II; Michelle BrandalizeII; Maria de Fatima Aguiar LopesI; Paulo Cesar Baraucce BentoI,II; Neiva LeiteI

IUniversidade Federal do Paraná. Departamento de Educação física. Núcleo de Qualidade de Vida. Curitiba, PR. Brasil

IIUniversidade Federal do Paraná. Departamento de Educação física. Centro de estudos no Comportamento Motor. Curitiba, PR. Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Larissa Rosa da Silva Universidade Federal do Paraná Departamento de Educação Física Núcleo de Qualidade de Vida Rua Coração de Maria, 92, Jardim Botânico, CEP 80215-370, Curitiba, PR. Brasil. Email: larisilva99@yahoo.com.br

RESUMO

Nos últimos anos, a obesidade assumiu proporções epidêmicas, relacionando-se aos fatores de risco cardiovasculares e também ao aparecimento de alterações posturais, tanto no adulto como em crianças e adolescentes. O objetivo do presente estudo foi identificar e comparar a frequência de alterações posturais e dor em escolares obesos e não obesos de acordo com o gênero. Foram analisadas 51 crianças e adolescentes, de 9 a 17 anos, de ambos os sexos, divididas em dois grupos: obesos (n=33) e não-obesos (n=18), estes foram posteriormente subdivididos por sexo para as análises. A partir da massa corporal e da estatura, foi calculado o índice de massa corporal (IMC). Utilizou-se questionário elaborado pelos autores e validado em conteúdo para avaliar a presença ou não de dor. Foram avaliados desvios posturais de ombro, cabeça e joelho, pelo uso de fotometria para análise angular e de dimensão. Os meninos obesos apresentaram maiores alterações posturais do que os não-obesos somente na região do joelho (p<0,01). Entre as meninas, não houve diferença para nenhuma das regiões. A frequência de dor nas meninas obesas foi significativamente maior do que nas não-obesas (p<0,05). Conclui-se que as alterações não são exclusivas dos indivíduos obesos, mas o excesso de peso pode acentuar esses desvios. Mais estudos são necessários para diagnosticar, já na infância, essas alterações, possibilitando intervenção precoce e boa postura na vida adulta.

Palavras-chave: Adolescente; Criança; Dor; Fotometria; Obesidade; Postura.

ABSTRACT

Obesity has reached epidemic proportions over recent years and is related to cardiovascular risk factors, as well as to the occurrence of postural changes in adults, children and adolescents. The objective of this study was to identify the prevalence of postural abnormalities and pain in schoolchildren. Fifty-one children and adolescents of both genders aged 9-17 years were divided into an obese (n = 33) and a non-obese group (n = 18). Weight and height were measured to calculate the body mass index. A questionnaire was used to assess the presence or absence of pain. Postural deviations of the shoulder, head and knees were analyzed by photometry using the Corel Draw12 software for the determination of angular measures and size. Obese boys showed greater postural changes in the region of the knees than non-obese ones (p<0.001). No significant differences in any of the regions analyzed were observed for girls. On the other hand, the prevalence of pain was significantly higher among obese girls than among non-obese girls. We conclude that postural changes are not limited to obese children, but excess weight may increase this deviation. Further studies are needed to diagnose these changes during childhood in order to permit early intervention and good posture in adult life.

Key words: Adolescent; Child; Obesity; Pain; Photometry; Posture.

INTRODUÇÃO

Nas duas últimas décadas, a população mundial adquiriu hábitos alimentares pouco saudáveis, além de um estilo de vida menos ativo. Tais mudanças têm influenciado para o aumento expressivo do peso corporal. Em algumas populações, a obesidade assumiu proporções epidêmicas1, relacionando-se aos fatores de risco cardiovasculares e também ao aparecimento de alterações posturais, tanto em adultos como em crianças e adolescentes2.

O sedentarismo pode acarretar em diminuição do gasto energético e maior possibilidade de excesso de peso. A inatividade física relaciona-se a hábitos posturais inadequados, como sentar de maneira incorreta e passar muitas horas frente à televisão3. A postura envolve uma relação dinâmica entre os segmentos corporais, a qual é determinada pela ação dos músculos esqueléticos que se adaptam aos estímulos recebidos4. As principais alterações posturais na população infanto-juvenil, independente da obesidade, são a hipercifose torácica, a escoliose tóraco-lombar e a hiperlordose lombar5. Considerando as alterações posturais na infância como um dos fatores que predispõem a condições degenerativas da coluna na vida adulta, torna-se necessário estabelecer mecanismos de intervenção preventiva já nessa fase da vida3.

Alguns autores demonstraram que o aumento do peso e as mudanças nas proporções corporais podem provocar ajustes posturais, sendo necessárias adaptações mecânicas para manter o alinhamento postural adequado6,7. No estudo de Taylor et al2, os obesos apresentaram maior prevalência de complicações ortopédicas, dor musculoesqueléticas e fraturas do que os não-obesos. Poucos estudos abordaram as alterações posturais relacionadas ao excesso de peso corporal na infância8.

A obesidade está relacionada a várias doenças cardiovasculares e metabólicas9-11, e a maioria das pesquisas têm voltado sua atenção apenas para esta associação. No entanto, a relação do excesso de gordura corporal com alterações musculoesqueléticas e dor precisa ser melhor analisada. Para tanto, torna-se necessário identificar a prevalência destas alterações, pois em idades precoces crianças obesas podem apresentar desvios posturais que podem comprometer a qualidade de vida na infância ou na vida adulta. Portanto, o objetivo deste estudo foi identificar e comparar as alterações posturais e ortopédicas em crianças e adolescentes obesos e não obesos, de acordo com o gênero.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Estudo de caráter transversal descritivo12. Foi considerada como variável independente o nível de obesidade, e como variável dependente as distâncias e ângulos articulares usados para determinar alterações posturais.

Participantes

Os sujeitos foram selecionados por conveniência. O grupo obeso foi composto por 33 crianças e adolescentes obesos, destes, 16 eram do sexo masculino e 17 do sexo feminino, com faixa etária de 9 a 17 anos, provenientes do projeto de extensão exercício em condições especiais do Núcleo de Qualidade de Vida (NQV) da Universidade Federal do Paraná. Os participantes do grupo não-obeso foram pareados por sexo e idade, utilizando a proporção de dois obesos para um não-obeso12. A amostra foi composta por 18 crianças e adolescentes não-obesos, sendo nove do sexo masculino e nove do sexo feminino, escolares residentes nas proximidades da universidade. Realizou-se cálculo amostral pela equação de Triola13, baseado no número total de alunos matriculados de 5ª a 8ª série no ensino fundamental (estadual e municipal), que foi de, aproximadamente, 100.000 alunos. Destes, retirou-se 8% que é a prevalência de obesidade encontrada no estudo de Leite14 (2009), totalizando 8.000 sujeitos. Utilizou-se um desvio padrão igual a 13 da variável Pressão Arterial Sistólica, assumindo um erro de 5% e IC= 95%, totalizando um número mínimo de 26 indivíduos para o grupo obeso. Os pais foram informados quanto ao objetivo do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Aprovado no comitê de ética do Setor da Saúde da Universidade Federal do Paraná, CAAE - 3183.0.000.091-08. CEP/SD, atendendo a resolução 196/96.

Para realizar as comparações, os grupos foram subdivididos de acordo com o sexo: grupo obeso masculino (n=16); grupo não-obeso masculino (n=9); grupo obeso feminino (n= 17) e grupo não-obeso feminino (n=9), visando controlar esta variável nas análises.

Medidas antropométricas

A estatura foi mensurada em cm, utilizando-se uma fita métrica de 1,5 m fixada na parede a partir de 1 m de altura do chão, totalizando 2,5 m. A medida foi realizada ao final de uma inspiração máxima com o individuo descalço, com os pés unidos e com a cabeça no plano horizontal de Frankfort15.

A massa corporal foi aferida por meio de uma balança digital (Filizola), com precisão de 100 g. As medidas foram realizadas com os dois pés paralelos e descalços e vestindo roupas leves. Para ambas as avaliações, obtiveram-se três medidas e calculou-se a média entre os valores.

Foram classificadas como obesos os participantes com índice de massa corporal (IMC) igual ou maior que o percentil 95, e como não obesas as crianças com percentil entre 5 e 85 como sugere o Centers for Disease Control and Prevention (CDC)16.

Avaliação da dor

Foi aplicado um questionário de dor elaborado pelos autores deste trabalho e validado em conteúdo por três professores especialistas da Universidade Federal do Paraná. O questionário é composto por oito questões referentes a doenças e sintomas de dor no sistema músculo esquelético nos últimos 6 meses.

Os participantes que referiram algum tipo de dor foram avaliados por meio do Modelo de Esquema Corporal e a Escala Visual da Dor. O primeiro visa descrever a própria dor, sua natureza e localização (o participante foi orientado a indicar, em um desenho do corpo humano, o local da dor sentida). O segundo avalia a intensidade da dor. O participante foi orientado a marcar um valor, em uma linha marcada de 1 a 10, indicando sem dor na primeira extremidade (1) e indicando a maior dor sentida na última extremidade (10), para descrever a intensidade da dor17. Um item sobre a frequência da dor foi incluso, no qual havia três opções de frequência: Sempre – quase todos os dias, De vez em quando – duas a três vezes por semana, Raramente – uma a duas vezes por mês. Foram considerados com dor os indivíduos que relataram sentir dor sempre e às vezes, os que relataram sentir raramente não foram considerados com presença de dor.

Fotometria

Foram realizadas marcações de pontos anatômicos diretamente na pele com bolas brancas de isopor de 8 mm, fixadas com fita dupla face. Os centros das proeminências ósseas eram identificados pela palpação dos seus limites externos. Os pontos anatômicos marcados foram: (a) acrômio, processo espinhoso de C7 e meato auditivo externo para obter o posicionamento da cabeça, (b) C7 e acrômio para posicionamento do ombro (c) côndilo medial femoral esquerdo e direito para medida da distância intercondilar (DIC) e (d) maléolo medial direito e esquerdo para distância intermaleolar (DIM), utilizando as ferramentas dimensão e linhas-guias (Figura 1).


Para o registro das imagens, foram utilizadas duas câmeras, ambas posicionadas a 2,5 m do individuo no plano frontal, fixadas em um tripé profissional com fio de prumo. De cada indivíduo foram registradas cinco imagens: uma do plano sagital, duas no plano frontal anterior e duas no plano posterior. Foram registradas duas imagens no plano frontal, uma de cada câmera. A primeira câmera (Sony DSC-M2 W5, 5,1 mega pixels, Sony eletronics, San Diego, EUA) foi posicionada a 1 m do chão, aproximadamente, na altura da cintura dos sujeitos. Esta câmera captou as imagens no plano sagital, utilizadas para analisar os ângulos da articulação do ombro e da articulação da cabeça. A segunda câmera (Sony DSC-P73 3,1 mega pixels, Sony eletronics, San Diego, EUA) posicionada a 30 cm do chão, aproximadamente, na altura do joelho dos indivíduos, e utilizada para analisar as distâncias intermaleolar e intecondilar no plano posterior. Para o registro das imagens, os indivíduos foram avaliados com roupa de banho, descalços, posicionados pelo avaliador à frente da câmera, em cima da marcação em formato de dois pés feitas no chão. Para a calibração, o individuo foi posicionado ao lado de um fio de prumo fixado ao teto, com esferas de isopor com medida conhecida de 0,46 cm entre elas, totalizando 1,84 m de altura dentro da área de calibração. A área de calibração foi realizada com base nas medidas de um fundo com 2,5 m de altura e 1,35 m de comprimento. Essas medidas foram utilizadas como referência de valores reais para análise das imagens no software Corel Draw 12. Após a calibração, as câmeras não foram mais movimentadas. Para análise das alterações posturais foi utilizado o método da fotometria18, pelo qual obtemos os ângulos da cabeça e do ombro, e as distâncias intermaleolar (DIM) e intercondilar (DIC). As alterações no joelho foram analisadas a partir das distâncias intermaleolar e intercondilar, identificando-se na imagem os maléolos e os côndilos no software, em seguida, calculando-se a distância entre eles.

Para a classificação do posicionamento do joelho como geno valgo e geno varo, foram utilizados os valores de DIM e DIC propostos por Bertol e Borges19. De acordo com os autores, a distância intermaleolar de 8 a 15 cm representa joelho valgo e a distância intercondilar de 6 a 8 cm representa joelho varo. Para o posicionamento da cabeça, os valores considerados normais foram entre 43° e 56° para o sexo feminino. Valores acima desses referenciais foram classificados como anteriorização da cabeça e inferiores como retração da cabeça. Para os meninos, a normalidade foi considerada como entre 45° e 60°, como proposto por Penha et al.20. Para classificar o posicionamento do ombro, foram utilizados os valores médios apresentados no estudo feito por Christie et al.18. Foram classificados como normais os participantes com valores dentro do desvio padrão, ou seja, entre 89 e 119,2 graus. Valores superiores a esta faixa foram considerados como protusão de ombro e valores inferiores como retroversão de ombro. A classificação do ombro é baseada em amostra adulta, justificando-se a sua utilização pela ausência de pesquisas realizadas com esse tipo de análise angular na população estudada.

Análise Estatística

Os dados foram apresentados em médias e desvios padrões, com auxilio de gráficos e tabelas. Para a avaliação estatística, os dados paramétricos, como peso, estatura e IMC, foram analisados pelo teste t de Student não pareado. A normalidade foi verificada pelo teste de Shapiro-Wilk. As proporções de dor e alterações posturais entre os grupos foram analisadas pelo teste do Qui-Quadrado ou o teste Exato de Fisher. O nível de significância foi de p<0,05.

RESULTADOS

O grupo dos obesos apresentou maiores valores de massa e IMC do que o grupo dos não-obesos para ambos os sexos (p<0,05). As médias de idade e estatura não diferiram entre os grupos (p>0,05). A Tabela 1 apresenta as características antropométricas dos grupos experimentais.

Os meninos do grupo obeso apresentaram maior DIM do que os do grupo não-obeso (p<0,01). No entanto, os do grupo não-obeso apresentaram maior DIC do que os obesos (p<0,01). A angulação de ombro foi semelhante entre os grupos e a angulação da cabeça foi maior para o grupo dos obesos (p<0,01). Para o sexo feminino, todas as variáveis posturais diferiram entre os grupos (p<0,01). Os ângulos da cabeça e do ombro foram maiores no grupo dos não-obesos, quando comprados ao grupo dos obesos (p<0,01). As meninas do grupo obeso demonstraram maior valor de DIM e menor valor de DIC em comparação as não-obesas. A Tabela 2 apresenta valores médios e desvio padrão dos ângulos da cabeça e ombro e as distâncias intermaleolar (DIM) e intercondilar (DIC).

Os meninos do grupo obeso tiveram maiores alterações na região do joelho [13 (81,2%) vs 0 (0%), p=0,01] e na cabeça [14 (87,5%) vs 2 (22,2%), p<0,01] do que os não-obesos. Na região de ombro, os obesos tiveram valores semelhantes aos não-obesos [6 (37,5%) vs 4 (44,4%), p<0,53]. As meninas do grupo obeso apresentaram maior ocorrência de alterações posturais na região do ombro [13 (81,2%) vs 5 (55,5%), p <0,03] e no joelho [7 (43,7%) vs 0 (0%), c2 =4,72, p<0,02] do que as não-obesas. Na região da cabeça não houve diferenças entre os grupos (p=0,30).

Os meninos obesos tiveram maior ocorrência de anteriorização da cabeça [14 (87,5%) vs 2 (22,2%), p=0,01] e de joelho valgo [13 (81,2%) vs 0 (0%), p<0,01], quando comparados com o grupo dos não-obesos. Não foram detectadas diferenças entre os grupos [16 (100%) vs 9 (100%), p=0,29] quanto à protusão de ombro. As alterações mais frequentes nos obesos foram joelho valgo e ombro protuso (80%). Todos os indivíduos do sexo masculino, obesos e não-obesos, apresentaram protusão de ombro.

As meninas obesas apresentaram maior ocorrência de joelho valgo [7 (43,7%) vs 0 (0%), c2 =4,72 p<0,02] do que as não-obesas. As meninas não-obesas tiveram maior ocorrência de protusão de ombro do que as obesas [9 (56,2%) vs 9 (100%), c2 =6,12 p<0,01]. O número de ocorrências de cabeça anteriorizada foi semelhante entre os grupos [3 (18,7%) vs 3 (33,3%), c2 =0,96, p<0,30]. Nenhum dos indivíduos, independente do grupo e do gênero, apresentaram ombro retruso. As alterações mais frequentes nas obesas foram joelho valgo e ombro protuso, com valores percentuais por volta de 50%, entre as não-obesas todas as avaliadas apresentaram ombro protuso.

A frequência e região de dor foram analisadas nos dois grupos. Entre os meninos, a frequência de sentir dor "sempre" ou "às vezes" em alguma região não diferiu entre os grupos obeso (50%) e não-obeso (44,4%). As meninas obesas apresentaram maior frequência de dor (88,2%) do que as não-obesas (44,4%; p=0,0283).

Os meninos obesos apresentaram maior frequência de dor na coluna (28%), joelhos (17%) e ombro (16%). Entre os não-obesos, as frequências maiores de dor foram nos joelhos, costas e ombros (33,3%), além das regiões peitoral e cervical (22,2%). As meninas obesas apresentaram maior frequência de dor nas regiões de coluna e nos joelhos (27%). Entre as não-obesas a maior frequência de dor foi na coluna (33,3%).

DISCUSSÃO

O excesso de peso tem sido associado ao aumento do risco de desenvolvimento de alguns tipos de doenças, além de um número de complicações ortopédicas21. Neste estudo, o aumento do peso corporal foi associado ao aparecimento de alterações posturais. Os obesos apresentaram maior frequência de alterações posturais quando comparados aos não-obesos, independente do sexo. A larga discrepância no IMC dos grupos permite atribuir as diferenças posturais ao excesso de peso dos participantes, visto que a estatura não diferiu entre os participantes, ainda que fatores maturacionais não tenham sido considerados.

As maiores alterações posturais foram observadas na articulação do joelho que apresentou valgismo, independente do sexo. Alguns estudos têm atribuído essas modificações a alterações ao redor da pelve que causam rotação interna dos quadris e demandam ajustes nos segmentos inferiores22. Por exemplo, Martinelli et al.23, encontraram anteversão pélvica e valgismo de joelho (45%) em crianças com excesso de gordura corporal. Pinto et al21 apontam uma prevalência marcante para joelho valgo (55,1%) em obesos quando comparados a não-obesos (2,0%). Além da rotação interna, o acúmulo de gordura na região da coxa provoca afastamento lateral dos pés. O afastamento dos maléolos tende a projetar os joelhos medialmente, induzindo a um aumento do valgismo que induz a uma maior pressão na região lateral dos joelhos22.

A obesidade também pode ocasionar alterações na coluna vertebral, e está associada a queixas frequentes de dores crônicas na coluna em obesos24. As dores crônicas possuem etiologia complexa e são, geralmente, multifatoriais, porém sua relação com obesidade é marcante. O excesso de peso corporal causa aumento na compressão dos discos intervertebrais e provocam redução no espaço intervertebral. A compressão crônica dos discos intervertebrais provoca sobrecarga em estruturas que não são próprios para a sustentação, como por exemplo, as facetas articulares25. O estudo de Rodacki et al26 demonstrou que a incapacidade de recuperar o espaço intervertebral está relacionada à incidência de dores nas costas. Em obesos, a incapacidade de recuperação de estatura foi observada e atribuída a constante compressão imposta sobre a coluna vertebral25. Além da maior carga imposta sobre os discos intervertebrais, os obesos tendem a realizar ajustes posturais a fim de acomodar o excesso de peso e evitar o desconforto decorrente da fadiga muscular localizada. Aumentos na lordose lombar são estratégias comuns em obesos.

O aumento da curvatura lombar pode, ainda, provocar outras alterações posturais devido a mecanismos compensatórios, como cifose dorsal, a qual leva à hiperlordose cervical e anteriorização da cabeça22. Nos membros inferiores, esse aumento pode levar à anteversão pélvica associada à rotação interna dos quadris, joelhos valgos e pés planos22. Pinto et al21 identificaram maior prevalência de dor nas costas (30,6% vs 2% p<0,01) e dor no membro inferior - joelho, tornozelo, e pés - (44,8% vs 19,1%, p<0,01), nos obesos do que nos não-obesos. Taylor et al2 também identificaram maior prevalência nos obesos em todas as regiões analisadas. O presente estudo identificou que as meninas obesas apresentaram maior frequência de dor do que as não-obesas. Crianças que têm dores nas costas apresentam um risco elevado de terem dores nas costas quando forem adultas27. Este fato, além de causar sofrimento individual, pode ter uma implicação econômica porque a dor nas costas é a maior causa de incapacidade laborativa dos adultos28. Campos et al8 ao avaliar adolescentes obesos, observaram 85% de anteriorização da cabeça nos meninos e 83% nas meninas, 38% de joelho valgo nos meninos e 50% nas meninas. No presente estudo, foram observados valores similares, para o sexo masculino. Os obesos apresentaram alta frequência de anteriorização da cabeça (43,8%), joelho valgo (81,3%) e ombro retraído (31,2%). Entretanto, as meninas apresentaram 27,3% de anteriorização da cabeça, 76,5% de retração de ombro e 39,9% de valgo. Bruschini e Néri22 reportam que a presença de abdômen protuso nos obesos desloca o centro de gravidade anteriormente, causando adaptações na coluna vertebral e membros inferiores.

A relação entre obesidade infantil e dor músculoesquelética não é bem esclarecida, porém existem algumas hipóteses, como sobrecarga articular e mau alinhamento articular. O joelho valgo pode ser causa de dor nos joelhos, pois o aumento da angulação tíbio-femoral favorece o surgimento de síndromes dolorosas da articulação fêmoro-patelar e também o deslocamento lateral da patela29. Outra questão levantada por Taylor et al.2 em seu estudo foi que as crianças que referiram dor e/ou desconforto muscoesquelético foram menos propensas a se envolverem em atividades físicas, o que favorece o ganho de peso.

Estudos demonstram variação de 30 a 70% na prevalência de dores na coluna21 e apontam que esta dor é influenciada, principalmente, por três fatores: a obesidade, a inatividade física e o acúmulo de horas em frente a TV/computador. No presente estudo, a prevalência de dores nas costas foi de 28% nos meninos obesos e 10% nos não obesos. Para o sexo feminino, foi de 27% nas obesas e 33,3% nas não-obesas. Pinto et al21 apresentaram prevalências semelhantes para obesos e não-obesos. Em crianças, ainda não está bem estabelecido os efeitos mecânicos da obesidade sobre a coluna vertebral. No entanto, em adultos, estudos apontam que sobrecargas anormais nos discos intervertebrais, causadas pelo aumento excessivo da gordura corporal, podem resultar em dores nas costas24.

A prevalência de alterações posturais em crianças e adolescentes foi avaliada em vários estudos5,8,30. Entretanto, poucos estudos analisaram essas alterações focalizando a obesidade6 e compararam crianças obesas e não-obesas2,21. Os resultados do presente estudo apontam para a relação do excesso de peso corporal com alterações de postura, o que compromete a qualidade de vida destas crianças, além de somar-se a tantos outros agravantes à saúde, identificados na presença de obesidade.

Os estudos citados neste trabalho, em sua maioria, avaliaram a postura de maneira subjetiva, com posturometria ou por observação de avaliador. Estes métodos têm aplicação mais fácil o que resulta na possibilidade de avaliar maior número de sujeitos. Apesar de alguns resultados mostrarem diferenças significativas entre os grupos, o número de sujeitos avaliados nesse estudo foi pequeno. Sugere-se que outros estudos sejam realizados com mais indivíduos, para ser representativo da população estudada.

Penha et al.30 ao avaliarem crianças de 7 a 10 anos de idade, demonstraram diferenças posturais entre meninos e meninas, identificando padrões diferentes entre os gêneros de acordo com a fase maturacional em que se encontravam. Na presente pesquisa não se avaliou o estágio maturacional, o que pode ser considerado fator limitante deste estudo. Tornam-se necessários mais estudos com essa população e com esta forma de avaliação. Levando em consideração o aumento da obesidade e a mudança no estilo de vida das crianças e adolescentes, identificar esses problemas posturais, já na infância, é de suma importância para que seja feito um tratamento adequado e assim, minimizar a presença de dor e de alterações em crianças e adolescentes, assegurarando uma boa postura na vida adulta.

CONCLUSÃO

As crianças obesas, para ambos os sexos, apresentaram maior prevalência de alterações posturais e prevalência de dor do que as não-obesas. Acredita-se que o surgimento da dor acontece pela associação de fatores, como o aumento da sobrecarga articular em conjunto com uma estrutura esquelética ainda em formação, diminuição da estabilidade postural e aumento do gasto energético para realizar as atividades habituais.

Recebido em 02/08/10

Revisado em 09/03/11

Aprovado em 06/04/11

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  • Endereço para correspondência:
    Larissa Rosa da Silva
    Universidade Federal do Paraná
    Departamento de Educação Física Núcleo de Qualidade de Vida
    Rua Coração de Maria, 92, Jardim Botânico, CEP 80215-370, Curitiba, PR. Brasil.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      02 Ago 2010
    • Revisado
      09 Mar 2011
    • Aceito
      06 Abr 2011
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