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Insatisfação corporal de adolescentes atletas e não atletas de ginástica artística

Resumo

A avaliação de fatores psicológicos pode auxiliar na prevenção de transtornos alimentares em atletas. Objetivou-se verificar possíveis relações entre a insatisfação corporal e influência da mídia, perfeccionismo, estado de humor e comportamento de risco para transtorno alimentar, bem como comparar as variáveis de estudo entre praticantes de ginástica artística de base e de alto rendimento e não atletas. Participaram da pesquisa 413 adolescentes de ambos os sexos (atletas de alto rendimento e de base e não atletas), com idade entre 10 e 18 (média de 12,86±1,80) anos. Foram aplicados: BSQ, EAT-26, SATAQ-3, MPS e BRUMS para avaliar insatisfação corporal, comportamento de risco para transtorno alimentar, influência midiática, perfeccionismo e estado de humor, respectivamente. Foram coletados dados antropométricos para estimar o Índice de Massa Corporal (IMC) e o Percentual de Gordura (%G). Foram realizadas análises estatísticas descritivas, comparativas e correlacionais. Somente o EAT-26 influenciou o BSQ nos três grupos avaliados. Em não atletas, IMC, BRUMS e SATAQ-3 acrescentaram explicação ao modelo. Para os atletas de base, %G, influência da mídia e estado de humor também foram preditores para a insatisfação corporal. Os atletas de alto rendimento tiveram menores valores de IMC e %G do que os demais. Os não atletas apresentaram menores escores para o perfeccionismo, enquanto os atletas de base menores pontuações para o estado de humor. Conclui-se que o comportamento de risco para transtorno alimentar é o fator que se relaciona mais fortemente com a insatisfação corporal em atletas de base, de alto rendimento e em não atletas.

Palavras-chave
Adolescente; Imagem corporal; Transtornos da alimentação; Transtornos do humor

Abstract

The evaluation of psychological factors can help preventing eating disorders in athletes. This study aimed to verify possible links between body dissatisfaction and media influence, perfectionism, mood and risk behavior for eating disorders and to compare the study variables among artistic gymnastics elite and non-elite athletes and non-athletes. Participants were 413 adolescents of both sexes (elite and non-elite athletes and non-athletes), aged 10-18 years (mean age 12.86 ± 1.80). BSQ, EAT-26, SATAQ-3, MPS and BRUMS were applied to evaluate body dissatisfaction, risk behavior for eating disorders, media influence, perfectionism and mood, respectively. Anthropometric data were collected to estimate body mass index (BMI) and body fat percentage (%BF). Descriptive statistical, comparative and correlational analyses were held. Only EAT-26 influenced BSQ in the three groups. In non-athletes, BMI, BRUMS and SATAQ-3 added explanation to the model. For non-elite athletes, %BF, media influence and mood were also predictors of body dissatisfaction. Elite athletes had lower BMI and %BF than the others. Non-athletes had lower perfectionism scores while non-elite athletes athletes had lower mood scores. It could be concluded that the risk behavior for eating disorders is the factor most strongly related to body dissatisfaction among elite and non-elite athletes and non-athletes.

Key words
Adolescents; Body image; Eating disorders; Mood disorders

INTRODUÇÃO

A ginástica artística é um esporte de especialização precoce, na qual o treinamento de alto rendimento inicia-se na adolescência11 Malina RM, Baxter-Jones AD, Armstrong N, Beunen GP, Caine D, Daly RM, et al. Role of intensive training in the growth and maturation of artistic gymnasts. Sports Med 2013;43(9):783-802.,22 Neves CM, Fortes LS, Filgueiras JF, Ferreira MEC. Comportamentos alimentaresem ginastas de elite: associação com o perfeccionismo e o estado de humor. Rev Edu Fís/UEM 2013;24(3):359-69.. Nessa modalidade estética22 Neves CM, Fortes LS, Filgueiras JF, Ferreira MEC. Comportamentos alimentaresem ginastas de elite: associação com o perfeccionismo e o estado de humor. Rev Edu Fís/UEM 2013;24(3):359-69.,33 Fortes LS, Neves CM, Filgueiras JF, Almeida SS, Ferreira MEC. Insatisfação corporal, comprometimento psicológico ao exercício e comportamento alimentar em jovens atletas de esportes estéticos. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2013;15(6):695-704., há demonstração e exibição da melhor performance. Erros são permitidos, porém toda falha é descontada na nota final22 Neves CM, Fortes LS, Filgueiras JF, Ferreira MEC. Comportamentos alimentaresem ginastas de elite: associação com o perfeccionismo e o estado de humor. Rev Edu Fís/UEM 2013;24(3):359-69.. Logo, é um ambiente repleto de cobranças, dependendo da categoria em que o praticante está inserido.

Por ser um esporte no qual o corpo está em foco, são cobrados dos atletas padrões estéticos de magreza e baixa gordura corporal - assim como os propagados pela mídia44 Amaral ACS, Ribeiro MS, Conti MA, Ferreira CS, Ferreira MEC. Psychometric evaluation of the Sociocultural Attitudes Towards Appearance Questionnaire-3 among Brazilian young adults. Span J Psychol 2013;16(e94):1-10.

5 Amaral ACS, Conti MA, Filgueiras JF, Ferreira MEC. Qualidades Psicométricasdo Questionário de Atitudes Socioculturais em relação à aparência-3 (SATAQ-3) entre adolescentes. Psic: Teor e Pesq 2015;31(4):471-79.
-66 Fortes LS, Ferreira MEC, Filgueiras JF, Neves CM, Paes ST, Almeida SS. Relationship between body image and overall and athletic internalization in young track and field female athletes. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2015;17(4):428-37., podendo repercutir na imagem corporal desses praticantes33 Fortes LS, Neves CM, Filgueiras JF, Almeida SS, Ferreira MEC. Insatisfação corporal, comprometimento psicológico ao exercício e comportamento alimentar em jovens atletas de esportes estéticos. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2013;15(6):695-704.. Esse construto é definido como a representação mental do próprio corpo e está relacionado a fatores sociais, emocionais, fisiológicos e, também, ao ambiente no qual o indivíduo está inserido77 Laus MF, Kakeshita IS, Costa TMB, Ferreira MEC, Fortes LS, Almeida SS. Bodyimage in Brazil: recent advances in the state of knowledge and methodological issues. Rev Saúde Pública 2014;48(2):331-46.. Uma das facetas da imagem corporal, a insatisfação corporal, consiste na avaliação subjetiva negativa do próprio corpo77 Laus MF, Kakeshita IS, Costa TMB, Ferreira MEC, Fortes LS, Almeida SS. Bodyimage in Brazil: recent advances in the state of knowledge and methodological issues. Rev Saúde Pública 2014;48(2):331-46..

Cobranças exercidas por agentes extrínsecos e intrínsecos parecem influenciar na relação do praticante de ginástica artística com o seu corpo22 Neves CM, Fortes LS, Filgueiras JF, Ferreira MEC. Comportamentos alimentaresem ginastas de elite: associação com o perfeccionismo e o estado de humor. Rev Edu Fís/UEM 2013;24(3):359-69.,33 Fortes LS, Neves CM, Filgueiras JF, Almeida SS, Ferreira MEC. Insatisfação corporal, comprometimento psicológico ao exercício e comportamento alimentar em jovens atletas de esportes estéticos. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2013;15(6):695-704.. Ademais, características de personalidade podem estar associadas a uma imagem corporal negativa22 Neves CM, Fortes LS, Filgueiras JF, Ferreira MEC. Comportamentos alimentaresem ginastas de elite: associação com o perfeccionismo e o estado de humor. Rev Edu Fís/UEM 2013;24(3):359-69.,88 Filaire E, Rouveix M, Pannafieux C, Ferrand C. Eating attitudes, perfectionism and body-esteem of elite male judoists and cyclists. J Sports Sci Med 2007;6(1):50-7.,99 Schaal K, Tafflet M, Nassif H, Thibault V, Pichard C, Toussaint J. Psychological balance in high level athletes: Gender-based differences and sport-specific patterns.PLos One 2011;6(5):1-9.. O perfeccionismo, por exemplo, - elevados padrões de exigência1010 Soares MJ, Gomes AA, Macedo AF, Azevedo MHP. Escala Multidimensional de Perfeccionismo: Adaptação à população portuguesa. Rev Portuguesa Psicossom 2003;5(1):46-55. - pode levar à preocupação com as imperfeições da forma e peso corporais99 Schaal K, Tafflet M, Nassif H, Thibault V, Pichard C, Toussaint J. Psychological balance in high level athletes: Gender-based differences and sport-specific patterns.PLos One 2011;6(5):1-9.. Somado a isso, o estado psicológico - conjunto de sentimentos positivos e negativos do momento1111 Rohlfs ICPM, Rotta TM, Luft CB, Andrade A, Krebs RJ, Carvalho T. A Escala de Humor de Brunel (BRUMS): Instrumento para detecção precoce da síndrome do excesso de treinamento. Rev Bras Med Esporte 2008;14(3):176-81. - pode gerar um descontentamento com a aparência física22 Neves CM, Fortes LS, Filgueiras JF, Ferreira MEC. Comportamentos alimentaresem ginastas de elite: associação com o perfeccionismo e o estado de humor. Rev Edu Fís/UEM 2013;24(3):359-69.. Entretanto, estudo da relação dessas variáveis com a imagem corporal é recente na literatura.

Investigações têm associado o comportamento de risco para transtorno alimentar e a insatisfação corporal em atletas1212 Fortes LS, Almeida SS, Ferreira MEC. Influência da ansiedade nos comportamentos de risco para os transtornos alimentares em ginastas. Rev Bras Ativ Fis Saúde 2013:18(5):546-53.,1313 Fortes LS, Kakeshita IS, Almeida SS, Gomes AR, Ferreira MEC. Eating behaviours in youths: A comparison between female and male athletes and non-athletes. Scand J Med Sci Sports 2013:24(1):e62-e68.. Este comportamento é caracterizado por condutas alimentares deletérias à saúde1313 Fortes LS, Kakeshita IS, Almeida SS, Gomes AR, Ferreira MEC. Eating behaviours in youths: A comparison between female and male athletes and non-athletes. Scand J Med Sci Sports 2013:24(1):e62-e68.,1414 Leal GVS, Philippi ST, Polacow VO, Cordás TA, Alvarenga MS. O que é comportamento de risco para transtornos alimentares em adolescentes?. J Bras Psiquiatr 2013;62(1):62-75., que podem desencadear a anorexia e bulimia nervosas. Dessa forma, a avaliação desses fatores em conjunto pode auxiliar na prevenção de futuros transtornos alimentares.

Estudos nacionais anteriores que avaliaram atletas de ginástica artística não levaram em consideração a categoria na qual o atleta estava inserido1111 Rohlfs ICPM, Rotta TM, Luft CB, Andrade A, Krebs RJ, Carvalho T. A Escala de Humor de Brunel (BRUMS): Instrumento para detecção precoce da síndrome do excesso de treinamento. Rev Bras Med Esporte 2008;14(3):176-81.,1515 Fortes LS, Almeida SS, Ferreira MEC. A internalização do ideal de magreza afeta os comportamentos alimentares inadequados em atletas do sexo feminino da ginástica artística? Rev Edu Fís/UEM 2014;25(2):181-91.. É possível que o meio competitivo e a exigência da performance em atletas de alto rendimento influenciem mais fortemente os sentimentos negativos direcionados ao corpo desses atletas quando comparados àqueles que não competem em alto nível. Além disso, a avaliação de um grupo controle de não praticantes de atividade física, pode auxiliar no entendimento do processo de desenvolvimento da insatisfação corporal em atletas. Dessa forma, um estudo que avalie fatores psicológicos e verifique possíveis diferenças entre atletas de base e alto rendimento, e não atletas ainda é necessário.

Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi verificar possíveis relações entre a insatisfação corporal e influência da mídia, perfeccionismo, estado de humor e comportamento de risco para transtorno alimentar, bem como comparar essas variáveis entre atletas de ginástica artística de base e de alto rendimento e um grupo controle.

PROCEDIMENTOS METODOLÓICOS

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora, parecer número 337.127 (inscrição 14406513.9.0000.5147).

Um estudo transversal foi realizado no Centro de Treinamento de Ginástica Artística de Três Rios-RJ, o qual recebia, durante o ano de 2014, atletas de elite que representavam o Brasil em competições nacionais e internacionais, caracterizando-se como referência para este esporte. De acordo com Malina et al.11 Malina RM, Baxter-Jones AD, Armstrong N, Beunen GP, Caine D, Daly RM, et al. Role of intensive training in the growth and maturation of artistic gymnasts. Sports Med 2013;43(9):783-802., atletas de alto rendimento de ginástica artística treinam, em média, 30 horas por semana. Dessa forma, utilizou-se esse valor para a classificação da categoria dos atletas em dois grupos (base e alto rendimento). Como este ponto de corte pode ser considerado rigoroso, apenas 40 atletas se encaixaram nessas condições, e todos eles aceitaram participar voluntariamente da presente pesquisa.

Todos os demais adolescentes participantes do projeto se enquadravam como atletas de base. Realizou-se um cálculo amostral o qual considerou a totalidade dos alunos matriculados no projeto de Ginástica Artística de Três Rios-RJ, com idade entre 10 e 18 anos, no ano de 2014 (n=470). A prevalência de insatisfação corporal adotada para o cálculo amostral foi de 31,9% - média dos valores encontrados em estudos brasileiros com populações semelhantes22 Neves CM, Fortes LS, Filgueiras JF, Ferreira MEC. Comportamentos alimentaresem ginastas de elite: associação com o perfeccionismo e o estado de humor. Rev Edu Fís/UEM 2013;24(3):359-69.,33 Fortes LS, Neves CM, Filgueiras JF, Almeida SS, Ferreira MEC. Insatisfação corporal, comprometimento psicológico ao exercício e comportamento alimentar em jovens atletas de esportes estéticos. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2013;15(6):695-704.,1616 Vieira JLL, Vieira LF, Amorim HZ, Rocha PGM. Distúrbios de atitudes alimentares e sua relação com o crescimento físico de atletas paranaenses de ginástica rítmica. Motriz 2009;15(3):552-61.. Adotando 95% de intervalo de confiança, e 5% de erro amostral, chegou-se a uma amostra mínima ideal de 100 atletas de ginástica artística. Foi considerada a possibilidade de perdas ou recusas em torno de 30%, elevando o mínimo necessário para 130 adolescentes. Além disso, buscou-se a extrapolação desse valor, coletando o maior número possível de adolescentes atletas de base (n=281), com percentual de adesão de 60%.

Um grupo controle foi estabelecido a fim de comparar as variáveis de estudo entre adolescentes que não praticam atividade física, e os atletas de base e de alto rendimento. Dessa forma, foram incluídos nesse grupo, adolescentes de uma escola pública da mesma cidade, e da mesma faixa etária dos atletas (10 a 18 anos). A escola participante possuía, no ano de 2014, 8 turmas de adolescentes da faixa etária em questão com, aproximadamente, 40 alunos por turma (n=320). Todos os alunos que estavam presentes nas salas de aula, no momento da coleta, foram convidados a participar. Aqueles cujos pais concordaram com a participação e que aceitaram ser voluntários na pesquisa responderam aos questionários. Como a intenção dos pesquisadores era obter informações a respeito de adolescentes não atletas, foram excluídos aqueles que estivessem envolvidos em algum programa de atividade física regular. Sendo assim, o percentual de adesão para esse grupo foi de 67%, de forma que foram coletados dados de 217 adolescentes.

Foram incluídos adolescentes que estavam matriculados e frequentando regularmente as aulas no Projeto de Ginástica Artística (atletas de base e de alto rendimento) e na escola participante (grupo controle de não atletas) durante a fase de coleta de dados; que apresentaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelo responsável; que concordaram em participar através da assinatura do Termo de Assentimento (TA); e que tivessem disponibilidade para responder aos questionários e realizar as avaliações antropométricas. Foram excluídos os indivíduos que por algum motivo não participaram de alguma etapa da coleta de dados, bem como alunas grávidas ou pessoas com algum tipo de deficiência.

Inicialmente, os adolescentes responderam a um questionário sociodemográfico, para acessar informações sobre a idade e atividade física (prática ou não, horas de treino semanal e nível competitivo), a fim de caracterizar o voluntário como atleta de alto rendimento, de base ou não atleta.

O Body Shape Questionnaire (BSQ ) foi utilizado para avaliar a insatisfação corporal1717 Conti MA, Cordás TA, Latorre MRDO. Estudo de validade e confiabilidade da versão brasileira do Body Shape Questionnaire (BSQ ) para adolescentes. Rev Bras Saude Mater Infant 2009;9(3):331-8.. Trata-se de um questionário composto por 34 itens em escala Likert de 6 pontos (“Nunca” a “Sempre”). O escore final é dado pela soma dos itens e pode variar de 34 a 204, sendo que, a partir de 81 pontos, quanto maior o escore total, maior a insatisfação com o corpo. O alpha de Cronbach demonstrou valor elevado para a amostra em questão (α=0,91).

O Sociocultural Attitudes Towards Appearance Questionnaire-3 (SATAQ-3) foi utilizado a fim de avaliar a influência da mídia, esporte e exercício sobre a imagem corporal55 Amaral ACS, Conti MA, Filgueiras JF, Ferreira MEC. Qualidades Psicométricasdo Questionário de Atitudes Socioculturais em relação à aparência-3 (SATAQ-3) entre adolescentes. Psic: Teor e Pesq 2015;31(4):471-79.. Este questionário foi validado para a população universitária brasileira44 Amaral ACS, Ribeiro MS, Conti MA, Ferreira CS, Ferreira MEC. Psychometric evaluation of the Sociocultural Attitudes Towards Appearance Questionnaire-3 among Brazilian young adults. Span J Psychol 2013;16(e94):1-10.. O instrumento já foi avaliado para a população adolescente brasileira, demonstrando bons indicadores de validade e confiabilidade55 Amaral ACS, Conti MA, Filgueiras JF, Ferreira MEC. Qualidades Psicométricasdo Questionário de Atitudes Socioculturais em relação à aparência-3 (SATAQ-3) entre adolescentes. Psic: Teor e Pesq 2015;31(4):471-79. e não sofreu alterações para este público. O questionário é composto por 30 itens em escala na forma Likert de 5 pontos (“Discordo totalmente” até “Concordo totalmente”). O escore total é calculado pela soma das respostas variando de 30 a 150 pontos. Quanto maior a pontuação obtida, maior a influência dos aspectos socioculturais na imagem corporal. Para a presente amostra, o alpha de Cronbach foi considerado adequado (α=0,80).

O Eating Attitudes Test-26 (EAT-26) foi aplicado para verificar a existência de comportamento de risco para transtorno alimentar1818 Bighetti F, Santos CB, Santos JE, Ribeiro RPP. Tradução e avaliação do Eating Attitudes Test em adolescentes do sexo feminino de Ribeirão Preto, São Paulo. J Bras Psiquiatr 2004;53(6):339-46.. O questionário é composto por 26 questões, com seis opções de resposta na forma Likert de pontos, de 0 (poucas vezes, quase nunca e nunca) a 3 (sempre). A pontuação total é feita pela soma de seus itens, variando de 0 a 78. A partir de 21 pontos, quanto maior a pontuação, maior o risco para transtornos alimentares. Para a amostra em questão, o instrumento obteve boa consistência interna (α=0,83).

A Multidimensional Perfectionism Scale (MPS) foi utilizada para acessar os níveis de perfeccionismo1010 Soares MJ, Gomes AA, Macedo AF, Azevedo MHP. Escala Multidimensional de Perfeccionismo: Adaptação à população portuguesa. Rev Portuguesa Psicossom 2003;5(1):46-55.. É composta por 45 itens, em escala Likert de 7 pontos (”Discordo completamente” a “Concordo completamente”). A pontuação final é obtida pelo somatório dos itens e pode variar de 45 a 315 pontos. Quanto maior o escore obtido maiores os traços de perfeccionismo. Sua análise de consistência interna revelou um alpha de 0,66.

A Escala de Humor de Brunel (BRUMS) foi aplicada para mensurar o estado de humor1111 Rohlfs ICPM, Rotta TM, Luft CB, Andrade A, Krebs RJ, Carvalho T. A Escala de Humor de Brunel (BRUMS): Instrumento para detecção precoce da síndrome do excesso de treinamento. Rev Bras Med Esporte 2008;14(3):176-81.. A escala é composta por 24 indicadores simples de humor em escala Likert de 0 (nada) a 4 (extremamente). O distúrbio total de humor é calculado pela soma dos fatores negativos, subtraindo os escores do fator positivo. O escore total varia de -16 a 64, e quanto maior o valor obtido, maior será o distúrbio total de humor. A consistência interna para a amostra do presente estudo foi α=0,77.

Foram ainda coletados dados antropométricos de massa corporal, estatura e dobras cutâneas (tricipital e subescapular), através de balança digital portátil, estadiômetro portátil e compasso devidamente calibrados. O Índice de Massa Corporal (IMC) foi obtido através da divisão da massa corporal pela estatura elevada ao quadrado (kg/m2). Para estimar o percentual de gordura corporal (%G), foi utilizado o protocolo de Slaughter et al.19 para adolescentes.

Com relação aos procedimentos, foi realizado contato com a coordenação do Projeto de Ginástica Artística e com a direção da escola pública para explanar os objetivos, bem como os métodos do estudo, e solicitar a autorização para a realização do mesmo. Após o consentimento, foram estabelecidos os melhores dias e horários para as coletas de dados.

No momento da coleta, explicaram-se os objetivos e métodos do estudo para os alunos e responsáveis, os quais receberam o TA e TCLE, respectivamente. Após a entrega do mesmo assinado, a coleta foi realizada sempre pelo mesmo pesquisador, sem a presença dos responsáveis e em local reservado e apropriado para o preenchimento dos questionários. Além disso, a coleta foi dividida em dois momentos: 1) aplicação do questionário sociodemográfico, BSQ , EAT-26 e avaliações antropométricas; e 2) aplicação do SATAQ-3, MPS e BRUMS. Vale destacar que todos os três grupos responderam aos mesmos instrumentos a fim de comparar os fatores psicológicos entre eles.

Todos os alunos que preencheram os critérios de inclusão foram convidados a participar voluntariamente. Entretanto, aqueles que faltaram algum dia de coleta foram excluídos. As coletas aconteceram entre os meses de fevereiro e abril de 2014.

Foi utilizado o software SPSS 19.0, e adotado nível de significância de p<0,05. Utilizaram-se medidas de tendência central (média) e de dispersão (desvio padrão). Para todos os instrumentos, foi calculado o alpha de Cronbach. O teste de Komolgorov Smirnov apontou a normalidade dos dados. O teste de variância ANOVA One-way comparou as variáveis da investigação em função do nível competitivo, seguindo-se com o post hoc de Bonferroni. A correlação de Pearson verificou a relação existente entre os parâmetros avaliados. Por fim, a análise de regressão linear múltipla forward verificou o quanto as variáveis do estudo influenciam a insatisfação corporal.

RESULTADOS

Participaram do presente estudo 540 adolescentes de ambos os sexos. Entretanto, no grupo controle, 80 eram praticantes de atividade física regular e foram excluídos. Ademais, nove não atletas e 38 atletas de base foram excluídos por apresentarem dados incompletos. Assim, a amostra final contou com 413 adolescentes: 40 atletas de alto rendimento (37 meninas - 92,5%); 245 praticantes de ginástica artística da categoria de base (207 meninas - 84,49%) e 128 adolescentes não atletas (60 meninas - 46,88%). A Tabela 1 apresenta dados descritivos e de comparação dos três grupos. O BSQ e o EAT-26 foram semelhantes entre os grupos.

Tabela 1
Análise descritiva das variáveis estudadas.

Após a comparação entre os grupos, seguiu-se com o post hoc de Bonferroni para as variáveis que apresentaram diferenças estatisticamente significativas. Os não atletas apresentaram maior IMC do que os atletas de base (p=0,0001) e de alto rendimento (p=0,0001). Para o %G, os atletas de alto rendimento tiveram significativamente menor gordura corporal do que os não atletas (p=0,0001) e os atletas de base (p=0,0001). Os não atletas apresentaram menor valor para o perfeccionismo do que os atletas de base (p=0,001), e estes últimos, menor distúrbio total de humor do que os atletas de alto rendimento (p=0,007) e os não atletas (p=0,041). Para a influência da mídia sobre os padrões corporais, não foram identificadas as diferenças.

Para a análise correlação de Pearson, considerou-se os três grupos separadamente (Tabela 2).

Tabela 2
Associação entre as variáveis de estudo através do teste de Pearson (r).

A partir das associações demonstradas acima, foram realizadas três análises de regressão linear múltipla forward, tendo os escores do BSQ como variável critério, uma para cada grupo avaliado. As escalas com maior grau de associação com o BSQ foram as primeiras a serem introduzidas no modelo de regressão.

Ressalta-se que, o %G, o IMC e o SATAQ-3 não acrescentaram explicação aos modelos dos não atletas, atletas de base e de alto rendimento, respectivamente.

Tabela 3
Análises de regressão linear forward utilizando os escores do BSQ como variável critério.

DISCUSSÃO

Programas de treinamento desportivo muitas vezes priorizam o aspecto técnico em detrimento do aspecto psicológico. Entretanto, ressalta-se a importância de considerar o aspecto mental dos atletas, no sentido de prevenir o desenvolvimento de psicopatologias20. Para tanto, o principal objetivo do presente estudo foi verificar as relações entre insatisfação corporal e influência da mídia, perfeccionismo, estado de humor e comportamento de risco para transtorno alimentar.

A partir da regressão linear para o grupo de não atletas, EAT-26, IMC, BRUMS, e SATAQ-3 explicaram juntos 33,4% da variância do BSQ. A relação dessas variáveis com a insatisfação corporal já foi verificada individualmente em amostras de adolescentes22 Neves CM, Fortes LS, Filgueiras JF, Ferreira MEC. Comportamentos alimentaresem ginastas de elite: associação com o perfeccionismo e o estado de humor. Rev Edu Fís/UEM 2013;24(3):359-69.,55 Amaral ACS, Conti MA, Filgueiras JF, Ferreira MEC. Qualidades Psicométricasdo Questionário de Atitudes Socioculturais em relação à aparência-3 (SATAQ-3) entre adolescentes. Psic: Teor e Pesq 2015;31(4):471-79.,2121 Ferrand C, Champely S, Filaire E. The role of body esteem in predicting disorderedeating symptoms: A comparison of French aesthetic athletes and non-athleticfemales. Psychol Sport Exerc 2009;10(3):373-80.,2222 Rosendahl J, Bormann B, Aschenbrenner K, Aschenbrenner F, Strauss B. Dieting and disordered eating in German high school athletes and non-athletes. Scand J Med Sci Sports 2009;19(5):731-9.. Apesar desse grupo não sofrer pressões do esporte em busca de um corpo ideal, os resultados do presente estudo apontam que o descontentamento com o corpo está relacionado ao comportamento de risco para transtornos alimentares, ao estado nutricional e de humor e à influência midiática, assemelhando-se às relações estabelecidas no grupo de atletas de base.

No segundo modelo de regressão (atletas de base), comportamento de risco para transtorno alimentar, %G, influência da mídia e estado de humor explicaram, juntos, 33,9% da variância da insatisfação corporal. Destaca-se que, em comparação ao modelo de regressão para não atletas, a gordura corporal substituiu o IMC como variável explicativa para atletas de base. Autores ressaltam que o %G é mais fidedigno para a avaliação de fatores antropométricos em atletas2323 Fortes LS, Almeida SS, Ferreira MEC. Indicadores antropométricos de insatisfaçãocorporal e de comportamentos alimentares inadequados em jovens atletas. Rev Bras Med Esporte 2013;19(1):35-9.,2424 Tortveit MK, Sundgot-Borgen J. Are under- and overweight female elite athletes thin and fat? A controlled study. Med Sci Sports Exerc 2012;44(5):949-57.. Recomenda-se, portanto, a utilização do %G para avaliação da composição corporal em atletas.

Na última análise de regressão (atletas de alto rendimento), 54,3% da variância da insatisfação corporal foi explicada apenas pelo comportamento de risco para transtorno alimentar. É possível que a insatisfação corporal de atletas de alto rendimento seja influenciada mais fortemente pela adoção de comportamentos alimentares deletérios à saúde, devido às especificidades do ambiente esportivo99 Schaal K, Tafflet M, Nassif H, Thibault V, Pichard C, Toussaint J. Psychological balance in high level athletes: Gender-based differences and sport-specific patterns.PLos One 2011;6(5):1-9.,1313 Fortes LS, Kakeshita IS, Almeida SS, Gomes AR, Ferreira MEC. Eating behaviours in youths: A comparison between female and male athletes and non-athletes. Scand J Med Sci Sports 2013:24(1):e62-e68.,2323 Fortes LS, Almeida SS, Ferreira MEC. Indicadores antropométricos de insatisfaçãocorporal e de comportamentos alimentares inadequados em jovens atletas. Rev Bras Med Esporte 2013;19(1):35-9., por exemplo: pressões para a manutenção do peso corporal e vestimentas que salientam o corpo22 Neves CM, Fortes LS, Filgueiras JF, Ferreira MEC. Comportamentos alimentaresem ginastas de elite: associação com o perfeccionismo e o estado de humor. Rev Edu Fís/UEM 2013;24(3):359-69.,99 Schaal K, Tafflet M, Nassif H, Thibault V, Pichard C, Toussaint J. Psychological balance in high level athletes: Gender-based differences and sport-specific patterns.PLos One 2011;6(5):1-9.. Dessa forma, ressalta-se que os treinadores devem orientar seus atletas a fim de atenuar a insatisfação corporal e a possibilidade do desenvolvimento de transtornos alimentares.

A partir das três regressões realizadas, a influência do comportamento de risco para transtorno alimentar sobre a insatisfação corporal aumentou gradativamente à medida que o nível competitivo também ampliou. Assim, o EAT-26 predisse em 13,4%, 26,2% e 54,3% do BSQ em não atletas, atletas de base e de alto rendimento, respectivamente. Destaca-se, ainda, que nos dois primeiros grupos, outras variáveis adicionaram explicação ao modelo, enquanto que, no terceiro, o comportamento de risco para transtorno alimentar foi a única variável explicativa. A relação entre BSQ e EAT-26 já era esperada tendo em vista que a insatisfação corporal é critério diagnóstico para os transtornos alimentares1414 Leal GVS, Philippi ST, Polacow VO, Cordás TA, Alvarenga MS. O que é comportamento de risco para transtornos alimentares em adolescentes?. J Bras Psiquiatr 2013;62(1):62-75.. Além disso, a literatura já demonstrou essas relações em atletas2222 Rosendahl J, Bormann B, Aschenbrenner K, Aschenbrenner F, Strauss B. Dieting and disordered eating in German high school athletes and non-athletes. Scand J Med Sci Sports 2009;19(5):731-9.,2525 Herbrich L, Pfeiffer E, Lehmkuhl U, Schneider N. Anorexia athletica in preprofessional ballet dancers. J Sports Sci 2011;29(11):1115-23.,2626 Krentz EM, Warschburger P. Sports-related correlates of disordered eating in aesthetic sports. Psychol Sport Exerc 2011;12(4):375-82.. Parece que o nível competitivo interfere na magnitude da relação entre essas variáveis , portanto, sugere-se um controle em estudos futuros.

Como segunda premissa, esta pesquisa buscou comparar as variáveis de estudo entre não atletas e atletas de ginástica artística das categorias de base e de alto rendimento. Embora os três grupos tenham apresentado composição corporal compatíveis com padrões saudáveis, foram identificadas diferenças estatísticas entre eles. Os atletas de base e de alto rendimento apresentaram menor IMC do que os não atletas. Com relação ao %G, as análises apontaram para uma menor gordura corporal nos atletas de alto rendimento. Estudos nacionais e internacionais1313 Fortes LS, Kakeshita IS, Almeida SS, Gomes AR, Ferreira MEC. Eating behaviours in youths: A comparison between female and male athletes and non-athletes. Scand J Med Sci Sports 2013:24(1):e62-e68.,1616 Vieira JLL, Vieira LF, Amorim HZ, Rocha PGM. Distúrbios de atitudes alimentares e sua relação com o crescimento físico de atletas paranaenses de ginástica rítmica. Motriz 2009;15(3):552-61.,2727 Martinsen M, Sundgot-Borgen J. Higher prevalence of eating disorders among adolescent elite athletes than controls. Med Sci Sports Exerc 2013;45(6):1188-97.,2828 Torstveit MK, Rosenvinge JH, Sundgot-Borgen J. Prevalence of eating disorders and the predictive power of risk models in female elite athletes: A controlled study. Scand J Med Sci Sports 2008;18(1):108-18. que consideraram atletas de modalidades esportivas estéticas em comparação a não atletas, também indicaram menor peso corporal no grupo de atletas. Esse é um padrão esperado, já que a manutenção do baixo peso corporal é fator delimitante para a participação no contexto de modalidades esportivas competitivas estéticas. Ademais, a intensidade da prática do exercício ainda contribui para a baixa gordura corporal11 Malina RM, Baxter-Jones AD, Armstrong N, Beunen GP, Caine D, Daly RM, et al. Role of intensive training in the growth and maturation of artistic gymnasts. Sports Med 2013;43(9):783-802..

Os resultados também indicaram diferenças entre os grupos para MPS e BRUMS. Os adolescentes não atletas apresentaram menor valor para o perfeccionismo do que os atletas de base. Herbrich et al.25 não encontraram diferença entre o grupo de bailarinas e adolescentes controle para essa variável. Apesar do fato da ginástica artística exigir uma perfeição na execução dos movimentos, os atletas de alto rendimento não se mostraram mais perfeccionistas quando comparados aos demais grupos. Somado a isso, os atletas de base tiveram menor distúrbio total de humor do que os não atletas e os atletas de alto rendimento. Nesse sentido, Rosendahl et al.22 apontam que a participação em modalidades esportivas não competitivas pode ser considerada fator protetor contra o desenvolvimento de alterações psicológicas. A prática da ginástica artística deve ser estimulada entre os adolescentes, especialmente, nas categorias iniciais, devido aos benefícios físicos e psicológicos.

Embora não tenham sido encontradas diferenças estatísticas para o SATAQ-3 (pelo post hoc de Bonferroni), os atletas de alto rendimento apresentaram menor média nesse instrumento. Isso pode significar que eles estão menos influenciados pelos padrões sociais de corpo. Devido à rotina de treinamento, os atletas que competem em alto nível, geralmente, possuem seu dia a dia controlado e direcionado aos treinos, reduzindo seu tempo livre11 Malina RM, Baxter-Jones AD, Armstrong N, Beunen GP, Caine D, Daly RM, et al. Role of intensive training in the growth and maturation of artistic gymnasts. Sports Med 2013;43(9):783-802.. Sendo assim, esses indivíduos estão menos expostos à televisão, a qual ressalta o corpo ideal preconizado na sociedade e, além disso, outras pressões podem ser mais relevantes para eles, como o resultado e a performance. Essas relações merecem ser melhores estudadas em pesquisas futuras.

Por fim, não houve diferença entre os escores do BSQ e EAT-26 nos grupos avaliados. Hipotetizou-se, inicialmente, que os atletas de alto rendimento por estarem expostos à pressão social externa do ideal de corpo magro e, também, à pressão do meio competitivo, pudessem apresentar sentimentos mais negativos relacionados ao corpo. Entretanto, essa hipótese não foi confirmada, ou seja, os três grupos apresentaram valores semelhantes para o BSQ e o EAT-26. Alguns estudos comparando atletas de modalidades estéticas e não atletas corroboram esses achados1616 Vieira JLL, Vieira LF, Amorim HZ, Rocha PGM. Distúrbios de atitudes alimentares e sua relação com o crescimento físico de atletas paranaenses de ginástica rítmica. Motriz 2009;15(3):552-61.,2020 Klinkowski N, Korte A, Pfeiffer E, Lehmkuhl U, Salbach-Andrae H. Psychopathology in elite rhythmic gymnasts and anorexia nervosa patients. Eur Child Adolesc Psychiatry 2008;17(2):108-13.,2222 Rosendahl J, Bormann B, Aschenbrenner K, Aschenbrenner F, Strauss B. Dieting and disordered eating in German high school athletes and non-athletes. Scand J Med Sci Sports 2009;19(5):731-9.,2929 Monthuy-Blanc J, Maiano C, Therme P. Prevalence of eating disorders symptoms innon-elite ballet dancers and basketball players: An exploratory and controlled studyamong French adolescent girls. Rev Epidemiol Sante Publique 2010;58(6):415-24.. Parece que, embora expostos a fatores de risco diferentes, os adolescentes se preocupam com o corpo e mantém comportamentos alimentares semelhantes. Contudo, outras investigações indicam que a participação em modalidades esportivas estéticas pode ser fator de risco para o desenvolvimento de insatisfação corporal e de transtornos alimentares2121 Ferrand C, Champely S, Filaire E. The role of body esteem in predicting disorderedeating symptoms: A comparison of French aesthetic athletes and non-athleticfemales. Psychol Sport Exerc 2009;10(3):373-80.,2525 Herbrich L, Pfeiffer E, Lehmkuhl U, Schneider N. Anorexia athletica in preprofessional ballet dancers. J Sports Sci 2011;29(11):1115-23.. Essas controvérsias merecem atenção dos pesquisadores em estudos futuros.

Algumas limitações devem ser apontadas. Autores questionam a fidedignidade do uso de instrumentos autorrelatados em atletas1313 Fortes LS, Kakeshita IS, Almeida SS, Gomes AR, Ferreira MEC. Eating behaviours in youths: A comparison between female and male athletes and non-athletes. Scand J Med Sci Sports 2013:24(1):e62-e68.,2828 Torstveit MK, Rosenvinge JH, Sundgot-Borgen J. Prevalence of eating disorders and the predictive power of risk models in female elite athletes: A controlled study. Scand J Med Sci Sports 2008;18(1):108-18.,2929 Monthuy-Blanc J, Maiano C, Therme P. Prevalence of eating disorders symptoms innon-elite ballet dancers and basketball players: An exploratory and controlled studyamong French adolescent girls. Rev Epidemiol Sante Publique 2010;58(6):415-24. e o delineamento transversal, pela impossibilidade de inferir causalidade. Entretanto, estudos recentes em atletas utilizaram essas metodologias2222 Rosendahl J, Bormann B, Aschenbrenner K, Aschenbrenner F, Strauss B. Dieting and disordered eating in German high school athletes and non-athletes. Scand J Med Sci Sports 2009;19(5):731-9.,2424 Tortveit MK, Sundgot-Borgen J. Are under- and overweight female elite athletes thin and fat? A controlled study. Med Sci Sports Exerc 2012;44(5):949-57.,2828 Torstveit MK, Rosenvinge JH, Sundgot-Borgen J. Prevalence of eating disorders and the predictive power of risk models in female elite athletes: A controlled study. Scand J Med Sci Sports 2008;18(1):108-18.. Ademais, a MPS foi originalmente validada para estudantes de 17 a 51 anos1010 Soares MJ, Gomes AA, Macedo AF, Azevedo MHP. Escala Multidimensional de Perfeccionismo: Adaptação à população portuguesa. Rev Portuguesa Psicossom 2003;5(1):46-55. e, na presente pesquisa, este instrumento foi aplicado a adolescentes a partir de 10 anos. Entretanto, sua consistência interna foi avaliada e considerada adequada3030 Streiner DL. Starting at the beginning: An introduction to coefficient alpha and internal consistency. J Pers Assess 2003; 80(1):99-103..

Finalmente, ressalta-se o desbalanceamento entre o número de meninas e meninos avaliados entre os atletas. Todavia, além de ser uma característica inerente a esse esporte, o centro de treinamento onde a pesquisa foi realizada tinha o foco na ginástica feminina. Somado a isso, os autores reconhecem que, no grupo controle, a predominância do sexo feminino não se manteve: o percentual de meninos e meninas não atletas foi similar. Contudo, na coleta de dados no contexto escolar, buscou-se avaliar todos os indivíduos que estavam presentes naquele momento nas salas de aula, dificultando a exclusão de alguns meninos. Além disso, devido à carência de estudos com essa população os autores julgaram importante manter a amostra masculina, que sabidamente é pouco estudada22 Neves CM, Fortes LS, Filgueiras JF, Ferreira MEC. Comportamentos alimentaresem ginastas de elite: associação com o perfeccionismo e o estado de humor. Rev Edu Fís/UEM 2013;24(3):359-69.,33 Fortes LS, Neves CM, Filgueiras JF, Almeida SS, Ferreira MEC. Insatisfação corporal, comprometimento psicológico ao exercício e comportamento alimentar em jovens atletas de esportes estéticos. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum 2013;15(6):695-704.,77 Laus MF, Kakeshita IS, Costa TMB, Ferreira MEC, Fortes LS, Almeida SS. Bodyimage in Brazil: recent advances in the state of knowledge and methodological issues. Rev Saúde Pública 2014;48(2):331-46..

Recomenda-se a realização de estudos que avaliem os sexos separadamente, além de pesquisas longitudinais em atletas já que fatores psicológicos podem sofrer alterações em função do período competitivo.

CONCLUSÃO

Conclui-se que somente o comportamento de risco para transtorno alimentar influenciou a insatisfação com a imagem corporal nos três grupos analisados. Entretanto, outras variáveis predisseram a insatisfação corporal em não atletas e atletas de base. Além disso, os atletas de alto rendimento tiveram menores valores de IMC e %G do que os demais grupos. O grupo controle apresentou menores escores para o perfeccionismo, enquanto os atletas de base menores pontuações para o distúrbio total de humor.

Do ponto de vista prático, é importante que professores e treinadores tenham em vista alguns fatores que possam influenciar o bem estar físico e mental do adolescente atleta e não atleta. Dentre esses fatores destacam-se a manutenção do peso e da gordura corporal no âmbito físico, e a insatisfação corporal no âmbito psicológico. No caso desta, o presente estudo demonstrou que especialmente os comportamentos de risco para transtornos alimentares estiveram relacionadas a uma insatisfação com o corpo. Dessa forma, pequenas demonstrações de alteração da relação do adolescente com o alimento podem ser decorrente de um descontentamento com o próprio corpo. Sendo assim, são recomendadas avaliações e orientações nutricionais e psicológicas bem como medidas de intervenção multidisciplinar a fim de detectar e prevenir psicopatologias.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2015
  • Aceito
    20 Out 2015
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