Acessibilidade / Reportar erro

Aspectos biomecânicos da locomoção de pessoas com doença de Parkinson: revisão narrativa

Biomechanical aspects of locomotion people with Parkinson's disease: review study

Aspectos biomecánicos de la locomoción de personas con enfermedad de Parkinson: una revisión

Resumo

A presente revisão narrativa tem por objetivo analisar os aspectos biomecânicos da locomoção e os efeitos de intervenções nos padrões da marcha de pessoas com doença de Parkinson (DP). Fez-se uma pesquisa bibliográfica no banco de dados dos sistemas SciELO e PubMed, com as seguintes palavras: human locomotion, biomechanics, pathologic gait e Parkinson's disease, em periódicos nacionais e internacionais. Concluímos que as principais alterações biomecânicas são nos parâmetros espaçotemporais, como menor comprimento de passada e estabilidade dinâmica, além da baixa ativação muscular nos músculos propulsores, bem como menor velocidade autosselecionada da marcha. Fazem-se necessários protocolos de treinamento de caminhada que considerem esses parâmetros para auxiliar a reabilitação da marcha de pessoas com DP.

PALAVRAS-CHAVE
Cinemática; Eletromiografia; Marcha patológica; Parkinsonismo primário

Abstract

The purpose of this review was to analyze the biomechanical aspects of walking in individuals with Parkinson's disease (PD), as well as to examine the effects of intervention on gait pattern of PD. We carried out a bibliographic search on electronic databases SciELO and PubMed, using the following words: human locomotion, biomechanics, pathologic gait e Parkinson's disease, in national and international scientific journals. The main alterations on walking biomechanics are related to spatiotemporal parameters, lower stride length and dynamical stability, as well as reduced electromyographic activation on propulsion muscles and lower self-selected speed. These outcomes seem to be important targets in walking training protocols for rehabilitation of gait in PD.

KEYWORDS
Kinematic; Electromyography; Pathologic gait; Parkinsonism

Resumen

La presente revisión tiene por objetivo analizar los aspectos biomecánicos de la locomoción y los efectos de las intervenciones en los patrones de la marcha en personas con enfermedad de Parkinson (EP). Se realizó una investigación bibliográfica en las bases de datos SciELO y PubMed, utilizando las siguientes palabras:human locomotion, biomechanics, pathologic gait y Parkinson's disease, en revistas nacionales e internacionales indexadas. Se llegó a la conclusión de que las principales alteraciones biomecánicas se encuentran en los parámetros espacio-temporales, como menor longitud de la zancada y estabilidad dinámica, además de una baja activación electromiográfica de los músculos propulsores, como menor velocidad autoseleccionada de la marcha. Estos resultados convierten en necesarios protocolos de entrenamiento de la marcha que tengan en cuenta estos parámetros para la rehabilitación de personas con EP.

PALABRAS CLAVE
Cinemática; Electromiografía; Marcha patológica; Parkinsonismo primario

Introdução

A doença de Parkinson (DP) é uma desordem neurológica, crônica, progressiva e polissintomática. A fisiopatologia se caracteriza pelo acúmulo de uma proteína chamada de alfa-sinucleína e inclusões intraneuronais de corpos de Lewy, que geram perdas seletivas de populações celulares, como os neurônios dopaminérgicos na via nigro-estriada (Kleiner et al., 2015Kleiner A, Galli M, Gaglione, M, Hildebrand D, Sale P, Albertini G, et al. The Parkinsonian Gait Spatiotemporal Parameters Quantified by a Single Inertial Sensor before and after Automated Mechanical Peripheral Stimulation Treatment. Parkinson's Dis 2015;2015:390512.). Somando-se a isso, ocorre uma desordem no sistema extrapiramidal, que é composto pelos núcleos da base (NB) e o tálamo, no qual promovem distúrbios dos movimentos que podem ser hipercinéticos ou hipocinéticos (Gallo et al., 2014Gallo PM, Mcisaac TL, Garber CE. Walking economy during cued versus non-cued self-selected treadmill walking in persons with Parkinson's disease. J Parkinsons Dis. 2014;4:705-16.).

Os principais sintomas clínicos motores se constituem em tremores de repouso, rigidez muscular e alterações posturais (Wild et al., 2013Wild LB, de Lima DB, Balardin JB, Rizzi L, Giacobbo BL, Bromberg E, et al. Rieder characterization of cognitive and motor performance during dual-tasking in healthy older adults and patients with Parkinson's disease. J Neurol. 2013;260(2):580-9.). Outros distúrbios, como bradicinesia e redução de movimentos, constituem uma das maiores dificuldades dos pacientes e eles podem estar associados com a dificuldade de iniciar a marcha, devido à redução da velocidade, do equilíbrio e à instabilidade estática e dinâmica, fatores que são preponderantes para a marcha patológica (Cho et al., 2010Cho C, Kunin M, Kudo K, Osaki Y, Olanow CW, Cohen B, et al. Frequency-velocity mismatch: a fundamental abnormality in parkinsonian gait. J Neurophysiol. 2010;103(1):1478-89.).

Na caminhada parkinsoniana, os padrões de atividade muscular da marcha são alterados e são principalmente caracterizados pela baixa ativação do gastrocnêmio medial (GM). Esse padrão é muito mais acentuado nos pacientes parkinsonianos com freezing, que demonstram uma perda de adaptação da atividade muscular com a variação da velocidade de locomoção (Albani et al., 2003Albani G, Sandrini G, Kunig G, Martin-Soelch C, Mauro A, Pignatti R, et al. Differences in the EMG pattern of leg muscle activation during locomotion in Parkinson's disease. Funct Neurol. 2003;18(3):165-70.; Rochester et al., 2009Rochester L, Burn DJ, Woods G, Godwin J, Nieuwboer A. Does auditory rhythmical cueing improve gait in people with Parkinson's disease and cognitive impairment? A feasibility study. Mov Disord. 2009;24(6):839-45.; Kleiner et al., 2015Kleiner A, Galli M, Gaglione, M, Hildebrand D, Sale P, Albertini G, et al. The Parkinsonian Gait Spatiotemporal Parameters Quantified by a Single Inertial Sensor before and after Automated Mechanical Peripheral Stimulation Treatment. Parkinson's Dis 2015;2015:390512.).

Está documentado na literatura que o treinamento da caminhada em diferentes situações, em esteira, com suspensão do peso corporal e com pistas visuais, parece ser promissor para a melhoria da marcha parkinsoniana (Soares e Peyré-Tartaruga, 2010Soares GS, Peyré-Tartaruga LA. Doença de Parkinson e exercício físico: uma revisão da literatura. Ciência em Movimento. 2010;24:69-86.; Reuter et al., 2011Reuter I, Mehnert S, Leone P, Kaps M, Oechsner M, Engelhardt M. Effects of a flexibility and relaxation programme,walking, and Nordic walking on Parkinson's disease. Journal of Aging Research. 2011;2011(1):1-18.). Contudo, os estudos encontrados são superficiais no que diz respeito à prescrição de treinamento para a reabilitação da locomoção. E ainda não estão claros quanto aos benefícios das intervenções sobre os parâmetros biomecânicos da marcha nessa população.

Nesse sentido, o objetivo da presente revisão é identificar as principais alterações biomecânicas da marcha de pessoas com DP e os benefícios das intervenções terapêuticas sobre essas alterações biomecânicas.

Metodologia

Fez-se uma revisão da literatura científica nos bancos de dados dos sistemas PubMed e SciELO com as seguintes palavras: human locomotion, biomechanics, pathologic gait e Parkinson's disease, em periódicos nacionais e internacionais de 2000 a 2016. A pesquisa online dos artigos limitou-se aos idiomas inglês e português e o critério de seleção foi baseado na leitura crítica do material encontrado, os artigos mais relevantes do tema proposto e os mais citados. A partir dessa busca estruturamos a revisão da seguinte forma: 1 – Locomoção de sujeitos com DP: aspectos biomecânicos; 2 – Estabilidade dinâmica da marcha de Parkinson; 3 – Atividade eletromiográfica na marcha de sujeitos com DP; 4 – Reabilitação da marcha e programas de intervenção.

Locomoção de sujeitos com doença de Parkinson: aspectos cinemáticos

As deficiências na marcha são observadas com frequência na DP. Elas são: dificuldade da regulação espaço-temporal, reduzido comprimento de passada (CP), maior frequência de passada (FP), maior tempo do duplo apoio dos pés no chão e maior variabilidade dos parâmetros espaço-temporais em relação aos sujeitos saudáveis (Hausdorff et al., 2003Hausdorff JM, Schaafsma JD, Balash Y, Bartels AL, Gurevich T, Giladi N. Impaired regulation of stride variability in Parkinson's disease subjects with freezing of gait. Exp Brain Res. 2003;149:187-94.; Cho et al., 2010Cho C, Kunin M, Kudo K, Osaki Y, Olanow CW, Cohen B, et al. Frequency-velocity mismatch: a fundamental abnormality in parkinsonian gait. J Neurophysiol. 2010;103(1):1478-89.; Frazzitta et al., 2013Frazzitta G, Balbi P, Maestri R, Bertotti G, Boveri N, Pezzoli G. The beneficial role of intensive exercise on Parkinson disease progression. Am J Phys Med Rehabil. 2013;92(6):523-32.; Kleiner et al., 2015Kleiner A, Galli M, Gaglione, M, Hildebrand D, Sale P, Albertini G, et al. The Parkinsonian Gait Spatiotemporal Parameters Quantified by a Single Inertial Sensor before and after Automated Mechanical Peripheral Stimulation Treatment. Parkinson's Dis 2015;2015:390512.). Por exemplo, no estudo de Morris et al. (2012)Morris ME, Martin C, Mcginley JL, Huxham F, Menz H, Taylor N, et al. Protocol for a homebased integrated physical therapy program to reduce falls and improve mobility in people with Parkinson's disease. BMC Neurol. 2012;92(11):1395-410., o CP médio nos sujeitos com Parkinson foi de 1,06 m na velocidade autosselecionada (VAS) de 0,99 m.s-1, enquanto que em sujeitos controle o CP foi de 1,25 m na VAS de 1,30 m.s-1. Nesses mesmos sujeitos e condições, a FP foi de 125 passos por minuto nos parkinsonianos e 112 passos por minuto.

Na DP o parâmetro que mais prejudica a caminhada e promove quedas é a redução do CP, a incapacidade de controlar a FP (festinação) e a alteração nos padrões posturais (Morris et al., 2005Morris M, Iansek R, Matyas TA, Mcginley J, Huxham F. Three-dimensional gait biomechanics in Parkinson's disease: evidence for a centrally mediated amplitude regulation disorder. Movement Disorders. 2005;20(1):839-45.; Cho et al., 2010Cho C, Kunin M, Kudo K, Osaki Y, Olanow CW, Cohen B, et al. Frequency-velocity mismatch: a fundamental abnormality in parkinsonian gait. J Neurophysiol. 2010;103(1):1478-89.). Os fatores neurofuncionais que alteram a dinâmica da locomoção são a diminuição e a lentidão de movimentos (bradicinesia), a dificuldade de iniciar esses movimentos por causa do freezing (congelamento, que é sensação de estar "colado" ao solo) e a acinesia, que é a falta ou ausência de movimento (Sofuwa et al., 2005Sofuwa O, Nieuwboer A, Desloovere K, Willems AM, Chavret F, Jonkers I. Quantitative gait analysis in Parkinson's disease: comparison with a healthy control group. Arch Phys Med Rehabil. 2005;86(5):1007-13.). Outro mecanismo envolvido na modificação da marcha de parkinsonianos é a disfunção colinérgica, que parece ser um fator preditivo importante para a redução da velocidade da locomoção nessa população (Rochester et al., 2009Rochester L, Burn DJ, Woods G, Godwin J, Nieuwboer A. Does auditory rhythmical cueing improve gait in people with Parkinson's disease and cognitive impairment? A feasibility study. Mov Disord. 2009;24(6):839-45.; Frazzitta et al., 2013Fernandez del Olmo M, Cudeiro J. A simple procedure using auditory stimuli to improve movement in Parkinson's disease: a pilot study. Neurol Clinical Neurophysiol. 2003;2003(2):1-7.).

O impulso dopaminérgico parece ser fundamental para o controle de movimento e particularmente para a estabilidade de locomoção, como demonstrado em estudos que avaliam o efeito da substância levodopa em parkinsonianos (Caliandro et al., 2011Caliandro P, Ferrarin M, Cioni M, Bentivoglio AR, Minciotti I, D'urso PI, et al. Levodopa effect on electromyographic activation patterns of tibialis anterior muscle during walking in Parkinson's disease. Gait Posture. 2011;33(3):436-41.). Sofuwa et al. (2005)Sofuwa O, Nieuwboer A, Desloovere K, Willems AM, Chavret F, Jonkers I. Quantitative gait analysis in Parkinson's disease: comparison with a healthy control group. Arch Phys Med Rehabil. 2005;86(5):1007-13. compararam parâmetros de marcha em DP durante a fase on do ciclo de medicação com sujeitos idosos saudáveis (grupo controle – GC) e os resultados mostraram que em sujeitos com DP houve uma redução significativa nos parâmetros espaço-temporais, como o CP e a velocidade, em comparação com o GC. E ainda foi observado, por meio da cinemetria, que o grupo DP executou uma excursão de flexão plantar do tornozelo, marcadamente reduzida (a 50%-60% do ciclo da marcha).

Outros aspectos são a alteração nos padrões posturais e a redução na coordenação das cinturas escapular e pélvica ocasionada pela rigidez muscular, o que caracteriza a marcha em blocos (Morris et al., 2005Morris M, Iansek R, Matyas TA, Mcginley J, Huxham F. Three-dimensional gait biomechanics in Parkinson's disease: evidence for a centrally mediated amplitude regulation disorder. Movement Disorders. 2005;20(1):839-45.). Esses fatores interferem na variabilidade dos parâmetros espaço-temporais da caminhada, promovem, dessa forma, um maior dispêndio energético durante a locomoção (Merello et al., 2010Merello M, Fantacone N, Balej J. Kinematic study of whole body center of mass position during gait in Parkinson's disease patients with and without festination. Movement Disorders. 2010;25(6):747-54.; Hamlet et al., 2011Hamlet S, Geisinger D, Ferreira ED, Nogueira S, Arocena S, San Roman C, et al. Equilíbrio na doença de Parkinson alterando as informações visuais. Braz J Otorhinolaryngol. 2011;77(5):651-5.).

Nos estudos de marcha de Herman et al. (2007)Herman T, Giladi N, Gruendlinger L, Hausdorff JM. Six weeks of intensive treadmill training improves gait and quality of life in patients with Parkinson's disease: a pilot study. Arch Phys Med Rehabil. 2007;88:1154-8., Merello et al. (2010)Merello M, Fantacone N, Balej J. Kinematic study of whole body center of mass position during gait in Parkinson's disease patients with and without festination. Movement Disorders. 2010;25(6):747-54. e Ivkovic e Kurz (2011)Ivkovic V, Kurz MJ. Parkinson's disease influences the structural variations present in the leg swing kinematics. Motor Control. 2011;15:359-417. são descritos os parâmetros espaço-temporais da marcha parkinsoniana e os graus da doença, bem como as intervenções de reabilitação da locomoção de DP. A partir dos estudos analisados, conclui-se que as principais alterações biomecânicas da caminhada de pacientes com DP são: a redução da dissociação das cinturas escapular e pélvica, o aumento da FP, a redução do CP e da VAS, bem como das amplitudes articulares dos membros inferiores, como pode ser observado na tabela 1.

Tabela 1
Parâmetros espaço-temporais da marcha parkinsoniana, os graus da doença e as intervenções de reabilitação, advindos de estudos de marcha em sujeitos com DP e grupo controle

Esses descritores cinemáticos podem ser parâmetros clínicos para a avaliação de mobilidade, risco de quedas e resposta a intervenções de reabilitação. Entretanto, os estudos encontrados têm algumas lacunas, pois não analisam parâmetros importantes, como os parâmetros espaço-temporais da marcha, como CP e FP, a VAS r o estadiamento da doença, e não têm GC pareados por sexo e idade. Dessa forma, tornam-se relevantes e necessários novos estudos, principalmente relacionados aos aspectos biomecânicos da caminhada, visto que esses parâmetros são importante para a reabilitação da marcha, redução de quedas, independência funcional e QV desses sujeitos.

Estabilidade dinâmica da marcha na doença de Parkinson

A estabilidade dinâmica da marcha (ED) envolve aspectos biomecânicos, de equilíbrio e de controle postural e está subdividida em global e local. A estabilidade global refere-se à variabilidade dos parâmetros espaços-temporais, tais como CP, FP, tempo de contato (TC), tempo de balanço (TB) e velocidade. Essa variável pode ser relacionada com o equilíbrio e o risco de quedas. A ED local se refere à determinação da cinemática angular e da variabilidade das amplitudes das articulações (England e Granata, 2007England SA, Granata KP. The influence of gait speed on local dynamic stability of walking. Gait & Posture. 2007;25(2):172-8.). A variabilidade dos parâmetros espaço-temporais, representado pelo coeficiente de variação (CoV), tem uma relação inversa com a ED, uma vez que quanto maior a variabilidade, menor será a ED da marcha e maior o risco de quedas (Hausdorff et al., 2003Hausdorff JM, Schaafsma JD, Balash Y, Bartels AL, Gurevich T, Giladi N. Impaired regulation of stride variability in Parkinson's disease subjects with freezing of gait. Exp Brain Res. 2003;149:187-94.; Beauchet et al., 2009Beauchet O, Annweiler C, Lecordroch Y, Allali G, Dubost V, Herrmann FR, et al. Walking speed-related changes in stride time variability: effects of decreased speed. J Neuro Eng Rehab. 2009;6:32-7.; Cho et al., 2010Cho C, Kunin M, Kudo K, Osaki Y, Olanow CW, Cohen B, et al. Frequency-velocity mismatch: a fundamental abnormality in parkinsonian gait. J Neurophysiol. 2010;103(1):1478-89.; Oliveira et al., 2013Oliveira HBD, Rosa RGD, Gomeñuka NA, Peyré-Tartaruga LA. Estabilidade dinâmica da caminhada de indivíduos hemiparéticos: a influência da velocidade. Rev. Educ. Fis/UEM. 2013;24(4):559-65.).

Em pessoas com DP o deslocamento do CM é alterado, uma vez que há uma instabilidade postural, sobretudo nas situações de mudança de direção e velocidade, o que contribui para o aumento da variabilidade da marcha e para o aumento do gasto energético da caminhada (Hamlet et al., 2011Hamlet S, Geisinger D, Ferreira ED, Nogueira S, Arocena S, San Roman C, et al. Equilíbrio na doença de Parkinson alterando as informações visuais. Braz J Otorhinolaryngol. 2011;77(5):651-5.). Esse aumento do gasto energético pode ser explicado pela estratégia adotada pelo controle motor quando o sujeito aumenta o tempo de duplo-apoio para a reestabilização postural, tem assim uma ativação excessiva dos músculos posturais e estabilizadores (Albani et al., 2003Albani G, Sandrini G, Kunig G, Martin-Soelch C, Mauro A, Pignatti R, et al. Differences in the EMG pattern of leg muscle activation during locomotion in Parkinson's disease. Funct Neurol. 2003;18(3):165-70.; Rochester et al., 2009Rochester L, Burn DJ, Woods G, Godwin J, Nieuwboer A. Does auditory rhythmical cueing improve gait in people with Parkinson's disease and cognitive impairment? A feasibility study. Mov Disord. 2009;24(6):839-45.).

De forma geral, o indivíduo com DP é mais instável, uma vez que os parâmetros espaço-temporais e a magnitude dos movimentos articulares são reduzidos e um dos danos mais frequentes pela redução da flexibilidade é a diminuição da mobilidade do quadril, dos joelhos, dos tornozelos e da coluna vertebral, juntamente com a diminuição da força muscular dos membros inferiores e posturais, o que provoca assimetrias no padrão e na velocidade da marcha (Hamlet et al., 2011Hamlet S, Geisinger D, Ferreira ED, Nogueira S, Arocena S, San Roman C, et al. Equilíbrio na doença de Parkinson alterando as informações visuais. Braz J Otorhinolaryngol. 2011;77(5):651-5.).

Essas alterações promovem assimetrias durante a caminhada e consequentemente maior variabilidade dos parâmetros espaço-temporais, reduzem a velocidade e a ED da marcha (Beauchet et al., 2009Beauchet O, Annweiler C, Lecordroch Y, Allali G, Dubost V, Herrmann FR, et al. Walking speed-related changes in stride time variability: effects of decreased speed. J Neuro Eng Rehab. 2009;6:32-7.). Dessa forma, esses parâmetros vêm sendo estudados por fornecer dados significativos para análises clínicas do risco de quedas e de respostas de programas de reabilitação. Entretanto, pouco se conhece sobre as estratégias adotadas pelo sistema nervoso central (SNC) para o controle motor e ED durante a locomoção de parkinsonianos em situações de diferentes velocidades.

Atividade eletromiográfica na marcha da doença de Parkinson

A eletromiografia (EMG) constitui-se de um método bastante usado para a análise clínica da marcha, principalmente para compreender os mecanismos que o SNC usa para execução dessa tarefa. O uso dessa técnica, associado à cinemetria, oferece informações para uma análise integrativa da locomoção (Hausdorff et al., 2003Hausdorff JM, Schaafsma JD, Balash Y, Bartels AL, Gurevich T, Giladi N. Impaired regulation of stride variability in Parkinson's disease subjects with freezing of gait. Exp Brain Res. 2003;149:187-94.).

A amplitude do sinal eletromiográfico em membros inferiores na caminhada em sujeitos normais tende a aumentar com o acréscimo da velocidade e a inclinação do terreno (Arias et al., 2012Arias P, Espinosa N, Robles-Garcia V, Cao R, Cudeiro J. Antagonist muscle co-activation during straight walking and its relation to kinematics: insight from young, elderly and Parkinson's disease. Brain Res. 2012;1455:124-31.). Esse padrão persiste em sujeitos com DP (Albani et al., 2003Albani G, Sandrini G, Kunig G, Martin-Soelch C, Mauro A, Pignatti R, et al. Differences in the EMG pattern of leg muscle activation during locomotion in Parkinson's disease. Funct Neurol. 2003;18(3):165-70.), porém esses apresentam uma baixa ativação dos músculos gastrocnêmio (GM), sóleo (SL) e tibial anterior (TA) quando comparados com os sujeitos normais (Rochester et al., 2009Rochester L, Burn DJ, Woods G, Godwin J, Nieuwboer A. Does auditory rhythmical cueing improve gait in people with Parkinson's disease and cognitive impairment? A feasibility study. Mov Disord. 2009;24(6):839-45.; Chastan et al., 2009Chastan N, Westby GW, Yelnik J, Bardinet E, Do MC, Agid Y, et al. Effects of nigral stimulation on locomotion and postural stability in patients with Parkinson's disease. Brain. 2009;132(1):172-84.).

Esse padrão de ativação muscular reduzida também se confirma em sujeitos com Parkinson com e sem congelamento da marcha, freezing. Ainda assim, em velocidades muito baixas (1,08 km.h-1) de caminhada o músculo TA apresenta maior ativação nos sujeitos com DP do que no GC (Albani et al., 2003Albani G, Sandrini G, Kunig G, Martin-Soelch C, Mauro A, Pignatti R, et al. Differences in the EMG pattern of leg muscle activation during locomotion in Parkinson's disease. Funct Neurol. 2003;18(3):165-70.; Chastan et al., 2009Chastan N, Westby GW, Yelnik J, Bardinet E, Do MC, Agid Y, et al. Effects of nigral stimulation on locomotion and postural stability in patients with Parkinson's disease. Brain. 2009;132(1):172-84.).

A baixa ativação do GM durante a caminhada é muito mais acentuada nos parkinsonianos com congelamento da marcha, que mostram uma perda de adaptação com a variação da velocidade de locomoção. Nessa situação de variação de velocidade, o efeito do congelamento é mais pronunciado em relação ao padrão temporal de ativação do que em relação à magnitude de ativação (Rochester et al., 2009Rochester L, Burn DJ, Woods G, Godwin J, Nieuwboer A. Does auditory rhythmical cueing improve gait in people with Parkinson's disease and cognitive impairment? A feasibility study. Mov Disord. 2009;24(6):839-45.).

Apesar da baixa ativação eletromiográfica durante a caminhada, existe uma ativação contínua de baixa intensidade na fase de apoio nos músculos reto femoral e semimembranoso (Mitoma et al., 2000Mitoma H, Hayashi R, Yanagisawa N, Tsukagoshi H. Characteristics of parkinsonian and ataxic gaits: a study using surface electromyograms, angular displacements and floor reaction forces. J Neurol Sci. 2000;174:22-39.; Ferrarin et al., 2007Ferrarin M, Carpinella I, Rabuffetti M, Rizzone M, Lopiano L, Crenna P. Unilateral and bilateral subthalamic nucleus stimulation in Parkinson's disease: effects on EMG signals of lower limb muscles during walking. IEEE Trans Neural Syst Rehabil Eng. 2007;15(2):182-9.). Esse padrão subtônico pode estar relacionado ao aumento da geração de momento extensor interno resultante da postura mais flexionada de joelho e quadril (Ferrarin et al., 2007Ferrarin M, Carpinella I, Rabuffetti M, Rizzone M, Lopiano L, Crenna P. Unilateral and bilateral subthalamic nucleus stimulation in Parkinson's disease: effects on EMG signals of lower limb muscles during walking. IEEE Trans Neural Syst Rehabil Eng. 2007;15(2):182-9.) aliado a uma cocontração maior de TA e GM na fase de suporte em Parkinsonianos (Rochester et al., 2009Rochester L, Burn DJ, Woods G, Godwin J, Nieuwboer A. Does auditory rhythmical cueing improve gait in people with Parkinson's disease and cognitive impairment? A feasibility study. Mov Disord. 2009;24(6):839-45.). Esse padrão menos fásico de ativação muscular parece ser uma estratégia compensatória advinda do sistema de feedback proprioceptivo prejudicado, principalmente dos músculos flexores plantares do tornozelo e extensores do joelho.

Outro reflexo importante baseado nas evidências de menor ativação do GM durante o apoio da marcha se refere à função do GM como propulsor horizontal do corpo, particularmente na fase final do apoio (Gottschall e Kram, 2003Gottschall JS, Kram R. Energy cost and muscular activity required for propulsion during walking. J Appl Physiol. 2003;94(5):1766-72.). A diminuição da atividade muscular do GM pode estar diretamente associada à diminuição de forças de reação do solo anteroposteriores (Rochester et al., 2009Rochester L, Burn DJ, Woods G, Godwin J, Nieuwboer A. Does auditory rhythmical cueing improve gait in people with Parkinson's disease and cognitive impairment? A feasibility study. Mov Disord. 2009;24(6):839-45.) e, consequentemente, na menor velocidade de marcha de sujeitos com DP.

Terapias recentes têm tentado diminuir as alterações de ativação muscular da caminhada de sujeitos com DP. Além do tradicional uso da substância levodopa, a estimulação sensorial cutânea plantar (Jenkins et al., 2009Jenkins ME, Almeida QJ, Spaulding SJ, van Oostveen RB, Holmes JD, Johnson AM. Plantar cutaneous sensory stimulation improves single-limb support time, and EMG activation patterns among individuals with Parkinson's disease. Parkinsonism Relat Disord. Nov 2009;15(9):697-702.; Galli et al., 2015Galli M, Kleiner A, Gaglione M, Sale P, Albertini G, Stocchib F, et al. Timed Up and Go test and wearable inertial sensor: a new combining tool to assess change in subject with Parkinson's disease after automated mechanical peripheral stimulation treatment. Int J Eng Innovative Tech. 2015;4:155-63.; Kleiner et al., 2015Kleiner A, Galli M, Gaglione, M, Hildebrand D, Sale P, Albertini G, et al. The Parkinsonian Gait Spatiotemporal Parameters Quantified by a Single Inertial Sensor before and after Automated Mechanical Peripheral Stimulation Treatment. Parkinson's Dis 2015;2015:390512.), a estimulação do núcleo subtalâmico unilateral e bilateral (Ferrarin et al., 2007Ferrarin M, Carpinella I, Rabuffetti M, Rizzone M, Lopiano L, Crenna P. Unilateral and bilateral subthalamic nucleus stimulation in Parkinson's disease: effects on EMG signals of lower limb muscles during walking. IEEE Trans Neural Syst Rehabil Eng. 2007;15(2):182-9.) e a estimulação rítmica auditiva (Fernandez e Cudeiro, 2003Fernandez del Olmo M, Cudeiro J. A simple procedure using auditory stimuli to improve movement in Parkinson's disease: a pilot study. Neurol Clinical Neurophysiol. 2003;2003(2):1-7.) modificam o padrão de ativação muscular durante a caminhada e tornam os valores de pico e tempos de contração da caminhada em sujeitos com DP mais próximos dos valores de sujeitos controle. No tabela 2 é possível observar os parâmetros neuromusculares da marcha parkinsoniana em diferentes velocidades, bem como as respostas de intervenções de reabilitação da locomoção de DP.

Tabela 2
Parâmetros neuromusculares da marcha parkinsoniana após programas de intervenções de reabilitação, advindos de estudos de marcha em sujeitos com DP e grupo controle

Os ajustes neuromusculares durante a marcha de Parkinsonianos são explicados, no mínimo parcialmente, devido às alterações no controle da atividade cortical, observado pelas mudanças nos padrões de ativação muscular de membros inferiores, relacionados resumidamente a seguir:

  1. menor ativação de GM durante apoio;

  2. maior ativação de TA em velocidades muito baixas de locomoção;

  3. maior cocontração de antagonistas flexores plantares e dorso-flexores do tornozelo

  4. ativação mais tônica ou contínua de músculos dos membros inferiores.

Reabilitação da marcha e programas de intervenção

Diversas são as formas de intervenções que buscam reabilitar a funcionalidade dos pacientes com DP. Intervenções medicamentosas (Stansley e Yamamoto, 2014Stansley BJ, Yamamoto BK. Chronic l-Dopa Decreases Serotonin Neurons in a Subregion of the Dorsal Raphe Nucleus. J Pharmacol Exp Ther. 2014;351(2):440-7.), neurocirúrgicas de estimulação cerebral profunda (DBS – Deep Brain Stimulation) (Vercruysse et al., 2014Vercruysse S, Vandenberghe W, Munks L, Nuttin B, Devos H, Nieuwboer A. Effects of deep brain stimulation of the subthalamic nucleus on freezing of gait in Parkinson's disease: a prospective controlled study. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2014;85(8):871-7.) e não cirúrgicas (Alberts et al., 2011Alberts JL, Linder SM, Penko AL, Lowe MJ, Phillips M. It is not about the bike, it is about the pedaling: forced exercise and Parkinson's disease. Exerc Sport Sci Rev. 2011;39(4):177-86.; Kleiner et al., 2015Kleiner A, Galli M, Gaglione, M, Hildebrand D, Sale P, Albertini G, et al. The Parkinsonian Gait Spatiotemporal Parameters Quantified by a Single Inertial Sensor before and after Automated Mechanical Peripheral Stimulation Treatment. Parkinson's Dis 2015;2015:390512.) têm sido propostas na tentativa de contribuir para a melhoria de aspectos motores e não motores da DP.

Todavia, terapêuticas que envolvem medicamentos, como é o caso do uso do Levodopa, e cirurgias como o DBS são métodos que, em longo prazo, trazem complicações e provocam muitos efeitos colaterais indesejáveis em cerca de 80% dos pacientes com DP, tais como flutuações, discinesias e distúrbios mentais (Santos et al., 2010Santos BA, Castro FAS, Bona RL, Peyré-tartaruga LA. Aspectos biomecânicos e Fisiológicos da fadiga na locomoção humana: conceitos, mecanismos e aplicações. Ciência em Movimento. 2010;23:89-98.; Kleiner et al., 2015Kleiner A, Galli M, Gaglione, M, Hildebrand D, Sale P, Albertini G, et al. The Parkinsonian Gait Spatiotemporal Parameters Quantified by a Single Inertial Sensor before and after Automated Mechanical Peripheral Stimulation Treatment. Parkinson's Dis 2015;2015:390512.). Somando-se a isso, essas estratégias estão muito aquém de gerenciar todos os aspectos da doença que contribuem para a QV (Bega e Zadikoff, 2014Bega D, Zadikoff C. Complementary & alternative management of Parkinson's disease: an evidence-based review of eastern influenced practices. J Mov Dis. 2014;7(2):57-66.).

Diante de todas as intervenções terapêuticas apresentadas anteriormente, o exercício físico aeróbio sistematizado e supervisionado, pelo menos com frequência semanal de 3 vezes, duração de 30 minutos por dia de treino, parece ser uma opção eficaz e de baixo custo para amenizar os sintomas deletérios da doença (Abbruzzese et al., 2009Abbruzzese G, Trompetto C, Marinelli L. The rationale for motor learning in Parkinson's disease. Eur J Phys Rehabil Med. 2009;45:209-14.; Soares e Peyré-Tartaruga, 2010Soares GS, Peyré-Tartaruga LA. Doença de Parkinson e exercício físico: uma revisão da literatura. Ciência em Movimento. 2010;24:69-86.; Kluger et al., 2014Kluger BM, Brown RP, Aerts S, Schenkman M. Determinants of Objectively Measured Physical Functional Performance in Early to Mid-stage Parkinson Disease. PM R. 2014;6:992-8.; Zigmond e Smeyne, 2014Zigmond MJ, Smeyne RJ. Exercise: is it a neuroprotective and if so, how does it work?. Parkinsonism Relat Disord. 2014;20(1):S123-7.).

Dentre os principais benefícios do exercício aeróbio, especialmente a caminhada, destaca-se maior impacto sobre a mobilidade funcional (Kluger et al., 2014Kluger BM, Brown RP, Aerts S, Schenkman M. Determinants of Objectively Measured Physical Functional Performance in Early to Mid-stage Parkinson Disease. PM R. 2014;6:992-8.), equilíbrio (Prodoehl et al., 2015Prodoehl J, Rafferty MR, David FJ, Poon C, Vaillancourt DE, Comella CL, et al. Two-year exercise program improves physical function in Parkinson's disease: the PRET-PD randomized clinical trial. Neurorehabil Neural Repair. 2015;29(2):112-22.; Ey et al., 2014Ey UC, Doerschug KC, Magnotta V, Dawson JD, Thomsen TR, Kline JN, et al. Phase I/II randomized trial of aerobic exercise in Parkinson disease in a community setting. Neurology. 2014;83(5):413-25.), parâmetros cinemáticos como parâmetros espaço-temporais da caminhada. Além disso, é possível ter efeitos positivos sobre os aspectos psicológicos, como a depressão (Ebersbach et al., 2014Ebersbach G, Ebersbach A, Gandor F, Wegner B, Wissel J, Kupsch A. Impact of physical exercise on reaction time in patients with Parkinson's disease-data from the Berlin BIG Study. Arch Phys Med Rehabil. 2014;95(5):996-1003.; Ey et al., 2014Ey UC, Doerschug KC, Magnotta V, Dawson JD, Thomsen TR, Kline JN, et al. Phase I/II randomized trial of aerobic exercise in Parkinson disease in a community setting. Neurology. 2014;83(5):413-25.; Tuon et al., 2014Tuon T, Valvassori SS, Dal Pont GC, Paganini CS, Pozzi BG, Luciano TF, et al. Physical training prevents depressive symptoms and a decrease in brain-derived neurotrophic factor in Parkinson's disease. Brain Res Bull. 2014;108C:106-12.), e sobretudo na QV dos pacientes com DP (Eijkeren et al., 2008Eijkeren FJM, Reijmers RSJ, Kleinveld MJ, Minten A, Bruggen JP, Bloem BR. Nordic walking improves mobility in Parkinson's disease. Movement Disorders. 2008;23(15):1792-7.; Ey et al., 2014Ey UC, Doerschug KC, Magnotta V, Dawson JD, Thomsen TR, Kline JN, et al. Phase I/II randomized trial of aerobic exercise in Parkinson disease in a community setting. Neurology. 2014;83(5):413-25.; Kluger et al., 2014Kluger BM, Brown RP, Aerts S, Schenkman M. Determinants of Objectively Measured Physical Functional Performance in Early to Mid-stage Parkinson Disease. PM R. 2014;6:992-8.).

De acordo com alguns estudos, o treino da caminhada em esteira sem e com suspensão do peso corporal (SPC) tem sido bastante eficiente para o desempenho motor e para a reabilitação da marcha, principalmente quando é relacionados com parâmetros biomecânicos, sobretudo como comprimento da passada e melhoria da velocidade (Peurala et al., 2005Peurala H, Tarkka IM, Pitkänen K, Sivenius J. The Effectiveness of Body Weight-Supported Gait Training and Floor Walking in Patients With Chronic Stroke. Arch Phys Med Rehab. 2005;86(8):1557-64.). Além de ser um trabalho aeróbico, o que contribui para o desenvolvimento da independência funcional dos pacientes (Soares e Peyré-Tartaruga, 2010Soares GS, Peyré-Tartaruga LA. Doença de Parkinson e exercício físico: uma revisão da literatura. Ciência em Movimento. 2010;24:69-86.).

Outro método de treinamento da marcha de pessoas com DP, bastante usado, é o treino em pistas visuais. O treinamento da caminhada por meio de marcadores sobre o solo parece ter um efeito benéfico, uma vez que se torna muito eficaz na regulação do comprimento do passo e melhoria da velocidade de marcha (Dias et al., 2005Dias N, Fraga DA, Cacho EWA, Oberg TD. Treino de marcha com pistas visuais no paciente com doença de Parkinson. Fisioterapia em Movimento. 2005;18(4):43-51.). As pistas visuais são usadas para desviar a função dos núcleos da base – área motora suplementar, para a área visual-motora, cerebelo e córtex pré-motor, a fim de regular a função motora prejudicada (Marinho et al., 2014Marinho MS, Chaves PM, Tarabal TO. Dupla-tarefa na doença de Parkinson: uma revisão sistemática de ensaios clínicos aleatorizados. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2014;17:191-9.).

Recentemente, a caminhada nórdica tem recebido uma atenção maior para a reabilitação de pessoas com DP (Ebersbach et al., 2010Ebersbach G, Ebersbach A, Edler D, Kaufhold O, Kusch M, Kupsch A, et al. Comparing exercise in Parkinson's disease – The Berlin LSVT1BIG Study. Movement Disorders. 2010;25(12):1902-8.; Fritz et al., 2011Fritz B, Rombach S, Godau J, Berg D, Horstmann T, Grau S. The influence of nordic walking training on sit-to-stand transfer in Parkinson patients. Gait & Posture. 2011;34:234-8.; Eijkeren et al., 2008Eijkeren FJM, Reijmers RSJ, Kleinveld MJ, Minten A, Bruggen JP, Bloem BR. Nordic walking improves mobility in Parkinson's disease. Movement Disorders. 2008;23(15):1792-7.; Reuter et al., 2011Reuter I, Mehnert S, Leone P, Kaps M, Oechsner M, Engelhardt M. Effects of a flexibility and relaxation programme,walking, and Nordic walking on Parkinson's disease. Journal of Aging Research. 2011;2011(1):1-18.). Uma revisão de literatura sistemática sobre os efeitos da caminhada nórdica feita por Tschentscher et al. (2013)Tschentscher M, Niederseer D, Niebauer J. Health benefits of Nordic walking. A systematic review. Am J Preventive Med. 2013;44(1):76-84., na qual avaliaram 16 estudos com intervenção, 1.062 pacientes e 11 estudos observacionais com 831 pacientes, entre eles sujeitos com DP, concluiu que os efeitos da caminhada nórdica, em curto e longo prazo, sobre a frequência cardíaca, o consumo máximo de oxigênio, QV e outros parâmetros de saúde, são superiores nos programas de caminhada nórdica comparados com caminhada livre e jogging.

De acordo com esses achados, programas de caminhada nórdica parecem ser promissores para esses parâmetros funcionais da locomoção humana. Entretanto, não há consenso na literatura quanto aos protocolos de intervenção por se tratar de um método recente. Necessita-se, portanto, de estudos específicos sobre parâmetros biomecânicos da caminha nórdica em DP.

Assim, fazem-se necessários protocolos de exercícios físicos que englobem o treinamento da marcha e considerem parâmetros de estabilidade dinâmica, espaço-temporais e de equilíbrio, assim como a melhoria postural, padrões eletromiográficos e cinemáticos da caminhada, pois são fundamentais para respostas de reabilitação e parâmetros para risco de quedas.

Conclusão

Pode-se concluir que as principais alterações nos aspectos biomecânicos de pessoas com DP, no que se refere ao padrão normal da caminhada, são: instabilidade, alteração no CM, variabilidade de marcha, redução da dissociação do tronco e quadril, gasto energético elevado durante a caminhada, diminuição da amplitude angular, redução do CP, do FP, da velocidade e baixa ativação muscular durante a caminhada, o que compromete as AVDs e interferem na QL. Entretanto, os programas de exercícios, como caminhada no solo, na esteira, com e sem suspensão do peso corporal, pistas visuais, plataforma vibratória e caminhada nórdica, parecem contribuir para melhoria funcional de todos os aspectos mencionados anteriormente, especialmente sobre a VAS e os parâmetros espaço-temporais da marcha. Contudo, ainda há poucos estudos com a caminhada nórdica sobre os aspectos biomecânicos, mas os resultados apresentados pelas pesquisas apontam que esse método parece ser bastante eficiente para a reabilitação.

Dessa forma, fazem-se necessários protocolos de exercícios físicos, para minimizar os efeitos provenientes da DP, que englobem treinamento da marcha e levem em consideração parâmetros de estabilidade dinâmica, espaço-temporais, cinemáticos, eletromiográficos e de equilíbrio, para reabilitação dessa marcha patológica.

Não foram encontrados, até o presente momento, estudos da caminhada relacionados com os aspectos biomecânicos com inclinação e diferentes ambientes. Portanto, sugerem-se futuros estudos com esses parâmetros, uma vez que situações de caminhada em terrenos inclinados, como rampas e escadas, estão presentes no cotidiano dessas pessoas. Portanto, é preciso conhecer os padrões de estabilidade dinâmica, ativação muscular e cinemática nesses ambientes, para servirem de parâmetros para intervenções clínicas em pacientes com DP.

  • Apoio financeiro
    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Edital Universal, projeto número: 483510/2013. Elren Monteiro recebeu bolsa de mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Agradecimentos

Ao Grupo Locomotion/UFRGS, pelas discussões e sugestões.

Referências

  • Abbruzzese G, Trompetto C, Marinelli L. The rationale for motor learning in Parkinson's disease. Eur J Phys Rehabil Med. 2009;45:209-14.
  • Albani G, Sandrini G, Kunig G, Martin-Soelch C, Mauro A, Pignatti R, et al. Differences in the EMG pattern of leg muscle activation during locomotion in Parkinson's disease. Funct Neurol. 2003;18(3):165-70.
  • Alberts JL, Linder SM, Penko AL, Lowe MJ, Phillips M. It is not about the bike, it is about the pedaling: forced exercise and Parkinson's disease. Exerc Sport Sci Rev. 2011;39(4):177-86.
  • Arias P, Espinosa N, Robles-Garcia V, Cao R, Cudeiro J. Antagonist muscle co-activation during straight walking and its relation to kinematics: insight from young, elderly and Parkinson's disease. Brain Res. 2012;1455:124-31.
  • Bega D, Zadikoff C. Complementary & alternative management of Parkinson's disease: an evidence-based review of eastern influenced practices. J Mov Dis. 2014;7(2):57-66.
  • Beauchet O, Annweiler C, Lecordroch Y, Allali G, Dubost V, Herrmann FR, et al. Walking speed-related changes in stride time variability: effects of decreased speed. J Neuro Eng Rehab. 2009;6:32-7.
  • Caliandro P, Ferrarin M, Cioni M, Bentivoglio AR, Minciotti I, D'urso PI, et al. Levodopa effect on electromyographic activation patterns of tibialis anterior muscle during walking in Parkinson's disease. Gait Posture. 2011;33(3):436-41.
  • Chastan N, Westby GW, Yelnik J, Bardinet E, Do MC, Agid Y, et al. Effects of nigral stimulation on locomotion and postural stability in patients with Parkinson's disease. Brain. 2009;132(1):172-84.
  • Cho C, Kunin M, Kudo K, Osaki Y, Olanow CW, Cohen B, et al. Frequency-velocity mismatch: a fundamental abnormality in parkinsonian gait. J Neurophysiol. 2010;103(1):1478-89.
  • Dias N, Fraga DA, Cacho EWA, Oberg TD. Treino de marcha com pistas visuais no paciente com doença de Parkinson. Fisioterapia em Movimento. 2005;18(4):43-51.
  • Dietz V, Zijlstra W, Prokop T, Berger W. Leg muscle activation during gait in Parkinson's disease: adaptation and interlimb coordination. Electroencephalogr Clin Neurophysiol. 1995;97(6):408-15.
  • Ebersbach G, Ebersbach A, Edler D, Kaufhold O, Kusch M, Kupsch A, et al. Comparing exercise in Parkinson's disease – The Berlin LSVT1BIG Study. Movement Disorders. 2010;25(12):1902-8.
  • Ebersbach G, Ebersbach A, Gandor F, Wegner B, Wissel J, Kupsch A. Impact of physical exercise on reaction time in patients with Parkinson's disease-data from the Berlin BIG Study. Arch Phys Med Rehabil. 2014;95(5):996-1003.
  • Eijkeren FJM, Reijmers RSJ, Kleinveld MJ, Minten A, Bruggen JP, Bloem BR. Nordic walking improves mobility in Parkinson's disease. Movement Disorders. 2008;23(15):1792-7.
  • England SA, Granata KP. The influence of gait speed on local dynamic stability of walking. Gait & Posture. 2007;25(2):172-8.
  • Ey UC, Doerschug KC, Magnotta V, Dawson JD, Thomsen TR, Kline JN, et al. Phase I/II randomized trial of aerobic exercise in Parkinson disease in a community setting. Neurology. 2014;83(5):413-25.
  • Fernandez del Olmo M, Cudeiro J. A simple procedure using auditory stimuli to improve movement in Parkinson's disease: a pilot study. Neurol Clinical Neurophysiol. 2003;2003(2):1-7.
  • Ferrarin M, Carpinella I, Rabuffetti M, Rizzone M, Lopiano L, Crenna P. Unilateral and bilateral subthalamic nucleus stimulation in Parkinson's disease: effects on EMG signals of lower limb muscles during walking. IEEE Trans Neural Syst Rehabil Eng. 2007;15(2):182-9.
  • Frazzitta G, Balbi P, Maestri R, Bertotti G, Boveri N, Pezzoli G. The beneficial role of intensive exercise on Parkinson disease progression. Am J Phys Med Rehabil. 2013;92(6):523-32.
  • Fritz B, Rombach S, Godau J, Berg D, Horstmann T, Grau S. The influence of nordic walking training on sit-to-stand transfer in Parkinson patients. Gait & Posture. 2011;34:234-8.
  • Galli M, Kleiner A, Gaglione M, Sale P, Albertini G, Stocchib F, et al. Timed Up and Go test and wearable inertial sensor: a new combining tool to assess change in subject with Parkinson's disease after automated mechanical peripheral stimulation treatment. Int J Eng Innovative Tech. 2015;4:155-63.
  • Gallo PM, Mcisaac TL, Garber CE. Walking economy during cued versus non-cued self-selected treadmill walking in persons with Parkinson's disease. J Parkinsons Dis. 2014;4:705-16.
  • Gottschall JS, Kram R. Energy cost and muscular activity required for propulsion during walking. J Appl Physiol. 2003;94(5):1766-72.
  • Hamlet S, Geisinger D, Ferreira ED, Nogueira S, Arocena S, San Roman C, et al. Equilíbrio na doença de Parkinson alterando as informações visuais. Braz J Otorhinolaryngol. 2011;77(5):651-5.
  • Hausdorff JM, Schaafsma JD, Balash Y, Bartels AL, Gurevich T, Giladi N. Impaired regulation of stride variability in Parkinson's disease subjects with freezing of gait. Exp Brain Res. 2003;149:187-94.
  • Herman T, Giladi N, Gruendlinger L, Hausdorff JM. Six weeks of intensive treadmill training improves gait and quality of life in patients with Parkinson's disease: a pilot study. Arch Phys Med Rehabil. 2007;88:1154-8.
  • Ivkovic V, Kurz MJ. Parkinson's disease influences the structural variations present in the leg swing kinematics. Motor Control. 2011;15:359-417.
  • Jenkins ME, Almeida QJ, Spaulding SJ, van Oostveen RB, Holmes JD, Johnson AM. Plantar cutaneous sensory stimulation improves single-limb support time, and EMG activation patterns among individuals with Parkinson's disease. Parkinsonism Relat Disord. Nov 2009;15(9):697-702.
  • Kleiner A, Galli M, Gaglione, M, Hildebrand D, Sale P, Albertini G, et al. The Parkinsonian Gait Spatiotemporal Parameters Quantified by a Single Inertial Sensor before and after Automated Mechanical Peripheral Stimulation Treatment. Parkinson's Dis 2015;2015:390512.
  • Kluger BM, Brown RP, Aerts S, Schenkman M. Determinants of Objectively Measured Physical Functional Performance in Early to Mid-stage Parkinson Disease. PM R. 2014;6:992-8.
  • Marinho MS, Chaves PM, Tarabal TO. Dupla-tarefa na doença de Parkinson: uma revisão sistemática de ensaios clínicos aleatorizados. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2014;17:191-9.
  • Merello M, Fantacone N, Balej J. Kinematic study of whole body center of mass position during gait in Parkinson's disease patients with and without festination. Movement Disorders. 2010;25(6):747-54.
  • Miller RA, Thaut MH, McIntosh GC, Rice RR. Components of EMG symmetry and variability in parkinsonian and healthy elderly gait. Electroencephalogr Clin Neurophysiol. 1996;101(1):1-7.
  • Mitoma H, Hayashi R, Yanagisawa N, Tsukagoshi H. Characteristics of parkinsonian and ataxic gaits: a study using surface electromyograms, angular displacements and floor reaction forces. J Neurol Sci. 2000;174:22-39.
  • Morris ME, Iansek R, Matyas TA, Summers JJ. Stride length regulation in Parkinson's disease. Normalization strategies and underlying mechanisms. Brain. 1996;119:551-68.
  • Morris M, Iansek R, Matyas TA, Mcginley J, Huxham F. Three-dimensional gait biomechanics in Parkinson's disease: evidence for a centrally mediated amplitude regulation disorder. Movement Disorders. 2005;20(1):839-45.
  • Morris ME, Martin C, Mcginley JL, Huxham F, Menz H, Taylor N, et al. Protocol for a homebased integrated physical therapy program to reduce falls and improve mobility in people with Parkinson's disease. BMC Neurol. 2012;92(11):1395-410.
  • Oliveira HBD, Rosa RGD, Gomeñuka NA, Peyré-Tartaruga LA. Estabilidade dinâmica da caminhada de indivíduos hemiparéticos: a influência da velocidade. Rev. Educ. Fis/UEM. 2013;24(4):559-65.
  • Peurala H, Tarkka IM, Pitkänen K, Sivenius J. The Effectiveness of Body Weight-Supported Gait Training and Floor Walking in Patients With Chronic Stroke. Arch Phys Med Rehab. 2005;86(8):1557-64.
  • Prodoehl J, Rafferty MR, David FJ, Poon C, Vaillancourt DE, Comella CL, et al. Two-year exercise program improves physical function in Parkinson's disease: the PRET-PD randomized clinical trial. Neurorehabil Neural Repair. 2015;29(2):112-22.
  • Reuter I, Mehnert S, Leone P, Kaps M, Oechsner M, Engelhardt M. Effects of a flexibility and relaxation programme,walking, and Nordic walking on Parkinson's disease. Journal of Aging Research. 2011;2011(1):1-18.
  • Rochester L, Burn DJ, Woods G, Godwin J, Nieuwboer A. Does auditory rhythmical cueing improve gait in people with Parkinson's disease and cognitive impairment? A feasibility study. Mov Disord. 2009;24(6):839-45.
  • Santos BA, Castro FAS, Bona RL, Peyré-tartaruga LA. Aspectos biomecânicos e Fisiológicos da fadiga na locomoção humana: conceitos, mecanismos e aplicações. Ciência em Movimento. 2010;23:89-98.
  • Soares GS, Peyré-Tartaruga LA. Doença de Parkinson e exercício físico: uma revisão da literatura. Ciência em Movimento. 2010;24:69-86.
  • Sofuwa O, Nieuwboer A, Desloovere K, Willems AM, Chavret F, Jonkers I. Quantitative gait analysis in Parkinson's disease: comparison with a healthy control group. Arch Phys Med Rehabil. 2005;86(5):1007-13.
  • Stansley BJ, Yamamoto BK. Chronic l-Dopa Decreases Serotonin Neurons in a Subregion of the Dorsal Raphe Nucleus. J Pharmacol Exp Ther. 2014;351(2):440-7.
  • Tschentscher M, Niederseer D, Niebauer J. Health benefits of Nordic walking. A systematic review. Am J Preventive Med. 2013;44(1):76-84.
  • Tuon T, Valvassori SS, Dal Pont GC, Paganini CS, Pozzi BG, Luciano TF, et al. Physical training prevents depressive symptoms and a decrease in brain-derived neurotrophic factor in Parkinson's disease. Brain Res Bull. 2014;108C:106-12.
  • Vercruysse S, Vandenberghe W, Munks L, Nuttin B, Devos H, Nieuwboer A. Effects of deep brain stimulation of the subthalamic nucleus on freezing of gait in Parkinson's disease: a prospective controlled study. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2014;85(8):871-7.
  • Wild LB, de Lima DB, Balardin JB, Rizzi L, Giacobbo BL, Bromberg E, et al. Rieder characterization of cognitive and motor performance during dual-tasking in healthy older adults and patients with Parkinson's disease. J Neurol. 2013;260(2):580-9.
  • Zigmond MJ, Smeyne RJ. Exercise: is it a neuroprotective and if so, how does it work?. Parkinsonism Relat Disord. 2014;20(1):S123-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    7 Dez 2015
  • Aceito
    30 Jul 2016
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte Universidade de Brasilia - Campus Universitário Darcy Ribeiro, Faculdade de Educação Física, Asa Norte - CEP 70910-970 - Brasilia, DF - Brasil, Telefone: +55 (61) 3107-2542 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbceonline@gmail.com