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Seguimento tardio de pacientes com infarto do miocárdio tratados com stents farmacológicos no Registro DESIRE

EDITORIAL

Seguimento tardio de pacientes com infarto do miocárdio tratados com stents farmacológicos no Registro DESIRE

Ajay J. Kirtane

Centro Médico da Universidade de Colúmbia/Hospital Presbiteriano de Nova York - Nova York, NY, Estados Unidos

Correspondência Correspondência: Ajay J. Kirtane Division of Cardiology, Columbia University Medical Center/New York-Presbyterian Hospital 161 Fort Washington Avenue - 5 th Floor New York, NY, USA - 10032 E-mail: akirtane@columbia.edu

O advento dos stents farmacológicos (SFs) revolucionou o campo da cardiologia intervencionista. Como solução potencial para o problema da reestenose intrastent, esses dispositivos permitiram aos intervencionistas realizar intervenções coronárias percutâneas (ICPs) em um número crescente de pacientes e subgrupos de lesões, sem temer que os pacientes tivessem comprometimento recorrente da luz do vaso no local tratado e que necessitassem, na maioria dos casos, repetir a intervenção. Embora os SFs tenham provado ser altamente eficazes em reduzir a recorrência de procedimentos de revascularização, é importante ressaltar que esses dispositivos pouco contribuem para modificar o processo da doença aterotrombótica, que leva o paciente a se apresentar para a ICP índice. A esse respeito, a análise do Registro DESIRE, realizada por Costa et al.1 em artigo publicado nesta edição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, é bastante elucidativa.

O Registro DESIRE, um grande registro unicêntrico, destaca-se pelo seguimento a longo prazo de pacientes não-selecionados tratados com SFs, o que permite avaliar a eficácia e a segurança desses pacientes fora do domínio altamente seletivo dos ensaios clínicos randomizados. No artigo em questão, os autores comparam os resultados de pacientes com e sem infarto agudo do miocárdio (IAM) tratados com SFs. Embora essas populações sejam nitidamente diferentes, as análises observacionais nos possibilitam entender a história natural da doença no mundo real, neste caso ICP no IAM vs. ICP sem IAM.

Nessa análise, a taxa geral de novas revascularizações da lesão-alvo no período de seguimento foi muito baixa (< 5%) e, de fato, semelhante entre os pacientes com e sem IAM. Essa constatação, tranquilizadora, confirma a eficácia dos SFs em reduzir a reestenose e demonstra a ausência do fenômeno de "catch-up" nesse registro. No entanto, nos pacientes com IAM tratados com SFs os autores verificaram que a taxa de morte cardíaca foi de pelo menos o dobro da observada nos pacientes sem IAM. Embora a taxa de infarto do miocárdio recorrente não tenha sido estatisticamente diferente, a taxa de trombose do stent também foi maior entre os pacientes com IAM, comparativamente aos pacientes sem IAM.

Esses achados enfatizam o risco geral maior dos pacientes com IAM. O perfil de risco aterotrombótico dos portadores de IAM é, caracteristicamente, mais alto que o daqueles sem IAM. Pelo fato de já terem apresentado um evento cardiovascular maior (IAM índice), os pacientes com IAM têm maior risco de eventos cardiovasculares recorrentes futuros. No que tange à prevenção, esses pacientes requerem o emprego de medidas secundárias, e não primárias, para reduzir eventos cardiovasculares futuros. Essas medidas, em geral, consistem de terapêuticas medicamentosas adjuvantes, tais como agentes antiplaquetários e estatinas. Pelo fato de não modificarem o processo geral da doença em pacientes com IAM, apesar de estabilizarem a lesão culpada, é improvável que os SFs diminuam o risco aumentado de eventos recorrentes. Outra possível explicação para as maiores taxas de morte cardíaca entre os pacientes com IAM nesse registro foi a incidência duas vezes maior de disfunção ventricular esquerda entre esses pacientes. Talvez as mortes cardíacas observadas nesse registro fossem relacionadas a insuficiência cardíaca congestiva (por disfunção da bomba ou arritmias). Portanto, o achado de maior incidência de morte cardíaca entre os pacientes com IAM não é inesperado, e pode simplesmente refletir as características de maior risco desses pacientes, comparativamente àqueles sem IAM.

Costa et al.1 também observaram, em sua análise, que os pacientes com IAM tiveram taxas de trombose do stent significativamente mais altas que as dos pacientes sem IAM. De fato, o IAM foi um dos maiores preditores independentes de trombose do stent nesse estudo. Essa observação foi anteriormente observada em estudos nos quais pacientes com IAM foram tratados com SFs e stents convencionais, e vários mecanismos potenciais foram elucidados e são ressaltados por Costa et al.1. Nós, como intervencionistas, claramente temos espaço para reduzir as taxas de trombose do stent nos pacientes com IAM. Estratégias potenciais para baixar as taxas de trombose do stent incluem atenção assídua à técnica da ICP, por meio do dimensionamento adequado do stent (incluindo, virtualmente, o uso do ultrassom intravascular), e o uso de trombectomia em casos adequados. Adicionalmente, anticoagulantes e regimes antiplaquetários periprocedimento mais potentes que os usados nesse registro têm a capacidade de reduzir as taxas de trombose do stent, embora possam apresentar maior risco de complicações hemorrágicas.

A despeito das modificações potenciais na prática de ICP no IAM, como as empregadas no Registro DESIRE, os achados de Costa et al.1 são tranquilizadores e ao mesmo tempo inquietantes, uma vez que, se, por um lado, eles ilustram o quão longe a moderna ICP com SF nos permitiu chegar, por outro sugerem o quão longe ainda temos que caminhar.

CONFLITO DE INTERESSES

O autor declara não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 18/9/2011

Aceito em: 18/9/2011

Ver artigo relacionado na página 244

  • 1. Costa RA, Sousa AGMR, Costa Jr. JR, Moreira A, Maldonado G, Cano MN, et al. Evolução tardia de pacientes com infarto agudo do miocárdio tratados com stents farmacológicos na prática diária do mundo real - Subanálise do Registro DESIRE (Drug-Eluting Stent In the REal World). Rev Bras Cardiol Invasiva. 2011;19(3):244-54.
  • Correspondência:

    Ajay J. Kirtane
    Division of Cardiology, Columbia University Medical Center/New York-Presbyterian Hospital
    161 Fort Washington Avenue - 5
    th Floor
    New York, NY, USA - 10032
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2011
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