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Impacto da pré-dilatação do ramo lateral no procedimento de intervenção coronária percutânea em lesões de bifurcação coronária complexas

Resumos

INTRODUÇÃO: O tratamento de lesões de bifurcação com implante de stent único no vaso principal e stent provisional no ramo lateral pode ser limitado pelo grau de complexidade anatômica/morfológica da lesão. A pré-dilatação do ramo lateral, um passo do procedimento geralmente evitado, pode ser necessária para manter a patência do ramo lateral. Investigamos o impacto da pré-dilatação do ramo lateral nos resultados imediatos de intervenção coronária percutânea em lesões de bifurcação coronária complexas. MÉTODOS: Entre maio de 2008 e agosto de 2009, 59 pacientes com lesão de bifurcação coronária única e comprometimento significativo de vaso principal e ramo lateral foram incluídos no estudo. Os principais critérios de exclusão foram: envolvimento do tronco de coronária esquerda, infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST (< 72 horas) e reestenose intrastent. RESULTADOS: A média de idade foi de 61,2 ± 11 anos, 25,4% eram do sexo feminino e 30,1% tinham diabetes. As lesões mais frequentemente se localizaram em artéria descendente anterior/ramo diagonal (86,4%). Durante o procedimento, 8,5% (5/59) das lesões tiveram pré-dilatação do ramo lateral sem sucesso, e 4 dessas bifurcações foram tratadas com 2 stents. No modelo multivariado, a estenose do ramo lateral no pré-procedimento foi o único preditor significativo de pré-dilatação sem sucesso do ramo lateral (odds ratio 1,15, intervalo de confiança de 95% 1,01-1,30; P = 0,04), e estenose > 87,6% no ramo lateral foi identificada na curva ROC como valor de corte com maior acurácia para predizer o insucesso. CONCLUSÕES: A pré-dilatação do ramo lateral esteve associada a falência imediata do ramo lateral em < 10% dos casos e o único preditor significativo na análise multivariada foi a gravidade da estenose (> 85%) no ramo lateral no pré-procedimento.

Doença da artéria coronariana; Estenose coronária; Angiografia coronária; Angioplastia; Stents; Stents farmacológicos


BACKGROUND: The treatment of coronary bifurcation lesions with single stenting in the main vessel and provisional side branch stenting may be limited by the degree of anatomical/morphological complexity. Side branch predilation, a procedural step usually avoided, may be required to maintain side branch patency. We investigated the impact of side branch predilation on the immediate results of percutaneous coronary intervention in complex coronary bifurcation lesions. METHODS: Between May 2008 and August 2009, 59 patients with single coronary bifurcation lesions with significant involvement of the main and side branches were included in the study. The main exclusion criteria were: involvement of the left main coronary artery, ST-elevation acute myocardial infarction (< 72 hours) and in-stent restenosis. RESULTS: Mean age was 61.2 ± 11 years, 25.4% were female and 30.1% had diabetes mellitus. Lesions were most prevalent in the left anterior descending artery/diagonal branch (86.4%). During procedure, 8.5% (5/59) of lesions had unsuccessful side branch predilation, and 4 of these bifurcations were treated with 2 stents. In the multivariate model, side branch stenosis at baseline was the only significant predictor of unsuccessful side branch predilation (odds ratio 1.15, 95% confidence interval 1.01-1.30; P = 0.04), and side branch stenosis > 87.6% was identified as the most accurate cut-off value to predict failure in the ROC curve. CONCLUSIONS: Side branch predilation was associated with immediate side branch failure in < 10% of cases, and the only significant predictor in the multivariate model was the severity of side branch stenosis (> 85%) at baseline.

Coronary artery disease; Coronary stenosis; Coronary angiography; Angioplasty; Stents; Drug-eluting stents


ARTIGO ORIGINAL

Impacto da pré-dilatação do ramo lateral no procedimento de intervenção coronária percutânea em lesões de bifurcação coronária complexas

Ricardo A. CostaI; Fausto FeresII; Rodolfo StaicoIII; J. Ribamar Costa Jr.IV; Dimytri SiqueiraV; Luiz F. TanajuraVI; Alexandre AbizaidVII; Amanda G. M. R. SousaVIII; J. Eduardo SousaIX; Antonio ColomboX

I Doutor. Médico cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

II Doutor. Médico cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

III Doutor. Médico cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

IV Doutor. Médico cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

V Doutor. Médico cardiologista intervencionista do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e do Hospital do Coração. São Paulo, SP, Brasil

VI Doutor. Chefe da Seção Médica de Angioplastia Coronária do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

VII Livre-docente. Diretor do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

VIII Livre-docente. Diretora geral do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

IX Livre-docente. Diretor do Centro de Intervenções em Doenças Estruturais do Coração do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo, SP, Brasil

X Professor convidado de Medicina da Columbia University. Diretor do Departamento de Cardiologia Invasiva do Centro Cuore Columbus e do Istituto Scientifico Universitario San Raffaele. Milão, Itália

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ricardo A. Costa Serviço de Cardiologia Invasiva Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 Ibirapuera São Paulo, SP, Brasil – CEP 04012-909 E-mail: rcosta@dantepazzanese.org.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O tratamento de lesões de bifurcação com implante de stent único no vaso principal e stent provisional no ramo lateral pode ser limitado pelo grau de complexidade anatômica/morfológica da lesão. A pré-dilatação do ramo lateral, um passo do procedimento geralmente evitado, pode ser necessária para manter a patência do ramo lateral. Investigamos o impacto da pré-dilatação do ramo lateral nos resultados imediatos de intervenção coronária percutânea em lesões de bifurcação coronária complexas.

MÉTODOS: Entre maio de 2008 e agosto de 2009, 59 pacientes com lesão de bifurcação coronária única e comprometimento significativo de vaso principal e ramo lateral foram incluídos no estudo. Os principais critérios de exclusão foram: envolvimento do tronco de coronária esquerda, infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST (< 72 horas) e reestenose intrastent.

RESULTADOS: A média de idade foi de 61,2 ± 11 anos, 25,4% eram do sexo feminino e 30,1% tinham diabetes. As lesões mais frequentemente se localizaram em artéria descendente anterior/ramo diagonal (86,4%). Durante o procedimento, 8,5% (5/59) das lesões tiveram pré-dilatação do ramo lateral sem sucesso, e 4 dessas bifurcações foram tratadas com 2 stents. No modelo multivariado, a estenose do ramo lateral no pré-procedimento foi o único preditor significativo de pré-dilatação sem sucesso do ramo lateral (odds ratio 1,15, intervalo de confiança de 95% 1,01-1,30; P = 0,04), e estenose > 87,6% no ramo lateral foi identificada na curva ROC como valor de corte com maior acurácia para predizer o insucesso.

CONCLUSÕES: A pré-dilatação do ramo lateral esteve associada a falência imediata do ramo lateral em < 10% dos casos e o único preditor significativo na análise multivariada foi a gravidade da estenose (> 85%) no ramo lateral no pré-procedimento.

Descritores: Doença da artéria coronariana. Estenose coronária. Angiografia coronária. Angioplastia. Stents. Stents farmacológicos.

ABSTRACT

BACKGROUND: The treatment of coronary bifurcation lesions with single stenting in the main vessel and provisional side branch stenting may be limited by the degree of anatomical/morphological complexity. Side branch predilation, a procedural step usually avoided, may be required to maintain side branch patency. We investigated the impact of side branch predilation on the immediate results of percutaneous coronary intervention in complex coronary bifurcation lesions.

METHODS: Between May 2008 and August 2009, 59 patients with single coronary bifurcation lesions with significant involvement of the main and side branches were included in the study. The main exclusion criteria were: involvement of the left main coronary artery, ST-elevation acute myocardial infarction (< 72 hours) and in-stent restenosis.

RESULTS: Mean age was 61.2 ± 11 years, 25.4% were female and 30.1% had diabetes mellitus. Lesions were most prevalent in the left anterior descending artery/diagonal branch (86.4%). During procedure, 8.5% (5/59) of lesions had unsuccessful side branch predilation, and 4 of these bifurcations were treated with 2 stents. In the multivariate model, side branch stenosis at baseline was the only significant predictor of unsuccessful side branch predilation (odds ratio 1.15, 95% confidence interval 1.01-1.30; P = 0.04), and side branch stenosis > 87.6% was identified as the most accurate cut-off value to predict failure in the

ROC curve.

CONCLUSIONS: Side branch predilation was associated with immediate side branch failure in < 10% of cases, and the only significant predictor in the multivariate model was the severity of side branch stenosis (> 85%) at baseline.

Descriptors: Coronary artery disease. Coronary stenosis. Coronary angiography. Angioplasty. Stents. Drug-eluting stents.

As lesões de bifurcação coronária representam até 20% das lesões submetidas a intervenção coronária percutânea (ICP).1 Notavelmente, a ICP em bifurcações tem sido associada a procedimentos complexos e taxas de sucesso relativamente baixas (< 90%), principalmente pela ocorrência de complicações no ramo lateral.2-7 No decorrer dos últimos anos, várias técnicas percutâneas foram desenvolvidas para o tratamento de lesões de bifurcação; entretanto, o risco de comprometimento (falência) do ramo lateral por dissecção, distúrbio de fluxo, oclusão e/ou estenose residual significativa continua a ser motivo de grande preocupação para o intervencionista.8,9 Dentre as abordagens técnicas mais utilizadas atualmente está o tratamento com stent único, ou seja, implante de stent de forma planejada no vaso principal com implante de stent no ramo lateral apenas se necessário. Essa abordagem mais simplificada é conhecida como estratégia provisional.10 As alternativas incluem tratamentos mais complexos, como implante de stents em ambos os ramos da bifurcação (vaso principal e ramo lateral).11 De maneira específica, a pré-dilatação do ramo lateral como um passo inicial do procedimento de ICP em bifurcações (independentemente da técnica utilizada) permanece controversa, uma vez que pode ocasionar comprometimento e dificuldade de acesso ao ramo; no entanto, sua realização, principalmente em lesões com morfologia complexa, incluindo doença grave no óstio do ramo lateral, pode ser crítica para a manutenção da patência do ramo durante o procedimento.12

Nosso objetivo foi avaliar o impacto da pré-dilatação do ramo lateral nos resultados imediatos em uma coorte de pacientes portadores de lesões de bifurcação coronária complexas submetidos a ICP com implante de stents farmacológicos em um estudo comparativo entre estratégia provisional e implante eletivo de 2 stents.

MÉTODOS

Desenho e população do estudo

O presente estudo representa uma subanálise de um ensaio clínico prospectivo, randomizado, realizado em centro único (Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP, Brasil) entre maio de 2008 e agosto de 2009.13 Os principais critérios de inclusão eram: idade ≥ 18 anos; apresentação clínica de angina estável ou instável ou, ainda, presença de isquemia silenciosa; e presença de lesão de novo única envolvendo bifurcação coronária com comprometimento significativo do vaso principal e ramo lateral (lesão de bifurcação "verdadeira"), com lesão no ramo lateral estendendo-se além do óstio (> 5 mm). Em contrapartida, os principais critérios de exclusão eram: infarto do miocárdio dentro de 72 horas do procedimento índice; insuficiência renal com nível de creatinina sérica basal ≥ 2 mg/dl; alergia, hipersensibilidade e/ou contraindicação para terapia antitrombótica com aspirina, tienopiridínico (clopidogrel) e heparina; lesão localizada no tronco da coronária esquerda; reestenose intrastent; e fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 30%.

O protocolo desta investigação esteve em adequação com a Declaração de Helsinque relacionada à investigação em humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética da referida instituição. Todos os pacientes receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual foi assinado previamente ao procedimento de ICP índice.

Procedimento

A abordagem técnica proposta pelo protocolo incluiu a realização de pré-dilatação do ramo lateral com subsequente randomização, dependendo do resultado da pré-dilatação. O procedimento de pré-dilatação do ramo lateral foi realizado com um cateter-balão do tipo semicomplacente, com diâmetro aproximadamente 0,5 mm menor que a referência do vaso. A pré-dilatação do ramo lateral com sucesso foi definida quando o resultado da angiografia de controle apresentava: a) estenose residual < 50% (pela estimativa visual); b) fluxo TIMI 3; e c) ausência de qualquer dissecção. No caso de estenose ≥ 50%, fluxo TIMI < 3 e/ou presença de dissecção, a pré-dilatação do ramo lateral era considerada sem sucesso (falência do ramo lateral). Os pacientes que tiveram pré-dilatação do ramo lateral sem sucesso foram tratados de acordo com o critério do operador. Já aqueles com pré-dilatação do ramo lateral com sucesso foram posteriormente randomizados para ICP com estratégia de stent único (técnica provisional) vs. implante eletivo de 2 stents (qualquer técnica) (Figura 1). Todos os pacientes foram tratados exclusivamente com o stent farmacológico de segunda geração liberador de everolimus XienceTM V (Abbott Vascular, Santa Clara, Estados Unidos), o qual já foi descrito previamente de maneira detalhada.14


O protocolo antitrombótico seguiu as diretrizes atuais15 e consistiu-se da administração de 2 agentes antiplaquetários: ácido acetilsalicílico (aspirina) e tienopiridínico (clopidogrel). O pré-tratamento incluiu aspirina na dose de 100-200 mg/dia em caso de uso crônico (> 7 dias) ou dose de ataque de 500 mg realizada > 24 horas antes da ICP; para o clopidogrel, a dose de ataque de 300 mg era realizada > 24 horas antes da intervenção em casos eletivos ou 600 mg > 2 horas antes do procedimento em casos de síndrome coronária aguda. Após o procedimento, o uso de aspirina (100-200 mg/dia) foi recomendado por tempo indeterminado, e o clopidogrel (75 mg/dia) foi administrado por um período mínimo de 12 meses. Com relação à terapia antitrombínica durante o procedimento, a heparina intravenosa foi administrada na dose de 70-100 U/kg de peso para manter tempo de coagulação ativada > 250 segundos (> 200 segundos em caso de administração concomitante de inibidor da glicoproteína IIb/IIIa, de acordo com o critério do operador).

Definições

Eventos cardíacos adversos maiores (ECAM) foram definidos pelo desfecho composto de morte cardíaca, infarto do miocárdio e revascularização da lesão-alvo. Todas as mortes foram consideradas cardíacas, a não ser que uma causa não cardíaca pudesse ser claramente estabelecida por estudo clínico ou patológico. Sangramento grave foi definido de acordo com o sangramento maior do critério TIMI,16 o qual inclui: hemorragia intracraniana ou diminuição na concentração de hemoglobina ≥ 5 g/dl ou diminuição absoluta no hematócrito ≥ 15%. Sucesso angiográfico foi definido pela presença de estenose residual < 30% no vaso principal e < 50% no ramo lateral de acordo com a análise da angiografia coronária quantitativa (ACQ) mais presença de fluxo anterógrado TIMI 3 e ausência de dissecção nos 2 ramos da bifurcação. Sucesso do procedimento incluiu sucesso angiográfico mais ausência de ECAM/sangramento grave durante a hospitalização no procedimento índice.

Análise angiográfica

As análises angiográficas qualitativas e de ACQ foram realizadas no pré e no pós-procedimento. No geral, tais avaliações seguiram as recomendações propostas pelo Subcomitê Angiográfico do Grupo Europeu de Bifurcação (European Bifurcation Club).17 A aquisição de imagens ocorreu após a administração intracoronária de nitrato (100-200 µg), a não ser que clinicamente contraindicado, e incluiu duas a três projeções ortogonais (separadas > 30 graus), que visavam a otimizar a visualização da lesão-alvo. As lesões de bifurcação foram classificadas de acordo com a classificação de Medina18. As análises de ACQ foram realizadas off-line por operadores experientes com o método e alheios aos dados do procedimento, por meio de um programa de computador validado e disponível comercialmente (QAngio® XA versão 7.2 – Medis, Leiden, Holanda), o qual incorpora uma ferramenta para a realização de análise de ACQ segmentar dedicada para bifurcações coronárias. A extensão da lesão foi delimitada pela distância entre os pontos imediatamente antes e após a estenose-alvo considerados isentos de processo ateromatoso, ou seja, a transição entre o segmento estenótico e as referências normais (5-10 mm) do vaso principal proximal e distal. No ramo lateral, a extensão da lesão foi considerada a partir do óstio até a transição do segmento estenótico e a referência normal distal (5-10 mm). O diâmetro mínimo do lúmen e o diâmetro de referência do vaso foram utilizados para calcular o diâmetro de estenose por meio da seguinte fórmula:

DE (%) = [1 - (DML/DRV)] x 100,

em que DE = diâmetro de estenose, DML = diâmetro mínimo do lúmen e DRV = diâmetro de referência do vaso.

Análise estatística

As variáveis quantitativas foram expressas como média e desvio padrão e comparadas com o teste t de Student. As variáveis qualitativas foram expressas como frequências absolutas e porcentuais e comparadas pelo teste qui-quadrado ou teste exato de Fisher, quando apropriado. Modelo de regressão logística foi utilizado para avaliar variáveis independentes preditoras de insucesso da pré-dilatação do ramo lateral. A curva ROC foi construída para avaliar pontos de corte das variáveis quantitativas identificadas na regressão logística com maior acurácia. O nível de significância adotado foi de 5% (α).

RESULTADOS

O estudo incluiu 59 pacientes (59 lesões de bifurcação coronária), os quais foram submetidos ao protocolo de pré-dilatação do ramo lateral. A média de idade era de 61,2 ± 11 anos, 30,1% eram diabéticos, 39% tinham infarto agudo do miocárdio (IAM) prévio (19% com IAM < 30 dias) e 11,9% tinham insuficiência renal (Tabela 1). Em relação à apresentação clínica, angina estável foi observada em maior prevalência (42,4%, n = 25), seguida de síndrome coronária aguda em 25,4% (n = 15), assintomático pós-IAM recente em 20,3% (n = 12) e isquemia silenciosa em 11,9% (n = 7). A Tabela 2 apresenta os dados angiográficos. A maior parte das lesões de bifurcação (86,4%) envolvia a artéria descendente anterior e o ramo diagonal; também, a maioria estava localizada no segmento proximal do leito coronário. Todas as lesões consideradas apresentavam comprometimento significativo dos 2 ramos da bifurcação, e as lesões tipo 1,1,1 segundo a classificação de Medina18 foram encontradas em 61%. Com relação à função ventricular esquerda, 36% dos pacientes apresentavam algum grau de disfunção (< 50%).

Durante o procedimento, 8,5% das lesões (5/59) apresentaram insucesso da pré-dilatação do ramo lateral em decorrência de dissecção (4/5) ou estenose residual significativa (1/5). A Figura 2 demonstra um caso envolvendo artéria descendente anterior/ramo diagonal com ramo lateral com doença difusa e grave, o qual apresentou dissecção após a pré-dilatação, sendo tratado com técnica de mini-crush. Dos 5 pacientes com insucesso da pré-dilatação do ramo lateral, 4 foram tratados com estratégia de 2 stents (T- com protrusão, 2; mini-crush, 2). O outro paciente com insucesso da pré-dilatação do ramo lateral apresentava calcificação grave da lesão, a qual se mostrou não-responsiva a sucessivas tentativas de dilatação com cateter-balão; dessa forma, acabou sendo tratado com técnica de stent único, uma vez que não foi possível entregar o stent para o referido ramo. Já os pacientes que obtiveram sucesso na pré-dilatação do ramo lateral (54/59) foram tratados com técnica de 2 stents em 59,3% (n = 32) e stent único em 40,7% (n = 22). De maneira geral, a pós-dilatação simultânea com kissing-balão foi realizada em 100% nas lesões sem sucesso da pré-dilatação do ramo lateral vs. 96,3% nas lesões com sucesso. Ao final do procedimento, o sucesso angiográfico foi de 80% (4/5) no grupo sem sucesso da pré-dilatação do ramo lateral (uma lesão apresentou estenose residual do ramo lateral significativa) vs. 98,2% (53/54) no grupo com sucesso da pré-dilatação do ramo lateral, em que uma lesão apresentou oclusão do ramo lateral após tratamento com stent único (P = 0,09). Já o sucesso do procedimento foi semelhante em ambos os grupos (80% vs. 87%). No grupo pré-dilatação com sucesso, 7 pacientes apresentaram ECAM/sangramento incluindo IAM periprocedimento (n = 6) e sangramento maior (n = 1) associado ao uso do inibidor da glicoproteína IIb/IIIa.


As comparações dos dados da ACQ no vaso principal e no ramo lateral encontram-se nas Tabelas 3 e 4, respectivamente. De maneira geral, o grupo sem sucesso da pré-dilatação do ramo lateral apresentou ramo lateral com lesão mais extensa, menor diâmetro mínimo do lúmen e obstrução mais grave comparado ao ramo lateral do grupo com sucesso da pré-dilatação. Na análise multivariada foram avaliadas a presença de calcificação, os ângulos distal e proximal, a excentricidade, a extensão da lesão, o diâmetro de referência do vaso, o diâmetro mínimo do lúmen e o porcentual do diâmetro da estenose. O único preditor significativo de insucesso da pré-dilatação do ramo lateral foi o porcentual do diâmetro da estenose no óstio do ramo lateral pela análise de ACQ (odds ratio 1,15 para cada unidade porcentual, intervalo de confiança de 95% 1,01-1,30; P = 0,04). Pela análise da curva ROC (Receiver Operator Curve) (Figura 3), um valor de corte do porcentual de estenose no ramo lateral > 87,6% no pré-procedimento foi identificado como preditor de insucesso de pré-dilatação do ramo lateral, com acurácia de 86,5%.


DISCUSSÃO

Na análise atual, foi proposta uma abordagem técnica com pré-dilatação do ramo lateral previamente ao implante de stent(s) na lesão de bifurcação. No entanto, a realização de tal procedimento de maneira sistemática tem sido objeto de controvérsia, uma vez que o alargamento do lúmen na localização do óstio do ramo lateral pode criar dissecções, as quais podem vir a dificultar ou mesmo impedir o acesso ao ramo lateral através das estruturas do stent no caso de tratamento com a estratégia provisional.10 Outra questão levantada tem sido a possibilidade de a pré-dilatação do ramo lateral favorecer o recruzamento da corda-guia no ramo lateral através de estruturas proximais, o que poderia também comprometer, pelo menos em tese, a conformação das estruturas do stent no vaso principal em relação à origem do ramo lateral.19 Por outro lado, a pré-dilatação do ramo lateral tem sido indicada nos casos em que o acesso ao ramo lateral é difícil ou quando a estenose é grave e calcificada.10,19 Nessas situações, tal procedimento pode facilitar o acesso ao ramo lateral, além de proporcionar aumento do lúmen vascular. Em geral, a dificuldade ou a impossibilidade de acesso (ou recruzamento) ao ramo lateral permanecem como fator limitante para a ICP em lesões de bifurcação coronária. Estudos prévios identificaram vários preditores de dificuldade de acesso ao ramo lateral, os quais incluem: calcificação significativa envolvendo o segmento proximal do vaso principal ou o ramo lateral, estenose grave com acúmulo de placa volumosa no segmento proximal do vaso principal, tortuosidade excessiva no segmento proximal da lesão de bifurcação, ângulo distal > 90 graus, e fluxo comprometido no ramo lateral.20,21

Em nosso estudo, foram incluídas apenas lesões de bifurcação coronária com comprometimento significativo do ramo lateral, com lesões estendendo-se além do óstio. Pela análise angiográfica pré-procedimento no ramo lateral, os valores médios de extensão da lesão e do grau de obstrução nos pacientes incluídos nos braços randomizados do estudo (grupo com sucesso da pré-dilatação do ramo lateral) eram de 9,9 mm e 71%, respectivamente. Já o grupo sem sucesso da pré-dilatação do ramo lateral apresentava lesões mais complexas, incluindo médias de extensão da lesão e do grau de obstrução no ramo lateral de 12,6 mm e 82%, respectivamente. Mesmo assim, tais diferenças não foram significativas, provavelmente pelo pequeno número de amostra. Adicionalmente, 44% das lesões apresentavam calcificação de grau moderado a grave no ramo lateral. Estudos prévios demonstram que o risco de oclusão do ramo lateral é proporcional ao grau de estenose presente. Uma análise de Chaudhry et al.22 demonstrou que para cada incremento de 10 pontos porcentuais no grau de estenose o risco de comprometimento do ramo lateral aumentava em 23% durante abordagem percutânea com stent único. Nesse estudo, a presença de calcificação também esteve associada ao comprometimento do ramo lateral (P = 0,06). Digno de nota é o fato de que o comprometimento do ramo lateral esteve associado à ocorrência de infarto do miocárdio periprocedimento.

Dessa forma, a utilização de uma abordagem técnica com pré-dilatação sistemática do ramo lateral em nosso estudo justifica-se pelo grau de complexidade das lesões incluídas. Além disso, o insucesso da pré-dilatação do ramo lateral nessa situação poderia identificar de maneira precoce as morfologias impróprias para a abordagem com estratégia provisional, uma vez que o cruzamento para estratégia com 2 stents pode ser laborioso e sem garantias de sucesso, especialmente na vigência de comprometimento do ramo lateral.20 Nesses casos, pode-se optar por técnicas que permitam o implante primário de stent no ramo lateral, como crush ou culotte.11 Em nosso estudo, o insucesso da pré-dilatação do ramo lateral ocorreu em 8,5% dos casos, e o único preditor independente identificado na análise multivariada foi o grau de estenose do ramo lateral. Especificamente, um grau de estenose de 87,6% foi identificado como o valor de corte preditor de resposta desfavorável do ramo lateral à pré-dilatação. Mesmo assim, novos estudos devidamente desenhados e poder estatístico adequado são necessários para avaliar de maneira mais definitiva o impacto da pré-dilatação do ramo lateral em lesões de bifurcação coronária complexas.

CONCLUSÕES

O procedimento de pré-dilatação do ramo lateral em lesões de bifurcação coronária complexas tratadas por ICP esteve associado a taxas de falência imediata do ramo lateral relativamente baixas (< 10%). Mesmo assim, tal procedimento mostrou-se capaz de identificar de maneira precoce certas morfologias provavelmente impróprias para a abordagem com estratégia provisional, o que deve ser levado em conta no momento da escolha da técnica de ICP nesse subgrupo complexo. Na análise multivariada, o grau de estenose do ramo lateral no pré-procedimento foi o único preditor independente de insucesso da pré-dilatação do ramo lateral identificado.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 14/3/2012

Aceito em: 25/5/2012

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  • Endereço para correspondência:
    Ricardo A. Costa
    Serviço de Cardiologia Invasiva
    Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. Av. Dr. Dante Pazzanese, 500
    Ibirapuera
    São Paulo, SP, Brasil – CEP 04012-909
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      14 Mar 2012
    • Aceito
      25 Maio 2012
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