Acessibilidade / Reportar erro

Cirurgia não-cardíaca e terapia antiplaquetária em pacientes tratados com stents coronários

Noncardiac surgery and antiplatelet therapy in patients with coronary stents

Resumos

O crescente aumento da incidência de doenças cardiovasculares e do uso de stents convencionais ou farmacológicos tornou frequente a terapia antiplaquetária dupla. Esses pacientes em geral são submetidos a cirurgias não-cardíacas, tornando-se necessário manejo adequado dos antiplaquetários no período perioperatório. A estratégia de suspensão sistemática dos antiplaquetários antes da cirurgia acarreta aumento da morbidade e da mortalidade por eventos trombóticos, especialmente em pacientes com alto risco de trombose intrastent. Dados demonstram que não há aumento significativo das complicações hemorrágicas em cirurgias de baixo a moderado riscos para sangramento, realizadas em uso da terapia antiplaquetária dupla. A avaliação adequada do risco para eventos trombóticos e para sangramento cirúrgico permite identificar o manejo mais adequado do paciente. Procedimentos com risco de sangramento pequeno ou moderado devem ser realizados sob terapia antiplaquetária, enquanto nos de alto risco os antiplaquetários devem ser suspensos. Alternativamente, deve-se considerar postergar a cirurgia até que a terapia antiplaquetária possa ser descontinuada com segurança. De modo geral, em pacientes que serão submetidos a cirurgia não-cardíaca, a suspensão da terapia antiplaquetária implica riscos cardiovasculares maiores que as complicações por sangramento. Assim, recomenda-se a manutenção dos antiplaquetários, exceto em casos de cirurgia realizada em compartimentos fechados ou quando o risco de sangramento for inaceitável. Propomos um algoritmo para o manejo da terapia antiplaquetária no período perioperatório, considerando os riscos de eventos trombóticos e de sangramento.

stents; inibidores da agregação de plaquetas; cirurgia


The increasing incidence of cardiovascular diseases and the use of bare metal or drug eluting stents have led to an increase in the use of dual antiplatelet therapy. These patients are frequently submitted to non-cardiac surgeries, requiring adequate perioperative management of antiplatelet agents. The strategy of systematic discontinuation of anti-platelet agents prior to surgery increases morbidity and mortality due to thrombotic events, especially in patients with a high risk of in-stent thrombosis. Data indicate there is no significant increase of bleeding complications in surgeries with low to moderate risk of bleeding carried out when dual antiplatelet therapy is used. Adequate risk assessment of thrombotic events and surgical bleeding enables the identification of the most appropriate strategy for the patient. Procedures with low or moderate risk of bleeding must be carried out under antiplatelet therapy, whereas it must be discontinued in those with high risk of bleeding. Alternatively, one must consider postponing the surgery until antiplatelet therapy is safely discontinued. In general, in patients undergoing non-cardiac surgery, the discontinuation of antiplatelet therapy involves cardiovascular risks which are higher than bleeding complications. Thus, the maintenance of antiplatelet agents is recommended, except in cases of surgery carried out in closed compartments or when the risk of bleeding is unacceptable. We propose an algorithm for the perioperative management of antiplatelet therapy, taking into consideration the risks of thrombotic events and bleeding.

stents; platelet aggregation inhibitors; surgery


ARTIGO DE REVISÃO

Cirurgia não-cardíaca e terapia antiplaquetária em pacientes tratados com stents coronários

Noncardiac surgery and antiplatelet therapy in patients with coronary stents

Denise Machado de Oliveira; Ricardo Lasevitch; Vitor Gomes; Diovane Berleze; Paulo Carmori

Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) - Porto Alegre, RS, Brasil

Correspondência Correspondência: Denise Machado de Oliveira Av. Ipiranga, 6.690 - Jardim Botânico Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 90610-000 Email: dennizmo@yahoo.com.br

RESUMO

O crescente aumento da incidência de doenças cardiovasculares e do uso de stents convencionais ou farmacológicos tornou frequente a terapia antiplaquetária dupla. Esses pacientes em geral são submetidos a cirurgias não-cardíacas, tornando-se necessário manejo adequado dos antiplaquetários no período perioperatório. A estratégia de suspensão sistemática dos antiplaquetários antes da cirurgia acarreta aumento da morbidade e da mortalidade por eventos trombóticos, especialmente em pacientes com alto risco de trombose intrastent. Dados demonstram que não há aumento significativo das complicações hemorrágicas em cirurgias de baixo a moderado riscos para sangramento, realizadas em uso da terapia antiplaquetária dupla. A avaliação adequada do risco para eventos trombóticos e para sangramento cirúrgico permite identificar o manejo mais adequado do paciente. Procedimentos com risco de sangramento pequeno ou moderado devem ser realizados sob terapia antiplaquetária, enquanto nos de alto risco os antiplaquetários devem ser suspensos. Alternativamente, deve-se considerar postergar a cirurgia até que a terapia antiplaquetária possa ser descontinuada com segurança. De modo geral, em pacientes que serão submetidos a cirurgia não-cardíaca, a suspensão da terapia antiplaquetária implica riscos cardiovasculares maiores que as complicações por sangramento. Assim, recomenda-se a manutenção dos antiplaquetários, exceto em casos de cirurgia realizada em compartimentos fechados ou quando o risco de sangramento for inaceitável. Propomos um algoritmo para o manejo da terapia antiplaquetária no período perioperatório, considerando os riscos de eventos trombóticos e de sangramento.

Descritores: stents. inibidores da agregação de plaquetas. cirurgia.

ABSTRACT

The increasing incidence of cardiovascular diseases and the use of bare metal or drug eluting stents have led to an increase in the use of dual antiplatelet therapy. These patients are frequently submitted to non-cardiac surgeries, requiring adequate perioperative management of antiplatelet agents. The strategy of systematic discontinuation of anti-platelet agents prior to surgery increases morbidity and mortality due to thrombotic events, especially in patients with a high risk of in-stent thrombosis. Data indicate there is no significant increase of bleeding complications in surgeries with low to moderate risk of bleeding carried out when dual antiplatelet therapy is used. Adequate risk assessment of thrombotic events and surgical bleeding enables the identification of the most appropriate strategy for the patient. Procedures with low or moderate risk of bleeding must be carried out under antiplatelet therapy, whereas it must be discontinued in those with high risk of bleeding. Alternatively, one must consider postponing the surgery until antiplatelet therapy is safely discontinued. In general, in patients undergoing non-cardiac surgery, the discontinuation of antiplatelet therapy involves cardiovascular risks which are higher than bleeding complications. Thus, the maintenance of antiplatelet agents is recommended, except in cases of surgery carried out in closed compartments or when the risk of bleeding is unacceptable. We propose an algorithm for the perioperative management of antiplatelet therapy, taking into consideration the risks of thrombotic events and bleeding.

Key-words: stents. platelet aggregation inhibitors. surgery.

Um número crescente de pacientes utiliza a terapia antiplaquetária dupla com ácido acetilsalicílico e tienopiridínicos para prevenção de trombose no sítio do implante de stents convencionais ou farmacológicos, bem como para prevenção primária e secundária de infarto do miocárdio e/ou acidente vascular cerebral.1

Relatos recentes sugerem que 5% dos pacientes tratados com stents serão submetidos a cirurgias nãocardíacas dentro do primeiro ano da realização do procedimento percutâneo.2 Com a utilização mais frequente dos antiplaquetários, o aumento do risco de sangramentos relacionados aos procedimentos cirúrgicos tem se tornado um desafio na prática clínica, gerando incertezas no manejo desses pacientes. A estratégia utilizada até recentemente era a suspensão dos fármacos antiagregantes previamente à cirurgia e seu reinício somente após a comprovação da ausência de sangramento.3 Entretanto, novas evidências apontam para o aumento inaceitável de eventos trombóticos relacionados à suspensão dos antiplaquetários, havendo necessidade de modificação dessa conduta no período perioperatório.4,5

A incompleta endotelização do stent combinada ao estado pró-trombótico induzido pela cirurgia e a suspensão abrupta do ácido acetilsalicílico e/ou dos tienopiridínicos aumentam o risco de trombose da prótese, com oclusão aguda do vaso no período perioperatório.2 Pacientes submetidos a cirurgias precocemente após implante de stent e nos quais houve suspensão dos antiplaquetários apresentaram risco de infarto do miocárdio e de mortalidade cinco a dez vezes maior quando comparados àqueles submetidos à mesma cirurgia em uso de terapia antiplaquetária dupla ou após o término do tempo preconizado desse tratamento (um mês para stents convencionais e um ano para os farmacológicos).1,2,6

Ao se defrontar com a necessidade de suspensão da terapia antiplaquetária no perioperatório de cirurgias não-cardíacas, deve-se contemplar tanto o risco de sangramento como o risco de eventos trombóticos, em uma análise individualizada. O objetivo deste artigo é avaliar criticamente os riscos e os benefícios da suspensão dos antiplaquetários no período perioperatório, orientando seu manejo prático nas situações clínicas mais frequentes.

AGENTES ANTIPLAQUETÁRIOS PARA PREVENÇÃO DE EVENTOS TROMBÓTICOS NA INTERVENÇÃO CORONÁRIA PERCUTÂNEA

O ácido acetilsalicílico, um inibidor clássico da atividade plaquetária, atua por meio da inibição da enzima ciclo-oxigenase.6 Esse mecanismo de ação é compartilhado com os anti-inflamatórios não-esteroides, porém a acetilação da prostaglandina plaquetária pelo ácido acetilsalicílico é irreversível, ao passo que com os anti-inflamatórios não-esteroides está ligada à meiavida do fármaco. O ácido acetilsalicílico é efetivo nas doses de 75 mg a 150 mg por dia, com pequeno efeito protetor adicional para eventos trombóticos em doses maiores. Entretanto, ocorre aumento correspondente do risco de sangramento com a utilização de doses maiores.3 Há grande variação interindividual no que se refere ao efeito farmacológico do ácido acetilsalicílico após sua suspensão, entretanto estudos revelam que esse efeito se mantém por 4 a 7 dias.

O clopidogrel, utilizado nas doses de ataque de 300 mg a 600 mg pré-procedimento percutâneo e de 75 mg por dia posteriormente, é outro inibidor da função plaquetária, assim como a ticlopidina. Ambos os fármacos são derivados diidropiridínicos e inibem irreversivelmente a ativação plaquetária dependente de adenosina difosfato, prevenindo eventos trombóticos em associação com o ácido acetilsalicílico. A resposta ao clopidogrel também é variável, e em alguns pacientes o efeito antiplaquetário é dose-dependente.

A descontinuação prematura da terapia antiplaquetária dupla é um importante fator preditor de trombose do stent, particularmente nos primeiros dias e meses após o implante, o que ressalta a importância da manutenção da terapia antiplaquetária dupla durante o processo de endotelização da prótese. É importante mencionar que a trombose pode ocorrer mesmo em vigência da terapia antiplaquetária dupla, pela presença de outros fatores de risco clínicos, anatômicos e relacionados ao procedimento.

Estudos observacionais e randomizados têm demonstrado que a incidência de trombose no primeiro ano do procedimento é semelhante para os stents convencionais e os farmacológicos, variando entre 0,4% e 2,1%. A trombose muito tardia, por sua vez, ocorre mais frequentemente com os stents farmacológicos2, com incidência de 0,4% a 0,6% ao ano.5 Embora a trombose seja rara, a não previsibilidade desse evento e suas consequências clínicas catastróficas têm grande impacto clínico.

Estudos demonstraram que a suspensão abrupta do ácido acetilsalicílico resulta em efeito rebote, com elevação dos níveis de ciclo-oxigenase e tromboxano, assim como a suspensão do clopidogrel resulta em efeitos pró-inflamatório e pró-trombótico que podem perdurar por até 90 dias após a suspensão do fármaco.2,3 A relevância clínica desses achados é motivo de discussão e controvérsia6, porém é fato inconteste que a suspensão da terapia antiplaquetária está associada a aumento de trombose, infarto e óbito em pacientes submetidos ou não a procedimentos de revascularização.2,4

O risco de trombose é provavelmente potencializado pelos efeitos pró-trombóticos e pró-inflamatórios associados à cirurgia. A resposta ao estresse cirúrgico inclui a ativação simpática e a liberação de citocinas, que promovem vasoespasmo, além de redução da atividade fibrinolítica e hipercoagulabilidade. Esse estado pró-trombótico atinge seu pico 48 horas após o procedimento.7

Estudos que avaliaram pacientes tratados com stent convencional e submetidos eletivamente a cirurgia nãocardíaca, com suspensão da terapia antiplaquetária três semanas após o procedimento, demonstraram maior mortalidade associada à trombose do stent.5 Outro estudo com 207 pacientes revelou taxas de 4% e 3% para morbidade e mortalidade, respectivamente, em pacientes submetidos a cirurgia não-cardíaca nos primeiros dois meses após o implante de stents, nos quais a terapia antiplaquetária dupla foi suspensa. O risco de eventos foi ainda maior quando a cirurgia foi realizada nas primeiras três semanas após o procedimento percutâneo.3

O papel da terapia antiplaquetária dupla é ainda mais evidente em pacientes com stents farmacológicos. Pacientes submetidos a cirurgia não-cardíaca que foram mantidos em uso de clopidogrel e ácido acetilsalicílico de acordo com o tempo planejado para o tipo de stent farmacológico na utilização on-label (três meses para sirolimus e seis meses para paclitaxel) apresentaram morbidade e mortalidade de 0,6%, ao passo que aqueles nos quais os antiplaquetários foram suspensos apresentaram 13,3% de morbidade e mortalidade.8-10 Evidências adicionais indicam que o risco de trombose persiste por pelo menos um ano após o implante de stents farmacológicos, recomendando-se a utilização da terapia antiplaquetária dupla por 12 meses.11

Cirurgias realizadas imediatamente após o implante de stent farmacológico estão associadas a aumento significativo da incidência de infarto e morte perioperatórios, mesmo em vigência da terapia antiplaquetária.12 Dessa forma, não se recomenda a utilização de stents farmacológicos em pacientes que sabidamente serão submetidos a procedimentos cirúrgicos programados para o primeiro ano após o tratamento percutâneo.

Apesar do consenso de que a terapia antiplaquetária dupla em portadores de stents farmacológicos é efetiva na redução de trombose, vários questionamentos ainda persistem. Um deles diz respeito à duração ótima da terapia antiplaquetária, que ainda não foi determinada. Embora as diretrizes recomendem 12 meses ou mais de terapia em casos específicos, alguns a recomendam por tempo indeterminado, especialmente em pacientes de alto risco7, enquanto outros questionam a necessidade de terapia antiplaquetária dupla após três a seis meses.5 Além disso, há considerável debate quanto à influência do tipo de stent na duração ótima da terapia antiplaquetária, uma vez que o risco de trombose não é uniforme entre os diversos stents farmacológicos disponíveis para uso clínico. Os fatores de risco conhecidos para trombose de stent e que devem ser considerados na eventualidade de interromper a terapia antiplaquetária no período perioperatório estão apresentados na Tabela 1.

Em decorrência da carência de informações, não há consenso quanto ao manejo da terapia antiplaquetária em pacientes que serão submetidos a cirurgia não-cardíaca. Em pacientes de baixo risco para eventos cardiovasculares, pode haver suspensão temporária da medicação sem aumento substancial dos eventos cardiovasculares perioperatórios. Contudo, em pacientes com maior risco para eventos trombóticos, os fármacos antiplaquetários devem ser mantidos sempre que o risco de sangramento não for proibitivo.

RISCO DE SANGRAMENTO EM CIRURGIA NÃO-CARDÍACA

A avaliação do risco de sangramento perioperatório é fundamental na tomada de decisão no que se refere à manutenção ou à suspensão da terapia antiplaquetária, e está relacionada ao tipo de cirurgia programado (Tabela 2).

Uma meta-análise de 465 estudos considerando o risco de sangramento cirúrgico em pacientes usuários de ácido acetilsalicílico em baixas doses demonstrou que o risco se elevou em cerca de 1,5 vez, sem que houvesse aumento da mortalidade ou morbidade cirúrgicas.3 Na maioria dos procedimentos cirúrgicos, o pequeno aumento das taxas de sangramento não elevou o risco do paciente nem comprometeu o resultado do procedimento, não havendo, portanto, impacto clínico significativo. Nas cirurgias dermatológicas e procedimentos endoscópicos, o uso do ácido acetilsalicílico isolado não foi um fator preditivo positivo para sangramento.10,11 Por outro lado, as cirurgias realizadas em compartimentos fechados (determinadas cirurgias oftalmológicas, do ouvido médio e neurocirurgias) podem acarrretar maior número de eventos associados à antiagregação plaquetária.3

Não existem estudos sistemáticos avaliando o risco de sangramento em pacientes em uso de terapia antiplaquetária dupla em cirurgia não-cardíaca. Há poucas evidências quanto ao impacto do sangramento com o uso de clopidogrel em cirurgia não-cardíaca e as informações existentes são pouco consistentes. Contudo, está bem documentado que há maior risco de sangramento com a manutenção de clopidogrel associado ao ácido acetilsalicílico em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca, os quais apresentaram significativo aumento de sangramento perioperatório, reintervenções por sangramento, transfusão sanguínea, e internação prolongada em unidades de tratamento intensivo.3

RECOMENDAÇÕES NO MANEJO PRÉ-OPERATÓRIO

A indicação de suspensão da terapia antiplaquetária antes da cirurgia depende essencialmente do risco de sangramento da intervenção planejada. A maioria dos procedimentos ambulatoriais pode ser realizada com risco de sangramento baixo ou negligenciável em vigência da dupla antiagregação plaquetária. Os procedimentos dentários são uma causa frequente de questionamento quanto à manutenção da terapia antiplaquetária. Embora alguns profissionais da área demonstrem receio quanto à possibilidade de sangramento nesses casos, faltam evidências que sustentem essa posição. Por causa da relativa facilidade em controlar o sangramento com medidas locais, como regra geral não há indicação para a suspensão das drogas antiplaquetárias antes desses procedimentos. Para as demais cirurgias não-cardíacas também há falta de dados consistentes que preconizem a suspensão das drogas antiplaquetárias.

Em contrapartida, a associação entre interrupção da terapia antiplaquetária e trombose do stent está bem documentada. De modo geral, deve ser mantido o tratamento antiplaquetário em pacientes que serão submetidos a cirurgia não-cardíaca, pois sua suspensão implica riscos cardiovasculares superiores aos de complicações perioperatórias por sangramento. Assim, recomenda-se a manutenção das medicações antiplaquetárias, exceto em casos de cirurgia realizada em compartimentos fechados, como neurocirurgia, ouvido médio, câmara orbitária posterior e canal medular, ou quando o risco de sangramento é inaceitável.

Alternativamente, cirurgias eletivas podem ser postergadas até que a terapia antiplaquetária dupla possa ser descontinuada com segurança, o que em geral se dá 6 semanas após o implante de stent convencional e 12 meses após o implante de stent farmacológico. De modo geral, esses pacientes devem permanecer sob uso de ácido acetilsalicílico, salvo quando submetidos a cirurgias nas quais o risco de sangramento é alto. Por outro lado, nos pacientes com risco aumentado de trombose a antiagregação dupla deve ser mantida, independentemente do tempo decorrido desde a intervenção percutânea.

Mesmo em pacientes com risco de sangramento elevado a decisão deve ser individualizada, avaliando-se riscos e benefícios da suspensão da terapia antiplaquetária. Na Figura 1, apresentamos um algoritmo para o manejo de pacientes em terapia antiplaquetária dupla candidatos a cirurgias não-cardíacas.


Nos pacientes que fizeram uso da terapia antiplaquetária dupla pelo tempo preconizado nas diretrizes, o clopidogrel pode ser suspenso, mantendo-se o ácido acetilsalicílico durante o período perioperatório, exceto em situações em que o risco de sangramento é inaceitável, como cirurgias em compartimentos fechados. Quando for indicada a suspensão dos antiplaquetários, o ácido acetilsalicílico deve ser suspenso 3 a 5 dias antes do procedimento e o clopidogrel, 5 a 7 dias antes. Na reintrodução dos fármacos, tanto o ácido acetilsalicílico quanto o clopidogrel devem ser administrados o mais precocemente possível, de preferência nas primeiras 24 horas após o procedimento. Sugerese dose de ataque do clopidogrel (300 mg) para atingir rapidamente os níveis de antiagregação plaquetária desejados, seguida pela utilização desse fármaco na dose habitual (75 mg/dia).

Não há evidências científicas robustas de que o uso de outros antiplaquetários e anticoagulantes, como varfarina, heparina não-fracionada, heparina de baixo peso molecular ou inibidores de glicoproteína IIb/IIIa, reduza o risco de trombose de stent no período perioperatório após suspensão do ácido acetilsalicílico e do clopidogrel.

No manejo de complicações hemorrágicas em vigência de terapia antiplaquetária dupla deve-se salientar a importância da disponibilidade de um banco de sangue capacitado, que possa oferecer rapidamente hemoderivados, especialmente de concentrado de plaquetas, o que é particularmente importante em pacientes que necessitam ser submetidos a cirurgia de urgência e com alto risco de sangramento.

Finalmente, há evidências sugerindo que a terapia com esteroides (metilprednisolona 20 mg) pode ser benéfica na redução do tempo de sangramento associado à administração do clopidogrel. Seu uso na prática clínica, no entanto, não está estabelecido.14

Para a adequada avaliação do risco de complicações trombóticas e hemorrágicas de pacientes em uso de antiplaquetários no perioperatório é fundamental a participação de uma equipe multidisciplinar envolvendo cardiologistas, cirurgiões, anestesistas e intensivistas.

Na Tabela 3 estão apresentadas as recomendações para o manejo multiprofissional de pacientes com risco de trombose de stent e/ou sangramento no período perioperatório.

USO DE ANTIPLAQUETÁRIOS EM PACIENTES QUE NECESSITAM DE REVASCULARIZAÇÃO PERCUTÂNEA PREVIAMENTE A CIRURGIA NÃO-CARDÍACA

A revascularização pré-operatória pode estar indicada em pacientes com doença coronária estável de alto risco ou em pacientes com síndromes coronárias agudas.1,12 Nesses pacientes, a técnica de revascularização escolhida terá impacto no risco de eventos trombóticos perioperatórios, bem como na decisão de interromper a terapia antiplaquetária. Em pacientes com lesões pouco complexas, anatomicamente favoráveis, pode ser considerada a realização de angioplastia apenas com balão, o que possibilita a realização da cirurgia em três semanas após o procedimento, com interrupção de um dos agentes antiplaquetários e baixo risco de trombose. Contudo, em uma significativa parte dos casos o resultado angiográfico adequado às vezes não é alcançado apenas com o balão, o que pode resultar no implante de stent não planejado ou em desfechos desfavoráveis no perioperatório.8 De modo geral, quando o implante de stent não pode ser evitado opta-se pelo stent convencional. Não se recomenda o uso de stents farmacológicos para pacientes que serão submetidos a procedimentos cirúrgicos precocemente, uma vez que é inapropriada a suspensão da terapia antiplaquetária dupla por período prolongado. Contudo, em pacientes com alto risco cardiovascular e alto risco de reestenose em que o benefício de implante dos stents farmacológicos seja considerado maior, a cirurgia nãocardíaca proposta deve ser realizada sob dupla antiagregação plaquetária ou sua indicação reconsiderada.

Levando-se em conta a possibilidade de interrupção precoce da terapia antiplaquetária durante a intervenção coronária, deve ser realizado todo o esforço para adequada aposição das hastes do stent e otimização do resultado angiográfico, o que reduz o risco de trombose de stent.8 A Figura 2 apresenta um fluxograma para a tomada de decisão quanto à estratégia de revascularização percutânea e de uso de antiplaquetários em pacientes que sabidamente serão submetidos a cirurgia não-cardíaca.


CONCLUSÃO

A ocorrência de trombose perioperatória de stent é um evento catastrófico, que acarreta elevada morbidade e mortalidade. O risco de trombose de stent é baixo quando a cirurgia é realizada posteriormente ao período da terapia antiplaquetária dupla de 6 semanas após o implante de stent convencional e de 12 meses após o implante de stent farmacológico. Em alguns pacientes, esse risco é aumentado e prolongado. Durante o período de maior risco para trombose de stent, deve ser mantida a terapia antiplaquetária dupla exceto se o risco de sangramento associado ao procedimento cirúrgico for considerado proibitivo.

Em pacientes com doença coronária candidatos a cirurgia não-cardíaca que necessitem de revascularização percutânea antes do procedimento cirúrgico, o implante de stent deve ser evitado, devendo-se dar preferência à angioplastia com balão. Caso a cirurgia seja planejada 4 a 6 semanas após o procedimento percutâneo, então o stent convencional é preferível. De modo geral, os stents farmacológicos não devem ser utilizados, devendo ser considerados somente se a cirurgia for planejada 12 meses após, particularmente nos casos em que a anatomia coronária é complexa e o risco de reestenose é elevado.

As informações disponíveis a respeito da interrupção da terapia antiplaquetária dupla em pacientes revascularizados percutaneamente ainda são incompletas, especialmente quanto ao período perioperatório de cirurgias não-cardíacas. É necessária atenção especial, a fim de que uma adequada análise dos riscos e benefícios envolvidos para cada paciente seja realizada antes da decisão terapêutica. O uso de algoritmos para a tomada de decisões pode reduzir o risco dessa infrequente, embora grave, complicação que é a trombose do stent no período perioperatório.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declararam inexistência de conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 22/4/2010

Aceito em: 31/8/2010

  • 1. Fleisher LA, Beckman JA, Brown KA, Calkins H, Chaikof E, Fleishmann KE, et al. ACC/AHA 2007 guidelines on perioperative cardiovascular evaluation and care for noncardiac surgery: a report of the American College of Cardiology/ American Heart Association Task Force on Practice Guidelines (Writing Committee to Revise the 2002 Guidelines on Perioperative Cardiovascular Evaluation for Noncardiac Surgery). Circulation. 2007;116(17):e418-99.
  • 2. Möllmann H, Nef HM, Hamm CW, Elsässer A. How to manage patients with need for antiplatelet therapy in the setting of (un)planned surgery. Clin Res Cardiol. 2009;98(1):8-15.
  • 3. Servin F. Low-dose aspirin and clopidogrel: how to act in patients scheduled for day surgery. Curr Opin Anesthesiol. 2007;20(6):531-4.
  • 4. Newsome LT, Weller RS, Gerancher JC, Kutcher MA, Royster LD. Coronary artery stents: II. Perioperative considerations and management. Anesth Analg. 2008;107(2):570-90.
  • 5. Moussa ID, Colombo A. Antiplatelet therapy discontinuation following drug-eluting stent placement: dangers, reasons and management recommendations. Catheter Cardiovasc Interv. 2009;74(7):1047-54.
  • 6. Sibbing D, Stegherr J, Braun S, Mehilli J, Schulz S, Seyfarth M, et al. A double-bind, randomized study on prevention and existence of a rebound phenomenon of platelets after cessation of copidogrel treatment. J Am Coll Cardiol. 2010;55(6):558-65.
  • 7. Sharma AK, Ajani AE, Hamwi SM, Maniar P, Lakhani SV, Waksman R, et al. Major non cardiac surgery following coronary stenting: when is it safe to operate? Catheter Cardiovasc Interv. 2004;63(2):141-5.
  • 8. Wilson SH, Fasseas P, Orford JL, Lennon RJ, Horlocker T, Charnoff NE, et al. Clinical outcome of patients undergoing noncardiac surgery in the two months following coronary stenting. J Am Coll Cardiol. 2003;42(2):234-40.
  • 9. Dixon AJ, Dixon MP, Dixon JB. Bleeding complications in skin cancer surgery are associated with warfarin but not aspirin therapy. Br J Surg. 2007;94(11):1356-60.
  • 10. Hussain N, Alsulaiman R, Burtin P, Toubouti Y, Rahme E, Boivin JF, et al. The safety of endoscopic sphincterotomyin patients receiving antiplatelet agents: a case-control study. Aliment Pharmacol Ther. 2007;25(5):579-84.
  • 11. Brilakis ES, Banerjee S, Berger PB. Perioperative management of patients with coronary stents. J Am Coll Cardiol. 2007;49(22):2145-50.
  • 12. Valgimigli M, Percoco G, Malagutti P, Campo G, Ferrari F, Barbieri D, et al. Tirofiban and sirolimus-eluting stent vs abciximab and bare-metal stent for acute myocardial infarction: a randomized trial. JAMA. 2005;293(17):2109-17.
  • 13. Schömig A, Neumann FJ, Kastrati A, Schühlen H, Blasini R, Hadamitzky M, et al. A randomized comparison of antiplatelet and anticoagulant therapy after the placement of coronary artery stents. N Engl J Med. 1996;334(17):1084-9.
  • 14. Ong ATL, Hoye A, Aoki J, van Mieghem CA, Rodriguez Granillo GA, Sonnenschein K, et al. Thirty-day incidence and six-month clinical outcome of thrombotic stent occlusion after bare-metal, sirolimus, or paclitaxel stent implantation. J Am Coll Cardiol. 2005;45(6):947-53.
  • 15. Kastrati A, Dibra A, Mehilli J, Mayer S, Pinieck S, Pache J, et al. Predictive factors of restenosis after coronary implantation of sirolimus or paclitaxel-eluting stents. Cirulation. 2006;113(19):2293-300.
  • Correspondência:

    Denise Machado de Oliveira
    Av. Ipiranga, 6.690 - Jardim Botânico
    Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 90610-000
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      22 Abr 2010
    • Aceito
      31 Ago 2010
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br