Acessibilidade / Reportar erro

Coarctação da Aorta em Crianças com Menos de 25 kg: Tratamento Percutâneo por Punção da Artéria Axilar

Resumos

Introdução:

O tratamento percutâneo da coarctação da aorta é método de escolha em crianças acima de 6 meses de idade e sem hipoplasia do arco aórtico. No entanto, nos pacientes com menos de 25 kg, a via de acesso clássica (femoral) pode representar um problema, principalmente nos implantes de stents, devido ao tamanho dos introdutores. O objetivo deste estudo foi relatar a experiência com a punção da artéria axilar como via de acesso para o tratamento percutâneo de pacientes com coarctação da aorta e peso < 25 kg.

Métodos:

A punção foi realizada com agulha 21 G, com o braço abduzido em 90º, sendo introduzido fio-guia 0,014 polegada, posicionado na aorta descendente. Um introdutor 5 F pediátrico de 7 cm foi inicialmente utilizado para realização do procedimento, sendo substituído, quando necessário, por um introdutor maior. Após a intervenção, foi realizada compressão hemostática manual.

Resultados:

Foram tratadas dez crianças, sendo oito com recoarctação póscirúrgica e duas com coactação nativa, com idades de 51,1 ± 30,8 meses e peso de 15,8 ± 5,8 kg. A punção foi realizada em todos os casos sem dificuldade técnica, e a mediana do calibre do introdutor foi de 7 F. Em oito pacientes, foram implantados oito stents e, em dois, foi realizada apenas angioplastia com balão. Houve sucesso técnico em todos os casos. Após a retirada do introdutor, não houve perda de pulso definitiva e um paciente apresentou pequeno hematoma local.

Conclusões:

Na nossa experiência, o acesso axilar por meio de punção mostrou ser uma alternativa segura e eficaz neste grupo de pacientes.

Coartação aórtica; Criança; Artéria axilar; Stents; Cardiopatias congênitas


Background:

Percutaneous treatment of aortic coarctation is the method of choice in children over 6 months of age and without aortic arch hypoplasia. However in patients less than 25 kg the classical access route (femoral) may pose a problem, especially in cases of stenting, due to the size of the size of the introducers. The objective of this study was to report our experience with the axillary artery approach for the percutaneous treatmentof patients with aortic coarctation weighing less than 25 kg.

Methods:

The arterial puncture was performed with a 21 G needle, with the arm abducted at 90º, and a 0.014 inch guidewire was positioned in the descending aorta. A 5 F × 7 cm pediatric introducer was initially used for the procedure and whenever required, it was replaced in a larger one. Manual-compression hemostasis was performed after the intervention.

Results:

Ten children were treated, eight with residual and two with native coarctation, mean age was 51.1 ± 30.8 months and weight 15.8 ± 5.8 kg. Puncture was performed in all cases without technical difficulty and the median introducer size was 7 F. Eight stents were implanted in eight patients and two patients were only treated by balloon angioplasty. Technical success was observed in all patients. After removal of the introducer, there was no permanent pulse loss and one patient had a small local hematoma.

Conclusions:

In our experience the axillary artery approach for percutaneous treatment of patients with aortic coarctation proved to be a safe and effective alternative in patients weighing less than 25 kg.

Aortic coarctation; Child; Axillary artery; Stents; Heart defects, congenital


A escolha da via de acesso no tratamento percutâneo da coarctação da aorta em crianças é um passo fundamental no planejamento da intervenção, sobretudo em pacientes pequenos, com peso < 25 kg. A maioria desses procedimentos pode ser realizada por via arterial, seja femoral ou por punção direta da artéria carótida, sendo essa última a mais utilizada atualmente. 1McCrindle BW, Jones TK, Morrow WR, Hagler DJ, Lloyd TR, Nouri S, et al. Acute results of balloon angioplasty of native coarctation versus recurrent aortic obstruction are equivalent. Valvuloplasty and Angioplasty of Congenital Anomalies (VACA) Registry Investigators. J Am Coll Cardiol. 1996;28(7):1810-7.,2Fletcher SE, Nihill MR, Grifka RG, O'Laughlin MP, Mullins CE. Balloon angioplasty of native coarctation of the aorta: midterm follow-up and prognostic factors. J Am Coll Cardiol. 1995; 25(3):730-4. Esse acesso vascular tem se mostrado seguro e eficaz, porém não é isento de complicações.3Fawzy ME, Fathala A, Osman A, Badr A, Mostafa MA, Mohamed G, et al. Twenty-two years of follow-up results of balloon angioplasty for discreet native coarctation of the aorta in adolescents and adults. Am Heart J. 2008;156(5):910-7.,4Dua JS, Osborne NJ, Tometzki AJ, Martin RP. Axillary artery approach for balloon valvoplasty in young infants with severe aortic valve stenosis: medium-term results. Catheter Cardiovasc Interv. 2006;68(6):929-35. O acesso por via axilar, por meio de punção, tem sido utilizado recentemente em alguns procedimentos, com bons resultados e poucas complicações.4Dua JS, Osborne NJ, Tometzki AJ, Martin RP. Axillary artery approach for balloon valvoplasty in young infants with severe aortic valve stenosis: medium-term results. Catheter Cardiovasc Interv. 2006;68(6):929-35.

Schranz D, Michel-Behnke I. Axillary artery access for cardiac interventions in newborns. Ann Pediatr Cardiol. 2008;1(2):126-30.
-6Lawless S, Orr R. Axillary artery monitoring of pediatric patients. Pediatrics. 1989;84(2):273-5.

O objetivo deste estudo foi relatar nossa experiência inicial com o uso de punção da artéria axilar como via de acesso principal no tratamento de crianças com menos de 25 kg portadoras de coarctação da aorta.

MÉTODOS

Tratou-se de estudo observacional de uma coorte de crianças com coarctação da aorta submetida a procedimentos intervencionistas realizados por punção da artéria axilar. Os dados foram coletados de forma retrospectiva por meio da análise de prontuários. Os procedimentos foram realizados após o consentimento livre e esclarecido ter sido obtido dos pais ou responsáveis.

Entre junho de 2012 e maio de 2014, ocorreram 53 intervenções em pacientes com coarctação da aorta, sendo 10 realizadas por via axilar em crianças com menos de 25 kg.

A punção da artéria axilar foi realizada com a criança sob anestesia geral, com o braço abduzido a 90º, e a cabeça ligeiramente inclinada para o lado oposto ao local da punção. Após palpação do pulso arterial na fossa axilar, a artéria foi puncionada com agulha 21 G, sendo posteriormente introduzido fio-guia de 0,014 polegada (Boston Scientific, Natick, Estados Unidos), posicionado na aorta descendente. Um introdutor 5 F pediátrico de 7 cm (Terumo Corporation, Tóquio, Japão ou Cordis Corporation, Warren, Estados Unidos) foi inicialmente utilizado para realização do procedimento, sendo substituído, quando necessário, por um introdutor maior, conforme o perfil dos cateteres e balões a serem utilizados. Após a punção, foi administrada heparina na dose de 150 U/kg. A posição considerada ideal era obtida quando a extremidade distal do introdutor se encontrava no arco aórtico (Figura 1A). Para a maioria das intervenções, as injeções de contraste foram realizadas por meio do braço lateral da própria bainha, sem necessidade de cateteres angiográficos adicionais.

Figura 1
Em A, angiografia realizada por acesso axilar mostrando coarctação da aorta (seta preta) e posição ideal do introdutor no arco aórtico (seta branca). Em B, insuflação do balão. Em C, resultado após angioplastia.

A decisão de realizar apenas angioplastia com balão foi baseada nos seguintes critérios: lesão localizada, sem hipoplasia do istmo ou do arco aórtico (coarctação localizada), em crianças com peso < 10 kg e sem sinais clínicos de insuficiência cardíaca ou de aumento de cavidades no ecocardiograma. Após o procedimento, a bainha introdutora foi retirada, e foi realizada compressão manual no local durante 15 a 20 minutos, com o fluxo do membro controlado pelo sensor de pulso do oxímetro. A heparina foi neutralizada com uso de protamina em todos os pacientes.

Na unidade de recuperação, o membro foi mantido aquecido com o uso de algodão ortopédico durante 6 horas. A mobilidade e a sensibilidade do membro foram avaliadas clinicamente antes, imediatamente após a intervenção e durante a internação hospitalar. A escolha dessa via de acesso foi planejada antes do procedimento em todos os pacientes.

RESULTADOS

Foram incluídas no estudo dez crianças com idades de 51,1 ± 30,8 meses e peso de 14,8 ± 5,5 kg. As características demográficas dos pacientes e dos procedimentos encontram-se descritas na tabela. A punção da artéria axilar foi realizada em todos os casos sem dificuldade técnica, sendo utilizada a artéria axilar direita também em todos os casos. A mediana do calibre do introdutor foi 7 F. Recoartação pós-cirúrgica foi diagnosticada em oito pacientes e coartação nativa nos demais.

TABELA
Características demográficas e do procedimento

A angioplastia com balão foi realizada em dois pacientes com peso entre 5 e 9 kg e foram utilizados balões PowerFlex® Cordis com diâmetros 5 e 8 mm (Figuras 1B e 1C). Em oito pacientes, foram implantados oito stents, sendo sete deles Genesis® XD Cordis, montados em balões PowerFlex® Cordis, com diâmetros variáveis (Figura 2). Um paciente utilizou um stent prémontado Express® SD (Boston Scientific, Natick, Estados Unidos) 7 x 15 mm. Houve sucesso técnico em todos os pacientes. Após a retirada do introdutor, não houve perda de pulso em nenhum caso e um paciente apresentou um pequeno hematoma sem necessidade de transfusão.

Figura 2
Em A, angiografia realizada por acesso axilar mostrando coarctação do arco aórtico (seta preta). Nota-se a origem da artéria subclávia esquerda do local da coarctação (seta branca). Em B, resultado após implante de stent, com artéria subclávia esquerda patente (seta branca).

No seguimento ambulatorial de 18,3 ± 2,2 meses, um paciente foi encaminhado para cirurgia em razão da formação de aneurisma no local do stent. As demais crianças não apresentaram sinais de recoarctação e nem transtornos no pulso ou diferença de pressão entre os membros superiores. Em quatro crianças, foram realizados controle tomográfico da coarctação e estudo da artéria axilar puncionada, que não evidenciaram alterações no local do acesso (Figura 3).

Figura 3
Tomografia de controle da artéria axilar direita, sem evidências de estenose ou dissecção no local puncionado.

DISCUSSÃO

O tratamento percutâneo da coarctação da aorta atualmente é considerado a principal alternativa terapêutica em crianças acima de 1 ano de idade sem hipoplasia do arco aórtico. A angioplastia com cateter balão é a primeira escolha em crianças com peso < 25 kg. A maioria desses pacientes evolui favoravelmente, porém ainda existe um número não desprezível de formação de aneurismas da parede aórtica no local da dilatação, fato preocupante toda vez que utilizamos essa técnica. Recentemente, têm sido utilizados os stents para o tratamento da coarctação da aorta com menor formação de aneurismas e com excelentes resultados a longo prazo. Os stents considerados ideais são aqueles que podem ser redilatados até a idade adulta, porém, para seu implante, são necessários introdutores com calibres maiores que 7 F, fato que pode limitar seu uso em pacientes de menor peso.

A real incidência de complicações vasculares (estenoses) após tratamento percutâneo da coarctação da aorta é difícil de estimar, já que pode existir aparente simetria de pulso com estenose arterial presente, e nem sempre exames de imagens, como ultrassom, são solicitados para a investigação diagnóstica. As complicações vasculares, quando utilizado o acesso femoral, variam entre 3 a 12%, dependendo da experiência do grupo, sendo mais frequente em crianças menores.7Ammar RI. Balloon angioplasty for native aortic coarctation in children and infants younger than 12 months: immediate and mediumterm follow-up. J Invasive Cardiol. 2012;24(12):662-6.

A utilização de outras vias de acesso, como a dissecção da artéria carótida ou da própria artéria axilar, tem sido descrita no tratamento percutâneo de diferentes patologias cardíacas congênitas com bons resultados, porém seu uso para tratamento da coarctação de aorta em crianças não tem sido relatado até o presente momento. Neste artigo, relatamos a experiência inicial utilizando a punção da artéria axilar para tratar esse grupo de pacientes com peso < 25 kg. Como foi demonstrado, a técnica da punção da artéria axilar foi possível em todos os casos, devendo ser lembrado que, também em todos os casos, o pulso axilar esteve presente e a anatomia dos vasos da base foi definida anteriormente, por ecocardiograma ou tomografia computadorizada, realizados antes do procedimento. Esses fatos são de extrema importância, já que em pacientes com pulso não palpável ou com origem anômala da artéria subclávia direita, comprovada por métodos complementares, essa técnica não pode ser empregada.

Apesar de não ter sido realizada a punção guiada pelo ultrassom, que permite a aferição do diâmetro do vaso, é provável que a artéria axilar seja de maior calibre que a femoral nesse tipo de patologia, permitindo a utilização de introdutores relativamente calibrosos para o peso das crianças, o que possibilitou o implante do stent ideal sem complicações vasculares. A observação da inexistência de complicações isquêmicas no membro utilizado também pode ser explicada pela técnica de punção judiciosa e pelo fato de a artéria axilar não ser um ramo de irrigação terminal. O membro superior permanece perfundido durante toda a intervenção, através da segunda artéria intercostal e da artéria acromial, minimizando a ocorrência de complicações isquêmicas distais.

No seguimento, a avaliação anatômica do vaso puncionado foi possível em 40% dos pacientes, evidenciando uma anatomia preservada em todos os casos. Nesses pacientes, a tomografia foi realizada como parte do protocolo de acompanhamento clínico da nossa instituição, com o objetivo de avaliar a presença de possíveis anormalidades vasculares no local da coarctação.

CONCLUSÕES

A via axilar obtida por punção direta do vaso foi, nesta experiência inicial, uma boa alternativa para o tratamento de crianças com menos de 25 kg portadoras de coarctação da aorta, com excelentes resultados e baixo índice de complicações.

  • FONTE DE FINANCIAMENTO
    Não há.

REFERÊNCIAS

  • 1
    McCrindle BW, Jones TK, Morrow WR, Hagler DJ, Lloyd TR, Nouri S, et al. Acute results of balloon angioplasty of native coarctation versus recurrent aortic obstruction are equivalent. Valvuloplasty and Angioplasty of Congenital Anomalies (VACA) Registry Investigators. J Am Coll Cardiol. 1996;28(7):1810-7.
  • 2
    Fletcher SE, Nihill MR, Grifka RG, O'Laughlin MP, Mullins CE. Balloon angioplasty of native coarctation of the aorta: midterm follow-up and prognostic factors. J Am Coll Cardiol. 1995; 25(3):730-4.
  • 3
    Fawzy ME, Fathala A, Osman A, Badr A, Mostafa MA, Mohamed G, et al. Twenty-two years of follow-up results of balloon angioplasty for discreet native coarctation of the aorta in adolescents and adults. Am Heart J. 2008;156(5):910-7.
  • 4
    Dua JS, Osborne NJ, Tometzki AJ, Martin RP. Axillary artery approach for balloon valvoplasty in young infants with severe aortic valve stenosis: medium-term results. Catheter Cardiovasc Interv. 2006;68(6):929-35.
  • 5
    Schranz D, Michel-Behnke I. Axillary artery access for cardiac interventions in newborns. Ann Pediatr Cardiol. 2008;1(2):126-30.
  • 6
    Lawless S, Orr R. Axillary artery monitoring of pediatric patients. Pediatrics. 1989;84(2):273-5.
  • 7
    Ammar RI. Balloon angioplasty for native aortic coarctation in children and infants younger than 12 months: immediate and mediumterm follow-up. J Invasive Cardiol. 2012;24(12):662-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    01 Jun 2014
  • Aceito
    09 Ago 2014
Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: sbhci@sbhci.org.br