Acessibilidade / Reportar erro

Impacto da disponibilização de stents farmacológicos para pacientes do Sistema Único de Saúde nas indicações de revascularização miocárdica

Impact of drug-eluting stent availability on indications for coronary revascularization in patients from the Public Healthcare System

Resumos

INTRODUÇÃO: Os stents farmacológicos (SFs) ainda não estão disponíveis para uso clínico em pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Este estudo teve como objetivo avaliar o quanto a disponibilidade de SFs para utilização em pacientes do SUS poderia impactar na conduta do cardiologista intervencionista com relação à indicação de revascularização miocárdica, cirúrgica ou percutânea. MÉTODOS: Análise retrospectiva dos casos submetidos a revascularização cirúrgica pelo SUS em 2010 na Santa Casa de Misericórdia de Barra Mansa (Barra Mansa, RJ, Brasil). As coronariografias, classificadas pelo SYNTAX Score, foram submetidas à avaliação de três cardiologistas intervencionistas, juntamente com o seguinte questionário: 1) Concorda com a indicação inicial de cirurgia? 2) Utilizando SF, considera que a intervenção coronária percutânea (ICP) seria tão benéfica quanto ou superior à cirurgia? 3) Caso optasse pelo implante de SF, quantos seriam utilizados? 4) Com SF, a revascularização seria completa? Foram excluídos os casos de revascularização cirúrgica prévia, plastia/troca valvar concomitante, e resposta "não" à questão 1 do questionário. RESULTADOS: O estudo incluiu 67 pacientes, com média de idade de 59,7 ± 9,8 anos, 59,7% do sexo masculino e 38,8% diabéticos. Em 29,8% a ICP foi considerada o procedimento de escolha, com revascularização completa em 90% dos casos e uso médio de 1,82 ± 0,83 stent por paciente. De acordo com o SYNTAX Score, a ICP foi indicada em 66,6% dos pacientes com escore < 23, em 23% dos pacientes com escore entre 23 e 32, e em nenhum paciente com escore > 32. CONCLUSÕES: A disponibilização de SF para pacientes do SUS pode influenciar significativamente as indicações de revascularização miocárdica percutânea, principalmente naqueles com SYNTAX Score < 23.

Procedimentos cirúrgicos cardíacos; Doença das coronárias; Angioplastia; Stents; Stents farmacológicos; Sistema Único de Saúde


BACKGROUND: Drug-eluting stents (DES) are still not accessible for patients from the Public Healthcare System (PuHS). This study aimed to evaluate how the availability of DES for use in PuHS patients could impact the conduct of the interventional cardiologist regarding the indication for percutaneous or surgical myocardial revascularization. METHODS: Retrospective analysis of PuHS patients undergoing surgical revascularization at Santa Casa de Misericórdia de Barra Mansa (Barra Mansa, RJ, Brazil) in 2010. Coronary angiographies classified by the SYNTAX score were submitted to the evaluation of 3 interventional cardiologists who answered the following questionnaire: 1) Do you agree with the initial indication for surgery? 2) If a DES was available, do you believe the percutaneous coronary intervention (PCI) would be as beneficial as or superior to surgical revascularization? 3) If you decide to use DES, how many would be used? 4) After using DES, would revascularization be complete? Patients submitted to previous surgical revascularization, concomitant valvoplasty/valve replacement and a negative answer to question 1 were excluded. RESULTS: A total of 67 patients were included, with mean age of 59.7 ± 9.8 years, 59.7% were male and 38.8% diabetics. PCI was the therapy of choice in 29.8%, with complete revascularization in 90% of the cases and a mean use of 1.82 ± 0.83 stents per patient. According to the SYNTAX score, PCI was indicated in 66.6% of the patients with a score < 23, in 23% of the patients with a score from 23 to 32 and none of the patients with a score > 32. CONCLUSIONS: The availability of DES for PuHS patients may significantly influence indications for percutaneous coronary revascularization, especially among those with a SYNTAX score < 23.

Cardiac surgical procedures; Coronary disease; Angioplasty; Stents; Drug-eluting stents; Unified Health System


ARTIGO ORIGINAL

Impacto da disponibilização de stents farmacológicos para pacientes do Sistema Único de Saúde nas indicações de revascularização miocárdica

Impact of drug-eluting stent availability on indications for coronary revascularization in patients from the Public Healthcare System

Rodrigo Lagny de Castro Oliveira; Luiz Heitor Demolinari Jr.; Gustavo Adolfo Bravo Rando; Paulo Cesar Moraes; Guilherme Abdalla; Alexandre da Silva Medeiros

Santa Casa de Misericórdia de Barra Mansa - Barra Mansa, RJ, Brasil

Correspondência Correspondência: Rodrigo Lagny de Castro Oliveira Rua Pinto Ribeiro, 205 Barra Mansa, RJ, Brasil - CEP 27310-420 E-mail: lagny@ig.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Os stents farmacológicos (SFs) ainda não estão disponíveis para uso clínico em pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Este estudo teve como objetivo avaliar o quanto a disponibilidade de SFs para utilização em pacientes do SUS poderia impactar na conduta do cardiologista intervencionista com relação à indicação de revascularização miocárdica, cirúrgica ou percutânea.

MÉTODOS: Análise retrospectiva dos casos submetidos a revascularização cirúrgica pelo SUS em 2010 na Santa Casa de Misericórdia de Barra Mansa (Barra Mansa, RJ, Brasil). As coronariografias, classificadas pelo SYNTAX Score, foram submetidas à avaliação de três cardiologistas intervencionistas, juntamente com o seguinte questionário: 1) Concorda com a indicação inicial de cirurgia? 2) Utilizando SF, considera que a intervenção coronária percutânea (ICP) seria tão benéfica quanto ou superior à cirurgia? 3) Caso optasse pelo implante de SF, quantos seriam utilizados? 4) Com SF, a revascularização seria completa? Foram excluídos os casos de revascularização cirúrgica prévia, plastia/troca valvar concomitante, e resposta "não" à questão 1 do questionário.

RESULTADOS: O estudo incluiu 67 pacientes, com média de idade de 59,7 ± 9,8 anos, 59,7% do sexo masculino e 38,8% diabéticos. Em 29,8% a ICP foi considerada o procedimento de escolha, com revascularização completa em 90% dos casos e uso médio de 1,82 ± 0,83 stent por paciente. De acordo com o SYNTAX Score, a ICP foi indicada em 66,6% dos pacientes com escore < 23, em 23% dos pacientes com escore entre 23 e 32, e em nenhum paciente com escore > 32.

CONCLUSÕES: A disponibilização de SF para pacientes do SUS pode influenciar significativamente as indicações de revascularização miocárdica percutânea, principalmente naqueles com SYNTAX Score < 23.

Descritores: Procedimentos cirúrgicos cardíacos. Doença das coronárias. Angioplastia. Stents. Stents farmacológicos. Sistema Único de Saúde.

ABSTRACT

BACKGROUND: Drug-eluting stents (DES) are still not accessible for patients from the Public Healthcare System (PuHS). This study aimed to evaluate how the availability of DES for use in PuHS patients could impact the conduct of the interventional cardiologist regarding the indication for percutaneous or surgical myocardial revascularization.

METHODS: Retrospective analysis of PuHS patients undergoing surgical revascularization at Santa Casa de Misericórdia de Barra Mansa (Barra Mansa, RJ, Brazil) in 2010. Coronary angiographies classified by the SYNTAX score were submitted to the evaluation of 3 interventional cardiologists who answered the following questionnaire: 1) Do you agree with the initial indication for surgery? 2) If a DES was available, do you believe the percutaneous coronary intervention (PCI) would be as beneficial as or superior to surgical revascularization? 3) If you decide to use DES, how many would be used? 4) After using DES, would revascularization be complete? Patients submitted to previous surgical revascularization, concomitant valvoplasty/valve replacement and a negative answer to question 1 were excluded.

RESULTS: A total of 67 patients were included, with mean age of 59.7 ± 9.8 years, 59.7% were male and 38.8% diabetics. PCI was the therapy of choice in 29.8%, with complete revascularization in 90% of the cases and a mean use of 1.82 ± 0.83 stents per patient. According to the SYNTAX score, PCI was indicated in 66.6% of the patients with a score < 23, in 23% of the patients with a score from 23 to 32 and none of the patients with a score > 32.

CONCLUSIONS: The availability of DES for PuHS patients may significantly influence indications for percutaneous coronary revascularization, especially among those with a SYNTAX score < 23.

Key-words: Cardiac surgical procedures. Coronary disease. Angioplasty. Stents. Drug-eluting stents. Unified Health System.

Os stents farmacológicos (SFs) surgiram há mais de uma década com o objetivo de reduzir a necessidade de nova revascularização da lesão-alvo das intervenções coronárias percutâneas (ICPs). A proliferação neointimal é o fator preponderante causador da reestenose do stent não-farmacológico (SNF). Logo após a liberação da endoprótese, a resposta ao barotrauma leva à formação de um processo cicatricial ao longo dos primeiros meses, que, quando exacerbado, pode culminar na diminuição significativa da luz do vaso, levando a isquemia miocárdica e a sua representação clínica, a angina do peito.1,2 A adição de fármacos antiproliferativos à plataforma dos stents veio permitir o controle da proliferação celular local com resultados incontestavelmente satisfatórios.

A despeito de seu uso difundido mundialmente, os SFs têm custo mais elevado e atualmente não estão disponibilizados para uso clínico no Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa forma, casos com maior probabilidade de reestenose como lesões em vasos de fino calibre, pacientes diabéticos e multiarteriais acabam sendo privados desse tratamento eficaz, restando-lhes, portanto, a cirurgia cardíaca ou o tratamento clínico. O objetivo deste trabalho foi avaliar o quanto a disponibilidade de SFs para utilização em pacientes do SUS poderia impactar na conduta médica com relação à indicação de revascularização miocárdica.

MÉTODO

Pacientes

Foram avaliados, retrospectivamente, todos os casos de pacientes submetidos a revascularização miocárdica cirúrgica pelo SUS no ano de 2010 na Santa Casa de Misericórdia de Barra Mansa (Barra Mansa, RJ, Brasil), independentemente da época de realização da coronariografia. Foram excluídos casos de troca ou plastia valvar cirúrgica concomitante e pacientes que já haviam sido submetidos à cirurgia previamente.

Classificação das coronariografias

Todas as coronariografias foram avaliadas por um cardiologista intervencionista e classificadas com o auxílio da ferramenta on-line SYNTAX Score (www.syntaxscore.com). Após essa etapa, as coronariografias passaram pela avaliação de outros três cardiologistas intervencionistas, que recebiam os dados clínicos dos pacientes, as fichas geradas pelo SYNTAX Score, em que constavam dados de cada lesão e dados prognósticos de cada paciente (possibilidade de ocorrência de eventos cardiovasculares maiores e acidente vascular cerebral), de acordo com os resultados do estudo SYNTAX3, e o questionário reproduzido a seguir, a ser respondido para cada caso:

1) Você concorda com a indicação inicial de revascularização miocárdica cirúrgica para esse caso, sabendo que o implante de SF não é custeado pelo SUS?

2) Caso houvesse a possibilidade de uso de SFs, você considera que a ICP seria tão benéfica ou superior à cirurgia de revascularização, levando-se em conta fatores de morbidade e mortalidade? (Em outras palavras, indicaria ICP?)

3) Caso optasse pelo uso exclusivo de SFs, quantos seriam utilizados?

4) Com o uso de SFs, considera que seria tecnicamente viável uma revascularização completa?

Definições e análises

Revascularização completa foi definida como o tratamento de todos os vasos com doença aterosclerótica angiograficamente significativa e com diâmetro > 2 mm. Ficou determinado que, caso o tratamento de escolha fosse a ICP, todos os stents indicados seriam do tipo farmacológico, evitando-se assim inúmeras variáveis que poderiam surgir caso se permitisse a cada avaliador a escolha de um determinado tipo de stent para cada lesão. Todos os médicos avaliadores examinaram todos os casos de forma independente, sem qualquer troca de informação que pudesse influenciar as decisões individuais.

A resposta "não" à questão 1 por parte de qualquer um dos cardiologistas intervencionistas excluiria o caso do estudo. Com relação às questões 2 e 4, em caso de discordância, seria considerada a opinião da maioria. Quanto à questão 3, considerou-se uma média do número de stents informados pelos cardiologistas que indicariam ICP para o caso.

Foi caracterizada como disfunção renal a presença de creatinina sérica basal > 1,5 mg/dl.

RESULTADOS

O estudo incluiu 67 pacientes, com idade entre 37 e 80 anos (média de 59,7 ± 9,8 anos), 59,7% do sexo masculino e 38,8% diabéticos (Tabela 1). Em 47 casos a indicação de cirurgia de revascularização miocárdica permaneceu como procedimento de escolha. Em 20 casos (29,8%), houve indicação de ICP. Nestes, o número médio de stents indicados foi de 1,82 ± 0,83 stent por paciente, com possibilidade de revascularização completa em 18 casos (90%). O valor de SYNTAX Score variou de 7 a 65, com SYNTAX médio de 28,5 ± 12 (Tabela 2). Foram encontrados 21 pacientes com escore < 23 (31,3% do total), em 14 (66,6%) dos quais foi indicada ICP. Na faixa intermediária (escores > 23 e < 32) foram encontrados 26 pacientes (38,8% do total), em 6 (23%) dos quais foi indicada ICP. E na faixa de SYNTAX Score > 32 foram encontrados 20 pacientes, nenhum deles com indicação de ICP (Figura 1).


Avaliou-se também a probabilidade de ICP em subgrupos nos quais os resultados da intervenção com SNFs são subótimos (Figura 2). Entre os 26 pacientes diabéticos (38,8% do total), em 6 (23%) a ICP foi considerada o procedimento de escolha. Lesão de tronco de coronária esquerda foi observada em 11 (16,4%) pacientes, um deles com lesão isolada nessa localização. Em 3 (27,2%) pacientes houve opção por ICP, incluindo o paciente com a lesão isolada. Oclusão crônica foi encontrada em 43 pacientes (64,2%), com indicação de ICP em 4 casos (9,3%). Em 8 pacientes já havia sido realizada ICP com SNF, dos quais 7 (10,4%) apresentavam reestenose. Entre estes últimos, 5 (71,4%) tiveram indicação de nova ICP com SF. Disfunção ventricular esquerda significativa ao ecocardiograma ou à ventriculografia foi observada em 18 (26,8%) pacientes, em 5 (27,7%) dos quais optou-se por ICP.


DISCUSSÃO

Os dispositivos destinados ao tratamento da coronariopatia obstrutiva por via percutânea têm evoluído de forma substancial nos últimos anos, como cateteres de maior lúmen, fios-guia que oferecem maior suporte, além de balões e stents de menor perfil, que permitem acessar de maneira segura vasos até pouco tempo de difícil abordagem por esse método. No entanto, o resultado imediato do procedimento necessita ser mantido ao longo do tempo, evitando o ressurgimento de sintomas anginosos secundários à reestenose coronária. Nesse contexto, os SFs assumiram papel primordial, diminuindo de maneira significativa as taxas de reestenose, que até então atingiam as cifras de 20% a 30%.4 Neste trabalho, foi dada atenção à influência da limitação do uso desse tipo de endoprótese em pacientes do SUS na prática diária do cardiologista intervencionista, que é quem realiza a coronariografia e primeiro opina sobre a melhor conduta no caso. Não foi objeto de pesquisa o impacto financeiro do uso de SFs para o SUS e sim o impacto nas indicações de tratamento intervencionista ou cirúrgico para o caso.

Na amostra final de 67 pacientes, praticamente em um terço dos casos (29,8%) a ICP com SF foi considerada procedimento igualmente benéfico ou superior à cirurgia cardíaca. Nos pacientes que compuseram esta análise, foram observadas características clínicas próximas às de outras séries, com porcentagem de diabéticos, hipertensos e dislipidêmicos de 38,8%, 77,6% e 49,2%, respectivamente. Dentre essas características, o diabetes tem reconhecido impacto na necessidade de nova revascularização tanto de SNF como de SF.5,6 Nesta análise, entre os 26 pacientes diabéticos, 6 (23%) tiveram a ICP considerada como primeira escolha, índice menor quando comparado ao grupo global (29,8%).

O grupo composto por pacientes com lesão de tronco de coronária esquerda apresentou taxa de indicação de revascularização percutânea próxima à do grupo global (27,2% vs. 29,8%, respectivamente), demonstrando que tal abordagem tem sido opção cada vez mais frequente na prática intervencionista. Em trabalho recente, Boudriot et al.7 demonstraram não haver inferioridade da ICP com SFs quando comparada à cirurgia cardíaca em pacientes com lesão de tronco em relação a mortalidade ou infarto, embora com maior necessidade de nova revascularização no grupo ICP. Na análise de cinco anos do registro Revascularization for Unprotected Left Main Coronary Artery Stenosis: Comparison of Percutaneous Coronary Angioplasty versus Surgical Revascularization (MAIN-COMPARE)8, que não contou com o uso exclusivo de SFs, também apenas a taxa de nova revascularização foi estatisticamente inferior a favor da cirurgia. Dados semelhantes foram alcançados no Premier of Randomized Comparison of Bypass Surgery versus Angioplasty Using Sirolimus-Eluting Stent in Patients with Left Main Coronary Artery Disease Trial (PRECOMBAT)9, que comparou a revascularização cirúrgica com a ICP com stents com sirolimus em portadores de lesão de tronco de coronária esquerda, isolada ou não. As Diretrizes de Revascularização Miocárdica da Sociedade Europeia de Cardiologia4 classificam atualmente o uso de SFs em lesões de tronco que não envolvam a bifurcação como indicação classe IIa, revelando que tal tratamento, embora ainda não adequado a todos os casos, deixou de ser considerado procedimento de exceção.

Neste estudo, 8 pacientes já haviam sido submetidos a ICP prévia com SNF (11,9%). Desses pacientes, 7 apresentavam reestenose, dos quais 5 (71,4%) casos foram considerados favoráveis para nova intervenção com SFs. Essa taxa acentuadamente elevada se alinha ao que atualmente recomendam as Diretrizes de Intervenção Coronária Percutânea da Sociedade Brasileira de Cardiologia10, que consideram o uso de SFs como classe I, nível de evidência A para o tratamento da reestenose de SNF.

Com relação aos pacientes que apresentavam algum vaso com oclusão crônica, apenas 9,3% tiveram indicação de ICP. Tal fato provavelmente está ancorado na maior dificuldade de abordagem desse tipo de lesão, com índices de sucesso muitas vezes não animadores, com necessidade de, em alguns casos, se utilizarem procedimentos em duas ou mais etapas, e, em caso de insucesso, não se obter revascularização completa do paciente.

Possivelmente o dado mais importante encontrado neste estudo sejam as diferentes taxas de indicação de ICP quando relacionadas ao SYNTAX Score. Entre os pacientes com escore < 23, 70% tiveram indicação do procedimento, comparativamente a 30% daqueles com escore entre 23 e 32 e nenhum paciente com escore > 32 (Figura 1). O SYNTAX Score é uma ferramenta destinada basicamente à avaliação da complexidade de abordagem das lesões coronárias de um paciente, desenvolvida em ligação com o estudo SYNTAX.3 Baseia-se em uma série de fatores, como padrão de dominância coronária, número de vasos e segmentos doentes, presença de calcificações, tortuosidades, e oclusão crônica. Valores mais elevados denotam lesões de maior complexidade na abordagem percutânea. Publicado em 2009, o estudo SYNTAX3 comparou a cirurgia de revascularização miocárdica em pacientes multiarteriais ou com lesão de tronco de coronária esquerda com a ICP com o SF TaxusTM (Boston Scientific, Natick, Estados Unidos). Assim como nesta avaliação, os pacientes foram classificados em subgrupos quanto ao SYNTAX Score, observando-se taxas similares de eventos cardíacos adversos maiores (óbito, infarto do miocárdio e necessidade de nova revascularização) e eventos cerebrovasculares entre os pacientes com SYNTAX Score baixo (0-22), intermediário (23-32) e alto (> 33) quando submetidos a tratamento cirúrgico (14,7%, 12% e 10,9%, respectivamente). Por outro lado, essa mesma divisão revelou aumento estatisticamente significante dos eventos adversos no grupo submetido a ICP com SYNTAX Score elevado (23,4%), quando comparado aos grupos de escores intermediário (16,7%) e baixo (13,6%).

Certamente, o que se observa neste trabalho reflete a percepção dos cardiologistas intervencionistas de que lesões com maior grau de complexidade apresentam resultados clínicos e angiográficos muitas vezes insatisfatórios e, em alguns casos, com inaceitáveis riscos de complicações maiores. Como a utilização de SFs não modifica a complexidade de abordagem dessas lesões, elas permanecem um desafio.

O uso de 1,82 ± 0,83 stent por paciente pode ser considerado baixo, quando comparado ao estudo SYNTAX (4,6 ± 2,3 stents por paciente). Tal fato também pode ser explicado pela indicação de tratamento percutâneo apenas em casos menos complexos no grupo deste estudo.

O uso de stents exclusivamente farmacológicos tem ganho força com a publicação de resultados de eficácia e segurança a longo prazo, assim como marcada redução da revascularização do vaso-alvo quando comparado ao uso de SNFs.11-13 Em artigo publicado em 2010, Moschovitis et al.14 detalham o registro europeu de procedimentos realizados em 2006, chamando a atenção para o porcentual de SFs já utilizado àquela época em países como Itália (88%), Suíça (82%) e também no Reino Unido (64%). As Diretrizes de Revascularização Miocárdica da Sociedade Europeia de Cardiologia4 indicam como classe I, nível de evidência A o uso de SFs com eficácia a longo prazo comprovada (sirolimus, paclitaxel e zotarolimus) como endoprótese padrão para utilização em todos os casos, exceto em determinadas condições em que haja preocupação ou contraindicação para o uso prolongado de terapia antiplaquetária dupla.

Infelizmente, por apresentarem custo de desenvolvimento e produção mais elevados que os SNFs metálicos, os SFs ainda não são reembolsáveis aos prestadores para sua utilização em pacientes do SUS. Atualmente o SUS trabalha com uma tabela fixa de valor de endopróteses, valor esse insuficiente para a cobertura do custo de utilização desse tipo de endoprótese. Dessa forma, imensa parcela da população brasileira fica privada do benefício de sua utilização e os profissionais da área, cerceados na escolha do procedimento mais apropriado e benéfico para cada paciente.

Limitações do estudo

Trata-se de estudo realizado em centro único, no qual a avaliação das coronariografias e a indicação de revascularização ou não com o uso de SFs contaram com a opinião apenas de cardiologistas intervencionistas, o que pode inflar a tendência para ICP.

CONCLUSÕES

A disponibilização dos SFs para pacientes do SUS pode influenciar de maneira significativa as indicações de revascularização miocárdica, principalmente em multiarteriais com SYNTAX Score < 23 e nos subgrupos clínicos e angiográficos com resposta subótima aos SNFs. A cobertura pelo SUS para esses casos poderia ser o primeiro passo em direção a um tratamento igualitário entre os pacientes dos sistemas de saúde público e privado.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 1º/6/2011

Aceito em: 19/8/2011

  • 1. Safian RD, Zidar J, Hermiller J, Greembaum AB, Goldberg S. Coronary stents. In: Safian RD, Freed MS, editors. The manual of interventional cardiology. 3rd ed. Royal Oak: Physicians' Press; 2001. p. 511-616.
  • 2. Ellis SG, Christofferson RD, Reisman M, Costa MA, Souza AGMR, Souza JE. Coated stents: approach to a complex subject. In: Ellis SG, Homes DR, editors. Strategic aproaches in coronary intervention. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2006. p.175-92.
  • 3. Serruys PW, Morice MC, Kappetein AP, Colombo A, Holmes DR, Mack MJ, et al. Percutaneous coronary intervention versus coronary-artery bypass grafting for severe coronary artery disease. N Engl J Med. 2009;360(10):961-72.
  • 4. European Society of Cardiology; Wijns W, Kolh P, Danchin N, Di Mario C, Falk V, Folliguet T, et al. Guidelines on myocardial revascularization. Eur Heart J. 2010;31(20):2501-55.
  • 5. Serruys PW, Unger F, Sousa JE, Jatene A, Bonnier HJ, Schonberger JP, et al. Comparison of coronary-artery bypass surgery and stenting for the treatment of multivessel disease. N Engl J Med. 2001;344(15):1117-24.
  • 6. Serruys PW, Lemos PA, van Hout BA; Arterial Revascularisation Therapies Study part II Steering Committee and Investigators. Sirolimus eluting stent implantation for patients with multivessel desease: rational for the Arterial Revascularization Therapies Study part II (ARTS II). Heart. 2004;90(9):995-8.
  • 7. Boudriot E, Thiele H, Walther T, Liebetrau C, Boeckstegers P, Pohl T, et al. Randomized comparison of percutaneous coronary intervention with sirolimus-eluting stents versus coronary artery bypass grafting in unprotected left main stem stenosis. J Am Coll Cardiol. 2011;57(5):538-45.
  • 8. Park DW, Seung KB, Kim YH, Lee JY, Kim WJ, Kang SJ, et al. Long-term safety and efficacy of stenting versus coronary artery bypass grafting for unprotected left main coronary artery disease: 5-year results from the MAIN-COMPARE (Revascularization for Unprotected Left Main Coronary Artery Stenosis: Comparison of Percutaneous Coronary Angioplasty Versus Surgical Revascularization) registry. J Am Coll Cardiol. 2010;56(2):117-24.
  • 9. Park SJ, Kim YH, Park DW, Yun SC, Ahn JM, Song HG, et al. Randomized trial of stents versus bypass surgery for left main coronary artery disease. N Engl J Med. 2011;364(18):1718-27.
  • 10. Mattos LA, Lemos Neto PA, Rassi Junior A, Marin-Neto JA, Sousa AGMR, Devito FS, et al. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia - Intervenção Coronária Percutânea e Métodos Adjuntos Diagnósticos em Cardiologia Intervencionista (II Edição - 2008). Arq Bras Cardiol. 2008;91(6 Supl 1):1-58.
  • 11. Kirtane AJ, Gupta A, Iyengar S, Moses JW, Leon MB, Applegate R, et al. Safety and efficacy of drug-eluting and bare metal stents: comprehensive meta-analysis of randomized trials and observational studies. Circulation. 2009;119(25):3198-206.
  • 12. Stettler C, Wandel S, Allemann S, Kastrati A, Morice MC, Schomig A, et al. Outcomes associated with drug-eluting and bare-metal stents: a collaborative network meta-analysis. Lancet. 2007;370(9591):937-48.
  • 13. Lemos PA, Hoye A, Goedhart D, Arampatzis CA, Saia F, van der Giessen WJ, et al. Clinical, angiographic, and procedural predictors of angiographic restenosis after sirolimus-eluting stent implantation in complex patients: an evaluation from the Rapamycin-Eluting Stent Evaluated At Rotterdam Cardiology Hospital (RESEARCH) study. Circulation. 2004;109(11):1366-70.
  • 14. Moschovitis A, Cook S, Meier B. Percutaneous coronary interventions in Europe in 2006. EuroIntervention. 2010;6(2):189-94.
  • Correspondência:

    Rodrigo Lagny de Castro Oliveira
    Rua Pinto Ribeiro, 205
    Barra Mansa, RJ, Brasil - CEP 27310-420
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      01 Jun 2011
    • Aceito
      19 Ago 2011
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br