Acessibilidade / Reportar erro

Acesso radial: você pode ensinar novos truques a um velho cão

Radial access: you can teach an old dog new tricks

EDITORIAL

Acesso radial: você pode ensinar novos truques a um velho cão

Radial access: you can teach an old dog new tricks

Pedro Beraldo de AndradeI; Marden André TebetI; André LabrunieI,II

IIrmandade da Santa Casa de Misericórdia de Marília - Marília, SP, Brasil

IIHospital do Coração de Londrina - Londrina, PR, Brasil

Correspondência Correspondência: Pedro Beraldo de Andrade Avenida Vicente Ferreira, 828 Marília, SP, Brasil - CEP 17515-900 E-mail: pedroberaldo@gmail.com

Maior conforto ao paciente, possibilidade de deambulação precoce, redução do tempo de permanência hospitalar e possível impacto orçamentário são todos atributos inerentes ao emprego da técnica radial na realização de procedimentos coronários invasivos, que, todavia, não lograram poder suficiente de persuasão capaz de instituir uma mudança na prática vigente da cardiologia intervencionista, caracterizada por amplo domínio e preferência pela técnica femoral em detrimento da primeira. No entanto, com a divulgação de novas evidências científicas, capitaneadas pelo grupo do Professor Salim Yusuf,1-3 atraindo a atenção da comunidade para um potencial benefício na redução de desfechos isquêmicos, graças ao decréscimo de complicações vasculares no sítio de punção arterial, de episódios de sangramento grave e da necessidade de transfusão, sabidamente determinantes de pior prognóstico, a técnica radial desfruta hoje seu momento de destaque e notoriedade.

Em recente levantamento de dados da Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares (CENIC) acerca da utilização da técnica radial no Brasil, deparamo-nos com porcentual de uso de 12,6%.4 Porém, constata-se, como na presente edição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, que publicações antes restritas a instituições adeptas à técnica desde seus primórdios, destacando-se nomes como Raimundo Furtado, Roberto Botelho, Gilberto Nunes, Luiz Antônio Gubolino e André Labrunie, dividem hoje o palco com grandes centros, tais como Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul, Clínica São Vicente, e Hospital TotalCor. Trata-se de uma clara demonstração de que as estatísticas alusivas ao quadriênio 2005-2008 possivelmente se encontrem obsoletas, com a maior penetração atual dessa via de acesso no cenário nacional.

Exemplificando a inferência acima, Godinho et al.5 reportam a casuística do Registro TotalCor acerca da utilização da técnica radial em intervenções coronárias percutâneas, representativa de um cenário contemporâneo e de mundo real. Na experiência dos autores, a despeito de uma natural e desejosa seleção de casos, importante para a transição com êxito da curva de aprendizado, o acesso radial foi empregado em 23,9% dos casos, e associou-se a elevada taxa de sucesso do procedimento, com redução do tempo de permanência hospitalar e ocorrência nula de complicações vasculares, quando comparado ao acesso femoral.

Por sua vez, a influência da curva de aprendizado no aprimoramento crescente com a técnica é demonstrada de forma inconteste por Cardoso et al.6. Apesar da seleção de 500 procedimentos diagnósticos como fator determinante de maior experiência operacional, escolha essa que justificaria os achados de semelhante taxa de cruzamento para a técnica femoral, prevalência de espasmo e número de cateteres utilizados entre os grupos, ainda assim atesta-se um refinamento contínuo que advém com a prática, exemplificado pelo menor tempo para punção arterial, duração total do procedimento e exposição radiológica. Pessoalmente não advogamos um número mínimo a partir do qual o operador se mostre plenamente apto a conduzir procedimentos pela técnica radial. Acreditamos sim que a adoção da via como de eleição e preferencial na efetivação rotineira dos casos promova a experiência necessária para a superação de eventuais dificuldades constatadas na prática cotidiana. Pristipino et al.7 corroboram essa premissa ao atestarem que operadores que utilizam a técnica radial em mais de 50% de sua casuística defrontam com taxa de falência do acesso de 4,6%, comparativamente a 24,5% entre aqueles com adoção inferior a 50%, reduzindo-se a 3,3% quando o porcentual se mostra superior a 85% dos casos.

Superemos então a curva de aprendizado para que esta não represente um obstáculo intransponível para a implementação da técnica radial no cenário em que os benefícios se mostram mais contundentes: o infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST). Conforme apresentam Welter et al.8, a utilização do acesso radial na intervenção coronária percutânea primária, a despeito de segurança e eficácia superponíveis às da técnica femoral, restringe-se a cerca de 10% dos casos. No ensaio clínico The Radial vs Femoral Access for Coronary Intervention (RIVAL), dentre os 1.958 pacientes admitidos com IAMCSST randomizados para os acessos radial ou femoral, aquele promoveu redução significativa de 40% do risco de morte, infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico ou sangramento grave aos 30 dias (3,1% vs. 5,2%; P = 0,026).2

Assim, mediante a disponibilização crescente de novas e consistentes evidências favoráveis à técnica radial, depreende-se que não apenas podemos, mas devemos ensinar novos truques a um velho cão, instituindo uma mudança no paradigma vigente relacionado ao acesso femoral, privando-nos de nosso conforto e ofertando o a nossos pacientes.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 12/9/2011

Aceito em: 13/9/2011

Ver artigos relacionados nas páginas 260, 266 e 272

  • 1. Jolly SS, Amlani S, Hamon M, Yusuf S, Mehta SR. Radial versus femoral access for coronary angiography or intervention and the impact on major bleeding and ischemic events: Andrade et al. 243 Uso Crescente da Via de Acesso Radial a systematic review and meta-analysis of randomized trials. Am Heart J. 2009;157(1):132-40.
  • 2. Jolly S, Yusuf S, Cairns J, Niemela K, Xavier D, Widimsky P, et al. Radial versus femoral access for coronary angiography and intervention in patients with acute coronary syndromes (RIVAL): a randomised, parallel group, multicentre trial. Lancet. 2011;377(9775):1409-20.
  • 3. Chase AJ, Fretz EB, Warburton WP, Klinke WP, Carere RG, Pi D, et al. Association of the arterial access site at angioplasty with transfusion and mortality: the M.O.R.T.A.L study (Mortality benefit Of Reduced Transfusion after percutaneous coronary intervention via the Arm or Leg). Heart. 2008;94(8):1019-25.
  • 4. Andrade PB, Tebet MA, Andrade MA, Labrunie A, Mattos LA. Acesso radial em intervenções coronarianas percutâneas: panorama atual brasileiro. Arq Bras Cardiol. 2011;96(4):312-6.
  • 5.Godinho RR, Ribeiro HB, Faig S, Spadaro AG, Gabrilaitis C, Sacramento G, et al. Comparação das vias radial e femoral nas intervenções coronárias percutâneas: resultados do Registro TotalCor. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2011;19(3):272-8.
  • 6. Cardoso CO, Moraes CV, Voltolini I, Azevedo EM, Santos MA, Borba RP, et al. Influência da curva de aprendizado nos procedimentos percutâneos por via transradial. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2011;19(3):260-5.
  • 7. Pristipino C, Trani C, Nazzaro MS, Berni A, Patti G, Patrizi R, et al. Major improvement of percutaneous cardiovascular procedures outcomes with radial artery catheterization: results from the PREVAIL study. Heart. 2009;95(6):476-82.
  • 8. Welter DI, Sarmento-Leite R, Cardoso CO, David RB, Rover MM, Abelin AP, et al. Intervenção coronária pelas vias radial ou femoral no infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST: uma visão da prática clínica contemporânea. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2011;19(3):266-71.
  • Correspondência:

    Pedro Beraldo de Andrade
    Avenida Vicente Ferreira, 828
    Marília, SP, Brasil - CEP 17515-900
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2011
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br