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Persistência do canal arterial: o papel das próteses oclusoras

EDITORIAL

Persistência do canal arterial: o papel das próteses oclusoras

Valmir F. Fontes; Carlos A. C. Pedra

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Dr. Valmir F. Fontes Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 - 14º andar - Ibirapuera São Paulo - SP - CEP 04012-180 Tel: (11) 5085-6114 ou 5085-6214 e-mail: valmirfontes@dantepazzanese.org.br

A persistência do canal arterial é uma anomalia que incide em 7 a 10% das cardiopatias congênitas como lesão isolada. O tratamento cirúrgico vem sendo praticado desde 1938, quando Gross e Hubbard1 descreveram o primeiro caso operado com sucesso. Nos dias de hoje, o procedimento cirúrgico é simples e seguro, com baixíssima taxa de morbimortalidade. A abordagem é feita através de uma toracotomia látero-posterior esquerda, onde o canal é seccionado e seus cotos suturados. Outra alternativa de uso rotineiro é a ligadura do canal com ligaclip através de uma minitoracotomia. Contudo, trata-se de uma cirurgia, com passagem pela UTI e tempo de hospitalização de dois a quatro dias.

O fechamento por dispositivos oclusores passou a ser uma alternativa mais simples e oferece resultados equivalentes aos do tratamento cirúrgico. O procedimento pode ser ambulatorial ou necessitar internação hospitalar por 24 horas, sem incisão cirúrgica, minimizando a ansiedade do paciente e de seus familiares.

O fechamento percutâneo do canal arterial foi introduzido inicialmente por Porstmann et al.2, que criaram um dispositivo liberado por via transfemoral, o plug de Ivalon, cujo desenho obedecia à configuração anatômica do canal. O método mostrou limitações quanto ao peso e à idade do paciente, factível apenas para maiores de 5 anos. Rashkind et al.3-5 desenvolveram uma prótese, inicialmente de disco único e minúsculos ganchos de fixação, que posteriormente passou a ser composta por dois discos sem ganchos, utilizando-se para o seu implante um cateter especial de liberação controlada, tendo como via de acesso a veia femoral. A prótese apresentava-se em dois tamanhos, 12 e 17mm, capaz de ocluir canais de 2 a 8mm de diâmetro e foi universalmente utilizada, inclusive no Brasil6. Sua retirada do mercado deveu-se ao desenvolvimento de outros dispositivos mais eficientes. Grifka et al.7 e o grupo de Sideris8 introduziram suas próteses na década de 90, as quais não ganharam aceitação entre os intervencionistas. Cambier et al.9 passaram a utilizar molas helicoidais de Gianturco, técnica que se tornou mundialmente aceita e reservada para canais arteriais até 3mm de diâmetro, com constrição em seu trajeto, presente nos tipos A, D e E da classificação de Krichenko et al.10. A via de acesso é, usualmente, a artéria femoral e a prótese é de liberação livre. Existem espirais de liberação controlada, entre elas as do tipo Flipper e, mais recentemente, o Nit-Occlud, capaz de ocluir canais de 2 a 5 mm de diâmetro. Os resultados são excelentes e reproduzidos em todos os Laboratórios de Hemodinâmica do mundo11,12.

Nos dias de hoje, a prótese mais efetiva é a Amplatzer, especialmente desenhada para oclusão de canal arterial persistente. É uma prótese auto-expansível, com formato de um cogumelo ou bala, construída com uma malha fina de nitinol e fibras de poliéster no seu interior, que facilitam a trombose. Possui um disco de retenção 4 a 6 mm maior que o dispositivo que fica alojado na ampola aórtica do canal arterial. A prótese é utilizada em canais com diâmetro maior que 2 mm e com tamanhos de 5-4 a 16-14mm. A anatomia mais favorável é aquela que exibe uma constrição no seu trajeto (A, D e E)10; o tipo C pode ser ocluído e o tipo B, em janela, é o mais problemático. A ampola aórtica do canal no tipo B é muito rasa e a prótese pode provocar algum grau de obstrução aórtica. Para tal situação, recomenda-se uma prótese de duplo disco como a Amplatzer, utilizada no fechamento de CIA ou CIV.

A prótese Amplatzer foi introduzida no Brasil, em 1998, no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, é um dispositivo de simples manejo e de aprendizado fácil. No nosso meio, o seu uso é limitado devido ao alto custo. O dispositivo é hoje usado universalmente e os resultados são excelentes a curto, médio e longo prazos, com índice de oclusão próximos aos 100%.

Em estudo multicêntrico realizado nos Estados Unidos13, envolvendo 484 pacientes portadores de canal arterial persistente, 439 foram selecionados para o implante e obteve-se sucesso em 435. A análise de 360 casos por ecocardiografia, um ano após a oclusão, mostrou que apenas um doente apresentava discreto fluxo artério-venoso residual, ou seja, a oclusão completa ocorreu em 99,7% destes casos.

Masura et al.14, entre os pioneiros a empregar a prótese, mostraram resultados excelentes, mas advertem para dificuldades técnicas em crianças de baixo peso e canais calibrosos. No Brasil, a experiência inicial de duas instituições foi publicada por Simões et al.15, que verificaram ser uma técnica segura e efetiva, comparável aos resultados da literatura internacional.

As complicações do implante são raras, ocorrendo usualmente durante o procedimento ou nas primeiras 24 horas pós-implante. A literatura registra um único óbito relacionado à embolização precoce do dispositivo para a aorta descendente16. A embolização em médio e longo-prazos não está registrada na literatura. Os fluxos artério-venosos residuais de alta velocidade podem provocar hemólise mecânica, mas esta é uma complicação rara. A formação de trombo ou tromboembolismo também não é relatada na literatura, mas muitos autores recomendam o uso de aspirina (5mg/kg) por 6 meses após o implante, em todos os pacientes.

A endocardite infecciosa não tem sido descrita, porém existe potencial para tal, especialmente, nos casos com fluxo artério-venoso residual, justificando a profilaxia com antibióticos.

A obstrução da aorta secundária à protusão do disco aórtico tem sido observada em poucos casos; é raramente vista na artéria pulmonar esquerda. A detecção é feita por meio da ecocardiografia com Doppler, valorizando-se o aumento da velocidade do fluxo. A obstrução tem sido descrita em canais muito angulados em que a prótese não se acomoda adequadamente na ampola aórtica do canal. Este inconveniente foi resolvido pela indústria (AGA), que desenhou um dispositivo angulado (angled ADO) para esta variedade anatômica. Outra possibilidade de obstrução ocorre no canal tipo janela (B).

No momento atual, considerando as próteses existentes no mercado brasileiro, achamos que as molas helicoidais de Gianturco são uma boa opção para canais até 2,8 - 3,0mm, especialmente dos tipos A, D e E de Krichenko, sendo efetiva e de baixo custo. As próteses helicoidais de liberação controlada são uma outra opção, especialmente a Nit-Occlud, indicada para canais de 2 a 5 mm de diâmetro, porém de custo elevado. Finalmente, a prótese Amplatzer, seguramente a mais confortável para se trabalhar, permite ocluir canais maiores que 2 mm de diâmetro, mas também tem como inconveniente o seu alto custo.

Recebido em: 08/02/2007

Aceito em: 14/02/2007

Ver artigo relacionado na página 15

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  • Correspondência:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2007
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