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Intervenção coronária percutânea eletiva após fibrinólise: dados do REMAT (registro Madre Teresa)

Elective percutaneous coronary intervention after fibrinolysis: REMAT data (Madre Teresa Registry)

Resumos

INTRODUÇÃO: O infarto agudo do miocárdio (IAM) permanece com elevados índices de morbidade e mortalidade e representa problema de saúde pública. Analisamos os resultados e os preditores de risco de eventos adversos hospitalares em pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP) eletiva pós-fibrinólise. MÉTODOS: Foram selecionados 303 pacientes com diagnóstico de IAM submetidos a reperfusão farmacológica e transferidos para um centro terciário para realização de ICP eletiva. RESULTADOS: A população era predominantemente masculina (76,6%), com média de idade de 59,4 + 11,1 anos, 18,1% eram diabéticos e 86,8% estavam em Killip I. Estreptoquinase foi empregada em 91,7%, o tempo médio de realização da ICP eletiva foi de 5,6 + 3,7 dias após a fibrinólise e o fluxo TIMI 3 (74,2%) foi o mais prevalente. Os stents foram implantados em 97,7% dos pacientes e o sucesso angiográfico foi de 95,3%. Mortalidade ocorreu em 3,3% dos pacientes; reinfarto, em 3,6%; revascularização da lesão-alvo, em 1,3%; e sangramentos maiores, em 2%. A análise multivariada apontou sexo feminino, idade > 65 anos, fluxo TIMI 1, presença de trombos no vaso tratado, Killip > I e disfunção grave do ventrículo esquerdo como preditores independentes de eventos adversos hospitalares. CONCLUSÕES: A estratégia de reperfusão farmacológica seguida de transferência para realização de ICP apresenta baixas taxas de eventos adversos hospitalares e é alternativa interessante à ICP primária no cenário nacional. Necessita, no entanto, políticas públicas para aperfeiçoar a logística de manuseio desses pacientes e dispô-la de maneira eficiente a todos os hospitais de baixa e média complexidades nacionais.

Fibrinólise; Angioplastia; Stents; Infarto do miocárdio; Saúde pública


BACLGROUND: Acute myocardial infarction (AMI) has a high morbidity and mortality and represents a public health problem. We analyzed the results and predictors of in-hospital adverse events in patients undergoing elective percutaneous coronary intervention (PCI) after fibrinolysis. METHODS: Three hundred and three patients with diagnosis of AMI undergoing pharmacological reperfusion and transferred to a tertiary center for elective PCI were selected. RESULTS: The population included mostly men (76.6%), with mean age of 59.4 + 11.1 years, 18.1% were diabetic and 86.8% were in Killip class I. Streptokinase was used in 91.7%, the mean time to perform elective PCI was 5.6 + 3.7 days after fibrinolysis and TIMI 3 flow was achieved in 74.2% of the patients. Stents were implanted in 97.7% and angiographic success was obtained in 95.3% of the cases. Mortality was observed in 3.3%, reinfarction in 3.6%, target lesion revascularization in 1.3%, and major bleedings in 2% of the patients. Multivariate analysis indicated female gender, age > 65 years, TIMI 1 flow, thrombus in the treated vessel, Killip > I and severe left ventricular dysfunction were independent predictors of in-hospital adverse events. CONCLUSIONS: The pharmacological reperfusion strategy followed by transfer to perform elective PCI had low in-hospital adverse event rates and is an interesting alternative to primary PCI in Brazil. However, public policies are required to improve the logistics to better handle these patients and have them available to all low and medium complexity national hospitals.

Fibrinolysis; Angioplasty; Stents; Myocardial infarction; Public health


ARTIGO ORIGINAL

Intervenção coronária percutânea eletiva após fibrinólise: dados do REMAT (registro Madre Teresa)

Elective percutaneous coronary intervention after fibrinolysis: REMAT data (Madre Teresa Registry)

Eduardo Cardozo Lima; Guilherme Abreu Nascimento; Mauro Isolani Pena; Alexandre von Sperling Vasconcellos; Roberto José de Queiroz Crepaldi; Walter Rabelo; Roberto Luiz Marino; Sérgio Lages Murta; Ronald de Souza; Viviane Santuari Parisotto Marino; Marcos Antônio Marino

Departamento de Hemodinâmica, Cardiologia e Radiologia Vascular Intervencionista Hospital Madre Teresa Belo Horizonte, MG, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

INTRODUÇÃO: O infarto agudo do miocárdio (IAM) permanece com elevados índices de morbidade e mortalidade e representa problema de saúde pública. Analisamos os resultados e os preditores de risco de eventos adversos hospitalares em pacientes submetidos a intervenção coronária percutânea (ICP) eletiva pós-fibrinólise.

MÉTODOS: Foram selecionados 303 pacientes com diagnóstico de IAM submetidos a reperfusão farmacológica e transferidos para um centro terciário para realização de ICP eletiva.

RESULTADOS: A população era predominantemente masculina (76,6%), com média de idade de 59,4 + 11,1 anos, 18,1% eram diabéticos e 86,8% estavam em Killip I. Estreptoquinase foi empregada em 91,7%, o tempo médio de realização da ICP eletiva foi de 5,6 + 3,7 dias após a fibrinólise e o fluxo TIMI 3 (74,2%) foi o mais prevalente. Os stents foram implantados em 97,7% dos pacientes e o sucesso angiográfico foi de 95,3%. Mortalidade ocorreu em 3,3% dos pacientes; reinfarto, em 3,6%; revascularização da lesão-alvo, em 1,3%; e sangramentos maiores, em 2%. A análise multivariada apontou sexo feminino, idade > 65 anos, fluxo TIMI 1, presença de trombos no vaso tratado, Killip > I e disfunção grave do ventrículo esquerdo como preditores independentes de eventos adversos hospitalares.

CONCLUSÕES: A estratégia de reperfusão farmacológica seguida de transferência para realização de ICP apresenta baixas taxas de eventos adversos hospitalares e é alternativa interessante à ICP primária no cenário nacional. Necessita, no entanto, políticas públicas para aperfeiçoar a logística de manuseio desses pacientes e dispô-la de maneira eficiente a todos os hospitais de baixa e média complexidades nacionais.

Descritores: Fibrinólise. Angioplastia. Stents. Infarto do miocárdio. Saúde pública.

ABSTRACT

BACLGROUND: Acute myocardial infarction (AMI) has a high morbidity and mortality and represents a public health problem. We analyzed the results and predictors of in-hospital adverse events in patients undergoing elective percutaneous coronary intervention (PCI) after fibrinolysis.

METHODS: Three hundred and three patients with diagnosis of AMI undergoing pharmacological reperfusion and transferred to a tertiary center for elective PCI were selected.

RESULTS: The population included mostly men (76.6%), with mean age of 59.4 + 11.1 years, 18.1% were diabetic and 86.8% were in Killip class I. Streptokinase was used in 91.7%, the mean time to perform elective PCI was 5.6 + 3.7 days after fibrinolysis and TIMI 3 flow was achieved in 74.2% of the patients. Stents were implanted in 97.7% and angiographic success was obtained in 95.3% of the cases. Mortality was observed in 3.3%, reinfarction in 3.6%, target lesion revascularization in 1.3%, and major bleedings in 2% of the patients. Multivariate analysis indicated female gender, age > 65 years, TIMI 1 flow, thrombus in the treated vessel, Killip > I and severe left ventricular dysfunction were independent predictors of in-hospital adverse events.

CONCLUSIONS: The pharmacological reperfusion strategy followed by transfer to perform elective PCI had low in-hospital adverse event rates and is an interesting alternative to primary PCI in Brazil. However, public policies are required to improve the logistics to better handle these patients and have them available to all low and medium complexity national hospitals.

Keywords: Fibrinolysis. Angioplasty. Stents. Myocardial infarction. Public health.

O infarto agudo do miocárdio (IAM), apesar dos avanços no diagnóstico e tratamento ao longo das últimas quatro décadas, permanece ainda com taxa de mortalidade considerável1 e, juntamente com as doenças cerebrovasculares, representa a principal causa de óbito no Brasil.2

O restabelecimento precoce da patência da artéria ocluída é o objetivo primordial do tratamento e pode ser obtido com reperfusão química ou mecânica. A reperfusão farmacológica representou avanço importante na década de 1980, com queda das taxas de mortalidade demonstrada por diversos estudos.3,4 Entretanto, as limitações inerentes à terapia fibrinolítica conduziram ao advento da intervenção coronária percutânea (ICP) primária, que rapidamente se tornou procedimento de escolha na abordagem do infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCST), tendo em vista o comprovado maior restabelecimento de fluxo coronário epicárdico, a diminuição de complicações hemorrágicas e mecânicas, a redução das taxas de mortalidade, reinfarto e nova revascularização da lesão-alvo, além de vantagens adicionais como possibilidade de avaliação anatômica e estratificação invasiva precoce.5

Este registro tem como finalidade analisar os resultados e determinar os preditores de eventos adversos hospitalares em pacientes submetidos a ICP eletiva pós-terapia fibrinolítica com sucesso.

MÉTODOS

Pacientes

No período entre janeiro de 2004 e julho de 2011 foram selecionados 1.252 pacientes consecutivos com diagnóstico de IAMCST admitidos no Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital Madre Teresa (Belo Horizonte, MG). Foram excluídos pacientes submetidos a ICP primária e de resgate, e aqueles que apresentavam oclusão total do vaso-alvo (fluxo coronário epicárdico TIMI 0), obtendo-se como casuística final 303 pacientes submetidos a ICP eletiva pós-fibrinólise.

Os pacientes foram inicialmente atendidos em Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) ou hospitais de baixa e média complexidades de Belo Horizonte e região metropolitana e eram conduzidos ao Laboratório de Hemodinâmica via cadastro na Central de Leitos, Sistema Único de Sáude (SUS/Fácil) e/ou contato telefônico. O diagnóstico de IAM, a seleção da terapia de reperfusão (fibrinólise ou ICP primária) e a eleição do fibrinolítico foram estabelecidos pelo centro primário.

Este estudo está em adequação com a Declaração de Helsinque no que se refere à investigação em humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição.

Procedimento

As ICPs foram realizadas de acordo com as diretrizes atuais e a estratégia final do procedimento foi deixada a critério do operador. Ultrassonografia intracoronária eletiva pós-ICP e filtros de proteção de embolização distal não foram empregados.

O ácido acetilsalicílico foi mantido na dose de 100 mg/dia indefinidamente e o clopidogrel 75 mg/dia foi administrado por pelo menos um mês para pacientes que receberam stents convencionais, e durante 12 meses para os tratados com stents farmacológicos. Nos pacientes que não estavam em uso de clopidogrel foi utilizada dose de ataque de 300 mg pelo menos 24 horas antes do procedimento.

Análise angiográfica e definições

O sucesso angiográfico foi definido como lesão residual < 30%, fluxo coronário epicárdico TIMI grau 3 e ausência de linhas de dissecção. Sucesso do procedimento foi definido como sucesso angiográfico na ausência de eventos cardiovasculares e cerebrovasculares adversos maiores (ECCAM = óbito de causa cardiovascular, acidente vascular cerebral, reinfarto, cirurgia cardíaca de emergência ou necessidade de nova revascularização percutânea do vaso-alvo). Foi considerada morte de causa cardíaca aquela decorrente de choque cardiogênico, insuficiência cardíaca, reinfarto, ruptura cardíaca, arritmia e morte súbita.6 Reinfarto foi diagnosticado na presença de alterações eletrocardiográficas (novo supradesnivelamento do segmento ST ou novas ondas Q) e/ou elevação maior que 3 vezes o valor basal de creatina quinase fração MB (CK-MB). Foi considerada cirurgia de revascularização miocárdica de emergência aquela realizada imediatamente após a ICP. Sangramento maior após ICP foi estabelecido pelos critérios do TIMI (Thrombolysis In Myocardial Infarction): presença de sangramento intracraniano ou sinais clínicos de hemorragia associada a queda dos níveis de hemoglobina > 5 g/dl.7

Análise estatística

A tabulação dos dados foi realizada pelo programa Microsoft Excel e a análise estatística foi realizada no software STATA versão 10. As variáveis contínuas foram expressas em média e desvio padrão; as categóricas, em números absolutos e seu porcentual. A análise univariada das variáveis categóricas foi efetivada por meio do teste qui-quadrado ou do teste exato de Fisher; variáveis contínuas foram analisadas pelo teste t de Sudent ou pelo teste de Mann-Whitney, quando apropriado. Todas as variáveis com valor de P < 0,2 na análise univariada foram incluídas no modelo inicial da análise multivariada, utilizando a regressão logística, objetivando determinar os preditores independentes dos desfechos analisados. Em seguida, foram retiradas as variáveis que apresentaram maior valor de P até que restassem apenas aquelas com significância estatística P < 0,05). Para verificação do ajuste do modelo utilizou-se o teste Hosmer-Lemeshow.

RESULTADOS

O registro apresentado aponta, em relação às características clínicas, população predominantemente masculina (76,6%), com média de idade de 59,4 + 11,1 anos e 18,1% diabéticos. À admissão, a apresentação clínica mais frequente foi a classe funcional Killip I (86,8%) (Tabela 1).

O tempo médio para a realização da ICP eletiva foi de 5,6 + 3,7 dias após a fibrinólise, elucidando-se que foi empregada estreptoquinase em 91,7% dos pacientes e agentes fibrinoespecíficos (tenecteplase ou alteplase) nos demais (Tabela 1).

O levantamento dos dados angiográficos permitiu observar que os pacientes eram multiarteriais em 41,9% dos casos, e havia disfunção ventricular global moderada a grave em 55,1%. A artéria descendente anterior foi o vaso mais frequentemente abordado (48,8%) e o fluxo coronário epicárdico inicial mais prevalente na artéria relacionada ao infarto foi o fluxo TIMI 3 (74,2%) (Tabela 2).

Os stents foram implantados em 97,7% dos pacientes, sendo a minoria stents farmacológicos. Foi necessário o uso de balão intra-aórtico em 4,2% dos pacientes em decorrência de choque cardiogênico. A terapia adjunta farmacológica com inibidores da glicoproteína IIb/IIIa (abciximab ou tirofiban) foi praticada em 10,6%. Sucesso angiográfico da ICP foi alcançado em 95,3% dos pacientes e sucesso clínico, em 87,1%.

A avaliação de incidência de complicações maiores na fase hospitalar demonstra taxas de mortalidade de 3,3% e de reinfarto de 3,6%, e necessidade de nova revascularização de lesão-alvo de 1,3% (Tabela 3). Sangramentos maiores ocorreram em 2% dos pacientes. Não ocorreu acidente vascular cerebral nem houve necessidade de cirurgia de revascularização de urgência.

A análise multivariada elucidou os preditores independentes de insucesso: ECCAM e sangramento maior na fase hospitalar (Tabela 4). Nota-se que o sexo feminino foi preditor de insucesso do procedimento, óbito e sangramento maior e idade > 65 anos foi preditora de insucesso e sangramento maior. O fluxo coronário epicárdico TIMI 1 foi preditor de insucesso, óbito e reinfarto. A presença de trombos no vaso tratado constituiu fator de risco que elevou os desfechos insucesso e óbito. As classes de apresentação clínica Killip > I consolidaram-se como preditoras independentes para todos os eventos adversos examinados.

DISCUSSÃO

Os dados apresentados neste estudo observacional transversal de mundo real revelam importantes aspectos acerca do perfil e da evolução dos pacientes com quadro de IAMCST submetidos à estratégia de fibrinólise com critérios de reperfusão e encaminhados para realização de ICP eletiva em um centro de referência de alta complexidade em cardiologia na região metropolitana de Belo Horizonte.

Verifica-se que as informações referentes ao perfil clínico da população examinada, incluindo idade, sexo e fatores de risco tradicionais para aterosclerose, são concordantes com as observadas em outros estudos8,9, especialmente aqueles publicados com base no banco de dados da Central Nacional de Intervenções Cardiovasculares da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista (CENIC). Cabe ressaltar a elevada proporção de pacientes (91,7%) que ainda são submetidos a fibrinólise com estreptoquinase, apesar das evidências científicas favoráveis aos trombolíticos fibrinoespecíficos10, informação similar apresentada em registro nacional.9 Esse cenário certamente é determinado por questões de ordem financeira, uma vez que a estreptoquinase é consideravelmente mais barata que os demais fibrinolíticos.

Do mesmo modo, os dados angiográficos encontrados também são condizentes com trabalhos já publicados, sendo fundamental destacar que, neste registro, cerca de 98% dos pacientes admitidos após fibrinólise bem-sucedida exibiam à coronariografia estenose residual > 50% na artéria relacionada ao IAM, e quase metade era portadora de doença multiarterial, constatações que justificam a estratificação invasiva eletiva nesse grupo de pacientes.

A análise dos resultados imediatos demonstra o emprego de stents na ICP de praticamente todos os pacientes, e, neste grupo, a predominância do uso de stents convencionais (93,6%), fato provavelmente justificado pela falta de evidências em relação à redução de mortalidade e reinfarto dos stents farmacológicos na fase aguda do IAM e por questões relativas ao maior impacto financeiro imediato, o que motiva o SUS e a maioria das operadoras de saúde suplementar a não autorizá-los.

Quanto à análise dos desfechos maiores, a exemplo de publicações nacionais9-11, nota-se elevado índice de sucesso do procedimento (com porcentual próximo a 90%) e baixo porcentual de eventos adversos, fato atribuído à maior experiência acumulada dos cardiologistas invasivos do Serviço de Hemodinâmica, visto que curva de aprendizado e volume de procedimentos influenciam decisivamente os resultados da ICP, como divulgado por relevante registro americano.12 Em especial, salienta-se baixa taxa de mortalidade (3,3%), comparável à encontrada em ensaios internacionais, como a metanálise publicada por Collet et al.13 (3,8%), ressalvando-se que nos ensaios internacionais os fibrinolíticos mais utilizados foram alteplase ou reteplase e o tempo médio de realização da ICP foi extremamente precoce. Não há informações nacionais disponíveis publicadas acerca da mortalidade na ICP após fibrinólise bem-sucedida. No trabalho brasileiro relatado por Mattos et al.9 e fundamentado em dados da CENIC, depara-se com mortalidade de 7,4% nas ICPs primárias e de 5,6% nas ICPs de resgate. Ademais, ressalta-se a não ocorrência de acidentes vasculares cerebrais e de necessidade de cirurgia cardíaca de urgência, em linha com tendências atuais da ICP.

A análise multivariada possibilitou identificar possíveis preditores de insucesso da ICP, ocorrência de ECCAM e sangramento maior. A relação das variáveis disfunção ventricular grave, sexo feminino, diabetes, classe Killip > I e fluxo epicárdico inicial com a taxa de mortalidade após o IAM era esperada e também é consoante com a literatura.14

Ressalta-se que o tempo médio apurado de realização da ICP eletiva após o fibrinolítico, de 5,6 dias, pode ser considerado muito elevado, principalmente quando comparado ao preconizado por ensaios nos últimos anos.11,15,16 Recente publicação17 refere tempo médio em centros brasileiros ainda maior (8,6 dias), realidade nacional desafiadora e que certamente exige políticas públicas para adequar a logística de encaminhamento de pacientes pós-fibrinólise de UPA e hospitais primários para centros terciários.

A ICP eletiva sistemática era, até recentemente, contraindicada em pacientes submetidos a fibrinólise e sem evidência de isquemia miocárdica, especialmente porque os estudos comparativos não empregavam o implante de stents. Contudo, evidências consistentes atuais obtidas a partir de trabalhos bem conduzidos11,15,16,18-21 e com a incorporação do uso de stents demonstram a eficácia e a segurança da ICP eletiva e precoce (preferencialmente inferior a 24 horas, e com possível benefício até 72 horas após a fibrinólise bem—sucedida), com redução significativa das taxas de morte e reinfarto, quando comparadas à estratégia conservadora guiada pela presença de sintomas ou isquemia induzida em testes funcionais. A comparação com atrasos superiores a 72 horas ainda não foi estabelecida. A Sociedade Europeia de Cardiologia, amparada nesses subsídios, elevou essa estratégia terapêutica a classe de recomendação I, nível de evidência A em diretrizsobre revascularização miocárdica22 publicada em 2010. As Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia Intervenção Coronária Percutânea e Métodos Adjuntos Diagnósticos em Cardiologia Intervencionista (2008)23 ainda mantêm a classe de recomendação IIa, com retardo aceitável de até 96 horas para o intervalo fibrinólise-ICP, sendo aguardada modificação para classe I.

Visto que as doenças cardiovasculares são a maior causa de morte no Brasil e no mundo, com geração de importante impacto econômico para a sociedade de um modo geral, e que sua ascensão pode ser controlada, há de se destacar a iniciativa do Ministério da Saúde, que, recentemente, lançou plano de ações para o enfrentamento das doenças crônicas não-transmissíveis no Brasil.24 Foram propostas metas e estratégias que pretendem atenuar o panorama atual, como qualificar o atendimento ao IAM nas urgências pré-hospitalares (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SAMU e UPA), utilizar métodos de telemedicina que permitam diagnóstico precoce e preciso do IAM, implantação de protocolos para agilizar a transferência de pacientes infartados, ampliar o acesso à ICP primária, definir normas para a realização de fibrinólise no IAM, expandir os leitos destinados ao tratamento dos infartados, e divulgar informações referentes à identificação precoce do IAM, medidas que certamente vêm ao encontro dos anseios dos cardiologistas clínicos e intervencionistas e de toda a população.

Limitações do estudo

São limitações deste estudo a análise retrospectiva dos dados, sua realização em um único centro e a ausência de seguimento tardio. A análise multivariada detectou os prováveis preditores independentes de eventos adversos, mas em decorrência da amplitude dos intervalos de confiança, consequente à baixa frequência dos eventos analisados, pouco se pode afirmar a respeito da força de associação entre essas variáveis e os desfechos analisados.

CONCLUSÕES

Neste registro, verificou-se alto índice de sucesso e baixa ocorrência de eventos adversos hospitalares nos pacientes pós-fibrinólise. Averiguou-se ainda que o tempo médio de realização da ICP após a terapia fibrinolítica é alto e é inquestionável a necessidade de adotar medidas que facilitem o acesso precoce desses pacientes a um centro terciário.

Enfatiza-se que a ICP primária deve ser sempre indicada para todos os pacientes elegíveis no tratamento do IAMCST. Porém, partindo-se do pressuposto de que essa estratégia terapêutica ainda é pouco factível em nosso País e, inclusive, em muitos países desenvolvidos, recomenda-se proceder rápida reperfusão farmacológica, preferencialmente com trombolíticos fibrinoespecíficos, acompanhada de transferência precoce e sistemática para centro habilitado para realização de ICP.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Correspondência

Eduardo Cardozo Lima

Av. Raja Gabaglia, 1.002

Bairro Gutierrez Belo Horizonte, MG, Brasil

CEP 30380-090

E-mail: eduardocardozo@cardiol.br

Recebido em: 5/9/2011

Aceito em: 30/11/2011

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jul 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      05 Set 2011
    • Aceito
      30 Nov 2011
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