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Alterações de atributos químicos e biológicos de solo e rendimento de milho e soja pela utilização de resíduos de curtume e carbonífero

Effects of tannery and coal mining residues on chemical and biological soil properties and on corn soybean yields

Resumos

Resíduos gerados por curtumes e pela exploração de carvão mineral são produtos potencialmente poluentes em várias regiões do Brasil, principalmente nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. O presente trabalho foi realizado no campo com o objetivo de avaliar o efeito da adição de resíduos de curtume e rejeito carbonífero sobre o solo e sobre as plantas cultivadas em um Argissolo Vermelho distrófico típico da Estação Experimental Agronômica da UFRGS, localizada no município de Eldorado do Sul (RS). O experimento foi realizado no ano agrícola de 1996/97, em parcelas de 70 m², cultivando-se soja (Glycine max L. Merrill) e milho (Zea mays L.). Tratamentos com a adição de 21,3 e 42,5 t ha-1 de lodo de curtume (LC) com adubação fosfatada e potássica na forma mineral foram comparados com o tratamento com adubação mineral completa (NPK) mais correção da acidez do solo e com a testemunha absoluta. Foram estudados também: (a) adição de resíduo carbonífero (106 t ha-1) mais adubação mineral; (b) resíduo carbonífero (106 t ha-1) mais lodo de curtume (21,3 t ha-1) com adubação fosfatada e potássica; (c) serragem cromada (29 t ha-1) mais adubação mineral (NPK), e (d) Cr mineral (125 kg ha-1) mais lodo de curtume (21,3 t ha-1) com adubação fosfatada e potássica. Foram avaliadas as alterações químicas e biológicas do solo, bem como os efeitos da aplicação dos resíduos sobre o rendimento e absorção de metais pelas plantas. A adição de LC aumentou o valor de pH e o teor de Ca trocável do solo. Não foram constatadas alterações nas concentrações dos metais Cu, Cd, Pb e Ni no solo, aumentando, entretanto, significativamente os teores de Cr. A atividade microbiana avaliada pela produção de CO2 foi estimulada pela adição dos resíduos, mas a população de bactérias, fungos e ctinomicetos não foi afetada. A adição de LC propiciou rendimentos de soja e milho semelhantes aos com adição de fertilizante nitrogenado. A adição de serragem cromada não alterou o rendimento das culturas, enquanto o rendimento de grãos de milho aumentou com a adição de resíduo carbonífero.

lodo de curtume; serragem cromada; resíduo carbonífero; metais pesados; nutrientes; cromo


Tannery and coal residues are potential pollution sources in numerous regions of Brazil, mainly in the Rio Grande do Sul and Santa Catarina States. In order to evaluate the effects of tannery residue and coal mining refuse on soil properties and cultivated plants, a field experiment was carried out in 1996/97 at the UFRGS Experimental Station, in the Eldorado do Sul county, State of Rio Grande do Sul, Brazil. Corn (Zea mays L.) and soybean (Glycine max L. Merrill) were cultivated on 70 m² plots of a Paleudult Soil. Tannery sludge additions at rates of 21.3 and 42.5 t ha-1 with mineral phosphate and potassium fertilization were compared to mineral fertilization (NPK) with liming and a control treatment. Moreover, treatments with (a) coal mining residue (106 t ha-1) and mineral fertilization; (b) coal mining residue (106 t ha-1) with tannery sludge (21.3 t ha-1) plus mineral phosphate and potassium fertilization; (c) leather shavings (29 t ha-1) with mineral fertilization (NPK), and (d) and a combination of Cr2(SO4)3 (125 kg ha-1 Cr) and 21.3 t ha-1 tannery sludge with mineral phosphate and potassium fertilization were studied. Chemical and biological soil alterations were evaluated, as well as the effect of residue application on the plant yields and heavy metal uptake. Tannery sludge increased the soil pH, exchangeable Ca, and total Cr contents, while no alterations of the Cu, Cd, Pb, and Ni soil contents were observed. Microbial activity, evaluated by the CO2 production, was stimulated by the residue application, but bacteria, fungi and actinomycete populations were not affected. Tannery sludge applications had a similar influence on soybean and corn grain yields as nitrogen fertilizers. Crop yields were not affected by the addition of leather shavings, while coal mining residue increased the corn grain yield.

tannery sludge; leather shavings; coal refuse; heavy metals; nutrients; chromium


SEÇÃO IX - POLUIÇÃO DO SOLO E QUALIDADE AMBIENTAL

Alterações de atributos químicos e biológicos de solo e rendimento de milho e soja pela utilização de resíduos de curtume e carbonífero

Effects of tannery and coal mining residues on chemical and biological soil properties and on corn soybean yields

A. S. FerreiraI; F. A. O. CamargoII; M. J. TedescoII; C. A. BissaniII

IProfessor do Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP. Campus Universitário, Morro do Cruzeiro, CEP 35400-000 Ouro Preto (MG). E-mail: adao@hotmail.com

IIProfessor do Departamento de Solos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Caixa Postal 776, CEP 90001-970 Porto Alegre (RS). E-mail: faocamargo@bol.com.br

RESUMO

Resíduos gerados por curtumes e pela exploração de carvão mineral são produtos potencialmente poluentes em várias regiões do Brasil, principalmente nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. O presente trabalho foi realizado no campo com o objetivo de avaliar o efeito da adição de resíduos de curtume e rejeito carbonífero sobre o solo e sobre as plantas cultivadas em um Argissolo Vermelho distrófico típico da Estação Experimental Agronômica da UFRGS, localizada no município de Eldorado do Sul (RS). O experimento foi realizado no ano agrícola de 1996/97, em parcelas de 70 m2, cultivando-se soja (Glycine max L. Merrill) e milho (Zea mays L.). Tratamentos com a adição de 21,3 e 42,5 t ha-1 de lodo de curtume (LC) com adubação fosfatada e potássica na forma mineral foram comparados com o tratamento com adubação mineral completa (NPK) mais correção da acidez do solo e com a testemunha absoluta. Foram estudados também: (a) adição de resíduo carbonífero (106 t ha-1) mais adubação mineral; (b) resíduo carbonífero (106 t ha-1) mais lodo de curtume (21,3 t ha-1) com adubação fosfatada e potássica; (c) serragem cromada (29 t ha-1) mais adubação mineral (NPK), e (d) Cr mineral (125 kg ha-1) mais lodo de curtume (21,3 t ha-1) com adubação fosfatada e potássica. Foram avaliadas as alterações químicas e biológicas do solo, bem como os efeitos da aplicação dos resíduos sobre o rendimento e absorção de metais pelas plantas. A adição de LC aumentou o valor de pH e o teor de Ca trocável do solo. Não foram constatadas alterações nas concentrações dos metais Cu, Cd, Pb e Ni no solo, aumentando, entretanto, significativamente os teores de Cr. A atividade microbiana avaliada pela produção de CO2 foi estimulada pela adição dos resíduos, mas a população de bactérias, fungos e ctinomicetos não foi afetada. A adição de LC propiciou rendimentos de soja e milho semelhantes aos com adição de fertilizante nitrogenado. A adição de serragem cromada não alterou o rendimento das culturas, enquanto o rendimento de grãos de milho aumentou com a adição de resíduo carbonífero.

Termos de indexação: lodo de curtume, serragem cromada, resíduo carbonífero, metais pesados, nutrientes, cromo.

SUMMARY

Tannery and coal residues are potential pollution sources in numerous regions of Brazil, mainly in the Rio Grande do Sul and Santa Catarina States. In order to evaluate the effects of tannery residue and coal mining refuse on soil properties and cultivated plants, a field experiment was carried out in 1996/97 at the UFRGS Experimental Station, in the Eldorado do Sul county, State of Rio Grande do Sul, Brazil. Corn (Zea mays L.) and soybean (Glycine max L. Merrill) were cultivated on 70 m2 plots of a Paleudult Soil. Tannery sludge additions at rates of 21.3 and 42.5 t ha-1 with mineral phosphate and potassium fertilization were compared to mineral fertilization (NPK) with liming and a control treatment. Moreover, treatments with (a) coal mining residue (106 t ha-1) and mineral fertilization; (b) coal mining residue (106 t ha-1) with tannery sludge (21.3 t ha-1) plus mineral phosphate and potassium fertilization; (c) leather shavings (29 t ha-1) with mineral fertilization (NPK), and (d) and a combination of Cr2(SO4)3 (125 kg ha-1 Cr) and 21.3 t ha-1 tannery sludge with mineral phosphate and potassium fertilization were studied. Chemical and biological soil alterations were evaluated, as well as the effect of residue application on the plant yields and heavy metal uptake. Tannery sludge increased the soil pH, exchangeable Ca, and total Cr contents, while no alterations of the Cu, Cd, Pb, and Ni soil contents were observed. Microbial activity, evaluated by the CO2 production, was stimulated by the residue application, but bacteria, fungi and actinomycete populations were not affected. Tannery sludge applications had a similar influence on soybean and corn grain yields as nitrogen fertilizers. Crop yields were not affected by the addition of leather shavings, while coal mining residue increased the corn grain yield.

Index terms: tannery sludge, leather shavings, coal refuse, heavy metals, nutrients, chromium.

INTRODUÇÃO

A indústria coureiro-calçadista e a mineração do carvão são atividades importantes na economia do estado do Rio Grande do Sul. Entretanto, essas geram quantidades consideráveis de resíduos. Os curtumes produzem resíduos com elevadas cargas orgânica e inorgânica e cromo, utilizado no processo de curtimento (Teixeira, 1981; Stomberg et al., 1984; Castilhos et al., 2002). A separação dos rejeitos e a limpeza do carvão mineral produzem grande quantidade de resíduos minerais que são, muitas vezes, acumulados em pilhas a céu aberto. A oxidação da pirita contida nestes rejeitos produz ácido sulfúrico e a conseqüente solubilização de metais pesados, além da acidificação das águas superficiais e subterrâneas (Torrey, 1978; Stewart & Daniels, 1992; Gaivizzo et al., 2002).

Em alguns casos, a utilização de resíduos no solo pode ser recomendada pelo valor corretivo e fertilizante que estes apresentam, bem como pela capacidade da macro e microbiota do solo de decompor os materiais orgânicos. É necessário, entretanto, estudar as alterações nas propriedades do solo e a resposta das plantas para avaliar o potencial fertilizante dos resíduos e a possível contaminação do ambiente por metais pesados.

Este trabalho teve por objetivo avaliar os efeitos das adições de lodo gerado por estações de tratamento de resíduos de curtume, serragem cromada de couro e rejeito de mineração de carvão sobre alguns atributos químicos e biológicos do solo e sobre o rendimento das culturas da soja e do milho.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento de campo foi realizado na Estação Experimental Agronômica da UFRGS, localizada no município de Eldorado do Sul (RS), em um Argissolo Vermelho distrófico típico. Foi iniciado no ano agrícola de 1996/97, numa área de 3.500 m2 (70 x 50 m), com declividade do terreno menor do que 5 %. Antes do estudo, a área estava sob pastagem natural destinada à pecuária de corte. Antes do preparo da área, foram coletadas amostras de solo para caracterização física e química (Quadro 1), em duas profundidades (0-20 e 50-80 cm). As determinações foram efetuadas de acordo com o método descrito por Tedesco et al. (1995), utilizando amostras secas (a 45 oC) trituradas em cadinho de porcelana (< 2,0 mm).


O resíduo carbonífero foi obtido da COPELMI (empresa mineradora de carvão), localizada no município de Butiá (RS). O lodo gerado por estação de tratamento de efluentes de curtume e a serragem cromada de couro foram obtidos na Unidade de Tratamento de Resíduos (UTRESA), de Estância Velha (RS). As características químicas dos resíduos são apresentadas no quadro 2. As determinações foram efetuadas conforme o método descrito por Tedesco et al. (1995). Os teores de Cd, Ni, Pb, Zn, Cu, Cr e S "totais" foram determinados no extrato de HNO3 conc. (1 g de material para 6 mL de ácido), conforme método descrito por Missio (1996).


Foi utilizado o delineamento experimental em blocos ao acaso, com quatro repetições, sendo as unidades experimentais subdivididas para o plantio das culturas de milho e soja.

Cada bloco constituiu-se de oito parcelas com 70 m2 (10 x 7 m). Os tratamentos utilizados foram: 1- Testemunha; 2- NPK mais calcário para atingir pH 6,0 (NPK + calc.); 3- Lodo de curtume (LC) em quantidade adequada para atingir pH 6,0 mais PK (LC + PK); 4- Duas vezes a quantidade de lodo de curtume utilizada no tratamento 3 mais PK (2 LC + PK); 5- Resíduo carbonífero (RC) na quantidade de 106 t ha-1 mais NPK (RC + NPK); 6- Resíduo carbonífero mais lodo de curtume na quantidade utilizada no tratamento 3, mais PK (RC + LC + PK); 7- Serragem cromada (SC) na quantidade de 29 t ha-1 mais NPK e calcário (SC + NPK + calc.); 8- Cromo mineral (125 kg ha-1 de Cr3+) mais lodo de curtume na quantidade utilizada no tratamento 3, mais PK (Crmin + LC + PK).

A adubação mineral foi feita pela aplicação de 150, 200 e 50 kg ha-1 de N (uréia), de P2O5 (superfosfato tripo) e de K2O (KCl), respectivamente. A calagem foi feita visando a atingir pH 6,0 no solo, com base nos teores de alumínio trocável e matéria orgânica, na quantidade de 3,4 t ha-1 de calcário (PRNT 100 %). O cromo mineral (Crmin) foi adicionado na forma de sulfato de cromo (Cr3+) na quantidade de 125 kg ha-1 de Cr. A serragem cromada, adicionada na quantidade de 29,4 t ha-1 (com 2,1 % de Cr – em peso seco a 75 %), supriu 617 kg ha-1 de Cr. O lodo de curtume (com 16 % de valor de neutralização, expresso em peso seco a 65 oC) foi aplicado na quantidade de 21,25 t ha-1 (base seca), equivalente a 3,4 t ha-1 de calcário (PRNT 100 %). O resíduo carbonífero foi aplicado na quantidade de 106 t ha-1, visando à neutralização da alcalinidade do lodo de curtume.

As adições dos materiais dos tratamentos (adubo mineral, calcário e resíduos) foram feitas na segunda quinzena de dezembro de 1996. Em seguida, foi feita lavração até 15 cm de profundidade e duas gradagens para preparo do solo antes da semeadura. O milho (cultivar Agroceres 303 - tardio) foi semeado com espaçamento de 1 m entre linhas na densidade de 52.000 plantas ha-1. A adubação nitrogenada foi feita em duas épocas: a primeira (75 kg ha-1 de N) 12 dias após a emergência e a segunda (75 kg ha-1 de N) antes do enchimento de grãos. A colheita do milho foi feita numa área útil de 15 m2. A soja (cultivar Habras) foi semeada com espaçamento de 50 cm entre linhas na densidade de 380.000 plantas ha-1. As sementes de soja foram tratadas com fungicida e inoculadas, colhendo-se 10 m2 por parcela. As culturas foram irrigadas, semanalmente, até a fase de endurecimento do grão, totalizando 14 aspersões durante o ciclo das culturas.

Foram feitas amostragens de solo para análises químicas aos 30 e 180 dias do plantio, utilizando-se trado de rosca. Cada amostra foi constituída por quatro subamostras coletadas dentro das unidades experimentais, de zero a 20 cm de profundidade, sendo estas tamizadas em peneira com 2,0 mm de diâmetro de orifícios. Uma subamostra úmida foi utilizada para extração de Cr6+ com KH2PO4 0,1 mol L-1 (Bartlett & James, 1996). A parte restante das amostras foi seca em estufa a 45 oC e triturada em cadinho de porcelana. Na amostra seca, foram feitas as seguintes determinações, conforme método descrito por Tedesco et al. (1995): pH em água (relação 1:1), fósforo, potássio e sódio no extrato de Mehlich-1; cálcio, magnésio, alumínio e manganês trocáveis, extraídos com KCl 1 mol L-1; zinco e cobre extraídos com HCl 0,1 mol L-1 e nitrogênio total por digestão com H2O2 + H2SO4 concentrado + mistura digestora. Os teores de enxofre, cromo, zinco, ferro, cobre, cádmio, níquel e chumbo "totais" foram determinados no extrato da digestão de 1 g de solo com 6 mL de HNO3 concentrado (Missio, 1996). Os metais foram determinados por espectrofotometria de absorção atômica, com a utilização de forno de grafite para o cádmio.

Foram feitas também amostragens de solo aos 30, 120 e 330 dias da adição dos resíduos, para determinar a atividade microbiana por liberação de CO2 conforme método descrito por Stotzky (1965), a população microbiana (por contagem de bactérias, actinomicetos e fungos) e a biomassa microbiana estimada pelo método de irradiação-extração (Ferreira et al., 1999). Estas amostras foram constituídas por 20 subamostras retiradas com trado calador, até 5 cm de profundidade, e mantidas em recipiente térmico com gelo (a ± 4 ºC), sendo no mesmo dia tamisadas em peneira com 2,0 mm de diâmetro de orifícios e analisadas em seguida.

No estádio de florescimento, foram coletadas aleatoriamente dentro da área útil das parcelas quatro plantas de milho e dez de soja. No final do ciclo das culturas, foi quantificado o rendimento de grãos. Após a secagem, as amostras de plantas e de grãos foram moídas para a determinação dos teores de N, P, K, Ca e Mg no extrato de H202 + H2SO4 (concentrado) + mistura digestora (Tedesco et al., 1995) e de S, Cu, Zn, Fe, Cr, Pb, Ni e Cd no extrato de HNO3 concentrado (Missio, 1996). Os metais Cr, Pb, Ni e Cd foram determinados por espectrofotometria de absorção atômica, com a utilização de forno de grafite. Os resultados obtidos foram estudados pela análise da variância, utilizando-se o teste de comparações múltiplas (teste de Tukey, com probabilidade de 5 %).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Alterações nos atributos químicos do solo

A seguir, discutem-se os resultados obtidos na amostragem feita aos 180 dias. A acidez do solo foi efetivamente neutralizada pelo lodo de curtume (Quadro 3). Os tratamentos com adição lodo de curtume apresentaram os maiores aumentos de pH do solo, situando-se entre 6,0 e 6,3.


Os teores de Al3+ e Mn2+ trocáveis no solo diminuíram com a aplicação de calcário e lodo de curtume em relação à testemunha (Quadro 3), pelo aumento do pH do solo e possível complexação com radicais orgânicos do resíduo (Ernani, 1981; McBride, 1994). A diminuição dos teores de Al3+ e Mn2+ trocáveis foi também observada em estudos de casa de vegetação com lodo de curtume por Teixeira (1981) e Selbach et al. (1991).

A maior concentração de Ca2+ trocável no solo foi determinada nos tratamentos com adição de lodo de curtume (Quadro 3), considerando o elevado teor deste elemento no lodo, nas formas de hidróxido, sulfeto e carbonato. Os tratamentos com resíduo carbonífero também apresentaram aumento da concentração de cálcio do solo. Este aumento deveu-se, possivelmente, à presença de carbonato no resíduo carbonífero, conforme constatado por Spinelli & Kämpf (1996) em material carbonífero procedente da mina de carvão de Butiá (RS), de onde foi obtido o resíduo empregado. Os teores de Mg2+ do solo aumentaram somente no tratamento com calagem, em relação à testemunha, em razão do baixo teor deste nutriente nos resíduos (Quadro 2). Embora o teor de sódio nos resíduos de curtume seja elevado (Quadro 2), os valores determinados no solo foram baixos (Quadro 3), provavelmente por causa da lixiviação do sódio no período chuvoso.

Os teores de potássio não apresentaram diferenças entre tratamentos (Quadro 3), tendo em vista que os resíduos utilizados continham baixos teores deste elemento. O tratamento com adição de serragem cromada, apesar de ter recebido adubação fosfatada, apresentou o menor teor de P entre os tratamentos com adubação mineral, diferindo significativamente dos tratamentos com adição de lodo de curtume. Esta redução pode ser devida à imobilização do fósforo por microrganismos. Como a relação C:P do material é alta (810), os microrganismos podem ter absorvido o fosfato durante a decomposição da serragem cromada, com a conseqüente diminuição do fosfato extraído.

Não foi detectado aumento significativo do teor de C orgânico do solo com a adição dos resíduos orgânicos em função das pequenas quantidades aplicadas (4,7 % em relação ao C total do solo no tratamento com adição de 21,3 t ha-1 de lodo), da separação de partículas mais grossas na tamização do solo e da decomposição parcial pela microbiota do solo neste período.

O aumento do teor de N total do solo, entretanto, foi mais evidenciado nos tratamentos com adição de resíduos orgânicos (Quadro 3), principalmente nos casos em que foi adicionada a maior quantidade de lodo de curtume ou a serragem cromada, que contém 113,1 g kg-1 de N total. Aumentos do teor de N total do solo com a adição de resíduos de curtume foram também obtidos por Selbach et al. (1991) e Castilhos (1998).

Os teores de zinco extraíveis do solo aumentaram com a aplicaçào do lodo de curtume e do resíduo carbonífero (Quadro 4), considerando o elevado teor do zinco nesses resíduos (Quadro 2). Os valores determinados foram considerados adequados para o crescimento das plantas (SBCS/NRS, 1995).


Os teores de cobre extraível do solo não foram afetados pela aplicação dos resíduos (Quadro 4), em virtude do baixo teor desse metal nos resíduos.

Verificou-se aumento no teor de cromo total nos tratamentos com adição de lodo de curtume e de serragem cromada, destacando-se o tratamento com adição de lodo e resíduo carbonífero, que apresentou o maior teor (Quadro 4). A recuperação do cromo determinado no extrato de HNO3 conc. foi, em geral, inferior às quantidades adicionadas, principalmente no tratamento com adição de cromo mineral. As quantidades adicionadas foram, entretanto, inferiores ao limite máximo de 1.000 kg ha-1 de Cr, aceito pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) do estado do Rio Grande do Sul (Rodrigues et al., 1993). Não foi constatada a presença de Cr6+, mesmo no tratamento 8, onde foram adicionados 125 kg ha-1 de Cr3+. Em condições de laboratório, Trebien (1994) detectou a oxidação do Cr3+ a Cr6+ somente em solo que continha alto teor de manganês facilmente reduzível, o que não ocorre no solo utilizado neste experimento.

Os teores totais de Zn e Cu no solo não apresentaram diferenças significativas entre os tratamentos (Quadro 4).

Alterações nos atributos biológicos do solo

A respiração microbiana avaliada pela liberação de CO2 decresceu com o tempo de amostragem (Quadro 5). Este fato pode ser atribuído à redução do substrato facilmente decomponível pelos microrganismos e à menor disponibilidade de nutrientes, principalmente fósforo (Silva Filho, 1984; Cattelan, 1987). No tratamento com adição de serragem cromada, esta redução foi mais acentuada, tendo-se observado diferenças significativas entre as avaliações. Como a atividade microbiana é relacionada com a fertilidade do solo, foram calculadas correlações entre esta e as características químicas avaliadas. Observou-se correlação significativa entre a atividade microbiana e o teor de nitrogênio total do solo (r = 0,87; p < 0,05).


A população microbiana não apresentou diferenças significativas entre épocas de amostragem nos tratamentos estudados (2 a 6), variando a população de bactérias de 8,0 x 106 a 9,4 x 107 células g -1 de solo. A população de actinomicetos nos tratamentos com aplicação de lodo variou de 4,36 x 106 a 13,4 x 106 células g-1 de solo. O número de propágulos de fungos oscilou entre de 24 x 104 e 75 x 104 g-1 de solo.

Os teores de carbono e nitrogênio da biomassa microbiana não apresentaram diferenças estatisticamente significativas (p > 0,05) entre tratamentos e, ou, épocas de amostragem, variando, em média, de 377 a 588 mg de C e de 16 a 32 mg de N por grama de solo.

Rendimento das culturas e absorção de alguns nutrientes e metais

A produção de matéria seca das plantas no estádio de florescimento e o rendimento de grãos são apresentados no quadro 6. Foram observadas diferenças estatisticamente significativas no rendimento de grãos de soja somente entre a testemunha e os demais tratamentos, devido ao baixo teor de fósforo do solo (Quadro 1) e à moderada acidez. O maior rendimento de grãos de milho foi obtido nos tratamentos com as adições de resíduo carbonífero mais adubação mineral e de 21,3 t ha-1 de lodo de curtume com adubação fosfatada e potássica.


A adição de lodo de curtume (21,3 t ha-1) supriu a quantidade de N necessária ao desenvolvimento do milho, no nível de rendimento obtido. Até o estádio de florescimento, as plantas apresentavam, na parte aérea, 47 kg ha-1 de N a mais do que no tratamento-testemunha, considerando o teor no tecido foliar (Quadro 7). Este valor representa 21 % do N total adicionado pelo lodo. Vários trabalhos mostraram o efeito do lodo de curtume como fonte de N (Teixeira, 1981; Selbach et al., 1991; Castilhos et al., 2002).


Os teores de fósforo nas plantas foram estatisticamente inferiores no tratamento-testemunha, refletindo a baixa disponibilidade deste nutriente no solo (Quadro 7). Os teores de cálcio da matéria seca do milho no tratamento-testemunha e no tratamento com adição de resíduo carbonífero (sem lodo) foram inferiores aos determinados nos outros tratamentos (Quadro 7). Entretanto, na matéria seca da soja e nos grãos das duas culturas, não foi observada diferença significativa.

Mesmo no tratamento com adição de cromo mineral, não foi observada translocação significativa deste metal para a parte aérea das plantas (Quadro 8). Este fato já foi constatado em outros trabalhos com as culturas de aveia (Teixeira, 1981) e trigo e aveia (Selbach et al., 1991; Castilhos et al., 2002). Os teores de cromo no milho (parte aérea e grãos) foram, em geral, maiores do que na soja. No estudo de dados da bibliografia apresentado por Pais & Benton Jones (1997), observou-se que o teor de Cr na parte aérea de plantas de áreas não contaminadas variou, na maior parte dos casos, de 0,2 a 1,0 mg kg-1. Kabata-Pendias & Pendias (1986) apresentaram, em estudo semelhante, uma variação de 0,02 a 10,0 mg kg-1. Nenhum destes trabalhos revelou, entretanto, níveis tóxicos de Cr na parte aérea das plantas.


Embora os teores de Ni no lodo de curtume e no resíduo carbonífero sejam considerados altos (Quadro 2), não foram observadas elevadas concentrações na parte aérea das plantas (Quadro 8). Pais & Benton Jones (1997) apresentaram os valores de 0,3 a 3,5 mg kg-1 como variação normal em plantas, sendo considerados tóxicos valores superiores a 50 mg kg-1.

O lodo de curtume e o resíduo carbonífero também revelaram altos teores de zinco (Quadro 2). Este fato, entretanto, não influiu nos teores deste metal tanto na parte vegetativa como nos grãos das duas culturas, tendo sido obtidos os maiores valores no tratamento-testemunha, na cultura da soja (62 mg kg-1 nos grãos) (Quadro 8). Estes valores foram muito inferiores ao limite de toxidez de 200 mg kg-1, apresentado por Pais & Benton Jones (1997). Os dois resíduos de curtume utilizados apresentaram baixo teor de Cd (Quadro 2), o que não foi observado no resíduo carbonífero. Entretanto, o teor deste metal nas plantas foi baixo (< 0,01 a 0,04 mg kg-1), tanto na matéria seca como nos grãos (Quadro 8). A variação normal nas plantas apresentada por Pais & Benton Jones (1997) foi de 0,1 a 1,0 mg kg-1.

CONCLUSÕES

1. O lodo de curtume reduziu a acidez do solo, aumentando o teor de cálcio trocável.

2. O teor de cromo total no solo aumentou com as aplicações de resíduos de curtume e de Cr mineral.

3. As concentrações dos metais Zn e Cu totais no solo não foram afetadas pela aplicação dos resíduos, em relação à testemunha.

4. Os rendimentos de grãos das culturas de soja e de milho nos tratamentos com a adição de lodo de curtume acrescido de adubação fosfatada e potássica na forma mineral foram semelhantes aos obtidos no tratamento com calagem e adubação mineral.

5. A adição de serragem cromada, com adubação mineral, não influiu no rendimento de grãos das culturas de soja e milho; o rendimento de grãos de milho, entretanto, aumentou com a adição de resíduo carbonífero.

6. Os teores de Cr, Ni, Cd e Zn determinados na parte aérea e nos grãos das culturas não foram influenciados pela adição dos resíduos, em relação à testemunha.

7. As adições de lodo de curtume e de serragem cromada estimularam a atividade microbiana do solo, e não influíram na população de microrganismos.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à Fundação de Amparo à Pesquisa do estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), à FUNDACOURO, ao Curtume Mombelli Ltda e ao Laboratório de Análise de Solos da UFRGS, pelo apoio financeiro; à Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler (FEPAM), pelo apoio institucional.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em outubro de 2000 e aprovado em maio de 2003

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2003
  • Data do Fascículo
    Ago 2003

Histórico

  • Recebido
    Out 2000
  • Aceito
    Maio 2003
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