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Urbanização e emprego doméstico

Urbanization and domestic employment

Urbanisation et emploi domestique

Resumos

Ao constatar que as domésticas que residem no emprego, geralmente oriundas do meio rural, participam ativamente da formação da população urbana brasileira, este artigo procura analisar as lógicas que presidem a migração das mulheres em direção às capitais, a partir do estudo da população doméstica de Fortaleza. A hipótese central desenvolvida é que o ingresso na domesticidade urbana atende a um projeto pessoal de ascensão social e a um objetivo de ordem matrimonial, que resulta da "desvalorização social" dos rapazes no meio rural, decorrente do empobrecimento do pequeno campesinato.

Migração feminina; Estratégia matrimonial; Estratégia de reconversão; Mobilidade social


Having noticed that the maids who live in the job place, most of the time natural of the countryside, have taken an active role in the formation of the Brazilian urban population, this article aims to analyze the logics that determine the migration of these women towards the capitals, based on the study of the domestic population of Fortaleza. The central hypothesis developed is that the ingression into urban domestiticity is seen both as a personal project of social ascension and a matrimonial objective, resulting in a "social devaluation" of the youngsters in the rural area, as a result of the impoverishment of the small peasantry.

Female migration; Matrimonial strategy; Reconvertion strategy; Social mobility


Partant du constat que les employés domestiques, la plupart du temps originaires du milieu rural, participent activement à la formation de la population urbaine brésilienne, l'article tente d'élucider les logiques qui se réfèrent à l'émigration de ces populations vers les villes. Notre étude se fonde sur l'exemple de la domesticité dans la ville de Fortaleza. Notre thèse centrale est que l'entrée dans la domesticité urbaine répond à un objectif personnel d'ascension sociale et à un objectif d'ordre matrimonial, qui résulte de la «dévalorisation sociale» des jeunes paysans, suite à l'appauvrissement de la petite paysannerie.

Migration féminine; Stratégie matrimoniale; Stratégie de reconversion; Mobilité sociale


Urbanização e emprego doméstico

Urbanization and domestic employment

Urbanisation et emploi domestique

Christine Jacquet

RESUMO

Ao constatar que as domésticas que residem no emprego, geralmente oriundas do meio rural, participam ativamente da formação da população urbana brasileira, este artigo procura analisar as lógicas que presidem a migração das mulheres em direção às capitais, a partir do estudo da população doméstica de Fortaleza. A hipótese central desenvolvida é que o ingresso na domesticidade urbana atende a um projeto pessoal de ascensão social e a um objetivo de ordem matrimonial, que resulta da "desvalorização social" dos rapazes no meio rural, decorrente do empobrecimento do pequeno campesinato.

Palavras-chave: Migração feminina; Estratégia matrimonial; Estratégia de reconversão; Mobilidade social.

ABSTRACT

Having noticed that the maids who live in the job place, most of the time natural of the countryside, have taken an active role in the formation of the Brazilian urban population, this article aims to analyze the logics that determine the migration of these women towards the capitals, based on the study of the domestic population of Fortaleza. The central hypothesis developed is that the ingression into urban domestiticity is seen both as a personal project of social ascension and a matrimonial objective, resulting in a "social devaluation" of the youngsters in the rural area, as a result of the impoverishment of the small peasantry.

Key words: Female migration; Matrimonial strategy; Reconvertion strategy; Social mobility.

RÉSUMÉ

Partant du constat que les employés domestiques, la plupart du temps originaires du milieu rural, participent activement à la formation de la population urbaine brésilienne, l'article tente d'élucider les logiques qui se réfèrent à l'émigration de ces populations vers les villes. Notre étude se fonde sur l'exemple de la domesticité dans la ville de Fortaleza. Notre thèse centrale est que l'entrée dans la domesticité urbaine répond à un objectif personnel d'ascension sociale et à un objectif d'ordre matrimonial, qui résulte de la «dévalorisation sociale» des jeunes paysans, suite à l'appauvrissement de la petite paysannerie.

Mots-clés: Migration féminine; Stratégie matrimoniale; Stratégie de reconversion; Mobilité sociale.

Ao explicar o siginificativo excedente feminino nas populações das cidades pré-industriais da Europa Ocidental, Antoinette Fauve-Chamoux (1998) concluiu que era determinante o papel da imigração feminina, sobretudo das domésticas na formação das populações urbanas. No Brasil contemporâneo, a população urbana caracteriza-se também por um alto desequilíbrio entre os sexos: 94 homens para cada cem mulheres;1 1 Fonte: IBGE, Censo demográfico, 1991. nas capitais, a desproporção é ainda maior (o número de homens baixa para 91 a cada cem mulheres). Nas zonas rurais, ao contrário, observa-se um considerável déficit feminino (109 homens para cada cem mulheres). O desequilíbrio entre os sexos seja entre citadinos, seja entre camponeses, não pode ser atribuído a uma natalidade ou a uma mortalidade diferenciada entre homens e mulheres, cuja variação se daria em função da população ser urbana ou rural. Ele expressa, na verdade, o caráter sexuado dos movimentos migratórios, a saber, uma sobrefeminilidade das trocas entre o rural e o urbano e uma sobremasculinidade dos fluxos entre o urbano e o rural (Tabela 1). Em outras palavras, o êxodo rural, que alimenta o crescimento da população urbana, é um fenômeno majoritariamente feminino. No que diz respeito às domésticas2 2 Trata-se aqui das empregadas domésticas que dormem no emprego, ou seja, as que são classificadas pelo IBGE sob a modalidade "Empregado doméstico",da variável "Condição na família". As diaristas estão, portanto, excluídas do presente estudo. brasileiras, verifica-se que elas participam ativamente do desequilíbrio entre os sexos, pois na população urbana dos diferentes Estados do Brasil nota-se uma estreita correlação entre o excedente feminino e a presença de domésticas (Gráfico 1). Assim, entre os onze Estados que apresentam os maiores déficits masculinos na população urbana (Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Distrito Federal, Rio de Janeiro), oito registram, também, a maior proporção de domésticas na população urbana (Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba Alagoas, Sergipe, Distrito Federal). Por outro lado, sete dos dez Estados com sex ratio urbano mais equilibrado (Rondônia, Amazonas, Roraima, Amapá, Tocantins, São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás) exibem percentuais de domésticas baixos (Rondônia, Amazonas, Roraima, São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso). Em Fortaleza, onde foi realizada a pesquisa de campo,3 3 Fortaleza é uma das capitais que apresenta não apenas um dos maiores excedentes femininos do Brasil, assim como uma das maiores proporções de domésticas em sua população (1,5%). A pesquisa de campo consistiu em: Entrevistas individuais semi-dirigidas com empregadas domésticas (n = 48), patroas (n = 13), mães de domésticas de Fortaleza (n = 12). Todas as mães residiam em Camocim, município do litoral norte cearense, de onde eram oriundas muitas domésticas já entrevistadas; Questionários com domésticas escolarizadas (n = 150); Entrevistas de grupo com domésticas escolarizadas (quatro entrevistas, ou seja, 41 domésticas); Exploração segundária dos dados da pesquisa "Desemprego e subemprego no município de Fortaleza" realizada em 1991 pelo sine, com uma amostragem aleatória estratificada de 2.379 domicílios, o que representa 11.374 indivíduos, entre os quais 162 domésticas; Exploração secundária da base de dados Samba, 2000; Levantamento de dados estatísticos do ibge sobre Fortaleza e os municípios cearenses. tal ligação pode ser observada ao se levar em consideração a população dos bairros da cidade (Gráfico 2). A proposta deste artigo é, portanto, estudar as lógicas que presidem a emigração das domésticas em direção às cidades. Essas lógicas serão apreendidas como resultado de processos nos quais se articulam escolhas pessoais e determinantes estruturais. Estes últimos, ao definirem campos de possibilidades, condicionam os destinos individuais e circunscrevem as práticas dos atores sociais; contudo, o efeito coercitivo que possam exercer sobre os mesmos não se aplica indistintamente a todos. Ou seja, os constrangimentos estruturais deixam uma margem de autonomia aos indivíduos. Na realidade, as estruturas constituem "uma condição da experiência e não uma causa dos comportamentos" (Terrail, 1990); essa requer, para ser identificada, a exploração do significado que estas mulheres dão à sua própria migração.



"Uma mobilidade de prospecção matrimonial"

Composta por 95% de mulheres, das quais dois terços têm entre quinze e 24 anos,4 4 Fonte: Sine, "Desemprego e subemprego no município de Fortaleza", 1991. a população doméstica de Fortaleza concentra uma taxa elevada de migrantes nativas da zona rural (68,4%).5 5 Esse resultado agrega os dados das investigações que conduzimos com as empregadas domésticas, a saber: questionários, entrevistas de grupo e entrevistas individuais (N = 240). A análise a seguir diz respeito às migrantes cearenses que representam mais de 80% do total das migrantes; desse modo, foram excluídas as oriundas de outros Estados. A distribuição por faixa etária das domésticas no momento de sua migração para Fortaleza mostra que 84% deixaram seu município com idades entre dez e 19 anos.6 6 Vale ressaltar que a migração dessas jovens é individual e direta entre o município de origem e Fortaleza. Ora, essas idades coincidem com aquelas do ingresso das jovens do campo no mercado matrimonial local. Com efeito, no interior cearense, a prática do casamento precoce não é rara: conforme o IBGE, 42,4% das solteiras que se casaram em 1991 tinham entre quinze e dezenove anos: em Fortaleza (Gráfico 3), essa proproção alcança apenas 25%; contudo, esses dados agregam as mulheres das zonas rurais e das zonas urbanas, mascarando, assim, a maior precocidade das uniões nas zonas rurais. A justaposição desses dois calendários ­ migratório e matrimonial ­ suscitou a hipótese, a qual analisaremos neste trabalho, de que o motivo da migração dessas jovens é de ordem matrimonial.


O casamento: um destino natural

Não se pode interpretar o sincronismo entre o ingresso no mercado matrimonial local e a migração para Fortaleza como uma fuga diante do prazo para o matrimônio: o casamento está inscrito nos projetos para o futuro da maioria das domésticas, e isso, com freqüência, dá-se muito mais entre as domésticas não-nascidas em Fortaleza (Gráfico 4): 73,4% das migrantes exprimiram vontade de se casar, ao passo que essa taxa atinge apenas 57,1% entre as nativas da capital. Isso ocorre mais freqüentemente também entre as migrantes recém-chegadas em Fortaleza (Gráfico 5), sendo que o índice das intenções de casamento decresce com o tempo de residência: a proporção de domésticas que desejam se casar alcança 81,0% entre as migrantes presentes na capital há menos de um ano e 70,0% entre as que chegaram há seis anos ou mais. A variação da taxa em função da origem geográfica, ou do tempo de permanência em Fortaleza, não resulta de diferenças de estrutura etária das subpopulações, ou seja, da maior juventude das nativas da capital ou das migrantes ali instaladas recentemente, uma juventude que poderia gerar, pelo menos provisoriamente, uma menor preocupação matrimonial. Testemunha, ao contrário, maior dependência das jovens do interior para com o casamento, o qual permite seu acesso à posição adulta e para com a instituição familiar que lhe é subseqüente (Entrevista 1). É apenas com o prolongamento da estada em Fortaleza que o projeto matrimonial das migrantes será adiado: o valor do indício das intenções de casamento dessas últimas aproxima-se, então, das nativas, mas sem atingi-lo.



Como explicar o maior apego das migrantes e, entre elas, das migrantes recém-chegadas em relação ao casamento? O matrimônio e a família revestem-se ­ tanto para as mulheres como para os homens ­ de uma importância econômica e social fundamental no meio dos pequenos agricultores de onde se originam as migrantes. A atividade produtiva, organizada em base familiar, repousa na complementaridade do trabalho feminino e masculino, adulto e infantil. Além disso, o casamento, indissociável da constituição de uma descendência, inscreve cada indivíduo em correntes de trocas interfamiliares, cuja estrutura revela a prioridade das relações de filiação sobre as de colateralidade (Entrevista 2); essas correntes de trocas hierarquizadas constituem o suporte mesmo da estruturação social das comunidades rurais. Ademais, o mercado de trabalho feminino dos municípios do interior contribui também para aumentar a dependência das mulheres para com a instituição matrimonial. As poucas oportunidades de emprego fora do lar, assim como a subordinação do trabalho feminino à família ­ de origem ou de procriação ­ não autorizam as moças a encarar a possibilidade de uma carreira profissional. A taxa de atividade de mulheres com mais de dez anos residindo na zona rural cearense era de 29% em 1990, ou seja, um nível inferior ao daquelas que residiam numa área urbana, cuja taxa de atividade alcançava 39%.7 7 Fonte: IBGE, PNAD, 1990. Por fim, os empregos oferecidos às mulheres residentes na área rural são muito pouco diversificados: seis mulheres em cada dez trabalhavam quer na agricultura ­ onde 90% entre elas são recenseadas na categoria "responsável ou membro não remunerado da família" ­, quer no artesanato, atividade desenvolvida, na maioria das vezes, em seu próprio domicílio. Em função de dados como esses, François de Singly (1994) constata que o casamento desempenha um papel maior na determinação do estatuto feminino, formando um dos fundamentos da identidade social das mulheres. Nas entrevistas, o estatuto de casada outorga à mulher um valor simbólico expresso em termos de respeito. Solteira, a mulher é somente a "metade de uma laranja". Casando-se, ela cumpre o seu destino, definido pela "lei da natureza", e se torna assim uma mulher... completa. Os benefícios da vida conjugal sobre o valor simbólico das mulheres são revelados, pelo lado negativo, nos casos de separação, cujos efeitos são diferenciados conforme o lugar que a mulher separada ocupa na hierarquia social, o que mostra a dependência feminina desigual em relação ao casamento (Entrevista 3).

Eleunice: Meu maior objetivo na vida é encontrar a pessoa certa. Meu sonho é ter filhos e acho que quando a gente encontra a pessoa certa, todo mundo quer se casar. [...] o casamento faz parte da vida de todo mundo, é o futuro, a gente constrói uma família, acho que é importante (Entrevista 1).

Nilda: Acho que todo mundo, ou quase todo mundo, pensa em [se] casar, quer casar. Para qualquer pessoa normal, é bom casar, ter filhos, marido e quando eu for velha ter pessoas para cuidar de mim, não quero ter uma velhice solitária porque quem sabe se na minha velhice vou ter meus pais para cuidar de mim. Não sei se meus irmãos e minhas irmãs vão querer cuidar de mim, se eu tiver filhos é melhor. Acho que é bom ter sua casa, seu próprio canto (Entrevista 2).

Evanisa: Se a mulher for separada, tem muitos homens que não vão dar valor, isso quando ela é pobre. Quando é separada, que ela tem seu apartamento, que ela tem seu carro, que ela tem tudo, que ela tem seu trabalho, aí chove de homens. Agora se uma mulher for separada e se for pobre, tem nada, os homens não querem dela. Chegam apenas com a idéia de fazer sexo e pronto, usá-la, a mulher não tem mais valor para eles (Entrevista 3).

Em suma, apesar de as domésticas deixarem seu município quando entram no mercado matrimonial local, a coincidência entre esses dois calendários não pode ser explicada por qualquer rejeição ao casamento: as jovens migrantes representam seu futuro conforme o modelo que define o acesso das mulheres à posição adulta a partir do matrimônio, modelo cujos contornos são desenhados pelo meio de origem. Devemos ver, portanto, nestas primeiras observações, a invalidação da hipótese inicial ou continuar trilhando o caminho do casamento, interessando-nos, mais especificamente, pelo estado do mercado matrimonial local? Com efeito, levando em conta a amplitude dos movimentos migratórios que atravessam o Ceará, uma hipotética escassez relativa de homens, nos municípios de origem das domésticas, devido a uma alta emigração masculina, teria como conseqüência obrigar as moças casadouras a se deslocarem.

O valor social dos rapazes do interior

Quando se compara a taxa de masculinidade da população rural dos municípios de nascimento das domésticas8 8 A fim de reduzir o efeito de flutuações aleatórias, foram considerados municípios de nascimento das domésticas somente os que apresentavam, em nossa amostragem, uma freqüência igual ou superior a cinco, o que representa um total de 28 municípios. Entre os dois censos de 1980 e 1991, houve várias mudanças no recorte administrativo dos municípios cearenses: 43 distritos tiveram acesso à autonomia a partir do desmembramento de 31 municípios; as domésticas entrevistadas, nascidas num município criado após 1980, podiam declarar como lugar de nascimento o antigo município ou o novo. Em compensação, entre 1960 e 1980, apenas um município foi fracionado. Os limites da quase totalidade dos municípios, portanto, não variaram entre essas duas datas que constituem o período de nascimento de 95% das domésticas. Por isso, preferimos analisar a partir das fronteiras municipais de 1980 (ou seja, um total de 140 municípios). Os diversos dados relativos aos novos municípios foram incluídos nos dos municípios iniciais. Trabalhar a partir de unidades geográficas estáveis permitiu adotar uma perspectiva dinâmica no sentido de entender as mudanças do contexto social no qual as domésticas foram criadas. e a dos outros municípios cearenses, pode-se observar que os lugares de origem das migrantes se caracterizam por taxas de masculinidade elevadas (Gráfico 6). Em outras palavras, as domésticas freqüentemente provêm de municípios nos quais, na zona rural, a razão de sexo é bastante desequilibrada. Porém, não são todos os homens que estão em idade de se casar, e a abundância de idosos ou crianças não poderia satisfazer os desejos femininos de conjugalidade. Nesse sentido, a Tabela 2 apresenta, por faixa etária, a taxa de masculinidade das zonas rurais cearenses, discriminando os municípios de origem das domésticas dos demais municípios. Nos primeiros, as mulheres encontram-se numa situação de escassez relativa favorável a seu casamento ­ o número de mulheres é deficitário na faixa etária entre quinze e 29 anos. Pode-se perguntar, a propósito, se o excedente masculino, observado nos municípios de origem das domésticas, não torna as uniões mais precoces, já que a questão do casamento estaria mais presente para as jovens nascidas em municípios com menor número de mulheres. Nos outros municípios, a diferença homens/mulheres, apesar de positiva, está mais equilibrada. Assim, quando se analisa os dados relativos aos municípios onde nasceram as domésticas, verifica-se que a zona rural destes são peculiarmente bem providas de homens em idade de se casar. Portanto, a hipótese de déficit masculino não explica absolutamente a migração das domésticas, ao contrário, há uma ligação entre o excedente masculino e a saída dessas jovens. O problema consiste, então, em interpretar esse fato, ou seja, descobrir por que as mulheres que aspiram a um estabelecimento social autonômo pelo matrimônio deixam seu município, caracterizado por uma taxa de masculinidade alta. De uma situação propícia ao casamento, elas partem para Fortaleza, onde o contingente masculino é muito deficitário a partir de dez anos de idade, chegando a ser bastante significativo entre quinze e 29 anos (Tabela 3). Talvez o excesso de homens nos municípios de origem não seja o bastante para realizar os projetos matrimoniais. O que estaria em causa não seria então a quantidade, mas a qualidade dos cônjuges potenciais disponíveis localmente, ou seja, seu valor social. Ante a desvalorização dos homens daqueles municípios, as mulheres optariam por um mercado que oferece maior diversidade. Nessa perspectiva, a migração para Fortaleza poderia ser definida como uma "mobilidade de prospecção matrimonial" (Bozon, Héran, 1987).


Uma estratégia de reconversão?

Verificar a validade da hipótese referida implica previamente elaborar o perfil dos cônjuges potenciais e, então, circunscrever o campo de suas alianças, dando enfoque às modalidades de formação dos casais nas zonas rurais.

As práticas matrimoniais nas comunidades rurais cearenses

A possibilidade de escolha de um parceiro é limitada por várias "circunstâncias exteriores" (Girard, 1964), entre as quais a extensão do espaço ­ geográfico e social ­ no qual vive um indivíduo. Para delinear com precisão as categorias de maridos elegíveis, analisaremos, a seguir, as fronteiras e a composição social do espaço percorrido pelas mulheres.

O controle parental na formação das alianças

Se as crianças ­ meninos e meninas indistintamente ­ desfrutam de grande liberdade de circulação, quando atingem sete, oito anos, começa a instaurar-se no seio da frátria uma diferenciação sexual de tarefas, em que cada um é, então, circunscrito preferencialmente num espaço privado ou público, conforme o sexo. Essa reorganização intrafamiliar é a ocasião em que se aprende os papéis e as posições reservados a cada sexo, cujas atividades serão, doravante, muitas vezes separadas. As meninas, fora do grupo familiar, passam a ter uma autonomia limitada. Seus deslocamentos e relações serão fiscalizados. As festas da aldeia ou em um perímetro próximo às quais elas são autorizadas a participar (a partir da idade de doze anos), sob a vigilância de um irmão mais velho ou de uma irmã casada, são os principais momentos de encontro entre jovens. Assim, as moças permanecem confinadas aos espaços da vizinhança, e quando têm a oportunidade de sair, fazem-no sob o olhar de um membro da família. Nessas condições, a extensão da área geográfica na qual se contratam as alianças matrimoniais é muito limitada e a endogamia comunal chega a níveis elevados. Em outras palavras, a proximidade geográfica é um fator determinante na formação das uniões. Ora, os espaços da vizinhança que a vigilância dos pais permite às moças são, muitas vezes, habitados por famílias ligadas pela consangüinidade ou pela afinidade. Em conseqüência, as chances de se estabelecer relações amorosas ­ ou amigáveis ­ com pessoas aparentadas ou aliadas são bastante altas. Os amigos são muitas vezes parentes colaterais ­ irmãs, primas ou mesmo tias, quando a diferença de idade as aproximam ­ e os cônjuges, parentes afins. Portanto, a fiscalização que exercem os pais nos encontros de suas filhas tende a privilegiar o casamento entre parentes, levando ao que Tina Jolins, Yvonne Verdier e Françoise Zonabend (1970) chamaram de "reencadeamentos de aliança".

Ao controle indireto dos pais na formação das uniões que se manifesta pela vigilância dos deslocamentos das moças, soma-se um controle direto que intervém menos para impor um futuro esposo do que para proibir um casamento que ameace os interesses simbólicos ­ como no caso de Nilda ­ ou econômicos da família.

Tive um namorado, namorei muito tempo com ele, comecei quando tinha doze anos e ele tem três anos a mais do que eu. Tem uma irmã que na época era casada com meu irmão. Quando meu irmão se separou dela, teve muitas brigas entre eles. Meu irmão foi embora e sua mulher voltou a morar na casa de seus pais, aí teve muitas brigas porque nossas duas famílias eram vizinhas. Quando meu irmão se separou, meu pai disse que eu também devia terminar com meu namorado mas a gente não queria, aí continuou a namorar mas escondidos e pouco tempo depois engravidei. Quando meu pai soube, ficou com raiva porque pensava que eu tinha feito de propósito mas na verdade era inocente, sem experiência e meu namorado também. Aí meu pai disse que sentia pena pelo que tinha acontecido mas que não dava mais para voltar atrás, que não podia fazer nada porque não queria que eu me casasse com o rapaz mas não queria também criar meu filho, queria que fizesse aborto. Meu pai, minha mãe, minha família toda queria, concordava com eles. Aí fui morar na casa da minha irmã, fui para Santa Quitéria morar com ela para que eu e meu namorado não nos vejamos mais, porque nosso casamento não podia dar certo, meu pai não concordava, seu pai também, nem minha mãe, ninguém queria que a gente se casasse. Aí fui na casa da minha irmã. Na verdade, minha família me entregou a minha irmã como uma mercadoria para que ela faça tudo que tinham decido. Se por acaso o aborto não puder ser feito, quando a criança nascer, devia ser dada logo a uma pessoa que eu não conhecia.

Menos que o nascimento de uma criança ilegítima, está a derrogação à obrigação de solidariedade, que Nilda deveria ter manifestado com seu irmão, deixando de encontrar seu namorado, já que isso prejudicava a honra familiar.

Contudo, nem sempre as moças se conformam à vontade paterna. Nilda continuou, durante algum tempo, sua relação amorosa, apesar de proibitiva. E se até pouco antes do nascimento Nilda submeteu-se ao veredicto familiar ­ não tendo abortado teria de dar a criança a uma família "adotiva" ­, após o nascimento, ela decidiu criar sua filha, arriscando, com isso, provocar uma ruptura familiar.

Disse a minha irmã: "vou te dizer uma coisa que não vai gostar mas infelizmente para você e felizmente para mim, não vou dar essa criança, vou ficar com ela, vou fazer o que precisar, vou pedir esmola se precisar mas não vou dar". Ela ficou chateada porque não sabia como dizer a meu pai. Foi falar com ele dizendo que eu queria que eles entendessem, que me aceitem com minha filha. Fiquei lá na casa da minha irmã esperando a resposta. Quando voltou, minha mãe tinha mandado tudo, fraldas, mamadeira. Nasci pela segunda vez. Passei ainda 28 dias em Santa Quitéria, aí minha mãe veio me buscar com minha filha. A gente chegou em casa e meus dois irmãos não queriam minha filha. Ficavam zangados porque achavam que tinha feito uma coisa muito ruim: ter uma criança sem estar casada e em seguida criar problemas. Nem queriam que eu me casasse com meu namorado, aí ter filho era pior. Aí ficaram um mês sem ir na casa dos meus pais. Aí meu pai chamou eles, explicou que não podiam me desprezar por causa disso, que podia acontecer com todo mundo, que eu não era a primeira. Não entravam no quarto da menina, nem olhavam para ela mas eu dizia nada. Depois de alguns tempos, foram ver a menina e sei que hoje é o coração da casa, nem uma mosca pode tocar nela, tem 5 anos e tudo mundo adora ela.

A oposição dos pais nem sempre também é suficiente para impedir seu casamento. Um meio de forçar o consentimento familiar consiste na fuga com o moço reprovado. Normalmente, quando isso ocorre, os jovens buscam o apoio de um membro da família do rapaz ­ irmãos ou tios ­, que os hospeda provisoriamente e desempenha o papel de intermediário para formalizar o casamento com os pais da jovem que, por sua vez, se sentem na obrigação de aceitar a união, pois a fuga, nesse caso, equivale à perda da virgindade da moça. Mas chegar ao ponto de se opor ao casamento não é algo recorrente, nem tão necessário, já que as jovens aprenderam desde a infância a se submeter ao interesse familiar garantido pelo pai. Ademais, como observou Bernard Vernier (1991) em sua análise sobre a sociedade karpathiota, "a posição social de um indivíduo dependia, antes de tudo, da de seus pais. É preciso levar em conta a extrema dependência dos filhos [...] para entender melhor sua submissão às decisões familiares". Quando essa submissão exacerba as tensões no seio da família pelos constrangimentos rigorosos que pesam sobre os membros do grupo, à medida que os conflitos intrafamiliares ameaçam a continuidade das relações, há o incentivo a procurar acordos. A irredutibilidade do pai de Nilda foi quebrada ao aceitar a decisão de sua filha de ficar com o bebê porque, alguns anos antes, uma de suas filhas, a mais velha, recusando sujeitar-se à sua vontade, fugiu do domicílio parental com dezessete anos, rompendo, desde então, qualquer contato com sua família. Ora, a pertença a um grupo de parentesco determina não apenas a posição de cada um no seio da comunidade, mas também sua identidade social. Nas palavras de Martine Segalen (1984):

[...] encerrado na sucessão das gerações, inscrito em redes de colateralidade, referenciado em relação à origem geográfica familiar, cada um reconhece seu lugar. As redes dão um sentimento de estabilidade, de pertença, funcionam como um sistema de identificação.

Foi categórica a resposta de uma jovem quando lhe foi sugerido a possibilidade de romper as relações com sua família: "acho que não poderia ficar sem vê-los, seria como se não tivesse dono".

Os usos sociais do parentesco

A mobilização dos pais, assim como a dos irmãos e das irmãs de Nilda para impedir sua união, testemunha o cuidado que as famílias tomam na escolha dos cônjuges: as alianças não dizem respeito apenas a dois indivíduos, mas envolvem vários grupos familiares ­ o que Nilda e seu namorado tinham ignorado. Na realidade, o casamento representa um dos meios pelo qual as famílias constroem ou consolidam toda uma rede de relações seletivas, indispensável à manutenção dos grupos domésticos. Com efeito, cada unidade de residência é composta por uma família nuclear.9 9 Segundo o censo de 1991, 75,1% dos domicílios particulares permanentes, localizados numa zona rural cearense, constam de uma família nuclear. Diferentemente do que alguns antropólogos e historiadores observaram em várias sociedades camponesas, o casamento, apesar de ser precoce, não significa a coabitação, inclusive temporária, das gerações, mas implica a dissociação domiciliar do novo casal. Ora, a família nuclear se realiza plenamente como unidade de produção autonôma apenas quando sua descendência é numerosa e quando dela fazem parte adultos, jovens e crianças, constituindo um grupo extenso e auto-suficiente de cooperação econômica interna,10 10 A este propósito, ver Durham (1973). já que em várias fases de seu ciclo de desenvolvimento requer ajuda exterior. As comunidades camponesas, estruturadas a partir de relações estabelecidas entre famílias nucleares na base do parentesco (biológico ou espiritual), conseguem suprir a falta de mão-de-obra familiar para o cumprimento de tarefas cotidianas agrícolas ou domésticas. Os laços de parentesco constituem a melhor garantia para assegurar a ajuda imprescindível da vizinhança; o grau de proximidade familiar entre os grupos domésticos condicionam a amplitude e a estabilidade de seu apoio mútuo. Assim, as alianças são muito pouco determinadas por estratégias de ordem patrimonial. Visam menos a evitar a dispersão dos bens familiares, ou a favorecer sua acumulação, do que a criar redes de solidariedade permitindo a cada um continuar sua vida. Max Weber (1985) observou que, numa economia tradicional, "o homem não deseja, "'por natureza"', ganhar cada vez mais dinheiro, deseja simplesmente viver conforme o hábito e ganhar tanto dinheiro quanto precisa para isso". Essa proposta é corroborada por diversos estudos consagrados ao processo de formação e de transformação da sociedade camponesa brasileira (Candido, 1964; Durhan, 1973; Menezes, 1976). Candido, por exemplo, interessado pelas condições sociais que presidiram a constituição da cultura caipira, concluiu que a abundância de terras férteis, associada à precariedade dos modos de ocupação das terras e a uma baixa densidade demográfica, propiciou o surgimento de um sistema cultural, cuja característica reside na desambição. Para as famílias do pequeno campesinato, o principal enjeu das trocas matrimoniais não é, então, melhorar a posição de seus filhos no campo social, mas mantê-la. Trata-se de uma manutenção que precisa recorrer ao auxílio de vizinhos, garantido pela inserção numa rede de parentesco. Daí o controle parental na escolha dos cônjuges, privilegiando as uniões que envolvem duas famílias já aparentadas. Esse tipo de casamento é garantido indiretamente pela pequena autonomia consentida às jovens que, além disso, são incentivadas desde criança a submeter-se ao interesse familiar, visto que sua posição e identidade são definidas pelo pertencimento a um grupo de parentesco. Nessas condições, ao ficar em seu município de origem, elas estão destinadas a desposar homens de sua aldeia; em contrapartida, para ampliar suas opções matrimoniais, necessitam ir embora.

A alteração das condições de reprodução do pequeno campesinato

A estreita dependência entre os campos matrimonial e econômico já foi atestada por numerosos estudos de antropologia (Bourdieu, 1972; Segalen, 1984; De Singly, 1994). Tal relação sugere a importância de se analisar as condições de reprodução do pequeno campesinato e sua evolução, sobretudo em se tratanto de entender, como no caso da presente pesquisa, por que há "desvalorização social" dos rapazes na zona rural em questão. Assim, a migração das domésticas para Fortaleza, determinada por objetivos de ordem matrimonial, poderia ser analisada como uma estratégia de reconversão de sua posição, desenvolvida pela pressão de mudanças econômicas estruturais que as teriam levado a "mudar para se manter" (Bourdieu, Boltanski, Saint-Martin, 1973). Com efeito, as transformações socioeconômicas ocorridas desde os anos de 1950 na agricultura cearense modificaram profundamente o perfil dos parceiros potenciais ao alcance dessas mulheres.

O aumento da população agrícola (801.491 pessoas trabalhavam na agricultura em 1960, enquanto em 1995 este número passou para 1.170.724) foi associado a uma recomposição interna ao campesinato, a qual pode ser apreendida a partir da evolução da superfície dos estabelecimentos agrícolas, por um lado, e dos modos de exploração das terras, por outro. Entre 1950 e 1995, o número total de estabelecimentos agrícolas no Ceará foi multiplicado por 3,9, passando de 86.684 para 339.217. Mas são as pequenas unidades produtivas (menos de dez hectares)11 11 Usamos a divisão determinada por Sadi Dal-Rosso (1980). As pequenas unidades contam com menos de 10 ha, as médias, entre 10 e 100 ha, e as grandes, 100 ha e mais. que registraram a maior progressão (de 19.607 para 245.312) e sua proporção, no total, expandiu de 22,6% em 1950 para 72,3% em 1995. Nessa classe, são os minifúndios com menos de dois hectares que mais cresceram: o número foi multiplicado por 34 no correr dos 45 anos estudados, e sua proporção no total das pequenas unidades passou de 18,1% para 49,6%. Esse incremento realizou-se em detrimento das unidades de cinco a dez hectares, visto que estas representavam quase a metade dos pequenos estabelecimentos em 1950 e apenas 16,0% em 1995. Quanto aos estabelecimentos médios e grandes, seu peso relativo assinalou uma regressão importante: respectivamente, de 54,1% para 22,5%, e de 23,3% para 5,2%. A fragmentação das unidades está associada à expansão de modos indiretos e inclusive precários de apropriação da terra (Gráfico 7): a curva de evolução da proporção de estabelecimentos com menos de cinco hectares e a da proporção de arrendatários e ocupantes apresentam um movimento similar. Se em 1950, 81% das unidades eram dirigidas por proprietários, essa taxa atingia somente 47% em 1995; simultaneamente, a proporção de arrendatários e ocupantes passou de 8% para 50%. No entanto, a evolução da repartição das superfícies agrícolas, segundo a condição do responsável, indica que a proporção de terras cultivadas por proprietários permaneceu, comparativamente, constante no decorrer do período (72%, em 1950, e 64%, em 1995), pois a redistribuição dos modos de apropriação da terra variou muito em função do tamanho das unidades produtivas. Destarte, a propriedade está cada vez menos relacionada aos pequenos estabelecimentos que, por sua vez, se caracterizam pela precariedade do sistema de exploração: em 1970, 48% dos pequenos estabelecimentos eram compostos por terras próprias; em 1995, essa percentagem era apenas de 33%. Nas unidades médias e, sobretudo, nas grandes, as condições de uso da terra passaram a se apresentar, ao contrário, notavelmente estáveis.


As importantes mudanças que afetaram as estruturas agrárias cearenses conduziram à precariedade da condição e da posição do pequeno proprietário. A exploração de minúsculas parcelas herdadas não possibilita mais a reprodução da economia familiar. Para permanecer na agricultura, uma porção crescente de famílias tem de arrendar ou ocupar as terras ou procurar atividades complementares. Na agricultura, a mão-de-obra progrediu muito (de 46% entre 1960 e 1995, passando de 801.492 para 1.170.724). Contudo, esse aumento resulta exclusivamente do crescimento do número de pequenos estabelecimentos explorados pelo trabalho familiar. As unidades médias e, sobretudo, grandes, suscetíveis de contratar assalariados, registram regressão de pessoal ocupado (respectivamente -26% e -52% entre 1960 e 1995). Então, se a população agrícola cresceu foi por causa, antes de tudo, do crescimento do número de responsáveis e membros não remunerados da família, que representavam 80% da força de trabalho agrícola, em 1995, e apenas 45%, em 1960. O contingente de empregados diminui bastante, tanto em valor relativo como em absoluto. Segundo os censos do IBGE, em 1960, 44% da força de trabalho da agricultura era composta por empregados temporários ou permanentes, em 1995, essa porcentagem caiu para 18%. Na realidade, sob o aparente aumento da população agrícola, uma dupla mudança se deu, reduzindo consideravelmente as capacidades de absorção da mão- de-obra na agricultura: o crescimento da produtividade do trabalho nos estabelecimentos médios e grandes e o aumento do subemprego nos pequenos. Ora, fora da agricultura, as oportunidades locais de emprego são muito restritas. Os municípios do interior (zonas urbanas e rurais) apresentam uma estrutura socioprofissional pouco diversificada. Artesanato, serviços essencialmente pessoais (confecção, sobretudo), pequenos estabelecimentos comerciais, ensino e cargos político-administrativos, não chegam a oferecer recursos complementares suficientes e, ainda, menores opções de reconversão. Assim, à medida que no seio do pequeno campesinato a transmissão intergeracional do estatuto social acontece com muitas dificuldades, as práticas matrimoniais homogâmicas dessa população apresentam grande probabilidade de conduzir as jovens oriundas desse meio à desclassificação social e, mais ainda, a uma desclassificação permanente.

A procura dos fatores que determinaram o desprestígio dos homens no meio rural, suscitada pela proposta deste estudo, segundo a qual uma lógica matrimonial condiciona o deslocamento das jovens até Fortaleza, nos levou a verificar o respaldo de uma hipótese formulada em termos de estratégia de reconversão. Notamos que "as chances objetivas de reprodução do grupo" (Bourdieu, Boltanski, Saint-Martin, 1973) pertencente ao pequeno campesinato são restritas localmente, o que contribuiu para a diminuição do "valor social" dos jovens nesse ambiente e a consecutiva migração das mulheres. Todavia, este modelo, baseado apenas na leitura das estruturas econômicas, não dá conta da dimensão subjetiva, essencial neste caso, cujo esclarecimento é indispensável à compreensão da lógica dos comportamentos individuais.

Mobilidade geográfica e mobilidade social: o emprego doméstico

Como sinal de uma melhoria de sua posição social, as domésticas sintetizam sua ida a Fortaleza com a expressão "mudar de vida", manifesta por meio do uso de superlativos na evocação das circunstâncias da migração para a capital:

Matilde: Achava que eu ia ter mais liberdade aqui, que ia conhecer melhor a vida, lá sabia de nada, aqui seria diferente.

Lucia: Decidi vir para cá para ter uma vida melhor.

alete: Fortaleza era perto da minha cidade, e era lá que queria recomeçar.

Raimundinha: Fazia tempo que tinha vontade de vir. Minhas primas encontraram um trabalho para mim e vim para questionar a vida, para melhorar minha situação.

Deuslange: Desde criança eu queria vir, queria ter minha própria vida, sem depender de ninguém. Aqui trabalho, ganho meu dinheiro, quando quero um coisa eu tenho. Lá, quando as pessoas têm um trabalho, ganham uma mixaria e nunca me conformei com a pobreza.

Entrevista de grupo: Saí de casa porque queria uma vida melhor e lá não podia ter o que quero para mim. Aí escolhi mudar de vida, vim trabalhar para comprar o que eu quero, o que eu desejo (Entrevista 4).

O desejo de ascenção social, expressado pelas domésticas entrevistadas, nos permite interpretar a migração para Fortaleza como uma "conduta de mobilidade social", no sentido que a definem Alain Touraine e Orietta Ragazzi (1961). A partir de um estudo sobre os operários de origem agrícola, estes autores se propõem a analisar a migração como uma "conduta orientada e significativa de um ator", que resulta, ao mesmo tempo, "de constrangimentos ou de estimulações econômicas e [...] de um projeto pessoal". Eles identificam, do ponto de vista analítico, três casos gerais de passagem de emprego de trabalhador agrícola para o de operário da indústria, definidos a partir do "tipo de decisão que acarreta a mobilidade". Em primeiro lugar está o deslocamento. Quando numa zona rural a oferta de trabalho aumenta, em função da implantação de uma empresa, o trabalhador agrícola pode ser contratado sem deixar sua aldeia, ou instalando-se numa aldeia vizinha. Nesse caso, "uma ocasião precisa deu forma a uma intenção, talvez e mesmo provavelmente latente; a iniciativa não veio do próprio indivíduo". Em segundo lugar está a partida. "Sempre querida ou pelo menos aceita", corresponde à migração para um centro industrial: o trabalhador agrícola "decide ir trabalhar numa usina, deixar a terra, tornar-se operário". Por fim está a conduta de mobilidade social que supõe que "o indivíduo que deixa seu meio social de origem seja dirigido por uma vontade ou uma perspectiva de ascensão". Esses três tipos de movimento caracterizam-se por ter objetivos diferentes: a empresa, para o deslocamento, a indústria, para a partida, e a cidade, para a mobilidade social, sendo que a meta, nesse último caso, é "antes de tudo, entrar na economia e na cultura urbana". Passa-se, assim, de objetivos específicos para gerais e, acrescentam Touraine e Ragazzi, "quanto mais o objetivo do movimento é geral, mais também seus fins culturais adquirem importância em relação a seus fins diretamente econômicos". Tal abordagem, que faz da migração o resultado de um projeto pessoal de ascensão social, permite que não nos detenhamos em uma explicação exclusiva e mecanicamente centrada nos contrangimentos econômicos e na "resignação à necessidade" (Bourdieu, 1979) como fundamentos das práticas populares.

Ambições matrimoniais e seleção do cônjuge

A aspiração de promoção social manifestada pelas jovens se traduz também na concepção que têm do casamento. Embora as migrantes encarem seu futuro conforme a definição dos destinos femininos vigentes no seu meio de origem, definição segundo a qual o casamento determina, para as mulheres, o acesso à posição adulta, sua concepção do casamento, ao contrário, diverge. Enquanto nas sociedades rurais as estratégias de aliança visam a garantir a continuidade das posições sociais de uma geração para outra, as migrantes concebem o casamento como um intrumento de promoção social: o modelo da homogamia foi substituído pelo da hipergamia feminina. Daí o cuidado extremo na seleção do cônjuge:

Nilda: Nunca quis de um homem que sabe de nada, falo de uma coisa, nem sabe do que estou falando, pergunto alguma coisa e nem sabe me responder. Não. Quero alguém que sabe me responder, que tira minhas dúdivas, não quero de um homem burro. Gosto das pessoas inteligentes, educadas, que sabem um pouco de tudo, que sabem conversar, acho que é muito importante, tem muito valor, quando você conhece alguém que conhece as coisas, principalmente que sabe falar, acho que é bom, aí você deve dar valor a isso (Entrevista 5).

Se o amor não é esquecido, se conjuga perfeitamente com o interesse:

Albanisa: Eu sou pobre, não vou me casar com um pobre!

Aparecida: Deus me livre de me casar com um homem pobre. Para sofrer? Claro que eu não quero viver às costas dele, quero ter meu próprio negócio, se tem dinheiro pode montar um negócio para mim.

Rita: Vou me casar quando vou ser apaixonada por um rapaz, quando vou saber que ele me ame, que eu o amo de verdade, que ele tem um bom emprego para poder se casar, se não tem um bom emprego como é que a gente pode sobreviver? (Entrevista 6).

Do mesmo modo, a diferença que percebem entre casamento e concubinato, segundo o estatuto socioeconômico do parceiro, testemunha a procura de uma ascensão social pelo casamento:

Vilma: A gente pode viver juntos com um homem pobre, mas não com um homem rico. Com um homem rico, a gente se casa. Se divorcia, a gente tem direitos, a casa, tudo é dividido.

Nilda: Se o rapaz tem mais que a moça, acho que é melhor casar (Entrevista 7).

Tal concepção do casamento tem forte incidência na escolha do marido. Com efeito, enquanto nas comunidades rurais o controle parental delineia estreitamente o círculo das uniões, o sistema de alianças é, apesar de tudo, preferencial e não prescritivo, quer dizer, o cônjuge é escolhido e essa escolha pertence aos filhos. Ora, Michel Bozon (1991) mostrou que a seleção de um parceiro se efetua também "através de julgamentos que cada um faz sobre os indivíduos que encontra". Assim, no mercado matrimonial, o conjunto dos capitais que os jovens detêm, quer dizer, seu valor social, é objeto de apreciação por parte das moças; seu resultado dependerá do valor social dos homens, por um lado, e das categorias que as moças empregam para julgar esse valor, por outro. À medida que as migrantes esperam do futuro marido uma melhoria em sua posição social, um rapaz será avaliado em função de suas potencialidades promocionais. Nessas condições, a desqualificação dos homens do pequeno campesinato pode se referir não apenas a seu empobrecimento, que compromete as chances de reprodução do grupo, mas também à redefinição dos critérios de avaliação das moças; aliás é o que confirmam os resultados obtidos a partir do estudo do retrato que as pesquisadas construíram de seu futuro cônjuge. Com efeito, François de Singly (1994) constata que as mulheres sensíveis a seu sucesso social e casadas com um parceiro de melhor nível cultural, econômico e social são particularmente propensas a retraduzir esse valor social superior em valor psicológico: "vêem seu parceiro como um interlocutor atento, um confidente, uma pessoa que desempenha o papel de "'terapeuta'" e de apoio". Do mesmo modo, conforme as observações de Michel Bozon (1990), as qualidades psicológicas ou relacionais que as mulheres reconhecem, de bom grado, em seu futuro cônjuge, por ocasião de seu encontro, "remetem à posição social mais elevada do homem". Ao descreverem seu cônjuge ideal, 88,9% das domésticas fazem referência a suas qualidades de ordem psicológica (Tabela 4).

Também, segundo elas, são evidenciadas suas capacidades de comunicação conjugal ("escuta o que quero dizer", "conversa comigo", "me conta seus problemas"), de compreensão ("sabe me entender"") e de proteção ("deve procurar me ajudar de todo jeito", "está sempre do meu lado para tudo"). O lugar privilegiado que as entrevistadas atribuem a esses critérios pode ser considerado como o indicador da prioridade que outorgam à superioridade social do homen. É importante assinalar que a freqüência com que são citadas as qualidades de natureza psicológica fica estável qualquer que seja a duração de residência das moças na capital ou no emprego doméstico; em outras palavras, suas ambições matrimoniais não se desenvolvem posteriormente à sua chegada em Fortaleza, mas acompanham sua migração e seu ingresso na domesticidade. Portanto, a "desvalorização social" dos jovens camponeses resulta, certamente, da transformação das estruturas agrícolas, que promoveu o empobrecimento daqueles que porventura seriam os pretendentes naturais das moças, caso tivessem ficado em seu município de origem. Este fator, no entanto, deve ser relacionado também a mudanças de ordem cultural. Os processos ocorrem de maneira simultânea, ou seja, o empobrecimento no meio rural é acompanhado pelo desejo de ascensão social que passa a determinar as ambições matrimoniais das moças, o que contribui para redefinir os critérios de avaliação e de escolha do cônjuge. Novas normas passam a determinar o valor matrimonial: um esposo não deve se contentar apenas em manter a posição social de sua mulher, deve também assegurar sua promoção social.

Em suma, apesar de as oportunidades matrimoniais serem mais numerosas nos municípios de origem das domésticas do que em Fortaleza, a prática homogâmica e a preferência pelo casamento entre parentes, que, nas comunidades rurais, regem as trocas matrimoniais entre as famílias, designam às moças parceiros pouco suscetíveis de atender suas expectativas conjugais. O espaço social de seu município de nascimento é, então, descrito em termos de imobilidade; e como não muda, não oferece oportunidade de mudar:

Maninha: Lá a vida é como parada não tem progresso, as pessoas vivem da casa para o trabalho, do trabalho para a casa e é assim, não tem evento, nada de novo. O trabalho é sempre o mesmo, os homens trabalham na agricultura e as mulheres em geral ficam em casa mas tem algumas que ajudam os homens na agricultura.

Bethânia: Lá não tem jeito para mudar de vida. A única maneira que você tem de mudar de vida quando você é uma moça pobre, é encontrar um rapaz rico mas não tem rapaz rico que quer se casar com uma moça pobre. Querem juntar o dinheiro para ser mais ricos (Entrevista 8).

O controle parental na formação das alianças é percebido como um encerramento numa condição da qual as moças querem escapar, e a estreita vigilância de sua conduta, que constitui o meio pelo qual esse controle se exerce, é considerado um aprisionamento. Assim, a migração das moças até Fortaleza pode ser analisada como uma "mobilidade de prospecção matrimonial", mas esta se inscreve numa estratégia de promoção social pelo casamento. Deve-se levar em conta a dimensão promocional das condutas das moças para se compreender a estreita relação entre migração e domesticidade: mais de 75% das migrantes pesquisadas nunca haviam residido em Fortaleza antes de trabalhar nesta cidade como domésticas. Para satisfazer suas expectativas de ascensão social, precisam ampliar suas opções conjugais, redefinindo a área de recrutamento de seu parceiro e libertando-se da tutela parental e do controle familiar em geral. Ora, como a profissão de doméstica implica a residência no emprego, permite às migrantes afastarem-se do domicílio parental, libertando-as da ingerência familiar e da influência do meio social de origem que predeterminam sobremaneira seu destino e sua posição social. Assim, o deslocamento geográfico marca apenas o engajamento das moças num processo de deslocamento social, cujo objetivo é a construção de uma nova identidade social que o emprego doméstico deve possibilitar.

Os benefícios do ingresso na domesticidade

Noventa por cento das pesquisadas declararam nunca ter trabalhado antes de se tornarem domésticas. As atividades remuneradas que exerciam antes de ingressar nesse ambiente foram, freqüentemente, omitidas, tanto nos questionários como nas entrevistas. Da mesma forma, quando interrogadas sobre quando começaram a trabalhar de forma remunerada, muitas indicaram o primeiro emprego doméstico. Na realidade, 25% das domésticias entrevistadas já haviam exercido algum tipo de atividade remunerada, o mais das vezes, artesanal, quando residiam com seus pais, e essas atividades inscreviam-se na divisão familiar do trabalho. O salário das moças fazia parte da economia familiar: era entregue à mãe, que cuidava da organização (aprendizagem, inclusive) do trabalho de suas filhas. A lógica das despesas expressava a primazia da família e o lugar residual deixado ao indivíduo (entrevista 9):12 12 A partir de pesquisas com homens migrantes de origem rural, Eunice Durham (1973) chegou à mesma conclusão: "o trabalho que o jovem realiza com seu pai nunca é mencionado na descrição das atividades profissionais. A atividade agrícola é incluída pelo migrante na descrição de sua carreira apenas quando é exercida como atividade independante, ou seja, como trabalho do indivíduo adulto. Isto parece indicar que as crianças e os adolescentes não são considerados trabalhadores, mas somente mão-de-obra familiar".

Helena: Minha mãe fazia chapéus e engomava. Agora eu nunca aprendi a fazer chapéus, minhas irmãs sabiam, menos eu. Minha função era engomar e lavar, as pessoas me chamavam e eu dava o dinhero a minha mãe, ela comprava o que queria, com o que sobrava, comprava roupas quando achava que eu merecia. Eu trazia tudo para casa, não gastava nada (Entrevista 9).

O emprego doméstico em Fortaleza, porque pressupõe a saída do lar, permite às migrantes uma maior autonomia fora desse modelo de atividade subordinado à família. Contrariamente a uma idéia muito difundida por uma concepção economicista da domesticidade, o emprego doméstico não pode ser analisado exclusivamente como uma estratégia para garantir a renda familiar quando os pais inserem as meninas ainda muito jovens nesse universo. Essa análise pode ser aceitável apenas para as meninas que ingressaram no emprego doméstico antes de dez anos e, portanto, uma minoria (6,3%). Muitas vezes, elas exercem a atividade de "babá", que consiste, sobretudo, em ser companheira de brincadeiras das crianças dos patrões. A natureza das tarefas realizadas por essas jovens muda, perdendo pouco a pouco seu caráter lúdico, quando, a partir de treze anos, passam a guardar para elas mesmas seu salário até então integralmente mandado aos pais:

Socorro: Não achava que fosse um trabalho, eu nem sabia o que era um trabalho, fazia mas para mim era nada, era como se fosse uma obrigação que tinha em casa, considerei como trabalho mais tarde, aos 12-13 anos. [O que você fazia nesta casa até 12 anos?] Só fazia brincar porque là na minha casa tinha nada e aqui eles me davam muitas coisas. Vim para brincar, para passar tempo com o menino. [Depois você cresceu...] Aos 12 anos, comecei a lavar fraldas, dar sopa, ajudar a preparar a comida, dar os remédios, pequenas coisas assim. [E em seguida?] Acho que o serviço cresceu junto comigo, tinha condição de fazer mais, aí devia fazer, como cuidar deles. Varria a casa, passava o pano, fazia as compras.

Irene: Vim para brincar, era menina ainda. Aí quando cresci, ela [a patroa] exigiu mais, cuidava da casa e quando tive 13-14 anos, a cozinheira foi embora, aí ela me pediu para fazer o almoço, gostou da minha comida, aí continuei até agora (Entrevista 10).

Fora esses casos, o emprego doméstico em Fortaleza, em virtude da separação residencial, liberta as moças da obrigação de participar na economia familiar. Assim, apesar de dois terços das domésticas afirmarem ajudar seus pais, elas participam, na realidade, de maneira irregular na economia familiar com o envio de dinheiro ou de bens materiais como roupas e remédios, e isto independentemente de sua idade no momento da pesquisa ou do início da atividade doméstica, ou ainda, do tempo de serviço. As mães reclamam e as domésticas o confirmam:

[Você manda dinheiro a seus pais?]

Cleoneide: Quando vou lá e que posso dar, dou. Pode ser todo mês, pode não ser, não tem momento fixo não.

Fátima: Não. Quando vou em casa, quando levo dinheiro, eu dou, quando não tenho, eu digo logo: "vim apenas com o dinheiro da passagem".

Elsa: Não, ele [seu pai] pede mas meu salário é pouco pra dar.

Liane: Às vezes, mas não todo mês, às vezes, quando eu quero (Entrevista 11).

O envio sistemático e regular de dinheiro, assim como visitas mais freqüentes à família, ocorre quando os pais ficam cuidando dos netos enquanto as mães trabalham como domésticas na capital.

Escapando ao olhar familiar, que limita a existência individual, as domésticas esperam ter a liberdade indispensável à sua colocação no mercado matrimonial de Fortaleza. Existe agora a liberdade de sair e, portanto, de encontrar pessoas:

Entrevista de grupo: Numa casa de família, eles [os patrões] não vão ficar preocupados com você como sua própria família, você é uma pessoa independente, quase livre. Você trabalha, ganha seu dinheiro, compra o que você quiser, faz o que você quiser. Lá em casa, você não pode, deve dar satisfação à família. Na minha casa, por exemplo, para sair, tenho que pedir a meu pai e às vezes ele não deixava.

Evanisa: Posso sair na hora que eu quiser, tenho os amigos que eu quiser, tenho o namorado que eu quiser. Vou num lugar, numa festa, sem horário para voltar. Com meus pais, não tinha tudo isso, tinha um horário para voltar, tinha que dizer com quem eu saía, onde acontecia a festa [...] (Entrevista 12).

Salários baixos ou pagos de maneira irregular é um problema normalmente negociado entre patrões e empregadas em termos de diminuição de carga horária ou de trabalho, mas, ao contrário, o controle rígido de encontros ou a limitação das saídas por parte do empregador torna-se rapidamente intolerável para a empregada. A liberdade de gastar dinheiro também é outro fator importante. Maninha, por exemplo, quando residia em Pacatuba com os pais, trabalhava em casa como bordadeira. Quando completou treze anos passou a trabalhar como doméstica em Fortaleza: "queria ganhar meu dinheiro, queria comprar eu mesma, com meu suor, minhas coisas". O fato de elas não mais morarem com os pais e estarem distantes geograficamente da família torna possível a elas decidirem sobre o que fazer com sua renda, já que seu salário não faz mais parte dos recursos familiares, a não ser de modo bastante irregular. As "coisas" a que Maninha se refere consistem sobretudo em vestuário: 57% das domésticas entrevistadas consideram ser este o principal item de suas despesas mensais (essa taxa chega a 72% quando da exclusão das domésticas que possuem filhos). Normalmente, as roupas não são compradas em lojas, mas de vizinhas ou amigas que vendem a domicílio, ou de uma costureira que as confecciona sob medida, sendo que o pagamento é parcelado. Os cosméticos, ao contrário, representam pouco nos orçamentos. As domésticas usam, sobretudo, batom e o perfume é, muitas vezes, dado pela patroa. Raramente o salário é economizado. Um terço das moças poupam dinheiro, mas de forma irregular, para o caso de serem demitidas ou para comprar alguma roupa mais cara. Quando ficam noivas, no entanto, a poupança passa a ser mais sistemática e sua quantia mais elevada; as somas servem para comprar enxoval e louças. Assim, os investimentos monetários que realizam são, sobretudo, de ordem estética. Dando grande importância a isso, as domésticas esperam mascarar sua origem e condição, redefinindo, assim, seu lugar na hierarquia social: a qualidade das roupas e sua combinação são indícios que servem para situá-las socialmente, e, em conseqüencia, para serem avaliadas por um eventual cônjuge:

Rose: Quando a gente é bem vestida, pode encontrar alguém melhor.

Nilda: Um rapaz que vê a gente bem arrumada, acha que a gente é da classe média. Os rapazes são desse jeito (Entrevista 13).

A diversidade do espaço social local

Esse desejo de ascender socialmente, tão transparente nas entrevistas, mostra que as moças compartilham sua concepção de vida apenas parcialmente com seus pais. Se a ambição marca a idéia de futuro dessas mulheres, a desambição caracteriza a concepção dos pais, ou seja, o sistema de representações e de valores das domésticas não é inteiramente herdado do meio familiar. Assim, compreender as condições de desenvolvimento de suas aspirações é identificar os fatores que contribuíram para dificultar a transmissão de valores entre as gerações.

Uma primeira explicação diz respeito ao empobrecimento do pequeno campesinato. Se as moças são pouco vinculadas aos valores tradicionais, é porque estes lhes parecem ilegítimos à medida que se tornaram ineficazes para evitar a desclassificação: os pais não são mais os fiadores de sua inserção social. O destino pode, então, ser pensado em termos individuais. E é o que manifesta a autodeterminação espontânea nos relatos de emigração ("eu não queria ficar lá", "eu queria sair de casa", "sou eu que tomei a decisão", "logo [depois da minha saída] não deixei mais ninguém mandar em mim, vou onde eu quero"), uma maneira de significar o domínio de seu próprio destino oposto à submissão ao grupo familiar, domínio que a emigração tornou possível.

Uma segunda explicação está relacionada à configuração socioespacial dos municípios de origem das migrantes. Vários autores mostraram o papel determinante que desempenham as características morfológicas do espaço local nos fenômenos de reprodução social. Patrick Champagne (1986) observou que nos municípios isolados geográfica e socialmente os valores tradicionais são facilmente conservados e transmitidos, na medida em que, hegemônicos, impõem-se como evidências. Ao contrário, nos municípios socialmente heterogêneos e abertos a influênciais exteriores, os valores tradicionais não estão garantidos. Nesse meio convivem e interagem indivíduos que ocupam posições sociais variadas e que, portanto, são detentores de valores também diversos, os quais são referências imprecindíveis para a avaliação das condições de vida desses indivíduos. A fim de verificar a validade dessa proposição no caso das domésticas, tentamos caracterizar a configuração socioespacial de seu município de nascimento em relação aos demais municípios cearenses. Para isso, elaboramos cinco indicadores13 13 Todos os cálculos foram efetuados excluindo Fortaleza das contagens. a partir de dados estatísticos disponíveis. Três deles são destinados a medir a maior ou menor homogeneidade socioespacial dos municípios: proporção dos ativos ocupando um emprego fora da agricultura, número médio de empregados nos estabelecimentos não-agrícolas e taxa de população urbana. Os dois últimos indicadores permitem avaliar o isolamento geográfico, ou seja, a distância de Fortaleza e o fato de o município ser ou não turístico. A partir dessas variáveis,14 14 Cada variável é parcialmente correlata às outras; a que apresenta os maiores coeficientes de correlação é a proporção dos ativos ocupando um emprego não agrícola; a variável que apresenta os menores coeficientes é a distância de Fortaleza. chegamos a um índice cujo valor fornece uma escala do encravamento dos municípios cearenses. Cada modalidade foi afetada por um coeficiente que vale entre 1 e 3, da seguinte maneira:

O índice total de um município foi calculado somando-se os coeficientes atribuídos a cada modalidade das variáveis. Vai de 5, nível máximo de encravamento, a 15, nível mínimo. Os resultados apresentados no Gráfico 8 mostram a pertinência das observações de Patrick Champagne (1986). O perfil dos municípios de origem das domésticas e o dos demais municípios, ante os valores tomados pelo índice, são bastante diferenciados. O primeiro caracteriza-se por uma sub-representação dos índices, entre 5 e 7 (5,0% contra 63,6% para os municípios onde não há recrutamento de domésticas), e uma sobrerepresentação dos índices mais elevados (60,0% dos municípios de origem das migrantes têm um índice entre 11 e 15, sendo essa taxa apenas de 12,7% para as outras localidades). A atração por Fortaleza é muito pequena em municípios isolados e socialmente homogêneos, e grande nos municípios que apresentam diversidade socioespacial.


Em síntese, as aspirações de ascensão social, que levam as jovens a procurar um cônjuge apto a melhorar sua posição, se desenvolvem sob a pressão de transformações internas do pequeno campesinato, por um lado, e da heterogeneidade do espaço social local, por outro. Se as famílias não conseguem mais impor seu sistema de valores aos descendentes, é porque não somente se tornaram incapazes de assumir seu destino, como também porque os municípios, onde residem as famílias, acolhem populações diferenciadas, que proporcionam aos indivíduos outras escolhas e, então, outras possíveis identidades sociais.

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Questionar os fatores que podem predispor mulheres jovens a emigrar, trabalhando como domésticas em cidades grandes, levou-nos a explorar a configuração demográfica de seus municípios de origem, que se caracteriza por um grande desequilíbrio entre os sexos (o número de homens em idade de se casar é maior do que o de mulheres). Chegamos à conclusão de que a migração das jovens se inscreve numa lógica matrimonial, expressão de uma estratégia de reconversão. Todavia, o pressuposto metodológico adotado, que consiste em articular componentes estuturais e biográficos das experiênciais individuais, revelou a dimensão de ascensão social do comportamento migratório das jovens, dimensão esta que as leva a procurar um cônjuge apto a melhorar sua posição social. Infelizmente, os dados da pesquisa nada dizem a respeito do que se passou com essas mulheres depois de serem entrevistadas, ou melhor, como seus projetos foram realizados.15 15 Tentamos desenvolver uma pesquisa longitudinal mas, infelizmente, o resultado dessa busca foi decepcionante: conseguimos localizar menos de um quinto das moças já entrevistadas, tornando impossível qualquer análise do devir das domésticas. Convém ressaltar, entretanto, que o emprego doméstico constitui um canal de acesso e de estabelecimento na cidade. Para 88% das domésticas entrevistadas em Fortaleza, a migração aconteceu junto com o ingresso na domesticidade. As moças encaram a migração - que representa, para quase dois terços delas, a primeira experiência migratória desde o nascimento - não como modo temporário de estada antes do regresso ao lugar de origem ou de uma próxima partida em direção a novo destino, mas como modo definitivo de instalação. Setenta por cento das domésticas declararam ter vindo à Fortaleza com a pretensão de ficar. Reconstrução a posteriori? Pouco plausível, uma vez que se sabe que a taxa é quase igual para as recém-instaladas. As domésticas que exprimiram uma vontade de voltar à sua região de origem, ou de prosseguir um caminho que as levaria até outro lugar, encontram-se preferencialmente entre aquelas que não têm plano algum de permanência. Assim, as disposições iniciais perduram, pois determinam de forma duradoura os projetos, que se traduzem por uma vontade de enraizamento na cidade. E, de fato, é pequeno o número de migrantes que retornam à sua região de origem para ficar, como o demonstra a baixa incidência de herança profissional entre as mulheres que trabalham como domésticas (somente um décimo das migrantes têm mãe que exerce ou já exerceu no passado essa atividade). Então, a saída das moças é definitiva, conforme suas pretensões iniciais. Ora, a domesticidade é um emprego de juventude e, conseqüentemente, renova-se a um ritmo muito rápido: em 1991, dois terços das domésticas brasileiras tinham menos de 25 anos, 60,0% delas agrupadas nas faixas etárias comprendidas entre quinze e 24 anos. Em outras palavras, depois dos 25 anos, muitas jovens deixam o emprego doméstico sem, contudo, voltar à zona rural; destarte, se a proporção de domésticas na população urbana feminina do Brasil atingia apenas 3,5% em 1995, a das antigas domésticas, infelizmente impossível de ser avaliada a partir dos dados disponíveis, deveria ser muito mais alta, o que nos leva a concluir, assim como Antoinette Fauve-Chamoux (1998) em seu estudo sobre as cidades européias do século XVIII, que as domésticas participaram ativamente da formação da população urbana brasileira.

NOTAS

BIBLIOGRAFIA

Artigo recebido em maio/2002

Aprovado em abril/2003

Christine Jacquet, doutora em Sociologia e Ciências sociais pela Université Lumière Lyon II, França, é professora adjunta na Universidade Estadual de Feira de Santana – BA. Atualmente desenvolve pesquisa sobre as práticas educativas nas famílias recompostas após divórcio ou separação.

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  • 1
    Fonte: IBGE, Censo demográfico, 1991.
  • 2
    Trata-se aqui das empregadas domésticas que dormem no emprego, ou seja, as que são classificadas pelo IBGE sob a modalidade "Empregado doméstico",da variável "Condição na família". As diaristas estão, portanto, excluídas do presente estudo.
  • 3
    Fortaleza é uma das capitais que apresenta não apenas um dos maiores excedentes femininos do Brasil, assim como uma das maiores proporções de domésticas em sua população (1,5%). A pesquisa de campo consistiu em: Entrevistas individuais semi-dirigidas com empregadas domésticas (n = 48), patroas (n = 13), mães de domésticas de Fortaleza (n = 12). Todas as mães residiam em Camocim, município do litoral norte cearense, de onde eram oriundas muitas domésticas já entrevistadas; Questionários com domésticas escolarizadas (n = 150); Entrevistas de grupo com domésticas escolarizadas (quatro entrevistas, ou seja, 41 domésticas); Exploração segundária dos dados da pesquisa "Desemprego e subemprego no município de Fortaleza" realizada em 1991 pelo sine, com uma amostragem aleatória estratificada de 2.379 domicílios, o que representa 11.374 indivíduos, entre os quais 162 domésticas; Exploração secundária da base de dados Samba, 2000; Levantamento de dados estatísticos do ibge sobre Fortaleza e os municípios cearenses.
  • 4
    Fonte: Sine, "Desemprego e subemprego no município de Fortaleza", 1991.
  • 5
    Esse resultado agrega os dados das investigações que conduzimos com as empregadas domésticas, a saber: questionários, entrevistas de grupo e entrevistas individuais (N = 240). A análise a seguir diz respeito às migrantes cearenses que representam mais de 80% do total das migrantes; desse modo, foram excluídas as oriundas de outros Estados.
  • 6
    Vale ressaltar que a migração dessas jovens é individual e direta entre o município de origem e Fortaleza.
  • 7
    Fonte: IBGE, PNAD, 1990.
  • 8
    A fim de reduzir o efeito de flutuações aleatórias, foram considerados municípios de nascimento das domésticas somente os que apresentavam, em nossa amostragem, uma freqüência igual ou superior a cinco, o que representa um total de 28 municípios. Entre os dois censos de 1980 e 1991, houve várias mudanças no recorte administrativo dos municípios cearenses: 43 distritos tiveram acesso à autonomia a partir do desmembramento de 31 municípios; as domésticas entrevistadas, nascidas num município criado após 1980, podiam declarar como lugar de nascimento o antigo município ou o novo. Em compensação, entre 1960 e 1980, apenas um município foi fracionado. Os limites da quase totalidade dos municípios, portanto, não variaram entre essas duas datas que constituem o período de nascimento de 95% das domésticas. Por isso, preferimos analisar a partir das fronteiras municipais de 1980 (ou seja, um total de 140 municípios). Os diversos dados relativos aos novos municípios foram incluídos nos dos municípios iniciais. Trabalhar a partir de unidades geográficas estáveis permitiu adotar uma perspectiva dinâmica no sentido de entender as mudanças do contexto social no qual as domésticas foram criadas.
  • 9
    Segundo o censo de 1991, 75,1% dos domicílios particulares permanentes, localizados numa zona rural cearense, constam de uma família nuclear.
  • 10
    A este propósito, ver Durham (1973).
  • 11
    Usamos a divisão determinada por Sadi Dal-Rosso (1980). As pequenas unidades contam com menos de 10 ha, as médias, entre 10 e 100 ha, e as grandes, 100 ha e mais.
  • 12
    A partir de pesquisas com homens migrantes de origem rural, Eunice Durham (1973) chegou à mesma conclusão: "o trabalho que o jovem realiza com seu pai nunca é mencionado na descrição das atividades profissionais. A atividade agrícola é incluída pelo migrante na descrição de sua carreira apenas quando é exercida como atividade independante, ou seja, como trabalho do indivíduo adulto. Isto parece indicar que as crianças e os adolescentes não são considerados trabalhadores, mas somente mão-de-obra familiar".
  • 13
    Todos os cálculos foram efetuados excluindo Fortaleza das contagens.
  • 14
    Cada variável é parcialmente correlata às outras; a que apresenta os maiores coeficientes de correlação é a proporção dos ativos ocupando um emprego não agrícola; a variável que apresenta os menores coeficientes é a distância de Fortaleza.
  • 15
    Tentamos desenvolver uma pesquisa longitudinal mas, infelizmente, o resultado dessa busca foi decepcionante: conseguimos localizar menos de um quinto das moças já entrevistadas, tornando impossível qualquer análise do devir das domésticas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2003

    Histórico

    • Aceito
      Abr 2003
    • Recebido
      Maio 2002
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