Acessibilidade / Reportar erro

Memória actancial: Uma abordagem pragmática de lembranças do contato com a morte violenta

Actancial memory: A pragmatic approach regarding souvenirs of the close encounter with death

Resumos

Resumo

A partir de uma pesquisa qualitativa, envolvendo observação e entrevistas com três diferentes grupos de pessoas que tiveram algum contato com a “morte violenta”, direta ou indiretamente, proponho uma forma de compreensão sociológica da memória, levando a sério o conjunto de elementos que a compõem e causam efeitos em situações correntes, para além de sua atuação como memória-hábito: nomeio-a de memória actancial. Com essa noção, argumento que lembranças-imagem, ligadas a situações de ferimento, tensão e morte, operam como dispositivos da memória em questão, dando e/ou alterando a tangibilidade de compreensão/sentido de momentos correntes vividos. Tomando apoio principalmente na filosofia pragmatista e na sociologia pragmática, mostro que a multitemporalidade da memória e as consequências imediatas das lembranças emergentes ou recuperadas causam efeitos na continuidade de vida dos atores estudados, que buscam ressignificá-las.

Palavras-chave:
Memória; Sociologia Pragmática; Violência; Morte; Dispositivo


Abstract

In this text, which is based on fieldwork encompassing observation and interviews among three different groups of people who had some form of close encounter with a “violent death”, directly or indirectly, I propose a way of understanding memory taking seriously the set of elements that compose it and that cause effects in current situations, beyond its performance as memory-habit: I name it actancial memory. Through this concept I argue that souvenirs-images linked to situations of injury, tension and death that operate as actancial memory’s devices, give and/or alter the tangibility of understanding/meaning of current situations. Taking support mostly in the philosophical pragmatism and in the pragmatic sociology, I analyze how the multitemporality of memory and the immediate consequences of emerging or recovered souvenirs have effects on the continuity of life for the actors studied, that seek to resignify them.

Keywords:
Memory; Pragmatic Sociology; Violence; Death; Device


Introdução

Vão fazer 12 anos [da morte de minha filha] esse ano. Mas, para mim, é hoje. Todos os dias eu falo da morte [dela] e todos os dias eu lembro, todos os dias para mim aconteceu a morte...

Pô, vem tudo na cabeça [durante uma troca de tiros]. Minha família, minha filha, minha esposa, minha mãe, meu pai. [...] Você tenta controlar aquele medo porque tem que buscar uma saída. [...] Passa tudo, passa tudo [na cabeça].

Eu fui baleado. Tomei sete tiros. Tentativa de assalto. Acharam que eu era polícia. Eu era segurança [...]. Os caras acharam que eu era polícia e me balearam. Eu fiquei oito anos sem fazer nada, só ficava no computador [...]. A dificuldade é foda, cara.

Essas três falas são, respectivamente, de uma mãe cuja filha foi vítima fatal no trânsito carioca, de um policial militar na ativa e de um homem que trabalhava como segurança, ferido por arma de fogo. A primeira foi assistida pelo Núcleo de Apoio a Vítimas de Trânsito (Navi), do Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro (Detran-RJ); o PM hoje realiza trabalho administrativo – internamente, em um Batalhão da Polícia Militar do Estado Rio de Janeiro (BPM-PMERJ) –, devido às experiências de extrema tensão e perigo por ele vivenciadas; e o último é atualmente cadeirante e para-atleta treinado no projeto Renascer, Servir e Proteger, que funciona no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP) da PMERJ, atendendo a civis e a policiais.

Em ambos os grupos de apoio, e entre os PMs em funções administrativas, encontram-se pessoas com uma experiência em comum: todas vivenciaram situações de contato concreto com a morte violenta (Talone, 2020TALONE, Vittorio. (2020), A força da memória: lembranças de situações de ferimento, tensão e morte. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.) direta ou indiretamente ‒ como explico adiante ‒, causadas por terceiros, seja no âmbito daquilo representado mais comumente como “violência urbana”, envolvendo signos, como trocas de tiro, agressões e balas perdidas (Machado da Silva, 1993MACHADO DA SILVA, Luiz Antônio. (1993), “Violência urbana: Representação de uma ordem social”, in E.P. Nascimento & I. Barreira (org.), Brasil urbano: Cenário da ordem e da desordem, Rio de Janeiro, Notrya.; Misse, 1999MISSE, Michel. (1999), Malandros, marginais e vagabundos: A acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro.; Porto, 1999PORTO, Maria Stela Grossi. (1999), “A violência urbana e suas representações sociais: O caso do Distrito Federal”. São Paulo em Perspectiva, 13, 4: 130-135.), ou da chamada “violência no trânsito” (Russo, 2012RUSSO, Maurício Bastos. (2012), Violência no trânsito à moda brasileira: insegurança, letalidade e impunidade. Tese de Doutorado. Programa de pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, Ceará.), englobando atropelamentos e colisões de meios de transporte nas vias urbanas. Neste artigo, lido com as lembranças desses atores, sobretudo em relação às situações de ferimento, tensão e morte vivenciadas, buscando entender como elas atuam multitemporalmente no viver presente-cotidiano. Não se busca, aqui, um pretérito que determina o presente, e sim, como sugere Henri Bergson (1999)BERGSON, Henri. (1999), Matéria e Memória. Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito, São Paulo, Martins Fontes., uma memória ativa, de um passado atualizando-se por lembranças que ingressam no agora e no porvir, sendo consequente atual – i.e., com forte influência em ações correntes.

Como escreveu Michael Pollak (1989POLLAK, Michael. (1989), “Memória, Esquecimento, Silêncio”. Estudos Históricos, 2, 3: 3-15., 1992POLLAK, Michael. (1992), “Memória e identidade social”. Estudos Históricos, 5, 10: 200-212.), a memória compreende reconstruções e reconstituições (não necessariamente conscientes, reflexivas e/ou racionais), sendo parcial e seletiva. Na presente análise, lido com o conjunto articulado de lembranças actantes1 1 O termo será abordado em profundidade à frente. (incluindo histórias não vividas pela própria pessoa, como aquelas ouvidas de outrem, em âmbito pessoal ou institucional) e de experiências correntes sucedendo-se a cada momento. Logo, com as vivências de um passado desdobrando-se paralelamente à sustentação de uma ação presente e/ou ao esboço de planejamentos para uma ação futura. Para me referir à atuação desse conjunto como um todo, proponho chamá-lo de memória actancial. É actancial, pois seus componentes comparecem como elementos fortes na “definição da situação” (Thomas, 1923, pTHOMAS, William I. (1923), The Unadjusted Girl: With Cases and Standpoint for Behaviour Analysis, Monclair (EUA), Patterson Smith.. 42) em curso, não sendo apenas elementos de rememoração contemplativa. Liga-se diretamente ao que uma pessoa entende ser possível de efetivar (Werneck, 2012WERNECK, Alexandre. (2012), A desculpa: As circunstâncias e a moral das relações sociais, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.), a partir da constatação dos efeitos (Peirce, 1998PEIRCE, Charles S. (1998), The Essential Peirce, Vol. 2, Indianapolis, Indiana University Press.; James, 1907JAMES, William. (1907), Pragmatism: A New Name for Some Old Ways of Thinking, Cambridge (EUA), Harvard University.) diversos gerados pelas situações de tensão, ferimento e morte.

Proponho uma forma de abordar a memória – uma complexa propriedade cognitiva-afetiva e pragmática (Ricœur, 2007RICŒUR, Paul. (2007), Memória, história, esquecimento, Campinas, Editora da Unicamp.) – de forma desnaturalizada e operacionalizável. Lançar luz sobre a memória actancial daqueles que passaram por situações de contato com a morte violenta é uma forma de compreender como reminiscências de experiências extremas (Pollak, 1990POLLAK, Michael. (1990), L’experience concentracinnaire: Essai sur le maintien de l’identité sociale, Paris, Métailié.; Das, 2007DAS, Veena. (2007), Life and Words. Violence and the descent into the ordinary, Berkeley/Los Angeles/Londres, University of California Press.; Talone, 2020TALONE, Vittorio. (2020), A força da memória: lembranças de situações de ferimento, tensão e morte. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.) – em seus diferentes graus de intensidade não hierarquizáveis – flutuam multitemporalmente sobre a vida dessas pessoas, exigindo delas uma gestão dos componentes de seus dispositivos mnemônicos para tornar possível a continuidade da vida. PMs transferidos para trabalhos internos, devido a experiências de risco, administram as lembranças de um perigo concretizável no presente (em suas próprias interpretações); assistidas2 2 Embora o Navi dê suporte a um grupo mais amplo de pessoas, meu foco foi lidar com as mulheres do Núcleo, especificamente, as mães de vítimas. pelo Navi lidam com as lembranças da vida e da morte violenta de seus entes queridos, explorando meios de prosseguir com a rotina em meio ao sofrimento; e membros do Renascer buscam mudar suas vidas e suas formas de rememorar, por meio da prática de esportes e por rodas de conversa.

Não abordo a actancialidade integral da memória, em sua totalidade junto à mente, pois isso implicaria compreender seu funcionamento/operação absolutos, incluindo séries de memórias-hábitos (Ricœur, 2007RICŒUR, Paul. (2007), Memória, história, esquecimento, Campinas, Editora da Unicamp.). Tratarei, especificamente, de sua atuação no presente, quanto à definição de situações e à efetivação de ações a partir dos contatos com o falecimento inesperado/bruto de familiares ou com a possibilidade da própria morte. Assim, neste texto: 1) mostrarei como os pesquisados deparam-se, no dia a dia, com diferentes situações, qualificações de si e possibilidades de efetivar ou não determinadas ações, estando tal efetividade ligada justamente a como as experiências extremas são lembradas, elaboradas, narradas, mobilizadas, sentidas etc.; 2) faço isso analisando as lembranças-imagem e os “atos de atenção” – que podem ser compartilhados sem necessariamente formar um “quadro social”. Nestas seções, lido com uma fenomenologia para a qual a sociologia pragmática, e principalmente o trabalho de Pollak, oferece um instrumental substantivo; 3) por fim, mostro como as lembranças operam como dispositivos da memória dotados de actancialidade.

O trabalho de campo foi realizado como uma Grounded Theory (Glaser & Strauss, 1967GLASER, Barney G. & STRAUSS, Anselm L. (1967), The Discovery of Grounded Theory: Strategies for Qualitative Research, Chicago: Aldine.), por meio de observação (Becker, 1993BECKER, Howard S. (1993), Métodos de pesquisa em ciências sociais, São Paulo, HUCITEC.), de conversas informais e de entrevistas compreensivas (Kaufmann, 2013KAUFMANN, Jean-Claude. (2013), A entrevista compreensiva: um guia para pesquisa de campo, Petrópolis, Vozes.) com os assistidos e demais membros dos grupos citados, entre abril de 2017 e março de 2018. Operei uma análise simétrica (Latour & Woolgar, 1997, pLATOUR, Bruno & WOOLGAR, Steve. (1997), A vida de laboratório. A produção dos fatos científicos, Rio de Janeiro, Relume Dumará.. 23-24) com o Navi,3 3 A maior parte das pessoas assistidas no Navi são “vítimas indiretas”, em seus próprios termos. Ou seja, trata-se de parentes que perderam seus entes queridos (especialmente mães que perderam filhos/as) em colisões ou atropelamentos no trânsito carioca. o Renascer e o BPM pesquisados.4 4 Estudei os PMs que escolheram realizar trabalho interno (desejando afastar-se dos perigos da rua), ou foram afastados das ruas por psicólogos ou oficiais da PMERJ, que julgaram que aqueles não “davam mais conta” das demandas físicas e/ou emocionais das operações policiais. Para além da comparação, a análise simétrica implica tomar os diferentes mundos empíricos dos grupos sob análise, com base no mesmo instrumental analítico, visando à compreensão da fenomenologia comum observada a partir deles.

Memória de “violências” e a sociologia pragmática

Cabe começar esta seção tratando sobre a opção analítica de tomar as experiências aqui abordadas como “contato concreto” com a possibilidade violenta de óbito próprio ou de falecimento de um conhecido, pois, de fato, a qualquer momento ao longo da vida, ainda que em atividades corriqueiras, podemos estar de alguma forma ligados à morte, seja pela mera lembrança de sua existência ou pela reflexão sobre ela, causando-nos efeitos como medo ou angústia, por exemplo (Peters, 2017PETERS, Gabriel. (2017), A ordem social como problema psíquico. Do existencialismo sociológico à epistemologia insana, São Paulo, Annablume.). A morte, assim como o nascimento, é a realidade inexorável de toda vida humana, ao menos em sua dimensão física – ela é onipresente. (Kearl, 1989KEARL, Michael C. (1989), Endings. A Sociology of Death and Dying, Nova York, Oxford University Press.; Davies, 2005DAVIES, Douglas J. (2005), A Brief History of Death, Malden (EUA), Blackwell publishing.). No entanto, ainda que, consequentemente, estejamos cientes do que pode acontecer a qualquer momento, levando-nos a tomar precauções especiais de abrigo contra a ameaça de aniquilação (Elias, 2001ELIAS, Norbert. (2001), A solidão dos moribundos, seguido de “Envelhecer e morrer”, Rio de Janeiro, Zahar.), esse conhecimento não é viável de ser exercido a todo instante. Nós não refletimos ininterruptamente sobre isso, estando alertas a cada possível causa de decesso; na maior parte do tempo, operamos em um estado de crença (Peirce, 1998PEIRCE, Charles S. (1998), The Essential Peirce, Vol. 2, Indianapolis, Indiana University Press.).

Neste artigo, lido com mortes (ou proximidades com elas) bruscas, em que há um rompimento repentino, impossibilitando qualquer preparação prévia. Nesses casos, há uma enorme “força emocional de [...] morte” (Rosaldo, 1993, pROSALDO, Renato. (1993), “Introduction: Grief and a Headhunter’s Rage”, in Culture and Truth: The Remaking of Social Analysis, Boston, Beacon Press, Taylor & Francis.. 167), rompendo drástica e permanentemente uma relação íntima particular. O rompimento bruto e sem “aviso prévio” tem uma força, cujo papel é central (Talone, 2019TALONE, Vittorio. (2019), “A memória actancial: as consequências de situações de ferimento, tensão e morte”, in R. Cantu, S. Leal, D. Corrêa & L. Chartain (eds.), Sociologia, crítica e pragmatismo: diálogos entre França e Brasil, Campinas, Pontes., 2020TALONE, Vittorio. (2020), A força da memória: lembranças de situações de ferimento, tensão e morte. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). Portanto, a morte e suas possibilidades – sobretudo quando abruptas, “violentas”, repentinas, “[despedaçando] a ordem do mundo em que todos acreditavam, instrumento absurdo [do] acaso” (Aries, 2000, pARIES, Philippe. (2000), O homem perante a morte, Mem Martins (Portugal), Publicações Europa-América, LDA.. 19), e causadas por terceiros, como as aqui exploradas – dão origem a redefinições particulares de self e de situações, englobando todos os seres a cercar a vítima de um dado acidente. É algo “diferente [...] efetivamente sentir a própria e absolutamente irrevogável mortalidade [e a do] outro” (Peters, 2017PETERS, Gabriel. (2017), A ordem social como problema psíquico. Do existencialismo sociológico à epistemologia insana, São Paulo, Annablume.) pela experiência de acidentes e de confrontos armados. Ela causa efeitos diferenciados na vida das pessoas (que, no caso do presente estudo, procuraram por grupos de apoio ou redefiniram a própria vida) e podemos acompanhar isso por seus aparatos mnemônicos.

Para realizar uma análise de algo tão complexo e multiforme como a operação da memória, a sociologia pragmática pode oferecer suportes e formas de investigação/compreensão relevantes, por possibilitar a apreensão das situações e dos dispositivos (materiais ou não) tais como mobilizados pelos próprios atores para se referir ao passado, interpretando-o e o reinterpretando (Barthes et al., 2016BARTHES, Yannick, et al. (2016), “Sociologia pragmática: guia do usuário”. Sociologias, 41: 84-129.). Segundo Dodier (1993, pDODIER, Nicolas. (1993), “Review Article: Action as a combination of ‘common worlds’. The Sociological Review”, 41, 3: 556-571.. 569), nesse modelo, os sociólogos “delegam’ a tarefa de reorganizar eventos em prazos mais longos aos [pesquisados]. (...) [O] objetivo é observar os processos pelos quais os indivíduos relacionam os testes do presente a diferentes períodos de tempo”.

Devido aos diferentes formatos das lembranças recuperadas pelos pesquisados e aos variados elementos que as compõem, lido – seguindo a direção tomada por Luc Boltanski e Laurent Thévenot (2020) – com uma multiplicidade de pessoas e de não humanos tomando forma quando qualificados em estados segundo os quais intervêm em uma situação. Eis um dado central da pesquisa: as pessoas analisadas se pensam, lembram, agem e projetam seus futuros em termos de situações. São situações anteriores ao grave acidente, evento de tensão e/ou perda de um ente, traduzindo o estado de normalidade passado (almoços e jantares em família ou a prática de algum esporte com amigos, por exemplo); situações de ferimento, tensão e morte (a principal a distinguir o objeto de estudo, sendo paradigmática na memória das pessoas aqui consideradas); as primeiras situações vivenciadas de luto; situações de busca por apoio; situações de recebimento de ajuda; situações projetadas de perigo futuro à própria vida (PMs na ativa e ex-PMs receosos de estar nas ruas e de ser mortos a qualquer momento); situação de ingresso em um novo estado de normalidade (no qual se veem capazes de ajudar a outros, passando por experiências recentes semelhantes; disputar competições paraolímpicas; estar mais uma vez ativos profissionalmente) etc.

Em cada uma destas situações uma enorme quantidade de seres não humanos (para além de humanos) está envolvida: as pessoas tiveram/terão que mobilizá-los, e estar com eles em coordenação (Thévenot, 2002THÉVENOT, Laurent. (2002), “Which Road to Follow? The Moral Complexity of an 'Equipped' Humanity”, in J. Law & A. MOL (org.), Complexities: Social Studies of Knowledge Practices, Durham & Londres, Duke University Press.) no ambiente, a fim de efetivar ações. Exemplos: para PMs, suas armas e fardas têm de estar sempre bem escondidas em situações de deslocamentos pelo Rio de Janeiro, pois são suficientes para a sua identificação como policiais, o que pode custar-lhes a vida – algo que relatam passar em suas mentes a todo momento; mães de vítimas devem lidar cuidadosamente com os objetos remanescentes de seus filhos e filhas, podendo encarar um desapego forçado (situações de parentes coagindo-as a se desfazerem de tais pertences no intuito de “esquecer logo”), viver a dificuldade de enfrentar/sair do processo de luto (deixar o quarto da vítima idêntico e intacto por anos) ou a ressignificação (poder doar as roupas, por exemplo, assegurando-se de que mantêm uma lembrança saudável do ente querido); ex-policiais e civis assistidos do Renascer têm de lidar com seus corpos agora mediados por uma série de itens até então estranhos, como cadeiras de roda, sondas ou próteses. São objetos a compor as situações, mesmo que apenas pelas lembranças.

Em tais situações – e em coordenação com os objetos nelas presentes –, as pessoas se deparam, frequentemente, com qualificações (por vezes, de si mesmas) cambiantes de seus estados passados e presentes: “mãe de vítima”; “traumatizados”; “malucos”; “coitados/as”; “cadeirantes”; “deficientes”; “aleijados”; “guerreiros”; “brutos”; “ingratos”; “peso da sociedade” etc. Eles lidam, adotam e/ou alteram tais qualificações, de acordo com o que acham possível de ser efetivado a cada momento. Por exemplo, por vezes, uma assistida do Navi pode se dizer profundamente enlutada, logo, em dor diária e com uma lembrança constante e pulsante da morte do familiar, sem forças para retomar atividades diversas, antes “normais”; às vezes, ela se diz estabilizada, carregando a dor da experiência, mas conseguindo focar nas lembranças de “alegria” com o ente querido e seguir com uma vida cotidiana não mais marcada pelo sofrimento.

Estes diferentes estados são conformados, entre outros elementos, pela memória de cada um, pelas lembranças surgidas (de forma espontânea, ou ativamente no exercício de conversas nos grupos),5 5 Inclusive, para os PMs no BPM. Por exemplo, certos policiais internos evitam conversas cotidianas com colegas sobre operações ostensivas, porque isso os remete a perigos pretéritos, fazendo-os “retornar” a algum tipo de contato com a morte. Esse tipo de comportamento pode ser julgado como “de maluco” dentro do BPM. por como elas fazem as pessoas se sentirem, o efeito corporal causado, entre outros elementos. Essas qualificações efetivadas têm base em bagagens de experiência, mas sempre em vias de atualização no viver presente. Não são, então, pessoas em um estado fixo de luto ou permanente de sofrimento (i.e., traumatizadas). Meu ponto central, neste âmbito do argumento, é: tais estados/qualificações variam de acordo com a situação em que as pessoas se localizam e, o que é mais relevante aqui, com os elementos de suas memórias a atuarem.

Mas pensemos a situação não apenas em termos de qualificação. William e Dorothy Thomas (Thomas & Thomas, 1928, pTHOMAS, William I. & THOMAS, Dorothy Swaine. (1928), The Child in America: Behavior Problems and Programs, Nova York, A. A. Knopf.. 561) enunciam que: “A abordagem [situacional] estuda as reações de comportamento e formação de hábitos em uma grande variedade de situações comparativamente”. Ou seja, trata-se de abordar as reações de comportamento imediato de uma pessoa nas mais diversas situações, pois isso estaria intimamente relacionado com sua definição da situação – ao “como se” de sua compreensão situacional, algo traçado por observação e comparação. Por exemplo, uma pessoa entende presenciar uma situação de perigo por conhecer o “modelo” daquela situação e traçar comparações, reagindo em conformidade: correr e pedir por socorro; “suar frio” e esconder-se etc. Com isso, Thomas e Thomas afirmam (p. 152): “Se as pessoas definem situações como reais, elas são reais em suas consequências”. Ora, as definições de situação operadas pelas pessoas, tensionando o que pensam ser possível de concretizar em um dado momento, relacionam-se justamente com o seu conjunto de lembranças e expectativas atuantes.

Proponho uma compreensão da memória justamente a partir das consequências práticas das definições comunicadas pelos atores. Por exemplo, alguns PMs com quem pude conversar, ao trabalhar à noite em uma localidade em que colegas já tenham sido alvejados, não interpretam estar simplesmente cumprindo a função corrente/normal de uma profissão, mas relatam enfrentar “uma guerra” – “como se” aquela situação fosse uma situação de batalha. As histórias ouvidas e os relatos de perigo por amigos (pairando, então, sobre suas lembranças) fazem com que se sintam em imediato risco de vida.6 6 O que encontra eco em outras pesquisas, como em Muniz (1999) e Leite (2012). Assim, podem assumir um “estado 100% alerta”, de tensão, e uma desconfiança em relação a todos os barulhos e movimentações – o que pode levar alguns colegas a chamá-los de “covardes” ou “malucos”. (Rocha, 2013ROCHA, Letícia Freire. (2013), Transtorno do estresse pós-traumático em policiais militares do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ), Rio de Janeiro.; Talone, 2020TALONE, Vittorio. (2020), A força da memória: lembranças de situações de ferimento, tensão e morte. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). As ações concretizadas nesses momentos podem estar ligadas aos efeitos constatados/comunicados de operações passadas e correntes, fazendo-os projetar futuros imediatos, para eles prováveis.

Um praça7 7 Todos os PMs estudados eram praças, categoria que diz respeito aos cargos mais baixos da hierarquia militar. , com quem conversei nos corredores do BPM, conta a respeito de algumas de suas experiências e o peso dessas em suas ações futuras:

É horrível, pô! Tem situação que você não pode ir um centímetro pro lado, que eles acertam tiro em você, o rádio tá difícil de ser usado, o colega tá caído ou até morto. Como vai proceder? [...] Ainda te colocam em serviço normalmente depois. Você ‘tá lá em cima [de adrenalina], nem entendeu direito ainda o que aconteceu, e vai ter que patrulhar com outro colega. Como se esquece isso em duas horas, em uma semana? Não dá. Seu corpo fica alterado, duro. Nem todo mundo aguenta isso. [...] E como a gente sabe tudo o que acontece hoje, estamos sempre esperando o pior, sabe?

A lembrança repentina da morte violenta de um parente ou de um colega de trabalho, andar por uma rua onde se enfrentou um perigo no passado ou onde se presenciou uma forma de “violência”, o tremor de nervoso em uma situação e a comparação com um estado passado de “normalidade”, a lembrança do próprio corpo anteriormente a um acidente, por exemplo, são elementos que se acumulam na mente dos pesquisados, fazendo-os definir diversas situações presentes como “perigosas” e/ou de “sofrimento”.

Lembranças e atos de atenção

Como pode ser observado, neste artigo optei por analisar as lembranças de situações apenas em uma de suas formas: pela imagem – mais especificamente, sendo uma lembrança-imagem estática ou móvel. Embora as lembranças sejam preenchidas por diversos outros elementos – não analisados, aqui, por questões de escopo e de proposta –, as imagens são pujantes na memória e na percepção atual dos atores. Percepções estão geralmente carregadas de lembranças em forma de imagens (Bergson, 1999BERGSON, Henri. (1999), Matéria e Memória. Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito, São Paulo, Martins Fontes.), embora estas não reproduzam o exato momento passado como reminiscência (Mead, 1929MEAD, George H. (1929), “The Nature of the Past”, in J. Coss (ed.), Essays in Honor of John Dewey, Nova York, Henry Holt & Co.).

Na PMERJ, um dos primeiros tópicos de conversa estabelecido com os PMs tratava daquilo mais marcante em suas carreiras – deixando a fala em aberto em relação a fatores positivos (como recebimento de medalhas, reconhecimento pelo trabalho), negativos (trocas de tiro, mortes de colegas) ou nenhum dos dois (“não vem nada à minha mente”). As respostas foram, em geral, situações apresentadas como significativas por envolverem um perigoso conflito armado, possibilidades imediatas de morte, lesões ou óbito de colegas, preocupação com a família em caso do próprio falecimento, “sustos” na atuação cotidiana e a necessidade de continuar trabalhando após esses eventos.

Mesmo ainda em treinamento, os PMs já carregam lembranças-imagem de situações de perigo específicas à ocupação, como coloca a policial Nádia: “a gente sabe dos amigos antigos, do que circula aqui dentro”.8 8 Cabe destacar que: a) tive autorização das pessoas entrevistadas para utilizar seus depoimentos para fins acadêmicos; b) todos os nomes aqui mencionados são fictícios. O efeito dessas informações é potencializado pelos acontecimentos correntes se sucedendo. Nádia, por exemplo, perdeu um colega em seus primeiros anos de formação, e depois teve de servir à corporação em uma “área perigosa” na Zona Norte da cidade, “no início da carreira, sem nenhuma experiência”. As imagens de situações de tensão vivenciadas, somadas àquelas ouvidas quando ainda em formação e à lembrança da morte do colega, fizeram-na optar pelo trabalho interno, mesmo com apenas dois anos de atuação.

O PM Eduardo, em uma de nossas conversas na entrada do BPM, desabafa a respeito de uma situação de perigo específica, sendo o ponto de referência de sua fala:

Nós fomos encurralados, eu e mais dois colegas. [...] Umas duas horas, mais ou menos. Encurralados. Só saindo porque o blindado chegou, senão a gente não tinha saído, não. Nós ficamos deitados umas 2 horas e pouca só tomando tiro. Sem conseguir se mexer, caindo reboco na cabeça. A gente não conseguia se mexer. Foi muito, muito, muito tiro mesmo. Tipo assim, eles armaram tipo uma emboscada. A gente entrou num local, aparentemente tudo tranquilo. Quando a gente foi sair, ‘tava tudo cercado. Ficamos no meio de um troço... foi complicado.

Conjugando esta experiência a problemas de saúde/estresse que desenvolveu, ao longo da conversa ele imagina uma série de situações possíveis de perigo, comentando sobre cuidados presentes assumidos:

A farda é sempre o máximo escondido para você ter chance [de viver]. Para ele [o inimigo] não saber antes que você é policial. Se ele souber, não vai te dar chance de defesa nenhuma. Vai te matar logo. [...] É a vocação de estar na padaria [em uma situação de folga], de estar atento. Sempre tem que ‘tá [100% atento], sempre tem que ‘tá. O tempo inteiro. Tem que ‘tá o tempo todo, senão vai perder sua vida.

A imagem dos “inimigos”, suas ações e seus armamentos, emerge recorrentemente, tensionando a definição de uma situação presente como de “perigo” – mesmo em uma ida à padaria. O trabalho de Letícia Freire da Rocha (2013)ROCHA, Letícia Freire. (2013), Transtorno do estresse pós-traumático em policiais militares do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ), Rio de Janeiro. traz diversos relatos e narrativas de PMs, nesse sentido.9 9 Para além do trabalho de campo e das entrevistas que realizei, minha pesquisa incluiu duas fontes de entrevistas/relatos não produzidas em seu âmbito, como a tese de Rocha (2013). Tratou-se de agregar volume de um material substantivo à pesquisa, visando a um método comparativo constante. (Glaser & Strauss, 1967). Há o caso de um policial que mudou de comportamento repentinamente, chamando atenção de sua família e da própria psicóloga/pesquisadora que o atendia. Em seguida, ela descobriu a situação extrema vivida por ele (o relato é feito pela autora, partindo de suas recordações do atendimento):

Retornando para casa após o trabalho sempre passava por uma área perigosa onde já havia visto “bondes” (grupo armado de bandidos [...] que fecham a rua para atravessar para o outro lado da comunidade) passando, e eis que foi parado por um desses “bondes” e sua recarga da pistola estava no console do carro e a mochila com a farda atrás do banco do motorista. O bandido colocou a arma encostada em sua cabeça enquanto o “bonde” passava. [...]. Após isso, o bandido que parou o trânsito seguiu com os outros e o trânsito pode fluir naturalmente. Mas a vida deste policial não fluiu naturalmente como antes. Ele me relatou que continuava sentindo a sensação de gelado do cano da arma em sua têmpora e, quando o bandido liberou o trânsito, ele levou alguns segundos para conseguir seguir com seu carro, suas pernas tremiam, ele tinha achado realmente que iria morrer ali, que o bandido veria seu carregador da pistola e ele seria identificado como policial e morto. Teve certeza disso e a partir dali continuou tendo lembranças daquela vivência acompanhadas de todas as sensações do momento em que a vivenciava pela primeira vez, passou a ter taquicardia e os episódios de desmaio, sem contar as alterações de comportamento com a esposa. (Rocha, 2013, pROCHA, Letícia Freire. (2013), Transtorno do estresse pós-traumático em policiais militares do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ), Rio de Janeiro.. 68-69).

Como constatei em minha pesquisa, trata-se de situações de perigo e de tensão que se estendem para além de sua ocorrência, espraiando-se para os deslocamentos cotidianos futuros pela cidade e para os momentos de folga. Dos atletas do Renascer, Melissa foi quem mais detalhadamente acessava lembranças por situações-imagem. Ela descreve sequencialmente o que lhe aconteceu desde o seu atropelamento em cima da calçada até a descoberta do vírus T-linfotrópico humano (HTLV) em seu corpo, devido à ferida causada pelo acidente, sempre recorrendo a elementos desse contexto para falar de sua vida:

Eu descobri [a doença], porque eu sofri um acidente de carro. Acidente não, eu fui atropelada em cima da calçada. Sendo que eu só machuquei algumas coisas. [...] Eu comecei mancando. Aí, o ortopedista falou assim: ‘Vamos ver os exames’. [...] Fomos fazendo fisioterapia e nada de melhorar, quase um ano de fisioterapia. Até que a fisioterapeuta virou amiga da família, porque fiquei muito tempo fazendo. Aí, ela virou e falou: ‘[Melissa], eu não vou mais mexer em você. Porque já é a terceira vez que eu mando você para o ortopedista e o ortopedista diz a mesma coisa e você ‘tá piorando. Você não ‘tá melhorando’. [...] Aí, ela me passou um médico e eu não fui no médico. Fui fazer uma prova pro concurso de bombeiro. [...] [Passei em tudo e só] faltava a [prova] física. [...] Eu fui almoçar, como eu estava com muita dor, eu resolvi tomar dois dipironas com um copo de Coca-Cola. Que não era correto [o remédio] para aquele tipo de dor, mas era o que eu tinha na hora. Falei: ‘Vou tomar dois e vai dar uma aliviada, né?’. Aí, uma sargento do corpo de bombeiros me viu fazendo aquilo, chegou para mim e falou: ‘[Melissa], por quê que você tá tomando isso?’. Aí, eu falei para ela – ela tinha acabado de me avaliar no treino: ‘É porque eu ‘tô com um pouquinho de dor’. Mas eu não tinha falado que era nada na minha perna. Tanto que a gente ‘tava treinando com aquele sapato da polícia, coturno. [...] Aí, eu voltei para a minha fisioterapeuta chorando para caramba, falando com ela muito mal de dor, porque eu tinha feito aqueles exercícios todos. [O] médico me avaliou andando. Falou que eu ‘tava andando dando passo tesoura. Aí, falou: ‘Vou fazer uma ressonância no teu corpo inteiro. Se der cerebral, eu vou cuidar de você. Se der medular, minha filha vai cuidar’. Aí, falei que ok. Aí, ele foi e mandou chamar a filhar dele [ao diagnosticar o problema medular], quando entra a filha dele era a sargento do corpo de bombeiro que tinha me reprovado. Foi uma coincidência enorme. Até hoje ela cuida de mim. Entendeu? E, aí, ela descobriu através do exame de sangue. Ela descobriu através da ressonância que eu ‘tava com um machucadinho na medula. Aí, ela fez a sorologia, deu a doença. [...] Tudo isso por um acidente de carro.

Melissa se lamentava ao lembrar de todas as situações causadas devido ao atropelamento sofrido. Seguindo cronologicamente com as situações após o evento inicial, ela enumera uma sucessão de situações “ruins” a partir de seu problema:

Aí, quando eu me mudei [para o condomínio onde moro hoje], demorou uns seis meses, eu tomei o tombo. Que é onde terminou de lascar tudo. Aí, nesse tombo, quem ‘tava me socorrendo era meu pai e minha mãe. Aí, o médico falou para eu ficar na cadeira de rodas e tal, não sei o que, e fez exame na perna. E, com uma semana, meu pai enfartou. E minha mãe já tinha dado surtos de perda de memória, né, de sumir. [...] Então, quando meu pai enfartou, ela ficou pior. Aí, ele tinha parte de uma empresa de seguro, de plano de seguro. Aí, ele perdeu [a parte de] sócio dele.

Por fim, ela fala da situação de desrespeito em seu condomínio, de pessoas qualificando-a como “aleijada”, tratando-a como um “ser inferior”, mexendo muito com ela. Ou seja, uma série de situações são recuperadas para explicar sua chegada ao Renascer – a sequência de “desgraças”, cada uma detalhada pelo efeito nela gerado, a partir do atropelamento, compõe a experiência que mudou completamente sua vida. Os “estigmas” (Goffman, 2008GOFFMAN, Erving. (2008), Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada, Rio de Janeiro, LTC.) comunicados por terceiros costumam pesar nas lembranças daqueles assistidos pelo Renascer, afetando suas potências de ação corrente, deprimindo-os. O grupo de apoio busca, dentre outras coisas, justamente ressignificar as experiências deles e reforçar as lembranças de “superação”.

Casey (2000)CASEY, Edward S. (2000), Remembering: A Phenomenological Study, Indiana, Indiana University Press. coloca que lembrar é tão polimórfico, que nenhum conjunto único de estruturas intencionais ou características eidéticas poderiam capturar o fenômeno todo. A lembrança de uma pessoa, em uma situação recuperada, fica mais clara ou mais obscura a depender de vários elementos: a condição de seu relato e o momento de vida em que se encontra (Pollak; Heinich, 1986POLLAK, Michael & HEINICH, Nathalie. (1986), “Le témoignage”. Actes de la recherche en sciences sociales, 62/63: 3-29.) e, no interior das próprias lembranças, se falas são claramente rememoradas, se rostos e reações são mencionados, se o cenário é descrito, se emoções são sentidas novamente10 10 Dediquei um grande espaço de minha pesquisa a explicar como ela foi realizada junto aos grupos estudados e levando em conta esses elementos. Para mais informações, ver o Capítulo 1, Talone (2020). etc. Parece haver, como colocou Schütz (1979)SCHÜTZ, Alfred. (1979), Fenomenologia e relações sociais, Rio de Janeiro, Zahar., um ato de atenção levando à acentuação de uma experiência do passado por alguns de seus elementos constitutivos. Apreendemos situações passadas por meio de um ato de atenção, no sentido de dar à própria experiência retrospectiva significados cambiantes ao longo da vida.

Logo, a memória tem como temática certa representação do passado (Ricœur, 2007RICŒUR, Paul. (2007), Memória, história, esquecimento, Campinas, Editora da Unicamp.). Porém, não consiste necessariamente no ocorrido de fato: a narrativa criada retrospectivamente e os elementos rondando sua maior ou menor disseminação, por exemplo, são mais importantes do que o acontecimento “verdadeiro”. As falas dos pesquisados apresentam narrativas diversas com diferentes acentuações de situações (pelos elementos e as imagens variadas que as compõem) e sentidos atribuídos posteriormente. Uma lembrança comunicada pode ser considerada um “momento objetal da memória” (Ricœur, 2007, pRICŒUR, Paul. (2007), Memória, história, esquecimento, Campinas, Editora da Unicamp.. 23), no sentido de que lembrar-se é ter uma lembrança ou ir em busca de uma lembrança em um momento presente (destacada por um “ato de atenção”).

Lembranças particulares e seu compartilhamento

Ao longo da pesquisa realizada, foi possível notar certas similaridades na forma como os PMs estudados recuperavam situações de ferimento, tensão e morte, ao falar de suas carreiras; como, por sua vez, os cadeirantes do Renascer discorriam rapidamente sobre seus acidentes, logo passando às dificuldades pós-ferimento quando abordavam sobre suas vidas; e, por fim, como as assistidas do Navi viam-se cercadas de lembranças de contato com a morte, a todo momento (Talone, 2020TALONE, Vittorio. (2020), A força da memória: lembranças de situações de ferimento, tensão e morte. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). Entretanto, tudo isto não implicou em conceber a evocação e a localização das lembranças por quadros sociais a servirem de pontos de referência à reconstrução, como colocaria Maurice Halbwachs (1990)HALBWACHS, Maurice. (1990), A memória coletiva, São Paulo, Revista dos Tribunais LTDA..

Para este autor, a memória individual existe, mas está enraizada em quadros sociais da memória. Nossas lembranças seriam coletivas e elas nos seriam acionadas pelos outros, mesmo tratando-se de acontecimentos nos quais somente nós estivemos envolvidos e com objetos que apenas nós vimos, pois o mundo jamais seria vazio de humanos e de influências, benfazejas ou malignas, ainda que apenas projetadas. Carregaríamos conosco uma bagagem de lembranças históricas externas a nós e passíveis de serem ampliadas pela conversação ou pela leitura. A memória, para Halbwachs, é reconhecimento e reconstrução: reconhecimento, na medida em que porta o “sentimento do já visto”; e reconstrução, porque, por um lado, não é repetição de acontecimentos e vivências do passado, mas sim um resgate desses acontecimentos e vivências no contexto de um quadro de preocupações e interesses atuais, e, por outro lado, porque é diferenciada, sendo uma reformulação do passado. Essas duas características são centrais para a ideia de memória actancial, como aqui desenvolvo. Mas Halbwachs complementa sua tese, afirmando que tais elementos só fariam sentido no âmbito de um grupo de referência e a partir de uma representação coletiva.

Porém, não parece haver evidências da necessidade de tal referência. Os pesquisados apresentam, aqui, autonomia na forma de pensar/retomar suas experiências (de partida, compostas por diferentes lembranças-imagens) em relação a seus colegas, principalmente pelos efeitos constatados e projetados em suas vidas.11 11 Embora podendo haver, é claro, uma forte ressonância afetiva dos indivíduos em relação a certos grupos, dando moldes aos seus “filtros cognitivos” – o que foi explorado, por exemplo, por Randall Collins (2004) e por Eviatar Zerubavel (1997). As mães do Navi por mim pesquisadas, mesmo tendo todas perdido entes queridos em acidentes de trânsito, partilhando entre si os mesmos tipos de história e sentimentos e vivenciando as mesmas dificuldades no luto, apresentaram reações diferentes à sua situação: uma teve “catarata emocional” e perdeu todos os dentes, logo após o falecimento da filha, tendo deixado o quarto dela intacto por anos; outra não sofreu efeitos físicos, mas não conseguia mais voltar para a própria casa – onde uma lembrança dolorosa do ente querido era acionada –, e teve de remodelar o ambiente por completo; outra demitiu-se do emprego e permaneceu em seu quarto por quase um ano, não conseguindo mais interagir com seus outros filhos como antes, sofrendo por sempre ser acometida pelas lembranças-imagens do filho falecido; entre outras possibilidades.

Pollak (1989POLLAK, Michael. (1989), “Memória, Esquecimento, Silêncio”. Estudos Históricos, 2, 3: 3-15.; 1992POLLAK, Michael. (1992), “Memória e identidade social”. Estudos Históricos, 5, 10: 200-212.) evidencia como um indivíduo administra as influências sobre sua memória e, mesmo com experiências em comum, constrói suas próprias recordações. Em relação aos PMs, aos cadeirantes e às assistidas do Navi, embora possam todos lembrar de situações similares de ferimento, tensão e morte, suas memórias variam quanto aos elementos destacados em cada lembrança (os atos de atenção) e aos efeitos constatados/projetados; assim, suas memórias são constituídas de formas distintas.

Segundo Pollak, as memórias incluiriam ao menos três elementos: acontecimentos, personagens e lugares. Os acontecimentos são eventos que uma pessoa vivenciou – diretamente ou não, pois também podem ser vividos a partir do pertencimento do indivíduo a um determinado grupo (um PM ter medo de trabalhar em certa localidade, sem nunca ter entrado nela, por conta das histórias contadas por colegas da Corporação). Os personagens das lembranças são aqueles que fazem parte do círculo direto de convívio de um determinado indivíduo, ou pessoas tidas como conhecidas devido à sua relevância como figuras públicas (um parente falecido é personagem constante na lembrança de seus familiares). E os lugares são a base para o desenvolvimento das memórias de um sujeito, podendo ter sido realmente frequentados durante certo tempo ou incorporados de modo indireto a suas experiências (as pessoas conectam suas experiências aos espaços frequentados, como PMs desconfiados de certas áreas da cidade do Rio de Janeiro pelos perigos lá já enfrentados; outro exemplo é a dificuldade de lidar com um local, por relacioná-lo com a morte de um ente querido).

Trata-se de elementos das lembranças-imagens, atuando de formas diversas nas mentes das pessoas ‒ algo necessário de se considerar para a compreensão dos efeitos duradouros das “experiências extremas”. Logo, há tanto uma dimensão da constituição de memórias envolvendo experiências vividas diretamente, quanto experiências herdadas, aprendidas e transmitidas aos indivíduos por grupos de referência, mas retrabalhadas por cada um – não sendo uma representação “exata” da realidade ‒, e não indicando, necessariamente, a construção/existência de uma memória coletiva. Lembranças podem se basear, inclusive, em invenções ou em associações, ainda que não intencionalmente, como em eventos repetidamente vistos em reportagens na televisão, o que tomou forma, mais de uma vez, em conversas no BPM estudado: “Todo mundo sabe que é um perigo, ‘tá na tv toda hora”; “Minha vida ‘tá em risco, você não viu no jornal [televisivo]? ‘Tão matando muito PM”.

A lembrança como dispositivo e sua actancialidade

Um actante – ideia derivada da semiologia de Algirdas Julius Greimas – é aquele ou aquilo que pratica ou sofre um ato, seres ou coisas a participar de um processo (Greimas; Courtés, 1979GREIMAS, Algirdas J. & COURTÉS, Joseph. (1979), Dicionário de Semiótica, São Paulo, Cultrix.), fazendo diferença na narrativa. Trata-se de um ente (podendo ser uma pessoa, uma ideia, grupo(s), coisa(s), entre outros elementos) dotado da capacidade de influenciar as ações de outros. Bruno Latour utiliza o conceito em seu próprio modelo, construindo logicamente a simetrização, a “inclusão de todos os entes contidos em uma situação em um mesmo plano analítico, não os diferenciando em termos de agência, ou melhor, de actância (o que permitiu analisar os seres humanos e os não humanos em um mesmo quadro)”. (Werneck, 2014, pWERNECK, Alexandre (2014). “Sociologia da moral, agência e criatividade.’, in A. Werneck & L.R. Cardoso de Oliveira (org.), Pensando bem: Estudos de sociologia e antropologia da moral, Rio de Janeiro, Casa da Palavra.. 29). Assim, a actância diz respeito à potencialidade de um ente não simplesmente em termos de decisão (e, nesse sentido, de agência), mas de influência no quadro situacional. É algo a demonstrar efetividade (Werneck, 2012WERNECK, Alexandre. (2012), A desculpa: As circunstâncias e a moral das relações sociais, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.), sendo diversos os “papéis actanciais” passíveis de ser assumidos por um actante (Greimas; Courtés, 1979GREIMAS, Algirdas J. & COURTÉS, Joseph. (1979), Dicionário de Semiótica, São Paulo, Cultrix.: 11). Com isso, torna-se possível analisar, em um mesmo quadro analítico, a potencialidade de influência de um ente em determinado contexto, independentemente de suas variações de “tamanho” (Callon; Latour, 1981CALLON, Michel & LATOUR, Bruno. (1981), “Unscrewing the Big Leviathan: How Do Actors Macrostructure Reality”, in K. Knorr-Cetina & A. Cicourel (org.), Advances in Social Theory and Methodology: Toward an Integration of Micro and Macro Sociologies, Londres, Routledge.) ou de “grandeza” (Boltanski; Thévenot, 2020BOLTANSKI, Luc & THÉVENOT, Laurent. (2020), A Justificação: Sobre as Economias da Grandeza, Rio de Janeiro, Editora UFRJ.).

Os actantes das lembranças, foco do próximo tópico, foram expressos de duas formas pelos atores: a) por falas e narrativas compostas de recordações diretas; e b) a partir dos elementos que os pesquisados relatam ter pensado, ou que surgiram repentinamente em suas mentes quanto à vivência de alguma situação passada, ou seja, a partir das lembranças de suas próprias recordações durante uma situação pretérita. Em momentos presentes, tais actantes podem ser gatilhos para as (e levando às) lembranças de experiências extremas, justamente por terem feito parte delas ou a elas remeterem, de modo que tais experiências enviesam ações correntes e planejamentos futuros. Trata-se dos efeitos em curso das lembranças.

Os actantes de lembranças-situações da proximidade com a morte

Cada grupo estudado tem um conjunto de elementos “mexendo” em comum com seus participantes, remetendo-os às mortes ou aos ferimentos vivenciados/presenciados. São os principais componentes das lembranças, que tomaram forma na maioria ou em todas as narrativas fornecidas, apesar da heterogeneidade das experiências, e atingiram saturação (Glaser; Strauss, 1967GLASER, Barney G. & STRAUSS, Anselm L. (1967), The Discovery of Grounded Theory: Strategies for Qualitative Research, Chicago: Aldine.). Para as assistidas do Navi, por exemplo, trata-se das roupas de seus entes queridos, a própria casa onde moram, as ruas dos acidentes, determinados hospitais, jovens com fisionomia similar à dos falecidos, publicações antigas dos filhos em redes sociais; para os policiais do BPM, os locais com grandes possibilidades de confronto armado, as próprias fardas e armas, sons altos (estouros), a cor vermelha; e, para os atletas do Renascer, os actantes como os citados acima, além de próteses, cadeiras de rodas, carros em velocidade etc.

Ao longo de meu trabalho de campo, as assistidas do Navi, Marcela e Cláudia, tiveram que lidar com as postagens antigas de seus filhos em redes sociais, seja por as buscarem voluntariamente ou porque o Facebook, com seu mecanismo/ferramenta de “lembrar” ao usuário algo realizado na rede anos atrás, expôs mensagens antigas. Marcela, por exemplo, conta que um dia checava rapidamente a rede social antes de sair de casa, quando lhe foi apresentada uma antiga publicação em que ela e seu filho faziam dois anos de amizade na rede. Isso a fez sentir tristeza naquele momento e ela mostrou aos outros tal mensagem, dizendo: “A saudade é grande, que chega a doer”. Claudia, também, lida, desde 2014, com imagens e mensagens de seu filho no Facebook, e relata “uma imensa dor”, algo “sufocante”, ao vê-las e lembrar de sua morte – o que ocorre, sobretudo, nos aniversários de nascimento e de falecimento. Por outro lado, Joana conta ter buscado entrar na rede social para ver “as milhões de mensagens” que sua filha havia deixado registradas, procurando ainda estar em contato com ela. São elementos (redes sociais, mensagens, fotos) operando como gatilho para lembranças diversas.

Os actantes mais comuns estão na própria casa, como destaca Maria (a psicóloga que fundou o núcleo após ter perdido a mãe e a filha única em um mesmo atropelamento): “Tem pessoas que guardam [...] a roupa, guardam uma série de coisas, não querem perder essas lembranças, essa parte material, entendeu?”. Incluem-se aqui roupas, cadernos, computadores, posters, porta-retratos, e qualquer outro bem relacionado ao ente querido falecido. Claudia comenta a respeito das reclamações de sua família sobre um “excesso de recordações” em sua casa, de forma que sempre a aconselham a sair de sua residência ou se desfazer dos objetos de seu filho, para “diminuir o sofrimento”. Regina, que perdeu o companheiro de décadas, atropelado por um comboio de motos, chegou a mudar a arrumação e os móveis de sua morada: “[M]uita saudade, muita recordação, muito isso, muito aquilo que não estava me fazendo bem. [...] Quando entrava em casa, era como se eu visse ele ali”. A própria disposição da mobília remetia, por vezes, a seu cotidiano com o namorado e a todos os bons momentos vivenciados juntos, caracterizando o presente como solitário e triste – o que a faz sentir-se “enlutada” de uma forma dolorosa.

Um dos focos de atuação dos grupos de apoio estudados concerne aos momentos em que as pessoas têm de lidar com os documentos relativos ao falecimento de seus entes queridos ou a seus acidentes, e é preciso auxiliá-las e apoiá-las. Como relatam os psicólogos do Navi, o atestado de óbito e o registro de ocorrência policial “levam [a pessoa] diretamente à situação” de morte, sobretudo logo após o falecimento de um parente. Maria, Joana e Cláudia falam, igualmente, sobre a dificuldade de terem verificado os documentos e lido os fatos “como se fosse novamente” o momento do acidente/crime. É algo que mexe muito com Marcela, que sempre se emociona ao lembrar de sua dor ao ler tais documentos:

Não adianta, você vai pegar um documento, você vai ler. E ali, cada documento que eu pegava sobre o acidente do meu filho, aquilo ali ia me matando. Eu vi o meu filho, como ele ficou lá no chão, eu vi tudo isso. Quando veio aquele laudo cadavérico, aquilo acabou comigo; né? Porque aí você vê cada detalhe que foi quebrado, que foi sofrido, que causou, o que faltou, o que fez. Entendeu? É a causa da morte do seu filho. [...] Tudo detalhado. Vem falando tudo. Embora eu vi como o meu filho veio... É horrível. Aquele papel ali é horrível. É horrível. [...] [Ler] aquele papel é você voltar para o dia do acidente, é você sentir a dor sofrida, é você sentir cada pancada, é você sentir cada coisa.

Tais documentos são lembranças objetivas, contando com seus próprios actantes na descrição: o corpo da pessoa, onde ela foi encontrada, quando, com que danos etc. Pelo conjunto de situações aqui estudado, proponho tratar as lembranças como dispositivos12 12 Seja o “lembrar” uma atividade de reflexão/busca ou uma ocorrência repentina em alguma situação presente. da memória actancial.

Falo em dispositivo, no sentido de algo que visa dar uma base às pessoas para que possam sustentar suas ações, “representando um instrumento para o melhor empreendimento possível da autonomia dos atores”. (Peeters; Charlier, 1999, pPEETERS, Hugues & CHARLIER, Philippe. (1999), “Contributions à une théorie du dispositif”. Hermès, 25: 15-23.. 18). Ele se define em uma função de suporte, de baliza, de quadro organizador da ação, colocando em ordem a ação do indivíduo. Falar em dispositivos consiste, portanto, em pensar a forma mais efetiva segundo a qual o indivíduo é capaz de se situar em seu ambiente, “para domá-lo, modificá-lo, o ingerir e o regurgitar” (Berten, 1999, pBERTEN, André. (1999), “Dispositif, médiation, créativité: Petite généalogie”. Hermès, 25: 33-47.. 43). É, como propõe Werneck (2014, pWERNECK, Alexandre (2014). “Sociologia da moral, agência e criatividade.’, in A. Werneck & L.R. Cardoso de Oliveira (org.), Pensando bem: Estudos de sociologia e antropologia da moral, Rio de Janeiro, Casa da Palavra.. 28), “uma coisa da qual se pode lançar mão, algo que pode ser mobilizado para lidar com os desafios gramaticais”. Assim, lembranças como dispositivos são conjuntos não uniformes de seres, pessoas, coisas, emoções, humores, entre outros elementos – materiais ou não –, aparecendo de forma estática ou em situações, experiências, acontecimentos gerais etc. Esses elementos são actantes que sempre variam em razão de os próprios seres disporem de equipamentos mentais e físicos, também variáveis de uma situação à outra. (Freire, 2014FREIRE, Jussara. (2014), “Sociologia da moral, ação coletiva e espaço público”, in A. Werneck & L.R. Cardoso de Oliveira (org.), Pensando bem: Estudos de sociologia e antropologia da moral, Rio de Janeiro, Casa da Palavra.).13 13 Embora, como destacou Zerubavel (1997), participemos de certos “quadros cognitivos em comum”, de forma que podemos interpretar uma dada situação da mesma forma ou bem aproximadamente. Dessa forma, podemos, com um mesmo instrumento analítico, dar conta da imensa variedade de elementos presentes na experiência das pessoas ao narrarem suas vidas. PMs, mães de vítimas e atletas cadeirantes, ao falar das situações de morte violenta enfrentadas (direta ou indiretamente) e refletir sobre seus efeitos, referem-se a variados membros da família, ao contexto em que se deu o acontecimento e onde ele tomou forma, ao que estavam fazendo no momento, ao tratamento recebido pelos colegas de trabalho ou familiares, entre tantas outras possibilidades. Tais actantes e as lembranças por eles caracterizadas são mobilizados dispositivamente pelos atores, para sustentar suas ações, definindo as situações presentes.

Quando falo em memória actancial, refiro-me, então, a vivências passadas, experimentadas como algo pairando sobre a mente, e bagagens de experiências compostas por variados actantes capazes de influenciar a definição de situação presente. Pensando, por exemplo, em algumas assistidas do Navi, são actantes os momentos de descontração com o filho, o ente querido vivo nas festividades diversas (Natal, Páscoa), uma emoção específica em relação a algum momento da infância dele, a dor sentida na situação em que foi informada da morte, pessoas da família ligando para ela e a “correria para o hospital”, os aniversários de morte, pesadelos recorrentes envolvendo o falecimento do filho, entre outras possibilidades. Tais actantes dão forma (pelos “atos de atenção”) à lembrança, que é mobilizada ou surge repentinamente em um momento presente. Com tais actantes flutuando multitemporalmente, a memória (por meio do dispositivo das lembranças) atua naquilo que entendemos ser passível de ser efetivado, sendo actancial no sentido de ser ativa na interpretação e na geração de consequências presentes. Isto é, nas definições de situação pelos atores, e em como se qualificam. Logo, é uma forma de “presença da memória” – para além de sua manifestação como comemorações ou rituais componentes da sociedade (cf. Connerton, 1999CONNERTON, Paul. (1999), Como as sociedades recordam, Oeiras, Celta Editora.; Santos, 2013SANTOS, Myrian Sepúlveda. (2013), “Memória coletiva, trauma e cultura: um debate”. Revista USP, 98: 51-68.) – por actantes de lembranças compondo a competência14 14 Faculdade apresentada pelos atores para a desenvoltura em determinadas lógicas de ação. (Boltanski; Thévenot, 1999BOLTANSKI, Luc & THÉVENOT, Laurent. (1999), “The Sociology of Critical Capacity”. European Journal of Social Theory, 2, 3: 359–377.; 2020BOLTANSKI, Luc & THÉVENOT, Laurent. (2020), A Justificação: Sobre as Economias da Grandeza, Rio de Janeiro, Editora UFRJ.) dos atores, em dar continuidade a suas vidas após experienciarem o contato com a morte.

A memória actancial não é apenas uma reserva de sentido, mas uma energia corrente. Trata-se de uma forma de a memória ser ativa no presente, partindo de um (ou mais) momento(s), situação(ões) ou rotina(s) paradigmática(s) passada(s) (aqui, envolvendo o risco de morte), incluindo projeções sobre futuros possíveis; ainda implicando uma composição com afetos, emoções e energias que as fazem fluir (Talone, 2020TALONE, Vittorio. (2020), A força da memória: lembranças de situações de ferimento, tensão e morte. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). É uma forma de compreender a memória intimamente relacionada à prática presente e ao porvir.

Aqueles elementos indicados por Pollak, como componentes da memória (acontecimentos, lugares e personagens), tomam forma como alguns dos actantes a compor, de maneira distinta, as lembranças de cada pessoa. Tais actantes se entrelaçam de formas múltiplas, uns sendo mais realçados nas lembranças, do que outros ‒ o que pode, eventualmente, mudar em uma situação futura, pela reinterpretação da própria vida e das lembranças, como ocorre, por exemplo, por intermediação dos grupos de apoio.

Considerações finais

Nora (1989, pNORA, Pierre. (1989), “Between Memory and History: Les Lieux de Mémoire”. Representations, 26: 7-24.. 8) define a memória como “um laço que nos ata ao eterno presente”. Busquei compreender uma das formas como pode se dar essa “presença” da memória. Propus concebermos a atuação vigente da memória por meio de uma das formas possíveis de sua efetivação, essa que venho chamando de memória actancial, na qual seus componentes/dispositivos (as lembranças) e os elementos capazes de lhes dar forma (os vários actantes) tensionam certas experiências do “agora” e do futuro, segundo definições de situação anteriormente vividas. Aqui, lidei com situações de ferimento, tensão e morte, cujos objetos perdurando na mente dos atores podem tornar-se os actantes capazes de oferecer preensão (Chateauraynaud, 2011CHATEAURAYNAUD, Francis. (2011), Argumenter dans un champ de forces: Essai de balistique sociologique, Paris, Pétra.) a determinados sentidos da vida corrente, de forma que a efetivação de ações se liga a eles.

Essa compreensão de memória fenomenologicamente inspirada não engloba a memória-hábito, que configura algo ainda ligado ao presente, não declarado como passado – por exemplo, ter aprendido a andar de bicicleta anos atrás e ainda conseguir fazê-lo. O tipo de lembrança aqui enfatizada é aquele que traz de volta algo não inscrito em práticas diárias e reforçado pela repetição. Retomando o par de opostos de Ricœur (2007)RICŒUR, Paul. (2007), Memória, história, esquecimento, Campinas, Editora da Unicamp., não é nem apenas uma evocação, nem somente uma busca (um esforço de rememoração): ambas formas são possíveis na memória actancial. O que é relevante, aqui, é que as lembranças tomam forma, em uma situação presente, colaborativamente com a ação a ser realizada para além do hábito. A memória e as lembranças que a compõem nos acompanham ao longo da vida, atualizando-se em função das exigências da ação quando em uma situação a ser efetivada – o que busquei entender por meio do que Bergson e, depois, Schütz chamam de “atenção à vida”.

A partir das distintas situações de contato com a morte violenta, os pesquisados passam por situações de sofrimento e/ou dor extremos (suportar o padecimento de um ente querido; perder o movimento das pernas; ter pesadelos recorrentes com a mutilação de um colega, por exemplo); de dúvida sobre as próprias potencialidades (de continuar policiando nas ruas, após quase ser morto; de sair de casa, tendo perdido um membro do corpo); de busca de ajuda (grupos de apoio ou psicólogos particulares); de planejamentos futuros (treinar para se tornar medalhista paraolímpico; fortalecer-se mentalmente para ajudar a mães que perderam os filhos recentemente; estudar e buscar ocupar algum cargo mais alto na hierarquia da PMERJ e afastar-se dos trabalhos nas ruas). Tudo isto é tensionado por experiências passadas/presentes contribuindo para a intepretação corrente de novas vivências; o que exige competência – no sentido anteriormente destacado – das pessoas para gerir suas próprias histórias, seus momentos de dor, de dificuldades diárias e de superação, e para efetivar ações e tornar possíveis os futuros desejados. A recuperação de certas lembranças e os actantes que as compõem modelam percepções e influem em decisões presentes.

Portanto, as imagens de situações, por meio dos actantes configurando lembranças que modelam interpretações do presente, são elementos fortes de preensão em relação ao mundo. No sentido trabalhado por Chateauraynaud (2011)CHATEAURAYNAUD, Francis. (2011), Argumenter dans un champ de forces: Essai de balistique sociologique, Paris, Pétra., este conceito – prise, no original – indica a aderência que existe (ou que deve existir) na relação do organismo com o ambiente. Os actantes e as próprias lembranças de situações de ferimento, tensão e morte, que eles formam, também dão “tangibilidade” a situações presentes e futuras, no sentido de que intepretações da realidade como “penosa” ou “hostil”, por exemplo, podem resistir às variações perceptivas e argumentativas, dando uma base de sentido corrente às suas visões de mundo – inclusive, os grupos de apoio trabalham para modificar isso. Tais lembranças auxiliam as próprias pessoas na identificação e na elaboração de provas sobre a vigência de suas compreensões da realidade. Finalmente, é também por meio dessas lembranças que se opera o ajustamento (individual ou coletivo) das preensões sobre o mundo sensível.

Agradecimentos

Este artigo resulta de pesquisa de Doutorado, financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) – Código de Financiamento 001 –, e de reflexões no âmbito de meu Pós-doutorado, financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), processo E-26/202.009/2020. Agradeço, também, aos pareceristas anônimos da RBCS. E agradeço, sobretudo, ao Prof. Luiz Antônio Machado da Silva (in memoriam), que foi meu orientador na pesquisa que originou este artigo, e que muito inspirou as minhas reflexões.

  • 1
    O termo será abordado em profundidade à frente.
  • 2
    Embora o Navi dê suporte a um grupo mais amplo de pessoas, meu foco foi lidar com as mulheres do Núcleo, especificamente, as mães de vítimas.
  • 3
    A maior parte das pessoas assistidas no Navi são “vítimas indiretas”, em seus próprios termos. Ou seja, trata-se de parentes que perderam seus entes queridos (especialmente mães que perderam filhos/as) em colisões ou atropelamentos no trânsito carioca.
  • 4
    Estudei os PMs que escolheram realizar trabalho interno (desejando afastar-se dos perigos da rua), ou foram afastados das ruas por psicólogos ou oficiais da PMERJ, que julgaram que aqueles não “davam mais conta” das demandas físicas e/ou emocionais das operações policiais.
  • 5
    Inclusive, para os PMs no BPM. Por exemplo, certos policiais internos evitam conversas cotidianas com colegas sobre operações ostensivas, porque isso os remete a perigos pretéritos, fazendo-os “retornar” a algum tipo de contato com a morte. Esse tipo de comportamento pode ser julgado como “de maluco” dentro do BPM.
  • 6
    O que encontra eco em outras pesquisas, como em Muniz (1999)MUNIZ, Jacqueline de O. (1999), “Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser”. Cultura e Cotidiano da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro. e Leite (2012)LEITE, Márcia Pereira. (2012), “Da ‘metáfora da guerra’ ao projeto de ‘pacificação’: favelas e políticas de segurança pública no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 6: 374-389..
  • 7
    Todos os PMs estudados eram praças, categoria que diz respeito aos cargos mais baixos da hierarquia militar.
  • 8
    Cabe destacar que: a) tive autorização das pessoas entrevistadas para utilizar seus depoimentos para fins acadêmicos; b) todos os nomes aqui mencionados são fictícios.
  • 9
    Para além do trabalho de campo e das entrevistas que realizei, minha pesquisa incluiu duas fontes de entrevistas/relatos não produzidas em seu âmbito, como a tese de Rocha (2013)ROCHA, Letícia Freire. (2013), Transtorno do estresse pós-traumático em policiais militares do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ), Rio de Janeiro.. Tratou-se de agregar volume de um material substantivo à pesquisa, visando a um método comparativo constante. (Glaser & Strauss, 1967GLASER, Barney G. & STRAUSS, Anselm L. (1967), The Discovery of Grounded Theory: Strategies for Qualitative Research, Chicago: Aldine.).
  • 10
    Dediquei um grande espaço de minha pesquisa a explicar como ela foi realizada junto aos grupos estudados e levando em conta esses elementos. Para mais informações, ver o Capítulo 1, Talone (2020)TALONE, Vittorio. (2020), A força da memória: lembranças de situações de ferimento, tensão e morte. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro..
  • 11
    Embora podendo haver, é claro, uma forte ressonância afetiva dos indivíduos em relação a certos grupos, dando moldes aos seus “filtros cognitivos” – o que foi explorado, por exemplo, por Randall Collins (2004)COLLINS, Randall. (2004), Interaction Ritual Chains, Princeton & Oxford, Princeton University Press. e por Eviatar Zerubavel (1997)ZERUBAVEL, Eviatar. (1997), Social Mindscapes: an Invitation to Cognitive Sociology, Cambridge, Massachusetts & London, Harvard University Press..
  • 12
    Seja o “lembrar” uma atividade de reflexão/busca ou uma ocorrência repentina em alguma situação presente.
  • 13
    Embora, como destacou Zerubavel (1997)ZERUBAVEL, Eviatar. (1997), Social Mindscapes: an Invitation to Cognitive Sociology, Cambridge, Massachusetts & London, Harvard University Press., participemos de certos “quadros cognitivos em comum”, de forma que podemos interpretar uma dada situação da mesma forma ou bem aproximadamente.
  • 14
    Faculdade apresentada pelos atores para a desenvoltura em determinadas lógicas de ação.
  • DOI: 10.1590/3710910/2022

Bibliografia

  • ARIES, Philippe. (2000), O homem perante a morte, Mem Martins (Portugal), Publicações Europa-América, LDA.
  • BARTHES, Yannick, et al. (2016), “Sociologia pragmática: guia do usuário”. Sociologias, 41: 84-129.
  • BECKER, Howard S. (1993), Métodos de pesquisa em ciências sociais, São Paulo, HUCITEC.
  • BERGSON, Henri. (1999), Matéria e Memória. Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito, São Paulo, Martins Fontes.
  • BERTEN, André. (1999), “Dispositif, médiation, créativité: Petite généalogie”. Hermès, 25: 33-47.
  • BOLTANSKI, Luc & THÉVENOT, Laurent. (1999), “The Sociology of Critical Capacity”. European Journal of Social Theory, 2, 3: 359–377.
  • BOLTANSKI, Luc & THÉVENOT, Laurent. (2020), A Justificação: Sobre as Economias da Grandeza, Rio de Janeiro, Editora UFRJ.
  • CALLON, Michel & LATOUR, Bruno. (1981), “Unscrewing the Big Leviathan: How Do Actors Macrostructure Reality”, in K. Knorr-Cetina & A. Cicourel (org.), Advances in Social Theory and Methodology: Toward an Integration of Micro and Macro Sociologies, Londres, Routledge.
  • CASEY, Edward S. (2000), Remembering: A Phenomenological Study, Indiana, Indiana University Press.
  • CHATEAURAYNAUD, Francis. (2011), Argumenter dans un champ de forces: Essai de balistique sociologique, Paris, Pétra.
  • COLLINS, Randall. (2004), Interaction Ritual Chains, Princeton & Oxford, Princeton University Press.
  • CONNERTON, Paul. (1999), Como as sociedades recordam, Oeiras, Celta Editora.
  • DAS, Veena. (2007), Life and Words. Violence and the descent into the ordinary, Berkeley/Los Angeles/Londres, University of California Press.
  • DAVIES, Douglas J. (2005), A Brief History of Death, Malden (EUA), Blackwell publishing.
  • DODIER, Nicolas. (1993), “Review Article: Action as a combination of ‘common worlds’. The Sociological Review”, 41, 3: 556-571.
  • ELIAS, Norbert. (2001), A solidão dos moribundos, seguido de “Envelhecer e morrer”, Rio de Janeiro, Zahar.
  • FREIRE, Jussara. (2014), “Sociologia da moral, ação coletiva e espaço público”, in A. Werneck & L.R. Cardoso de Oliveira (org.), Pensando bem: Estudos de sociologia e antropologia da moral, Rio de Janeiro, Casa da Palavra.
  • GLASER, Barney G. & STRAUSS, Anselm L. (1967), The Discovery of Grounded Theory: Strategies for Qualitative Research, Chicago: Aldine.
  • GOFFMAN, Erving. (2008), Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada, Rio de Janeiro, LTC.
  • GREIMAS, Algirdas J. & COURTÉS, Joseph. (1979), Dicionário de Semiótica, São Paulo, Cultrix.
  • HALBWACHS, Maurice. (1990), A memória coletiva, São Paulo, Revista dos Tribunais LTDA.
  • JAMES, William. (1907), Pragmatism: A New Name for Some Old Ways of Thinking, Cambridge (EUA), Harvard University.
  • KAUFMANN, Jean-Claude. (2013), A entrevista compreensiva: um guia para pesquisa de campo, Petrópolis, Vozes.
  • KEARL, Michael C. (1989), Endings. A Sociology of Death and Dying, Nova York, Oxford University Press.
  • LATOUR, Bruno & WOOLGAR, Steve. (1997), A vida de laboratório. A produção dos fatos científicos, Rio de Janeiro, Relume Dumará.
  • LEITE, Márcia Pereira. (2012), “Da ‘metáfora da guerra’ ao projeto de ‘pacificação’: favelas e políticas de segurança pública no Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de Segurança Pública, 6: 374-389.
  • MACHADO DA SILVA, Luiz Antônio. (1993), “Violência urbana: Representação de uma ordem social”, in E.P. Nascimento & I. Barreira (org.), Brasil urbano: Cenário da ordem e da desordem, Rio de Janeiro, Notrya.
  • MEAD, George H. (1929), “The Nature of the Past”, in J. Coss (ed.), Essays in Honor of John Dewey, Nova York, Henry Holt & Co.
  • MISSE, Michel. (1999), Malandros, marginais e vagabundos: A acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro.
  • MUNIZ, Jacqueline de O. (1999), “Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser”. Cultura e Cotidiano da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Rio de Janeiro.
  • NORA, Pierre. (1989), “Between Memory and History: Les Lieux de Mémoire”. Representations, 26: 7-24.
  • PEETERS, Hugues & CHARLIER, Philippe. (1999), “Contributions à une théorie du dispositif”. Hermès, 25: 15-23.
  • PEIRCE, Charles S. (1998), The Essential Peirce, Vol. 2, Indianapolis, Indiana University Press.
  • PETERS, Gabriel. (2017), A ordem social como problema psíquico. Do existencialismo sociológico à epistemologia insana, São Paulo, Annablume.
  • POLLAK, Michael. (1989), “Memória, Esquecimento, Silêncio”. Estudos Históricos, 2, 3: 3-15.
  • POLLAK, Michael. (1990), L’experience concentracinnaire: Essai sur le maintien de l’identité sociale, Paris, Métailié.
  • POLLAK, Michael. (1992), “Memória e identidade social”. Estudos Históricos, 5, 10: 200-212.
  • POLLAK, Michael & HEINICH, Nathalie. (1986), “Le témoignage”. Actes de la recherche en sciences sociales, 62/63: 3-29.
  • PORTO, Maria Stela Grossi. (1999), “A violência urbana e suas representações sociais: O caso do Distrito Federal”. São Paulo em Perspectiva, 13, 4: 130-135.
  • RICŒUR, Paul. (2007), Memória, história, esquecimento, Campinas, Editora da Unicamp.
  • ROCHA, Letícia Freire. (2013), Transtorno do estresse pós-traumático em policiais militares do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS-UERJ), Rio de Janeiro.
  • ROSALDO, Renato. (1993), “Introduction: Grief and a Headhunter’s Rage”, in Culture and Truth: The Remaking of Social Analysis, Boston, Beacon Press, Taylor & Francis.
  • RUSSO, Maurício Bastos. (2012), Violência no trânsito à moda brasileira: insegurança, letalidade e impunidade. Tese de Doutorado. Programa de pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará, Ceará.
  • SANTOS, Myrian Sepúlveda. (2013), “Memória coletiva, trauma e cultura: um debate”. Revista USP, 98: 51-68.
  • SCHÜTZ, Alfred. (1979), Fenomenologia e relações sociais, Rio de Janeiro, Zahar.
  • TALONE, Vittorio. (2019), “A memória actancial: as consequências de situações de ferimento, tensão e morte”, in R. Cantu, S. Leal, D. Corrêa & L. Chartain (eds.), Sociologia, crítica e pragmatismo: diálogos entre França e Brasil, Campinas, Pontes.
  • TALONE, Vittorio. (2020), A força da memória: lembranças de situações de ferimento, tensão e morte. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
  • THÉVENOT, Laurent. (2002), “Which Road to Follow? The Moral Complexity of an 'Equipped' Humanity”, in J. Law & A. MOL (org.), Complexities: Social Studies of Knowledge Practices, Durham & Londres, Duke University Press.
  • THOMAS, William I. (1923), The Unadjusted Girl: With Cases and Standpoint for Behaviour Analysis, Monclair (EUA), Patterson Smith.
  • THOMAS, William I. & THOMAS, Dorothy Swaine. (1928), The Child in America: Behavior Problems and Programs, Nova York, A. A. Knopf.
  • WERNECK, Alexandre. (2012), A desculpa: As circunstâncias e a moral das relações sociais, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
  • WERNECK, Alexandre (2014). “Sociologia da moral, agência e criatividade.’, in A. Werneck & L.R. Cardoso de Oliveira (org.), Pensando bem: Estudos de sociologia e antropologia da moral, Rio de Janeiro, Casa da Palavra.
  • ZERUBAVEL, Eviatar. (1997), Social Mindscapes: an Invitation to Cognitive Sociology, Cambridge, Massachusetts & London, Harvard University Press.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2021
  • Aceito
    21 Fev 2022
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - ANPOCS Av. Prof. Luciano Gualberto, 315 - sala 116, 05508-900 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 3091-4664, Fax: +55 11 3091-5043 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: anpocs@anpocs.org.br