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ANTÉNOR FIRMIN, JEAN PRICE-MARS, JACQUES ROUMAIN: Antropólogos haitianos repovoando as narrativas históricas da Antropologia

ANTÉNOR FIRMIN, JEAN PRICE-MARS, JACQUES ROUMAIN: HAITIAN ANTHROPOLOGISTS REPOPULATING ANTHROPOLOGY'S HISTORICAL NARRATIVES

ANTENOR FIRMIN, JEAN PRICE-MARS ET JACQUES ROUMAIN: DES ANTHROPOLOGUES HAÏTIENS QUI REPEUPLENT LES RECITS HISTORIQUES DE L'ANTHROPOLOGIE

Resumo

O que acontece ao experimentarmos pensar a hipótese de existência de uma antropologia chamada canônica, ocidental, eurocentrada, não apenas como dimensão universalista do poderoso projeto colonial europeu, mas como esforço do provinciano pensamento das metrópoles para estender sua condição, aferrando-se a pressupostos modernos? Aceitando o desafio desse sutil giro epistêmico, o presente artigo tem por objetivo seguir pistas capazes de evidenciar como a Europa foi constantemente chamada por antropólogos afro-caribenhos a se desprovincializar, sem, no entanto, ter sido capaz de suportar entrar de modo intensivo em relação com a criação vertiginosa e potente em que a antropologia parecia estar se tornando fora de seu eixo irradiador. Suspeitando de tal matriz de pensamento que foi capaz de ignorar o Caribe, propomos, a partir de levantamento bibliográfico e pesquisa documental, uma composição anticolonial dos quadros teórico-etnográficos da antropologia, esboçando uma narrativa povoada por antropólogos como Antenor Firmin, Jean Price-Mars e Jacques Roumain, que protagonizaram, em diálogo direto com autores canonizados, debates caros ao desenvolvimento da disciplina.

Palavras-chave:
História da Antropologia, Narrativas anti-coloniais; Anténor Firmin; Jean Price-Mars; Jacques Roumain; Haiti

Abstract

What would happen if we consider the hypotheses of the anthropology called canonical, western, Eurocentric, not only as a universalistic dimension of the powerful European colonial project, as has hitherto been conceived, but as an effort of the provincial thought of the metropolises to extend their condition, clinging to modern assumptions? Accepting the challenge of this epistemic turn, the main objective of this article is to follow clues able to evidence how Europe has been called continuously by Afro-Caribbean anthropologists to deprovincialize, without, however, being able to bear to relate itself with a vigorous and dizzying creation in which anthropology seemed to be becoming outside its radiating axis. Suspecting such a matrix of thought that has been able to ignore the Caribbean, we propose, through a bibliographical survey and a documental research, an anti-colonial composition of the theoretical-ethnographic frameworks of anthropology, outlining a narrative populated by anthropologists such as Antenor Firmin, Jean Price-Mars, and Jacques Romain, who, in direct dialogue with canonical authors, led key debates, dear to the development of the discipline.

Keywords:
History of Anthropology; Anti-colonial narratives; Anténor Firmin; Jean Price-Mars; Jacques Roumain; Haiti

Resumés

Que se passe-t-il quand nous pensons à l'hypothèse d'une anthropologie canonique, occidentale et eurocentrée comme dimension universaliste du puissant projet colonial européen et comme effort de la pensée provinciale des métropoles pour étendre sa condition tout en s'attachant à des présupposés modernes ? L'article propose de relever le défi de ce subtile virage épistémique pour montrer que si l'Europe a toujours été appelée à se déprovincialiser par des anthropologues afro-caribéens, elle n'a pas pour autant réussi à se mettre fortement en relation avec la création vertigineuse et puissante de l’anthropologie en dehors de son axe de rayonnement. Considérant une telle matrice de pensée capable d'ignorer les Caraïbes, nous proposons, à partir d'un relevé bibliographique et d'une recherche documentaire, l'existence d'une composition anticoloniale des cadres théorico-ethnographiques de l'anthropologie en ébauchant un récit peuplé par des anthropologues comme Anténor Firmin, Jean Price-Mars et Jacques Roumain, qui ont dialogué directement avec des auteurs canoniques sur des thèmes chers au développement de la discipline.

Mots-clés:
Histoire de l'anthropologie; Récits anticoloniaux; Anténor Firmin; Jean Price-Mars; Jacques Roumain; Haïti

Introdução

Para o antropólogo haitiano Michel-Rolph-Trouillot (2003)TROUILLOT, Michel-Rolph. (2003), Global Transformations: Anthropology and the Modern World. York, Palgrave Macmillan, a antropologia oferece acesso a visões alternativas ao padrão de humanidade que coloca o crescimento econômico como valor supremo. Assim, ele nos responsabiliza pela assunção de que essa humanidade a partir da qual a própria antropologia conta sua história “não é a mais respeitosa do planeta, nem a mais precisa, nem a mais prática, tampouco a mais bonita, nem mesmo a mais otimista” (Trouillot, 2003TROUILLOT, Michel-Rolph. (2003), Global Transformations: Anthropology and the Modern World. York, Palgrave Macmillan, p.9). A assertiva de Trouillot bem poderia ser tomada como um exemplo de pensamento sugerido pelo chamado “giro decolonial” – movimento de intelectuais latino-americanos constituído no final da década de 1990, a partir do Grupo Modernidade/Colonialidade –, que assume uma crítica de natureza transdisciplinar do próprio arcabouço teórico-metodológico canônico eurocentrado, vigente até então nas ciências sociais e humanas.1 1 Lógicas acadêmicas euro-centradas são aquelas cujas referências epistemológicas (teóricas e metodológicas) perpetuam a lógica da colonialidade do saber e do poder. Segundo Quijano (idem), as ciências sociais desenvolvidas no eixo da colonialidade do saber reproduzem a divisão colonial do trabalho na prática acadêmica, restando a intelectuais latino-americanos, caribenhos, africanos, os papéis de “colaboradores” ou “nativos”, mesmo quando sua atuação epistêmica é institucional e fruto de ativas e sistematizadas investigações. Adensaremos mais essa questão quando formos descrever a relação entre o haitiano Jacques Roumain e o francês Alfred Métraux.

Michel-Rolph Trouillot é, sem dúvida, um dos mais importantes e reconhecidos intelectuais haitianos. Antropólogo de formação e atuação profissional, também produziu textos historiográficos, acadêmicos e não acadêmicos sobre o Haiti, além de composições musicais e peças de teatro. Faleceu em 2012, com 62 anos, no Brooklyn/Nova York, onde vivia desde 1968, “deixando um legado que impressiona pela sofisticação intelectual, rigor teórico e inovação disciplinar” (Bonilla, 2013BONILLA, Yarimar. (2013), “Burning Questions: The Life and Work of Michel-Rolph Trouillot, 1949–2012”. NACLA Report on the Americas, 46(1): 82–84.).

Pouco depois de completar seu bacharelado em filosofia, em 1968, Trouillot deixou o Haiti, como boa parte dos intelectuais de sua geração, fugindo da repressão política do regime Duvalier. Formou-se em história e cultura do Caribe, em 1978, no Brooklyn College, de Nova York, cidade onde também participava do florescente movimento político e cultural da diáspora haitiana, fundando, junto a outros ativistas, o grupo musical e teatral Tanbou Libète (Tambores da Liberdade). Em 1985, Trouillot finalizou seu doutorado junto ao Programa de Antropologia da Universidade Johns Hopkins. Conduziu, desde aí, uma prolífica carreira acadêmica entre as Universidades de Duke, Johns Hopkins e Chicago. Em sua tese de doutorado, intitulada “Peasants and Capital: Dominica in the World Economy”, Trouillot deslocou seu olhar do Haiti para o restante do Caribe, trabalhando, mais especificamente, com os produtores de banana da República Dominicana. Ele não apenas teria sentido que era importante desafiar a suposição em voga de que antropólogos vindos de contextos minoritários só poderiam servir de antropólogos “nativos”, mas também enfatizado o valor intelectual de afastar-se da própria sociedade, “particularmente para os estudiosos do Caribe que estavam mergulhados em longas tradições de insularidade e reivindicavam excepcionalismo” (Bonilla, 2012, p. 84). Trouillot teria afirmado, em inúmeras ocasiões, que seus mais potentes insights sobre o campesinato haitiano emergiram de seu trabalho na República Dominicana.

Começamos este artigo com a observação contundente de Trouillot quanto à potencialidade da antropologia de buscar originalidade e singularidade duvidando, desestabilizando os próprios pilares onde se sustentam seus fundamentos mais elementares – a forma como conta sua história, por exemplo. Partimos de Trouillot, portanto, para encontrar em seus predecessores a concepção de uma antropologia que, ao contrário da versão eurocentrada da história da disciplina, não se instituiu apenas na construção de conhecimento sobre “o outro” enquanto “o primitivo”, “o exótico”, o “colaborador”.

Mello e Pires (2018), no texto que antecede a tradução para o português de The Caribbean Region: an open frontier in anthropological theory (Trouillot, 1992TROUILLOT, Michel-Rolph. (1992), “The Caribbean Region: An Open Frontier in Anthropological Theory”. Annual Review of Anthropology, 21: 19-42.), publicada na revista Afro-Ásia, (n. 58), chamam a atenção para as contribuições que a antropologia brasileira pode receber ao conhecer melhor os efeitos do frutífero encontro entre o Caribe e a disciplina antropológica.2 2 Ainda que haja excelentes trabalhos sendo produzidos e orientados em programas de pós-graduação, como na Unicamp e no Museu Nacional (UFRJ), sobressaem as etnografias realizadas no Haiti, enquanto os trabalhos dedicados aos intelectuais haitianos, que os tomem como centro da análise, ainda se contam nos dedos. Em pesquisa realizada no Portal Capes de Periódicos, em 15 de junho de 2019, testou-se uma busca avançada em periódicos que fizessem menção, no título ou resumo, aos nomes “Anténor Firmin”, “Jean Price-Mars” e “Jacques Roumain”. Não foi possível encontrar, entre os 19 resultados com menções a Anténor Firmin, nenhum autor brasileiro ou periódico nacional. Entre os 14 resultantes da busca por Jean Price-Mars, encontram-se “Jean Price-Mars y la Nación Haitiana en la Vocation de L'élite”, do sociólogo porto-riquenho Gabriel Alemán Rodríguez, publicado pela Revista Brasileira do Caribe, em março de 2016 e “Geografía Africana e Identidad en Jean Price Mars y Gilberto Freyre”, do porto-riquenho Carlos D. Altagracia Espada, publicado pela mesma revista, em março de 2015. Quanto a Jacques Roumain, entre os 21 resultados da busca, não há qualquer trabalho escrito por autor brasileiro ou publicado em periódico nacional. Quando testamos a mesma busca na Plataforma Capes de teses e dissertações (que não permite a especificação do local de busca: título, resumo ou inteiro teor), o único resultado para a busca de “Anténor Firmin” é a tese “NOU LED, NOU LA!” “ESTAMOS FEIOS, MAS ESTAMOS AQUI!”: Assombros haitianos à retórica colonial sobre pobreza de Pâmela Marconatto Marques, defendida em 2017 junto ao Doutorado em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Já a busca de “Jean Price-Mars” leva a 3 trabalhos: Identidade-Relação e Transculturação: Uma leitura do Romance Compère Général Soleil, de Jacques-Stephen Alexis de Jean Dieumettre, defendida em 2018 junto ao Mestrado em Letras da Universidade Federal de São Paulo; Haiti, uma república do Vodu?: uma análise do lugar do Vodu na sociedade haitiana à luz da Constituição de 1987 e do Decreto de 2003, de Jean Gardy Pierre, defendida em 2009 junto ao Mestrado em Ciências da Religião da PUC-SP e, novamente, o trabalho de Pâmela Marconatto Marques. Por fim, para “Jacques Roumain” novamente são encontrados 3 trabalhos: além das teses de Pâmela Marconatto Marques e de Jean Gardy Pierre, o trabalho Literatura e Construção da Comunidade Imaginada Haitiana: Uma Leitura de Jacques Stephen Alexis e Jacques Roumain (1915-1971), de Márcio Antônio de Santana, defendida em 2003 junto ao Mestrado em História da Universidade Federal de Goiás. Analisam aí de que modo particularidades históricas e mudanças geopolíticas ao longo do século XX fazem do Caribe um potente criador de contraposições aos modelos teóricos consolidados pela antropologia. Nosso objetivo, com esse artigo, é propor uma radicalização de tal perspectiva, enfatizando como a antropologia moderna teve, desde sua constituição, forte presença do pensamento caribenho.

Experimentando o giro sutil que é deixar de pensá-la como poderoso artefato colonial em sua dimensão universalista, surge a possibilidade de conceber a existência de uma antropologia chamada canônica, ocidental, eurocentrada, como esforço do pensamento das metrópoles para estender sua condição provinciana, aferrando-se a pressupostos modernos.

Como o presente artigo dará a ver adiante, a Europa foi constantemente instada por antropólogos e antropólogas caribenhas a se desprovincializar, mas não foi capaz de suportar entrar, de modo intensivo, em relação com a criação vertiginosa e potente em em que a antropologia parecia estar se transformando.3 3 Ao aludir a o termo – “Europa” – esse ensaio refere-se notadamente aos países que estiveram engajados no empreendimento colonial. À época da publicação da obra de Firmin, essa Europa havia sido determinada pelo Tratado de Berlim de 1878, em que se celebrou a divisão territorial do continente africano entre Bélgica, França, Alemanha, Inglaterra, Itália, Portugal e Espanha, marcando o início do período conhecido como neocolonialismo (Nkrumah, Kwame. Neo-Colonialism, The Last Stage of Imperialism. Thomas Nelson & Sons, Ltd., Londres, 1965). É a ela que também se refere Aimé Cesaire em seu Discurso sobre o Colonialismo, quando diz que “[a] Europa é indefensável” (Cesaire, 2017, p.15). A presença do antropólogo Anténor Firmin (1850 – 1911) nas reuniões da Sociedade de Antropologia de Paris, combatendo, já na brotação, o racismo científico de Gobineau, em meados do século XIX, nos leva a suspeitar de uma tal matriz de pensamento que tenha sido capaz de pensar, por exemplo, em uma antropologia sem o Caribe. Se a invisibilidade e o silenciamento de autores como Firmin, em prol da consolidação de um cânone antropológico europeu, é suficiente para aceitarmos sua posição como intelectual periférico, estamos levando muito a sério os ideais de pureza e separação impostos pelas ideologias modernas (Latour, 2009LATOUR, Bruno. (2009), Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Tradução de Carlos Irineu da Costa. 2ª edição. Rio de Janeiro, Ed. 34 ).

Nossa proposta, nesse artigo, não é "descentralizar" o percurso de desenvolvimento da antropologia moderna. Trata-se, mais do que isso, de abandonar a noção de “centro”, assumindo que este pode nunca ter existido como irradiador de uma certa disciplina, legitimada pelo ocidente e cercada de “antropologias periféricas” ou “antropologias dissidentes”. Aqui, nos valemos de uma perspectiva rizomática e anticolonial do crescimento e dos rumos, da antropologia, atenta aos processos criativos que constituíram zonas de maior intensidade para a criação e atualização deste domínio epistemológico.

Anténor Firmin: o intelectual haitiano e os princípios de uma antropologia cultural

Assim que detalhes da Revolução Haitiana passaram a circular na França do final do século XVIII, mesmo as elites ditas progressistas, compostas em geral por abolicionistas brancos, começaram a voltar atrás em seu discurso antirracista e antiescravagista. Em The french encouter with africans: 1530-1880, o finlandês William B. Cohen aponta que

O levante de Saint Domingue foi decisivo para o fortalecimento da negrofobia [na França]. Nenhum dos abolicionistas aprovou a revolta. Alguns, inclusive, tomaram-na como prova de que haviam compreendido mal a natureza dos negros e, consequentemente, passaram a reavaliá-los.4 4 Todos os trechos citados nesse trabalho são traduções livres realizadas pelas autoras a partir dos originais em inglês ou francês. (Cohen, 2003COHEN, William B. (2003), The French Encounter with Africans. White Response to Blacks, 1530-1880. Bloomington, Indiana University Press., p. 182)

Segundo o autor, filho de judeus que, à época do nazismo, refugiaram-se em solo etíope, a partir desse momento passava a não ser de bom tom proclamar a nobreza da raça negra e a barbárie da escravidão nas rodas de intelectuais, e mesmo nos circuitos artísticos considerados vanguardistas em Paris, onde agora se fortalecia o entendimento de que “os homens não nasceram para correntes, mas os revoltosos de Saint Domingue provaram que elas eram necessárias” (Cohen, 2003COHEN, William B. (2003), The French Encounter with Africans. White Response to Blacks, 1530-1880. Bloomington, Indiana University Press., p. 183).

Nesse cenário, Arthur de Gobineau – até aquele momento, nas palavras de Cohen, “diplomata de pouco renome e romancista medíocre” –, ao publicar Essai sur l'inégalité des races humaines, refletirá, entretanto, “fielmente as ideias sobre a raça de seus antecessores e contemporâneos” (Cohen, 2003COHEN, William B. (2003), The French Encounter with Africans. White Response to Blacks, 1530-1880. Bloomington, Indiana University Press., p. 217). O Ensaio em dois tomos, publicado em Paris, em 1883 e 1885, se tornaria sua publicação de maior alcance e repercussão.5 5 Vale lembrar que, durante o século XIX, a obra La Renaissance, de Gobineau, também alcançou vasta repercussão. No entanto, o sucesso de seu Ensaio propagou-se, inclusive pelo século XX. Ao afirmar os pressupostos do racismo científico, nutrido dos determinismos biológicos da escola antropológica do professor Pierre Paul Broca (França, 1824-1880), a obra apregoa – romanticamente, segundo Cohen –, a derrocada das raças puras e, portanto, a iminência da degeneração.6 6 Agradecemos, nesse ponto, a contribuição do parecerista anônimo, quando aponta que um amplo conjunto de obras relativamente recentes considera exagerada a avaliação do impacto do Essai sur l'inégalité des races humaines à sua época, e questiona a suposta homogeneidade do chamado “racismo científico”. Nesse sentido, foram sugeridos os estudos de Jean Boissel (Gobineu: biographie, 1993), Helga Gahyva (O inimigo do século, 2012) e ainda, a A ideia de raça, de Michael Banton. No entanto, não é intenção do presente ensaio dar centralidade a Gobineau, mas abordá-lo apenas na medida em que seu ensaio foi interpelado por Firmin. O foco está no caráter político hegemônico de teorias que, por corresponder aos interesses políticos e intelectuais favorecidos por noções como “progresso” e “desigualdade racial”, contribuíram para obscurecer a produção intelectual de autores negros e não-europeus. Segundo o advogado e diplomata haitiano Anténor Firmin, à raça ariana – única considerada pura por teorias racistas – atribui-se singular manifestação das virtudes consideradas as mais elevadas do homem: honra, amor à pátria e amor à liberdade (Firmin, 1885FIRMIN, Anténor. (1885), De l'égalité des races humaines, Lib. Cotillon, Paris.). Para este intelectual negro, a afirmação científica da inferioridade da raça negra – necessária para justificar a sua escravização pelas nações “civilizadas” – tem entre seus argumentos principais a suposta incapacidade moral e intelectual das populações de ascendência africana. As conclusões são apresentadas na sequência de estudos de crânio e face de homens brancos, homens negros e primatas, que destacam a suposta proximidade dos dois últimos (Gobineau, 1937GOBINEAU, Joseph Arthur. (1937), Ensayo sobre la desigualdad de las razas humanas. Barcelona, Editorial Apolo.).

As ideologias racistas desse gênero – que produziram descendentes científicos como o eugenismo, a exploração colonial e toda espécie de segregação e de servidão (Firmin, 1885FIRMIN, Anténor. (1885), De l'égalité des races humaines, Lib. Cotillon, Paris., p. 187) – constituirão o pano de fundo da emergência da Sociedade de Antropologia de Paris (Firmin 1985, p. 189). Fundada em 1859, ela tinha a intenção de consolidar a legitimidade científica da disciplina antropológica, distanciando-se de qualquer tradição moral, por considerá-la afeita à ética religiosa, e endossando o método cartesiano. Segundo Firmin (1885)FIRMIN, Anténor. (1885), De l'égalité des races humaines, Lib. Cotillon, Paris., a antropologia francesa, até a fundação da referida sociedade científica e o aparecimento do Ensaio, de Gobineau, malgrado o zelo e proselitismo de Broca, era ainda negligenciada. Ironicamente, o autor haitiano afirma que os antropólogos da Sociedade de Antropologia de Paris teriam encontrado nas conclusões “fantasiosas e paradoxais” de Gobineau uma fonte de iluminação tão viva que as seguiram como às palavras do “evangelho”. Firmin (1885, p. 190) dirá ainda que a doutrina “antifilosófica e pseudocientífica” da desigualdade das raças repousa apenas sobre a ideia de exploração do homem pelo homem, e que a recepção do Ensaio, de Gobineau, por seus colegas da Sociedade de Antropologia de Paris se deu de forma a promover um “revestimento” dessa doutrina com caracteres cientificistas. Seriam tais caracteres a operacionalização de experimentos de ordem fisiológica e anatômica, com fins de confirmar a inferioridade de negros e amarelos em relação a brancos, bem como a hierarquização que tem no topo os caucasianos e na base os etíopes. Para Firmin, não há como um tratado de antropologia, com bases científicas, comprovar a tese da desigualdade das raças (Firmin 1885, p. 189).

Apesar da grande repercussão alcançada pelas ideologias desigualitárias nesse contexto, em um momento em que o continente africano era repartido entre as potências europeias, a resposta aguda e sistemática produzida ao Ensaio de Gobineau – e às premissas que o embasaram – desde o Haiti independente foi francamente silenciada. Ainda está por ser devidamente estudada a obra do intelectual negro e advogado e diplomata haitiano. Àquela época, Firmin já havia ajudado a fundar o primeiro estabelecimento público de ensino superior no país, a Escola de Direito. Sob sua coordenação, a instituição formou durante muito tempo a grande maioria dos ocupantes de cargos públicos no país. Ele já gozava, portanto, de reconhecimento por sua contribuição ao ensino jurídico quando foi convidado a tornar-se membro da Sociedade de Antropologia de Paris, por seus aportes às discussões realizadas naquele âmbito e notável domínio do método positivista.7 7 É interessante notar o modo como o positivismo, nesse momento histórico, serve como agente duplo da contenda. Firmin faz questão de incluir o subtítulo Antropologia positiva abaixo do título de seu livro-resposta. A aposta no progresso, palavra de ordem do movimento, também aparece na dedicatória do livro, vinculada à justiça e à liberdade e, pelo teor da obra, “capturada” pela causa antirracista.

Indignado com a repercussão das teorias desigualitárias entre seus colegas, Firmin interpelou-os pontualmente durante os encontros da Sociedade, em Paris. Segundo as atas das reuniões desta instituição (France, 1892FRANCE. (1892), Bulletins de la Société d'anthropologie de Paris, Série 4. Tomo 3. ), em 21 de abril de 1892, durante a exposição do estudo La race Ibère, de Joseph Lajard, que apresentava os resultados de medições de crânios provenientes das Ilhas Canárias e de Açores, o médico e antropólogo francês Félix Regnault salientou a necessidade de a antropologia dar à “influência do meio” sobre a mutabilidade dos caracteres orgânicos a mesma importância que vinha tendo havia muito na biologia. Léonce Manouvrier concorda com Regnault, argumentando que a influência do meio se daria tanto pela “modificação” incidindo hipoteticamente sobre a variação dos índices cefálicos – quanto pela “seleção”, advinda da exposição de determinados grupos (braquicéfalos ou dolicocéfalos) a condições externas favoráveis ou desfavoráveis, como guerras, misérias, doenças. Georges Hervé, por sua vez, mostra-se de acordo com a proposta de a antropologia atentar para a importância da atuação do meio externo sobre as variações, nas proporções populacionais, de um índice cefálico ou outro; no entanto, chama a atenção para o fato de Regnault poder estar confundindo a noção de “meio” com a de hereditariedade, já que não seriam exatamente as medidas cefálicas que sofreriam alterações, mas os contingentes populacionais mais capazes de se perpetuar em condições adversas.

À insistência em associar meio ambiente, índices cefálicos e “superioridade racial”, Louis Laurant Gabriel de Mortillet opõe um argumento contrário, segundo o qual mesmo o termo “ariano” (designativo da raça humana superior, segundo Gobineau) é muito vago, em termos raciais, já que não se conheciam os índices cefálicos dos grupos classificados por raça. Segundo Gabriel de Mortillet, os crânios eram diversos na França, como também na Espanha – ou seja, a premissa de que as características cefálicas discriminariam as estirpes mais “proeminentes” e “promissoras” não se sustentaria, nem para a afirmação de superioridade da raça ariana, nem para avalizar a suposta inferioridade das populações negras.

É neste ponto da discussão que Anténor Firmin introduz sua perspectiva, reafirmando a necessidade de esclarecer a definição de “meio” que será usada para verificar as possibilidades de desenvolvimento de certas populações. Para o autor, as pesquisas antropológicas não devem negligenciar a influência do meio enquanto conjunto de condições sociais para o desenvolvimento intelectual. Ao dizer que os negros na África têm menos condições ambientais de desenvolver suas potencialidades intelectuais do que os negros que vivem na Ásia, por exemplo – e que essas diferenças do meio não estão diretamente relacionadas a quaisquer diferenças cefálicas –, Firmin traz o debate para outra arena, qual seja, aquela em que os argumentos pautados por determinismos biológicos estão em franca obsolescência. Ousadia que não passou despercebida por seus colegas simpáticos às ideias de Gobineau (Firmin, 1885FIRMIN, Anténor. (1885), De l'égalité des races humaines, Lib. Cotillon, Paris., p. 189).

Ao desafiar os pressupostos da determinação biológica das superioridades raciais, ideia que permeava a antropologia física, de Pierre Paul Broca e outros, Firmin foi confrontado por Arthur Bordier, que perguntou ao pensador haitiano se sua habilidade intelectual e participação na Sociedade de Antropologia de Paris não seriam resultado de uma ascendência branca que ele pudesse ter (Firmin, 1885, p. 329). Firmin responde que até poderia haver “sangue” branco em sua família, mas que não acreditava ser essa a causa de sua inteligência. Para Bordier, não é impossível que o sangue branco tenha modificado o crânio do haitiano, sendo assim a causa de seu desenvolvimento intelectual. E as insistências foram mais longe: Manouvrier sugeriu que seria interessante Firmin submeter-se às mensurações cefálicas e convidar seus amigos negros de Paris a passar pelos mesmos procedimentos. A braquicefalia de Firmin – supostamente advinda de sua ascendência negra – parecia duvidosa. Provavelmente, o intelectual negro haitiano tinha o crânio dolicocéfalo, o que explicaria sua proeminência intelectual.

Firmin afirmava que estava realmente interessado em debater com aqueles que “dividem a espécie humana em raças superiores e inferiores”, mas temia ter seu pedido rejeitado. Em suas palavras, “[o] bom senso me disse que eu estava certo em hesitar. Foi então que eu concebi a ideia de escrever este livro” (Firmin, 1885FIRMIN, Anténor. (1885), De l'égalité des races humaines, Lib. Cotillon, Paris.., p. LIV). É assim que em 1885, ano seguinte ao lançamento da segunda edição da obra de Gobineau, Firmin publica em Paris sua resposta sistemática a ele, intitulada De l'égalité des races humaines. Dá-se, então, segundo Fluehr-Lobban (2005), um passo importantíssimo para a consolidação do que mais tarde viria a ser chamado de antropologia cultural.

A dedicatória do tomo de seiscentas e cinquenta páginas já anuncia seu propósito de reabilitação étnico-racial:

Que este livro possa contribuir para acelerar o movimento de regeneração que realiza minha raça sob o céu azul celeste das Antilhas! Que ele possa inspirar em todas as crianças de raça negra, distribuídas pelo imenso orbe da terra, o amor ao progresso, à justiça e à liberdade! Ao dedicá-lo ao Haiti, é a todas elas que me dirijo, as deserdadas do presente e gigantes do futuro! (Firmin, 1885FIRMIN, Anténor. (1885), De l'égalité des races humaines, Lib. Cotillon, Paris., p. 5)

No prefácio, o autor deixa clara a indignação que despertam nele as páginas que lhe chegam às mãos em sua estada em Paris, evidenciando a popularidade das ideias propagadas por Gobineau:

Não pude dissimular. Meu espírito ficou em estado de choque quando li diversas obras nas quais se afirmava dogmaticamente a desigualdade das raças humanas e a inferioridade nata dos negros. Uma vez aceito como membro na Sociedade Antropológica de Paris, a discussão não deveria parecer-me ainda mais incompreensível e ilógica? É natural ver compor uma mesma associação e dotá-la de um mesmo título homens que a própria ciência de que supõem-se representantes parece declarar desiguais? (Firmin, 1885FIRMIN, Anténor. (1885), De l'égalité des races humaines, Lib. Cotillon, Paris., p. 8)

Ao inventariar a contribuição das comunidades negras à história da humanidade, Firmin antecipa Cheikh Anta Diop, reconhecido historiador africano, autor de "Nations negres et culture" (1955), reivindicando o “enegrecimento do Egito” que este seja considerado como legado negro à humanidade, apontando a importância das civilizações etíopes na formação da tradição greco-romana e, por fim, analisando a Revolução Haitiana como prova concreta de que negros e brancos compartilhariam os atributos negados por Gobineau aos primeiros – de honra, desejo de liberdade e insubordinação à escravidão. Decreta, por fim, que:

A toda essa falange arrogante que proclama que o homem negro está destinado a servir de estribo ao poder do homem branco, a essa antropologia mentirosa, eu terei o direito de dizer: Não, não és uma ciência! [...] O egoísmo e a imoralidade da raça branca será ainda para ela, em sua posteridade, motivo de vergonha e arrependimento. (Firmin, 1885FIRMIN, Anténor. (1885), De l'égalité des races humaines, Lib. Cotillon, Paris., p. 59)

O modo como Firmin sistematiza a resposta a Gobineau passa por um profundo e minucioso estado da arte que, por si só, poderia ser considerada significativa contribuição à constituição disciplinar da antropologia, como afirma Omar Ribeiro Thomaz. O antropólogo da Unicamp, com vasto trabalho de campo realizado no Haiti, afirma que “Firmin, antropólogo haitiano, deveria ser reivindicado como um dos pais da antropologia moderna, mas sua obra permaneceu desconhecida fora do seu país” (Thomaz, 2011THOMAZ, Omar Ribeiro. (2011), “Pensar o Haiti, Pensar com o Haiti”. Blog Prosa e Verso, O Globo, 23 jan. , p. 280). Além da elaboração de críticas aos determinismos biológicos em destaque na antropologia francesa do século XIX – estruturada em uma nova concepção dos princípios, fundamentos e objetivos da ciência antropológica –, Firmin também demonstra desconfiança quanto aos métodos comparativos de perspectiva evolucionista, quando se pergunta se não seriam as comparações históricas entre diferentes povos uma maneira de justificar abusos com precedência histórica e práticas infelizes de alguns destes (Firmin, 1885FIRMIN, Anténor. (1885), De l'égalité des races humaines, Lib. Cotillon, Paris., p. 15).

Ainda que o desconhecimento da obra de Firmin seja a regra tristemente constatada, o filósofo camaronense Nkolo Foé, vice-presidente do Conselho para o Desenvolvimento da Pesquisa em Ciências Sociais em África (CODESRIA), faz questão de marcar seu conhecimento do legado do intelectual haitiano:

[...] o objetivo de homens como Gobineau e outros teóricos da antropologia física era acompanhar ideologicamente o movimento de expansão colonial. É por isso que essa orientação da antropologia não escapa à vigilância epistemológica do militante haitiano pelos direitos dos negros, Joseph Anténor Firmin. Conhecemos sua virulenta resposta contra a antropologia de Gobineau. (Foé, 2013FOÉ, Nkolo. (2013), “Afrique en dialogue, Afrique en auto-questionnement: universalisme ou provincialisme? “Compromis d'Atlanta” ou initiative historique?”, Educ. Rev., Curitiba, 47: 175-228., p. 191)

Em estada em Havana (Cuba), em meados de maio de 2017, em evento realizado pela Casa de Las Americas, pudemos constatar que tampouco intelectuais e ativistas cubanos desconhecem a obra de Firmin. Naquele momento, o livro Joseph Anténor Firmin: lazos com Cuba, escrito pela diplomata cubana Diana Cantón Otaño, acabava de ser lançado. Nele, a autora não somente apresenta a obra de Firmin, mas também menciona a forte relação de amizade e admiração mútua que ele estabeleceu com José Martí, herói da independência cubana. Martí teria estado em Cabo Haitiano, onde vivia Firmin, para conhecê-lo e ser aconselhado por ele, por recomendação do revolucionário porto-riquenho e amigo comum, Ramón Betances. Nessa ocasião, recordada por Martí como o momento em que conheceu “um haitiano extraordinário” (Otaño, 2016OTAÑO, Diana Cantón. (2016), “Joseph Auguste Anténor Firmin: lazos com Cuba”. Les Éditions du CIDIHCA, Montréal.), os dois mostraram-se de acordo com relação a temas essenciais para ambos: I) o desejo de união das nações antilhanas; II) a noção de que esse plano deveria integrar um movimento maior, de um continente americano livre e independente; III) o ideário antirracista que deveria sustentar esses projetos. Otaño ressalta o impacto desse encontro para Martí: entre os pertences recolhidos junto a seu corpo, no campo de batalha, estava um caderno de anotações com dezenas de citações do livro De l’égalité des races humaines de Firmin.

Em pesquisa realizada nos arquivos da Casa de Las Americas, descobrimos que, em 2011, a instituição organizou um grande evento em Havana em homenagem ao centenário da morte de Firmin. Intelectuais cubanos, além do embaixador haitiano em Cuba, foram convidados a refletir sobre sua obra intelectual e política. Nesse mesmo ano, Editorial Ciencias Sociales publicou, em Cuba, a tradução em espanhol da obra de Firmin, ampliando sua circulação entre o público hispanohablante.

O engajamento de Firmin no primeiro Congresso Pan-Africano, organizado pelo trinidadiano Henry Sylvester Williams, e sediado em Londres, informa-nos que também houve interlocução sua com intelectuais de língua inglesa, como o sociólogo estadunidense W.E.B. Du Bois, presente no evento, e também que ele influenciou fortemente as primeiras discussões pan-africanistas (Fluehr-Lobban, 2001). Ainda assim, apenas em 2000 a obra de Firmin receberia sua primeira tradução para o inglês. Sua publicação deu início a um movimento de desencobrimento de seu legado, nos Estados Unidos, que repercutiu em inúmeros estudos e eventos acadêmicos sobre o tema.8 8 É impressionante o modo como Firmin antecipa pontualmente cenários complexos envolvendo relações raciais no mundo contemporâneo, sobretudo, nos Estados Unidos: “Recolhemos inúmeras citações do discurso de Wendel Phillips para demonstrar a importância desempenhada pelo exemplo haitiano à causa da abolição da escravidão nos Estados Unidos. Em que pesem todas as aparências contrárias, este vasto país está destinado a dar o golpe de graça na teoria da desigualdade das raças. Com efeito, os negros desta grande república federativa estão começando a desempenhar uma função cada vez mais ativa na política dos Estados da União Americana. Não seria possível, então, que antes de cem anos um homem de origem etíope presida o governo de Washington e dirija os assuntos do país mais progressista da terra, o país que infalivelmente será o mais rico, o mais poderoso, pelo desenvolvimento do trabalho agrícola e industrial? Não é essa uma daquelas ideias que permanecem eternamente em estado de utopia. Basta atentar para a importância crescente dos negros nos assuntos americanos para que se dissipem as dúvidas.” (Firmin, 1885, p.593-594)

Destaca-se, nesse sentido, o Congresso Internacional realizado – em 2001 – pelo departamento de Antropologia de Rhode Island College (Estados Unidos), intitulado Rediscovering Anténor Firmin, Pioneer of Anthropology and Pan-Africanism [O Redescobrimento de Anténor Firmin, pioneiro da antropologia e do pan-africanismo]. Em artigo subsequente, Anténor Firmin: Haitian Pioneer of Anthropology, publicado pela revista American Anthropologist, Carolyn Fluehr-Lobban, organizadora do Congresso, reconhece:

[Firmin] desenvolveu uma visão crítica das classificações raciais e da raça que prenunciava a noção de construção social de raça, que somente viria muito tempo depois. No livro, ele também articulava precocemente ideias pan-africanistas, bem como um quadro analítico para o que se tornariam os estudos pós-coloniais. De l’égalité des races humaines é um texto que se situa historicamente entre os fundadores da antropologia como disciplina, e ainda assim é desconhecido no campo. É um trabalho pioneiro em antropologia crítica que aguarda reconhecimento 115 anos depois de ter sido publicado pela primeira vez. (Fluehr-Lobban, 2001, p. 449)

Em 2004, a editora L´Harmattan finalmente decidiu reeditar o livro de Firmin na França, como reparação ao silêncio a que foi relegado, denunciado pela historiadora francesa María Poumier:

Tão lúcido, premonitório e incômodo para o mundo branco foi Anténor Firmin, que seu trabalho foi imediatamente sepultado no esquecimento pelos círculos culturais da França. Quando Firmin morreu, membro pleno da Sociedade de Antropologia de Paris, em 1911, o Boletim não lhe dedicou sequer um obituário. (Poumier, 2006POUMIER, Maria. (2006), “De la igualdad de las razas humanas. Apresentación”, in Rebelión, sección Opinión de 17.17.2006., p. 1)

No Haiti, entretanto, Firmin, sua contribuição científica e engajamento político sempre contaram com ampla notoriedade, influenciando profundamente a construção da universidade pública, especificamente as carreiras de direito e etnologia, pelo impacto de suas ideias sobre um de seus fundadores, o antropólogo Jean Price-Mars.

Jean Price-Mars e a etnografia do cotidiano: o Haiti no espelho

Com a Europa imersa na Primeira Guerra Mundial, o início do século XX foi marcado pela investida norte-americana sobre o Caribe, numa política anunciada pelo então presidente Theodor Roosevelt como Big Stick (“grande porrete”), por meio da qual os Estados Unidos da América deveriam assumir o papel de “polícia internacional no Ocidente” e, ao mesmo tempo, dar uma “injeção de economia” nos países da América Latina. Sob esse corolário, depois de Panamá, Cuba e Honduras, o Haiti – que até o ano da morte de Anténor Firmin (1911) teve nele o mais importante baluarte da resistência à intervenção estadunidense – entrou na lista de países atingidos pelo “porrete” norte-americano, com uma ocupação que, iniciada em 1916, prolongou-se até 1934 (Meleance, 2006, p. 67-69).

A entrada estadunidense deu-se sob a alegação de que o Haiti – que vinha sendo sacudido por inúmeras revoltas camponesas contra a alta taxação tributária, a pobreza e exploração e pela queda em sequência de diversos presidentes – era ambiente inseguro, inclusive (ou talvez, sobretudo) para investimentos estrangeiros. Logo, com a anuência, e até apoio de suas próprias elites, o país tornou-se protetorado dos Estados Unidos.

Uma nova constituição haitiana foi promulgada, dando ao governo estadunidense a possibilidade de, “dentro da legalidade”, promover a dissolução do exército nacional e a instauração de outro, à semelhança dos marines estadunidenses; promover a equiparação da moeda haitiana ao dólar; promover a realização, em nome do país, de empréstimos a juros exorbitantes pagos para investidores americanos; promover a anulação da interdição da posse de terras por estrangeiros (estabelecida no século XIX); acelerar a expropriação das pequenas propriedades e o cerceamento à liberdade de expressão (Oyama, 2009, p. 93).

No outro polo, entretanto, da população camponesa duramente reprimida – e apontada como causa da permanência americana pela instabilidade que trazia ao país –, surgiriam os movimentos de revolta contra a ocupação, que perduraram por anos, até a captura e morte de sua maior liderança, Charlemagne Peralte.

As lições deixadas pela revolta dos camponeses, e mais, pela conduta dos norte-americanos, que igualavam negros e mulatos para exercer seus desmandos, parecem ter conduzido a uma tomada de consciência que inspirou uma vanguarda artística e cultural no Haiti, a propor a “desalienação” em relação a tudo que era imposto de fora, e um mergulho na tradição popular haitiana em sua dimensão cotidiana, seguindo as referências culturais dos próprios haitianos.

Essa geração, identificada como “indigenista”, ficaria marcada pela produção de duas contribuições fundadoras: a revista Indigène, de 1927, fundada por Jacques Roumain, e a coletânea de ensaios Ainsi parla l´oncle [Assim fala o Tio], publicada em 1928 por Jean Price-Mars (1876-1969). Roumain e Price-Mars se tornariam os principais nomes associados ao indigenisme, não somente por ensaiar, em textos acadêmicos e literários, os contornos de uma identidade haitiana, mas por seu ativismo político que, a um só tempo, demandava o fim da intervenção estrangeira e reclamava autonomia, liberdade e valorização da potência e beleza da cultura popular haitiana.

Ainsi parla l´Oncle, obra magistral de Price-Mars, inovou não somente por seu conteúdo – ao defender a tradição oral, o créole e o vodu haitianos, até então associados a um país que devia ser invisibilizado por sua incivilidade –, mas também na forma, já que apresenta estilo ensaístico diferenciado, com um narrador que utiliza estratégias da narrativa oral, do contador de histórias:

O autor supera a prosa empolada de seus antecessores, e dialoga diretamente com o leitor, apresentando-nos ao longo de suas páginas os personagens que compõem o dia a dia daqueles que estão longe dos centros urbanos haitianos, os camponeses, a família rural, tão importantes para a reflexão antropológica caribenha. (Thomaz, 2011THOMAZ, Omar Ribeiro. (2011), “Pensar o Haiti, Pensar com o Haiti”. Blog Prosa e Verso, O Globo, 23 jan. )

Neste sentido, Price-Mars teria pretendido “acordar a sociedade haitiana para ver-se a si própria no espelho” (1928, p. 4), sem buscar refúgio nos valores franceses que sempre a massacraram, seja desvalorizando a herança africana que compunha sua cultura, seja ditando um ethos importado jamais alcançável. Em seu capítulo inicial, dedicado “ao folclore e à literatura”, Price-Mars enfrenta a polêmica sobre a existência de uma “literatura haitiana”. Ao mesmo tempo em que responde afirmativamente à questão, dirá que essa literatura deve muito ao que se conhece por “folclore haitiano” – e não à alta cultura francesa –, entendido como repositório “em que se condensam há séculos os caminhos dos nossos desejos, em que se elaboram os elementos de nossa sensibilidade, em que se edifica a trama de nosso caráter como povo” (Price-Mars, 1928PRICE-MARS, Jean. (1928), Ainsi parla l´Oncle. Port-au-Prince, Imprimerie de Compiègne. , p. 6). O caráter francamente popular desse repositório é destacado com especial vigor; seriam “contos, lendas, adivinhações, canções, provérbios, crenças” que “florescem com exuberância, generosidade e uma candura extraordinárias. Magníficas matérias humanas das quais se formaram o coração caloroso, a consciência sem bordas, a alma coletiva do povo haitiano!” (Price-Mars, 1928PRICE-MARS, Jean. (1928), Ainsi parla l´Oncle. Port-au-Prince, Imprimerie de Compiègne. , p. 6). Price-Mars reivindicará para elas a capacidade de expressar, com ainda mais vigor, a vida vivida no Haiti e sua potência do que a personalidade de grandes homens da história nacional em seus feitos épicos, que até então assumiam a centralidade da narrativa contra-hegemônica sobre o Haiti (como era o caso da abordagem de Anténor Firmin):

Melhor do que as narrativas das grandes batalhas, melhor do que a relação dos grandes fatos da história oficial, sempre constrangida a expressar apenas uma parte da inapreensível Verdade. Melhor do que as poses teatrais dos homens de Estado em atitudes de comando, melhor do que as leis que não podem ser senão empréstimos europeus mal adaptados a nosso estado social em que os detentores passageiros do poder condensam seus ódios, seus preconceitos, seus sonhos ou suas esperanças. Melhor do que todas estas coisas que são com maior frequência ornamentos acidentais impostos pelas contingências e adotados somente por uma parte da nação – os contos, as canções, as lendas, os provérbios, as crenças são obras ou produtos que brotaram, num dado momento, de um pensamento genial, coletivo, fiel intérprete de um sentimento comum, que se tornaram caros a cada um e transformados, enfim, em criações originais pelo processo obscuro do subconsciente. (Price-Mars, 1928PRICE-MARS, Jean. (1928), Ainsi parla l´Oncle. Port-au-Prince, Imprimerie de Compiègne. , p. 7)

Considera-se impressionante o impacto dessa obra:

[...] já não se tratava de recuperar o feito dos grandes homens, mas de revelar, nos ensinamentos do tio – o camponês haitiano – o universalismo encontrado em todas as culturas humanas. Nos detalhes das travessuras de personagens populares como Bouki e Ti Malice, sempre iniciadas com o inescapável “Krik! Krak!” (“Era uma vez...”); nos provérbios e na sabedoria expressos no kreyòl – língua compartilhada por todos os haitianos –, nos mistérios do vudu, não teríamos o atraso ou o primitivismo, mas a revelação da capacidade criativa de homens e mulheres e, sobretudo, a originalidade da obra de um povo. (Thomaz, 2011THOMAZ, Omar Ribeiro. (2011), “Pensar o Haiti, Pensar com o Haiti”. Blog Prosa e Verso, O Globo, 23 jan. , grifos nossos)

Lembramos que a publicação de Price-Mars ocorreu em plena ocupação norte-americana, em meio a campanhas “antissupersticiosas” que lembravam a ação do Vaticano, em 1860, para erradicar o vodu como culto satânico (Hurbon, 1998, p. 80). Nessa época, as imagens exotizantes do vodu tiveram seu ápice, quando começaram a aparecer em filmes hollywoodianos, cuja repercussão nos parece essencial para a compreensão que ainda se tem do país. Mais uma vez – mas agora com a força disseminadora do cinema estadunidense –, o vodu foi destituído de sua potência enquanto resistência política e cultural para ser compreendido como culto diabólico de uma nação de supersticiosos. Compreende-se a importância do aporte de Price-Mars como elemento disparador de uma nova compreensão do Haiti, convertendo o que era motivo de vergonha em exemplo de criatividade, invenção e originalidade.

É no mínimo irônico que, um século mais tarde, a academia estadunidense renda tributos ao Haiti, a ponto da antropóloga Carolyn Fluehr-Lobban afirmar a “extraordinária importância” de Firmin e Price-Mars (por que não dizer “da antropologia haitiana”?) para o desenvolvimento da antropologia nos Estados Unidos:

Podemos desenhar uma linha de Anténor Firmin para Jean Price-Mars; de Jean Price-Mars a Melville Herskovits; de Melville Herskovits a Franz Boas; e, portanto, de Anténor Firmin ao mainstream da antropologia americana. (Fluehr-Lobban, 2008, p. 15)

De fato, considerado um profundo conhecedor da vida e obra de Anténor Firmin, tendo inclusive escrito uma biografia sua lançada postumamente, Price-Mars coincidiu com ele em sua abordagem do conceito de raça como constructo social e, no reconhecimento da mestiçagem não como atributo exclusivo das populações do Novo Mundo, mas da humanidade como um todo. Também coincidiram no intuito de reabilitar a herança africana como componente da matriz cultural haitiana. Em sua publicação derradeira, em 1967, Price-Mars afirma:

Nossa única chance de sermos nós mesmos é não repudiando nenhuma parte de nossa herança ancestral. E, quanto a essa herança, oito décimos dela são um presente de África. Além disso, neste pequeno planeta, que é apenas um ponto infinitesimal no espaço, os homens se misturaram há milênios até o ponto de não existir mais um único sábio autêntico, nem mesmo nos Estados Unidos da América, que apoie seriamente a teoria das raças puras. E se eu aceitar a posição científica de Sir Harry Johnston, seja quão negro for, tão negro quanto ele pode ser, no centro da África, que não tenha sangue caucasoide em suas veias, e talvez não haja um único branco no Reino Unido, na França, na Espanha e outros lugares, entre os mais altivos, que não leve gotas de sangue negro ou amarelo nas veias. Então é necessário dizer que é verdade, como afirma o poeta, que “todos os homens são homens”. (Price-Mars, 1967PRICE-MARS, Jean. (1967), Lettre ouverte au Dr René Piquion: le préjugé de couleur est-il la question sociale? Port-au-Prince, Les Éditions des Antilles, p. 6)

O interesse pela contribuição de ambos, Firmin e Price-Mars, levou Carolyn Fluehr-Lobban – que menciona ter descoberto a antropologia haitiana a partir da indicação de um aluno haitiano que frequentava seu curso de história da antropologia – a realizar uma importante pesquisa nos arquivos de Melville Herskovits, renomado antropólogo americano conhecido por sua contribuição aos estudos africanos na América e à antropologia afro-americana, e, especificamente, por um dos maiores clássicos sobre a vida de uma comunidade rural haitiana, Life in a Haitian valley (1937) [Vida em um Vale Haitiano]. Fluehr-Lobban descobriu uma prolífica troca de cartas entre Herskovits e Jean Price-Mars:

A correspondência entre Melville Herskovits e Jean Price-Mars, de 1928 a 1955, revela uma relação profissional calorosa e afetuosa entre o já idoso Price-Mars e o jovem Herskovits. Ela começou quando o antropólogo americano, interessado em estudar os negros do Caribe e da América do Sul, depois de seus estudos sobre os negros americanos, planejava um período de pesquisa no Haiti. Price-Mars atendeu generosamente aos pedidos de Herskovits, respondendo suas perguntas sobre a etnologia haitiana e até encorajando o jovem estudioso americano. Herskovits realizou vários meses de trabalho de campo no Haiti em 1934, graças à ativa organização de Price-Mars da visita e hospedagem de Herskovits e sua esposa, selecionando Mirebalais como melhor contexto para a realização da pesquisa de campo, auxiliando nas apresentações e oferecendo seu conselho, a perspectiva de um etnologista sênior, além de recursos acadêmicos. Isso resultou na publicação clássica de Melville Herskovits Life in a Haitian Valley em 1937. (Fluehr-Lobban, 2008, p. 15)

Herskovits – assim como Alfred Kroeber, Ruth Benedict, Margaret Mead e Gilberto Freyre – foi aluno, na Universidade Columbia, em Nova York, de Franz Boas (1858-1942), antropólogo teuto-americano de origem judaica. Celso Castro, organizador da edição brasileira Antropologia cultural (Castro, 2004CASTRO, Celso. (2004), Antropologia Cultural. Rio de Janeiro, Jorge Zahar.), seleção de textos de Boas originários do volume Race, Language and Culture (Boas, 1940), considera o antropólogo alemão um dos “pais fundadores” da antropologia moderna. A atribuição relaciona-se muito à crítica feita por Boas ao evolucionismo social unilinear e ao determinismo geográfico, já em 1896, com o artigo The Limitations of the Comparative Method of Anthropology [As limitações do método comparativo da antropologia]. Boas era defensor da análise particular, feita a partir da observação de cada sociedade e de sua história, em vez das generalizações levadas a cabo pelos evolucionistas, preocupados em comparar hierarquicamente diferentes grupos culturais. Em 1930, seu artigo Some problems of Methodology in the Social Sciences [Alguns problemas de metodologia nas ciências sociais] traz uma crítica mais direta ao racismo científico perpetrado pelas vertentes da antropologia biológica e em voga até aquele momento. Nele, o autor defende que nenhum fator isolado pode ser considerado determinante único das diferenças entre culturas. Assim, condições geográficas e econômicas específicas poderiam interferir na diferenciação entre culturas, mas não criar, causar, suas particularidades. Marcando sua intenção de afastar os métodos antropológicos daqueles das ciências naturais, em The Aims of Anthropological Research (1932) [Os objetivos da pesquisa antropológica], Boas reafirma a noção de cultura como totalidade complexa, impossível de ser abarcada ou explicada por grandes teorias universalistas, como na física. Para ele, a utilização ideológica das formas de pensamento ditas universais favorecia a autoproclamação de superioridade de culturas particulares. Isso acontecia nos testes de inteligência, muito comuns nas universidades estadunidenses daquela época, em que preceitos racistas atribuíam a fatores biológicos os determinantes para marcar a inferioridade ou superioridade dos grupos sociais – para Boas (2004 [1931]), as diferenciações nos tais testes deviam-se a virtude de diferenças nas condições ambientais e sociais.

Como se pode notar, afora as diferenças sincrônicas, há muito em comum entre as prósperas ideias de Franz Boas e o predecessor de Jean Price-Mars, Anténor Firmin. Um contraste, no entanto, merece destaque. Muitos dos trabalhos mais importantes de Boas foram escritos a partir de pesquisa etnográfica com grupos da nação inuíte, no Ártico, e com populações kwakiutl do noroeste do Pacífico (Stocking Jr., 2004STOCKING Jr, George. (2004), Franz Boas – A formação da antropologia americana, 1883-1911. Tradução Rosaura Eichenberg. Rio de Janeiro, UFRJ/Contraponto.), ou seja, populações com arranjos culturais e sociais, e em condições geográficas, muito diferentes daquelas experimentadas pelo pesquisador em sua vida cotidiana. Enquanto Boas criticava a hierarquização das culturas e das raças, e a universalização do pensamento civilizatório eurocentrado como único vetor de civilização, a partir da sua convivência com os “selvagens”, Anténor Firmin e Jean Price-Mars eram antropólogos negros, caribenhos, criando antropologia antirracista no seio mesmo dos corpos e lugares mais despotencializados pelas teorias racistas.9 9 As aspas em “selvagens” são também de Boas, em carta enviada à noiva, Marie Krakowizer, enquanto realizava trabalho de campo com os inuíte, na década de 1880 (Moura, 2006).

Enquanto Boas dizia, com auto-ironia, “Nós, pessoas ‘altamente educadas’, somos bem piores [que os esquimós]” ou “a ideia de um indivíduo ‘culturado’ (culto), é simplesmente relativa” (Moura, 2006MOURA, Margarida Maria. (2006), “Franz Boas. A antropologia cultural no seu nascimento”. Revista USP, São Paulo, 69: 123-134.), Firmin travava batalha epistemológica contra um dos lados dessa relativização: seria possível que a teoria antropológica produzida por um intelectual negro, num contexto de influência do racismo científico, recebesse o mesmo olhar autointerrogativo e desestabilizador que recebiam os corpos negros, esquimós ou ameríndios, quando emoldurados em suas vidas “selvagens”? Mesmo depois de Boas, da emergência de uma antropologia cultural e do crescente conjunto de obras antropológicas dedicadas a ultrapassar os determinismos de todos os tipos, o pensamento de intelectuais negros, como os haitianos aqui referenciados, continuou a receber respeito e consideração de intelectuais europeus e estadunidenses enquanto conhecimento de nativos, ou nativos excepcionais, e sujeito, portanto, a reelaborações, reinterpretações, ou conversão em “dados etnográficos”. Prince-Mars e Jacques Roumain nos mostram isso na sequência.

Apesar da recente onda de reconhecimento de Prince-Mars nos Estados Unidos, o intelectual haitiano passou apenas brevemente pelo país, nos primeiros anos do século XX, como diplomata. Foi na França, especificamente em Paris, onde escreveu Ainsi parla l´Oncle [Assim falou o tio] e inúmeras outras obras, que viveu durante mais tempo fora do Haiti.10 10 A obra de Price-Mars é vasta. Sublinham-se: La Vocation de l’élite. Port-au-Prince: Edmond Chenet, 1919; Ainsi parla l’oncle (essai d’ethnographie). Compiègne (France): Imprimerie de Compiègne, 1928; Formation ethnique, folkore et culture du peuple haïtien. Port-au Prince: Éditions Virgile Valcin, 1939; Contribution haïtienne à la lutte des Amériques pour les libertés humaines. Port-au-Prince: Imprimerie de l’État, 1942 Joseph Anténor Firmin. Port-au-Prince: Imprimerie du Séminaire Adventiste, 1978. Em Paris, encantado pelas ciências sociais e humanas, deixou de lado a faculdade de medicina, onde inicialmente realizava seus estudos, para engajar-se em toda sorte de cursos sobre literatura, ciências sociais e história da África, ministrados na Sorbonne, no Collège de France e no Musée du Trocadéro.

Nesse contexto, o intelectual haitiano estabeleceu relação de amizade e colaboração com outros intelectuais negros, entre eles Aimé Cesaire11 11 Não por acaso, em Cahier d'un retour au pays natal, Cesaire (1939) dirá que “foi no Haiti que a Negritude pôs-se de pé pela primeira vez e disse acreditar em sua humanidade”. Ele não somente conhecia o país, tendo-o visitado mais de uma vez, mas teve grande interlocução com Price-Mars. , Leon Damas, Leopold Senghor, e inúmeros participantes do “Harlem Renaissance”, constituindo com eles as bases do que se concretizaria como movimento da Negritude.12 12 “Harlem Renaissance”: movimento artístico e intelectual preocupado em remodelar o patrimônio racial no seio da comunidade afro-americana, desafiando os estereótipos e promovendo a valorização das manifestações folclóricas. Faziam parte W. E. B. Du Bois, o jamaicano Marcus Garvey, Langston Hughes e outros. A relação se consolidaria nos anos seguintes, quando retorna a Paris como diplomata.

Em 1956, Price-Mars foi eleito por unanimidade para presidir o Primeiro Congresso de Escritores e Artistas Negros, realizado no anfiteatro Descartes, na Universidade Sorbonne. O evento ocorreu por iniciativa do intelectual senegalês Alioune Diop, idealizador da revista Presènce Africaine, e contou com a presença de alguns dos mais importantes intelectuais negros daquele momento, como Senghor, Cesaire, Fanon, Glissant etc.

A repercussão do Congresso foi tamanha que mereceu carta entusiasmada do então já célebre antropólogo Claude Lévi-Strauss, publicada pela revista Presence Africaine em setembro daquele ano. Nela, Lévi-Strauss admite que “por si só, a ideia por trás da organização do Congresso é suficiente para provar que um novo período está sendo inaugurado na história do pensamento humano”. O que segue é uma aposta vigorosa no “humanismo democrático” que estaria nascendo, e que marca o esgotamento dos modelos anteriores:

[Da perspectiva do humanismo aristocrático do Renascimento] o universo humano ainda estava circunscrito pelos limites da bacia mediterrânea do ponto de vista geográfico e por uma espessura de apenas vinte séculos: 500 a.C., até 1500 d.C. do ponto de vista histórico. Esse humanismo estaria fundado em algumas civilizações privilegiadas – Grécia e Roma – e por um corolário singular, destinado unicamente ao gozo de uma classe privilegiada a quem a cultura era acessível de forma exclusiva. Este humanismo aristocrático do Renascimento foi gradualmente sucedido, no século XIX, por um humanismo burguês. Burguês em vários sentidos: não só porque a cultura torna-se aberta, então, a todos aqueles que detêm os meios materiais para pagar seu preço, mas também porque abrange, além da Antiguidade clássica e do mundo mediterrâneo, civilizações mais distantes, sobretudo à oeste, objetos de exploração econômica: fornecedores de matérias-primas baratas e mercados de exportação. Finalmente, esse humanismo “não-clássico”, como nossa nomenclatura acadêmica ainda se refere a ele, diz respeito apenas às produções das civilizações distantes que se poderia considerar “burguesas”, isto é, documentos escritos e monumentos. Como se pessoas tão diferentes merecessem atenção apenas por suas produções mais cultas e refinadas. Após o humanismo aristocrático do Renascimento, e o humanismo burguês do século XIX, o seu Congresso anuncia o advento, para o mundo finito que se tornou nosso planeta, de um humanismo democrático, que também será o último. (Lévi-Strauss, 1956LÉVI-STRAUSS, Claude. (1956), «Vallerangue (Gard), Le 31 août 1956”. Revue Présence Africaine, VIII/IX/X: 385-387.)

No ano seguinte, Price-Mars receberia o título de doutor Honoris Causa da Universidade de Paris. Em 1959, seria candidato ao Prêmio Nobel de literatura. Dez anos depois, convidado a visitar o Senegal recém-independente, receberia o título de doutor Honoris Causa pela Universidade de Dacar.

Também em Cuba encontrou interlocutor atento no antropólogo Fernando Ortiz. Em nossa visita à Fundação Fernando Ortiz, em Havana, no final de maio de 2017, soubemos que os dois trocaram inúmeras cartas, sobretudo nas décadas de 1930 e 1940, devidamente arquivadas, e agora publicadas em cuidadosas edições ali organizadas (Ortiz, 2016aORTIZ, Fernando. (2016a), Correspondencia 1920-1929. Comp. Trinidad Pérez Valdés. Havana, Fundación Fernando Ortiz.; 2016bORTIZ, Fernando. (2016b), Correspondencia 1930-1939. Comp. Trinidad Pérez Valdés. Havana, Fundación Fernando Ortiz.; 2016cORTIZ, Fernando. (2016c), Correspondencia 1940-1949. Comp. Trinidad Pérez Valdés. Havana, Fundación Fernando Ortiz.). Não somente Ortiz conhecia o trabalho de Price-Mars, tendo manifestado sua admiração pelo intelectual haitiano em inúmeras ocasiões – inclusive em cartas trocadas com Du Bois –, como entre eles se estabelece prolífica relação de colaboração intelectual, com Ortiz encaminhando extratos de seus escritos para apreciação de Price-Mars, e troca de revistas acadêmicas e outros materiais de pesquisa. Não por acaso foi em Cuba, por meio da Casa de Las Americas, que se realizou a primeira (e única) tradução de Ainsi parla l´oncle para o espanhol, em 1968.13 13 A obra Biografia de un cimarrón (1977 [1966]), do antropólogo cubano Miguel Barnet, traz estilo narrativo em primeira pessoa, inspirado por Ainsi parla l´oncle. Ver também Barnet (1987 [1980]).

É importante ressaltar que, já em 1941, juntamente com Jacques Rouiman, Price-Mars cria e dá início às atividades do Bureau National d´Éthnologie, que rapidamente se converteria em um importante ponto de encontro, estudo e discussão sobre raça, cultura popular, história africana e história haitiana, em Porto Príncipe.14 14 O Bureau é considerado embrião da Faculdade de Etnologia da universidade de Estado do Haiti. Lembramos a forte relação de Price-Mars com a universidade, da qual foi eleito reitor em 1960. Tendo atuado como diretor do Instituto durante vários anos, Price-Mars aí ministrou cursos de sociologia e – “africologia” – [africology], além de coordenar a publicação da Revue de la Société Haitienne et de la Géographie, confirmando a vocação interdisciplinar de sua produção. Sobre sua relevância no desenvolvimento das ciências sociais, o intelectual haitiano Gérard Magloire (doutor em French Studies [estudos franceses] pela New York University e colaborador da Plataforma île en île), e o Professor Kevin A. Yelvington, (Associate Professor of Anthropology na University of South Florida) afirmam:15 15 Trata-se de riquíssimo índex da vida e obra de intelectuais e artistas antilhanos francófonos.

Price-Mars desempenhou um papel determinante no desenvolvimento das ciências sociais no Haiti. A influência do trabalho de Price-Mars ultrapassou largamente esse círculo, expandindo-se entre as gerações seguintes de escritores, cientistas e artistas haitianos. Sua autoridade etnográfica, seus escritos e pesquisas foram fontes de inspiração e inovação para a diáspora africana no Novo Mundo e no Império Colonial Francês. (Magloire & Yelvington, 2005MAGLOIRE, Gérarde; YELVINGTON, Kevin A. (2005), “Haiti and the anthropological imagination”. Gradhiva [En ligne], vol 1: p. 127-152. Consultado em 15/12/2019. , p. 1)

Quanto ao Instituto de Etnologia, os autores observam que a criação de um centro de pesquisa voltado à formação de etnólogos haitianos no próprio Haiti, em um contexto histórico fortemente permeado pelo colonialismo, deve ser entendido "como um exemplo notável de descolonização do conhecimento antropológico” (Magloire & Yelvington, 2005, p.1).

Jacques Roumain e a eclosão de associações caribenhas de antropologia (sub1)

Quanto a Jacques Roumain (1907-1944), trata-se, sem dúvida, do escritor haitiano que gozou de maior reconhecimento no exterior, em função de seu celebrado romance Os donos do Orvalho, lançado postumamente, em 1954. Entretanto, como é comum a muitos intelectuais haitianos, a produção científica e literária caminha pari passu com o engajamento político. O profundo envolvimento com questões cruciais de seu tempo reveste de caráter eminentemente público seu exercício intelectual. É sintomático, assim, que esses homens tenham assumido cargos públicos, geralmente como ministros ou diplomatas no exterior. Ainda que boa parte dessas indicações tenham servido às autoridades governamentais – que, dessa forma, garantiam que esses intelectuais-ativistas não causassem agitações populares no Haiti –, é inegável a visibilidade internacional que acabaram proporcionando a suas carreiras. Essa trajetória pública fica patente em Roumain (Laurière, 2005bLAURIÈRE, Christine. (2005b), “Jacques Roumain, ethnologue haïtien”. L’Homme [En ligne], n. 173: p. 187-197.).

Filho de família abastada e com forte tradição política (seu avô, Tancrede Auguste, foi presidente do Haiti de 1912 a 1913), Roumain teve uma educação formal privilegiada, inicialmente em Porto Príncipe, no prestigioso colégio Saint-Louis de Gonzague; mais tarde, na Bélgica, frequentou a escola politécnica, e na Espanha iniciou os estudos de agronomia (sem jamais completá-los). Aos 20 anos, retornaria ao Haiti:

Reconheceu-se, enfim. À medida que escutava derreter em si o gelo acumulado na Europa, desaparecia de seu coração o que ele chamou com amargura “o grande silêncio branco”. Agora, ele estava entre seus irmãos, sua gente. (Roumain, 1930ROUMAIN, Jacques. (1930), “Préface à la vie d’un bureaucrate”, in La Proie et l’ombre. Presses nationales d'Haïti., p. 1)

A ocupação estadunidense estava em pleno vigor, e Roumain envolveu-se em dois movimentos pujantes de resistência: o movimento indigenista, berço da resistência cultural e valorização dos saberes populares no Haiti, no âmbito do qual, na La Revue Indigène, publicaria poemas, traduções e ensaios acadêmicos; e o movimento comunista, no qual se engajou, em 1927, como fundador do Movimento da Juventude e, em seguida, em 1932, como fundador do Partido Comunista Haitiano (Magloire, 2017MAGLOIRE, Gérarde. (2017), “Antenor Firmin and Jean Price-Mars: Revolution, Memory, Humanism”. Small Axe: A Caribbean Journal of Criticism, vol. 9(2): 150.).

Nesse período, Roumain sofreu aberta perseguição por seu intenso ativismo contra a presença estadunidense no país, sendo preso duas vezes, ambas por “crime de imprensa” (Laurière, 2005aLAURIÈRE, Christine. (2005a), “D’une île à l’autre”. Gradhiva [En ligne], vol 1: 181-207.). A segunda prisão suscitou um movimento internacional por sua soltura, capitaneado pelo escritor Langston Hughes, uma das vozes mais eloquentes do ativismo negro naquele país:16 16 Na segunda vez, quando ficou preso por sete meses, contraiu malária, cujas sequelas acabariam por leva-lo a morrer muito jovem, poucos anos depois, em 1944.

Como colega escritor negro, eu apelo a todos os escritores e artistas de qualquer raça que acreditem na liberdade da palavra e do espírito humano, a protestar imediatamente junto ao Presidente do Haiti e ao Consulado haitiano mais próximo contra a desnecessária e descabida sentença que conduziu à prisão Jacques Roumain, de longe o mais talentoso homem de letras do Haiti. (Hughes, 1935HUGHES, Langston. (1935), “Free Jacques Roumain”. Dynamo, New York., p. 2)

Em 1937, constatando a intensa vigilância governamental a que estava sujeito, já casado, e, temendo pela segurança da família, Roumain decide exilar-se na Europa, iniciando um período dedicado à formação acadêmica. Instalado em Paris, dedica-se ao estudo de etnologia na Sorbonne (onde será aluno de Marcel Mauss) e de paleontologia no Musée de l’Homme (sob orientação de Paul Rivet). Ao mesmo tempo, torna-se colaborador frequente revistas como Regards, Commune e Les Volontaires, além de membro da Société des Américanistes de Paris.17 17 É impressionante a quantidade de artigos, poemas, traduções, realizados por Roumain nesse período. Léon-François Hoffmann, organizador do volume Jacques Roumain, Ouvres Complètes (2003), fez minucioso levantamento, disponível em <http://ile-en-ile.org/bibliographie-de-jacques-roumain-par-genres/>. Nesse período, torna-se muito próximo do poeta cubano Nicolás Guillen, que conheceu por ocasião do Congresso de Escritores em Defesa da Cultura, realizado em Paris (Hoffmann, 2015HOFFMANN, Léon-François. (2015), “Jacques Roumain: Chronologie”. In Île em Île.).

Com o início da guerra na Europa, Roumain decide viver nos EUA, enquanto sua esposa retorna ao Haiti. Estabelecido em Nova York, trabalhou como professor de francês enquanto dava sequência a seus estudos no departamento de etnologia da Columbia University. Roumain reencontra o escritor Langston Hughes e admira-se com a efervescência cultural dos movimentos civis no país. Esse período foi marcado por grandes dificuldades financeiras; Roumain, no entanto, em carta à esposa, ressalta: “eu prefiro esta vida dura a compartilhar de uma felicidade ignóbil, feita do sofrimento alheio” (Roumain apudHoffmann, 2015HOFFMANN, Léon-François. (2015), “Jacques Roumain: Chronologie”. In Île em Île.). Ele logo deixa os EUA por Cuba.

Em Havana, acolhido por Guillen, rapidamente se integra ao circuito artístico e intelectual cubano ligado à cultura popular. É significativa sua relação com Fernando Ortiz, que o nomeia secretário do recém criado Instituto Internacional de Estudos Afroamericanos e membro honorífico da Sociedade de Estudos Afrocubanos (Ortiz, 2016aORTIZ, Fernando. (2016a), Correspondencia 1920-1929. Comp. Trinidad Pérez Valdés. Havana, Fundación Fernando Ortiz.).

Em 1941, Roumain recebe autorização do recém-empossado presidente Elie Lescot para retornar ao Haiti, desde que se abstivesse de atividades políticas. Assim, passa a dedicar-se com afinco à etnologia. Nesse período, por intermédio de Jean Price-Mars, foi apresentado ao antropólogo francês Alfred Métraux, que depois do primeiro encontro registrou sua forte impressão sobre Roumain: “Na minha vida como cientista, eu conheci muito poucos colegas capazes de trazer para a sua pesquisa uma paixão tão jovem e tão forte” (Métraux, 1941MÉTRAUX, Alfred. (1941), “Jacques Roumain, archéologue et ethnographe”. In Lettres de Jacques Roumain à Paul Rivet, Port-au-Prince., p. 1636).

Roumain conduziu Métraux e sua esposa, Rhoda, em uma série de incursões ao Haiti rural, documentando tradições religiosas e realizando escavações na Île de la Tortue e na região de Fort Liberté, em busca de vestígios indígenas. A expedição daria origem ao aclamado livro Le Vaudou Haïtien de Métraux. Novamente, como acontecera a Jean Price-Mars em sua relação com Melville Herzkovits, a colaboração acadêmica entre um antropólogo metropolitano e outro “nativo”, apesar de aparentemente bem-intencionada, e até amistosa, resultará, para o antropólogo da ex-colônia, na precarização do seu trabalho, forjada sob a diferença colonial (Fluehr-Lobban, 2000FLUEHR-LOBBAN, Carolyn. (2000), “Anténor Firmin: Haitian Pioneer of Anthropology”. In American Anthropologist, 102(3): 449–466.).

Não nos parece razoável imaginar que uma relação desse tipo – que envolve uma ativa colaboração, da operacionalização de uma pesquisa à expertise acumulada e às reflexões acadêmicas já realizadas – pudesse ser estabelecida entre antropólogos do Norte global sem assumir a forma de coautoria. Longe disso, além de não fazer a devida referência à colaboração intelectual de Roumain, Métraux ainda faz questão de sublinhar o impacto de sua visita sobre o intelectual haitiano, enfatizando a própria influência na ideia de criação do Instituto de Etnologia:

Fomos capazes de identificar um grande número de sítios indígenas e até mesmo cavernas [...]. Jacques estava em desespero por não ser capaz de escavar mais profundamente. Eu o consolei com a promessa de que um dia ou outro voltaríamos mais equipados. Eu também expressei o desejo de que uma instituição haitiana se encarregasse de cuidar do manejo dos principais tesouros arqueológicos que nos apareceram de todos os lados. A destruição dos sítios e a dispersão dos objetos arqueológicos deixaram-no desolado e exasperado. Sobre este assunto, ele era inesgotável e nós compartilhávamos a mesma indignação em relação a espécimes históricos que caíam nas mãos de indiferentes. Eu, então, o alertei sobre as leis de proteção para esta parte do patrimônio nacional e a necessidade de criar uma instituição estatal para recolher os vestígios do passado antigo da ilha. A partir dessas conversas ao longo do Canal dos Ventos nasceu a ideia do Instituto de Etnologia, que Jacques Roumain fundaria alguns meses mais tarde. A primeira coleção do Museu Etnográfico [...] foi aquela que reunimos na Tortue. (Métraux 1941MÉTRAUX, Alfred. (1941), “Jacques Roumain, archéologue et ethnographe”. In Lettres de Jacques Roumain à Paul Rivet, Port-au-Prince., p. 136).

Destacamos o modo como Métraux escreve sobre si mesmo, em tom complacente, como aquele que consola, promete e aconselha um Roumain em desespero, incapaz, desolado, exasperado. No máximo, ao fazer avaliações positivas sobre Roumain, estas serão diluídas em um oportuno “nós”: “Fomos capazes de identificar”; “nós compartilhávamos a mesma indignação”; “aquela que reunimos na Tortue”. Quanto à ideia do Instituto, Métraux é taxativo: nasceu a partir dessas conversas. É relevante perceber que em nenhum outro lugar ou momento Roumain ou Price-Mars repetirão essa versão. É também sintomático que, em seu livro sobre o vodu haitiano, Métraux faça referência direta a Melville Herzkovits e não a Roumain, ou mesmo a Price-Mars, que, aquela altura, tinha um trabalho já publicado e reconhecido sobre o tema.

Ao retornar ao Haiti em 1944, Roumain havia se tornado professor das disciplinas de arqueologia pré-colombiana e antropologia pré-histórica no Instituto de Etnologia do Haiti, e terminava de publicar uma etnografia do vodu haitiano, Le Sacrifice du tambour Assôtô [O Sacrifício do Tambor Assôtô] (Roumain, 1943ROUMAIN, Jacques. (1943), Le Sacrifice du tambour-assoto(r). Port-au-Prince, Imprimerie de l’État.). Métraux chegará a fazer referência tanto à importância do trabalho desenvolvido no Instituto quanto ao artigo de Roumain, mas somente depois do seu falecimento:

Quando voltei para o Haiti em 1944, o Instituto de Etnologia, fundado por Jacques Roumain, tinha salvado das chamas coleções significativas, e realizado várias investigações sobre aspectos pouco conhecidos do vodu. (Métraux, 1978MÉTRAUX, Alfred. (1978), “Itinéraires 1 (1935-1953)”. Carnets de notes et journaux de voyage, compilation, introduction et notes par André-Marcel d’Ans. Paris, Payot. , p. 124)

Afirma ainda mais sobre Le Sacrifice du tambour assôtôr:

Pela primeira vez temos um rito sacrificial da religião popular haitiana descrito com um tal luxo de detalhes e uma tal clareza a ponto de fundar um modelo de monografia etnográfica. (Métraux, 1978MÉTRAUX, Alfred. (1978), “Itinéraires 1 (1935-1953)”. Carnets de notes et journaux de voyage, compilation, introduction et notes par André-Marcel d’Ans. Paris, Payot. , p. 135)18 18 Lembremos, nesse ponto, que as campanhas antissupersticiosas conduzidas no Haiti durante a ocupação americana queimaram sistematicamente milhares de peristiles e objetos rituais do vodu.

Um ano antes, em 1943, designado como diplomata no México, Roumain trabalharia com afinco em suas obras literárias mais importantes: o livro de poemas Bois-d´Ébène [Madeira de Ébano 2007], no qual a questão racial está posta de maneira aguda, e o romance Donos do orvalho, uma ode à união camponesa contra a exploração da terra e da vida no Haiti rural. Ambas foram finalizadas apenas alguns meses antes de sua morte e publicados postumamente. Ambas começaram a ser escritas em Cuba, país com fortíssimo impacto na vida e obra de Roumain. Não por acaso, Manuel, protagonista de Donos do orvalho, volta ao Haiti depois de quinze anos trabalhando nas plantações de cana em Cuba, onde teve suas primeiras lições sobre greve e união obreira, base do levante que conduzirá no vilarejo de Fond Rouge, onde a comunidade padece, a um só tempo, com a degradação do solo e dos laços de compadrio e amizade entre vizinhos.19 19 Trata-se de um romance sobre amizade, entendimento, cooperação e solidariedade entre vizinhos em uma comunidade pobre que se vê diante do desafio da sobrevivência. Em Fond Rouge, os vizinhos descuidaram-se desses laços – que, segundo o protagonista Manuel, “é o que dá gosto à vida”, “o que ata homens e mulheres à vida” – assim como descuidaram-se da terra, quando cortaram árvores. Manuel persegue uma ideia fixa: encontrar uma fonte de água – ele acredita que ela possa ser o eixo de reestruturação desses laços comunitários. Intitulado pelo autor de Gouverneurs de la rosée, o livro seria traduzido para mais de 21 idiomas. No Brasil, foi publicado em 1954, no âmbito da coleção “Romances do Povo”, dirigida por Jorge Amado para o Editorial Vitória, ligado ao Partido Comunista Brasileiro. Sobre ele, Amado dirá ao jornal Imprensa Popular, do Rio de Janeiro, que é “um dos mais belos romances da América Latina [...] um dos mais belos e emocionantes livros que já li” (Amado, 1955AMADO, Jorge. (1955), “17 bilhões de exemplares de livro na URSS”. Imprensa Popular, Suplemento Dominical. Rio de Janeiro, 10 de abr. de 1955.). Em Portugal, torna-se Governadores do orvalho, na tradução de José Saramago. O romance será, ainda, vertido para o inglês pelo poeta estadunidense Langston Hughes, e para o espanhol, com supervisão e prólogo do poeta e amigo cubano Nicolas Guillen, em edição da Casa de Las Americas.

Apesar de obra ficcional, a obra traz descrições detalhadas e vigorosas da vivência do vodu, de rituais pontuais, em que se agradece por algo específico, até referências aparentemente banais, que denotam a sacralização do cotidiano, com constante referência aos Loas e à interpretação dos fatos da vida através dessa matriz espiritual. Também o faz em relação a os kombites, organização do trabalho em forma de mutirão muito comum na cultura popular haitiana, sobretudo na zona rural.

Conclusão

Propusemos aqui, ao narrar as trajetórias desses antropólogos haitianos, o exercício de abandonar as ideias de centro/periferia e cânone/dissidência, para fazer a antropologia lidar, portanto, com a encarnação de sua própria multiplicidade fundacional. A antropologia criada e reivindicada pelos intelectuais caribenhos aqui apresentados nos mostra uma saída rumo a novas narrativas a respeito da disciplina com a qual trabalhamos, desvios de certo fatalismo e certa ignorância – uma disseminada luta contra nossas diversas possibilidades de acontecer.

A antropologia desenvolvida pelos intelectuais haitianos Anténor Firmin, Jean Prince-Mars e Jacques Roumain é, de fato e de direito, a fundação de uma narrativa antropológica contra-colonial, que não se produziu na insularidade, tampouco numa imposta periferia. Anténor Firmin era membro da Sociedade de Antropologia de Paris quando, em 1885 – no auge do racismo científico – publicou, em Paris, De l’égalité des races humaines [Da igualdade das raças humanas]. Ao longo desse ensaio, foi possível verificar que o livro emerge das discussões travadas durante as reuniões desta sociedade científica. O mesmo sucede ao trabalho desenvolvido por Jean Price-Mars e Jacques Roumain no início do século XX, ambos influenciados pelos encontros e discussões que mantiveram com a antropologia produzida no próprio Haiti, em Cuba, na Europa, na África.

Levar a sério essas narrativas demanda a disposição de esticá-las até que rompam as molduras que, com rigidez, têm fixado o Norte como eixo irradiador da história da antropologia. Essa atitude epistemológica implica, para a antropologia, repensar e reelaborar seus currículos, suas diretrizes, demandando a supressão da matriz colonialista que captura a produção de conhecimento e reproduz, em algumas circunstâncias, divisões de trabalho assimétricas, contribuindo para circunscrição do alcance da antropologia feita desde corpos-territórios negros. Romper com as dinâmicas que seguem produzindo sua subalternidade requer que aprendamos a desviar das abordagens que – mesmo quando bem-intencionadas – seguem afirmando como periféricas ou marginais as vidas-obras aqui narradas.

  • 1
    Lógicas acadêmicas euro-centradas são aquelas cujas referências epistemológicas (teóricas e metodológicas) perpetuam a lógica da colonialidade do saber e do poder. Segundo Quijano (idem), as ciências sociais desenvolvidas no eixo da colonialidade do saber reproduzem a divisão colonial do trabalho na prática acadêmica, restando a intelectuais latino-americanos, caribenhos, africanos, os papéis de “colaboradores” ou “nativos”, mesmo quando sua atuação epistêmica é institucional e fruto de ativas e sistematizadas investigações. Adensaremos mais essa questão quando formos descrever a relação entre o haitiano Jacques Roumain e o francês Alfred Métraux.
  • 2
    Ainda que haja excelentes trabalhos sendo produzidos e orientados em programas de pós-graduação, como na Unicamp e no Museu Nacional (UFRJ), sobressaem as etnografias realizadas no Haiti, enquanto os trabalhos dedicados aos intelectuais haitianos, que os tomem como centro da análise, ainda se contam nos dedos. Em pesquisa realizada no Portal Capes de Periódicos, em 15 de junho de 2019, testou-se uma busca avançada em periódicos que fizessem menção, no título ou resumo, aos nomes “Anténor Firmin”, “Jean Price-Mars” e “Jacques Roumain”. Não foi possível encontrar, entre os 19 resultados com menções a Anténor Firmin, nenhum autor brasileiro ou periódico nacional. Entre os 14 resultantes da busca por Jean Price-Mars, encontram-se “Jean Price-Mars y la Nación Haitiana en la Vocation de L'élite”, do sociólogo porto-riquenho Gabriel Alemán Rodríguez, publicado pela Revista Brasileira do Caribe, em março de 2016 e “Geografía Africana e Identidad en Jean Price Mars y Gilberto Freyre”, do porto-riquenho Carlos D. Altagracia Espada, publicado pela mesma revista, em março de 2015. Quanto a Jacques Roumain, entre os 21 resultados da busca, não há qualquer trabalho escrito por autor brasileiro ou publicado em periódico nacional. Quando testamos a mesma busca na Plataforma Capes de teses e dissertações (que não permite a especificação do local de busca: título, resumo ou inteiro teor), o único resultado para a busca de “Anténor Firmin” é a tese “NOU LED, NOU LA!” “ESTAMOS FEIOS, MAS ESTAMOS AQUI!”: Assombros haitianos à retórica colonial sobre pobreza de Pâmela Marconatto Marques, defendida em 2017 junto ao Doutorado em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Já a busca de “Jean Price-Mars” leva a 3 trabalhos: Identidade-Relação e Transculturação: Uma leitura do Romance Compère Général Soleil, de Jacques-Stephen Alexis de Jean Dieumettre, defendida em 2018 junto ao Mestrado em Letras da Universidade Federal de São Paulo; Haiti, uma república do Vodu?: uma análise do lugar do Vodu na sociedade haitiana à luz da Constituição de 1987 e do Decreto de 2003, de Jean Gardy Pierre, defendida em 2009 junto ao Mestrado em Ciências da Religião da PUC-SP e, novamente, o trabalho de Pâmela Marconatto Marques. Por fim, para “Jacques Roumain” novamente são encontrados 3 trabalhos: além das teses de Pâmela Marconatto Marques e de Jean Gardy Pierre, o trabalho Literatura e Construção da Comunidade Imaginada Haitiana: Uma Leitura de Jacques Stephen Alexis e Jacques Roumain (1915-1971), de Márcio Antônio de Santana, defendida em 2003 junto ao Mestrado em História da Universidade Federal de Goiás.
  • 3
    Ao aludir a o termo – “Europa” – esse ensaio refere-se notadamente aos países que estiveram engajados no empreendimento colonial. À época da publicação da obra de Firmin, essa Europa havia sido determinada pelo Tratado de Berlim de 1878, em que se celebrou a divisão territorial do continente africano entre Bélgica, França, Alemanha, Inglaterra, Itália, Portugal e Espanha, marcando o início do período conhecido como neocolonialismo (Nkrumah, Kwame. Neo-Colonialism, The Last Stage of Imperialism. Thomas Nelson & Sons, Ltd., Londres, 1965). É a ela que também se refere Aimé Cesaire em seu Discurso sobre o Colonialismo, quando diz que “[a] Europa é indefensável” (Cesaire, 2017CESAIRE, Aimé. (2017), Discurso sobre o Colonialismo. Ed. Letras Contemporâneas, UFSC, Florianópolis (SC)., p.15).
  • 4
    Todos os trechos citados nesse trabalho são traduções livres realizadas pelas autoras a partir dos originais em inglês ou francês.
  • 5
    Vale lembrar que, durante o século XIX, a obra La Renaissance, de Gobineau, também alcançou vasta repercussão. No entanto, o sucesso de seu Ensaio propagou-se, inclusive pelo século XX.
  • 6
    Agradecemos, nesse ponto, a contribuição do parecerista anônimo, quando aponta que um amplo conjunto de obras relativamente recentes considera exagerada a avaliação do impacto do Essai sur l'inégalité des races humaines à sua época, e questiona a suposta homogeneidade do chamado “racismo científico”. Nesse sentido, foram sugeridos os estudos de Jean Boissel (Gobineu: biographie, 1993), Helga Gahyva (O inimigo do século, 2012) e ainda, a A ideia de raça, de Michael Banton. No entanto, não é intenção do presente ensaio dar centralidade a Gobineau, mas abordá-lo apenas na medida em que seu ensaio foi interpelado por Firmin. O foco está no caráter político hegemônico de teorias que, por corresponder aos interesses políticos e intelectuais favorecidos por noções como “progresso” e “desigualdade racial”, contribuíram para obscurecer a produção intelectual de autores negros e não-europeus.
  • 7
    É interessante notar o modo como o positivismo, nesse momento histórico, serve como agente duplo da contenda. Firmin faz questão de incluir o subtítulo Antropologia positiva abaixo do título de seu livro-resposta. A aposta no progresso, palavra de ordem do movimento, também aparece na dedicatória do livro, vinculada à justiça e à liberdade e, pelo teor da obra, “capturada” pela causa antirracista.
  • 8
    É impressionante o modo como Firmin antecipa pontualmente cenários complexos envolvendo relações raciais no mundo contemporâneo, sobretudo, nos Estados Unidos: “Recolhemos inúmeras citações do discurso de Wendel Phillips para demonstrar a importância desempenhada pelo exemplo haitiano à causa da abolição da escravidão nos Estados Unidos. Em que pesem todas as aparências contrárias, este vasto país está destinado a dar o golpe de graça na teoria da desigualdade das raças. Com efeito, os negros desta grande república federativa estão começando a desempenhar uma função cada vez mais ativa na política dos Estados da União Americana. Não seria possível, então, que antes de cem anos um homem de origem etíope presida o governo de Washington e dirija os assuntos do país mais progressista da terra, o país que infalivelmente será o mais rico, o mais poderoso, pelo desenvolvimento do trabalho agrícola e industrial? Não é essa uma daquelas ideias que permanecem eternamente em estado de utopia. Basta atentar para a importância crescente dos negros nos assuntos americanos para que se dissipem as dúvidas.” (Firmin, 1885FIRMIN, Anténor. (1885), De l'égalité des races humaines, Lib. Cotillon, Paris., p.593-594)
  • 9
    As aspas em “selvagens” são também de Boas, em carta enviada à noiva, Marie Krakowizer, enquanto realizava trabalho de campo com os inuíte, na década de 1880 (Moura, 2006MOURA, Margarida Maria. (2006), “Franz Boas. A antropologia cultural no seu nascimento”. Revista USP, São Paulo, 69: 123-134.).
  • 10
    A obra de Price-Mars é vasta. Sublinham-se: La Vocation de l’élite. Port-au-Prince: Edmond Chenet, 1919; Ainsi parla l’oncle (essai d’ethnographie). Compiègne (France): Imprimerie de Compiègne, 1928; Formation ethnique, folkore et culture du peuple haïtien. Port-au Prince: Éditions Virgile Valcin, 1939; Contribution haïtienne à la lutte des Amériques pour les libertés humaines. Port-au-Prince: Imprimerie de l’État, 1942 Joseph Anténor Firmin. Port-au-Prince: Imprimerie du Séminaire Adventiste, 1978.
  • 11
    Não por acaso, em Cahier d'un retour au pays natal, Cesaire (1939) dirá que “foi no Haiti que a Negritude pôs-se de pé pela primeira vez e disse acreditar em sua humanidade”. Ele não somente conhecia o país, tendo-o visitado mais de uma vez, mas teve grande interlocução com Price-Mars.
  • 12
    “Harlem Renaissance”: movimento artístico e intelectual preocupado em remodelar o patrimônio racial no seio da comunidade afro-americana, desafiando os estereótipos e promovendo a valorização das manifestações folclóricas. Faziam parte W. E. B. Du Bois, o jamaicano Marcus Garvey, Langston Hughes e outros.
  • 13
    A obra Biografia de un cimarrón (1977 [1966]), do antropólogo cubano Miguel Barnet, traz estilo narrativo em primeira pessoa, inspirado por Ainsi parla l´oncle. Ver também Barnet (1987 [1980]).
  • 14
    O Bureau é considerado embrião da Faculdade de Etnologia da universidade de Estado do Haiti. Lembramos a forte relação de Price-Mars com a universidade, da qual foi eleito reitor em 1960.
  • 15
    Trata-se de riquíssimo índex da vida e obra de intelectuais e artistas antilhanos francófonos.
  • 16
    Na segunda vez, quando ficou preso por sete meses, contraiu malária, cujas sequelas acabariam por leva-lo a morrer muito jovem, poucos anos depois, em 1944.
  • 17
    É impressionante a quantidade de artigos, poemas, traduções, realizados por Roumain nesse período. Léon-François Hoffmann, organizador do volume Jacques Roumain, Ouvres Complètes (2003), fez minucioso levantamento, disponível em <http://ile-en-ile.org/bibliographie-de-jacques-roumain-par-genres/>.
  • 18
    Lembremos, nesse ponto, que as campanhas antissupersticiosas conduzidas no Haiti durante a ocupação americana queimaram sistematicamente milhares de peristiles e objetos rituais do vodu.
  • 19
    Trata-se de um romance sobre amizade, entendimento, cooperação e solidariedade entre vizinhos em uma comunidade pobre que se vê diante do desafio da sobrevivência. Em Fond Rouge, os vizinhos descuidaram-se desses laços – que, segundo o protagonista Manuel, “é o que dá gosto à vida”, “o que ata homens e mulheres à vida” – assim como descuidaram-se da terra, quando cortaram árvores. Manuel persegue uma ideia fixa: encontrar uma fonte de água – ele acredita que ela possa ser o eixo de reestruturação desses laços comunitários.
  • 20
    A figura em destaque ao centro da foto é Jean Price-Mars.
  • DOI: 10.1590/3510404/2020

BIBLIOGRAFIA

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2019
  • Aceito
    11 Dez 2019
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