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A REGULAMENTAÇÃO DA PROSTITUIÇÃO É UMA DEMANDA POR JUSTIÇA?

IS THE REGULATION OF PROSTITUTION A DEMAND FOR JUSTICE?

LA RÉGLEMENTATION DE LA PROSTITUTION EST-ELLE UNE DEMANDE DE JUSTICE ?

Resumos

Este artigo trata da demanda pela regulamentação da prostituição, buscando compreender como ela extrapola as dimensões legal e institucional de obtenção de direitos e se direciona a uma discussão sobre justiça. O estudo focou-se em dez associações brasileiras de prostitutas e foi produzido em duas etapas: a) análise das postagens em redes sociais e sites das associações sobre suas reivindicações; b) realização de entrevistas semiestruturadas. Ao final, percebeu-se três pilares fundamentais para elaborar uma noção de justiça que inclua as trabalhadoras do sexo: a) paridade de participação nas interações sociais e políticas, somada à possibilidade de auferir representação política; b) revisão de padrões injustos de reconhecimento, possibilitando que essas mulheres sejam dignas de estima social e alcancem autorrealização e autoestima; c) transformação dos próprios marcos que regem relações de reconhecimento, responsáveis por ampliar a precariedade da prostituição.

Palavras-chave:
Prostituição; Regulamentação; Justiça


This paper deals with the demand for the regulation of prostitution, trying to understand how it goes beyond the legal and institutional dimensions of obtaining rights and introduces a discussion about justice. The study focused on ten Brazilian associations of prostitutes and was produced in two stages: a) analysis of the posts in social networks and websites of the associations about their claims; b) production of semi-structured interviews. By the end, we can notice three fundamental pillars to formulate a notion of justice that includes the sex workers: a) parity of participation in social and political interactions, allied to the possibility of obtaining political representation; b) revision of unjust patterns of recognition, enabling the achievement of social esteem and the development of self-realization and self-esteem of prostitutes; c) modification of the frameworks of recognition, responsible for increasing the precariousness of prostitution.

Keywords:
Prostitution; Regulation; Justice


Cet article aborde la demande de réglementation de la prostitution, cherchant à comprendre comment elle va au-delà des dimensions juridiques et institutionnelles de l’obtention des droits et est orientée vers une discussion sur la justice. L’étude s’est concentrée sur dix associations brésiliennes de prostituées et a été réalisée en deux étapes: a) l’analyse des messages sur les médias sociaux et des sites d’associations à propos de leurs revendications ; b) la réalisation d’entretiens semi-structurées. En conclusion, nous avons identifié trois piliers fondamentaux pour la conception d’une notion de justice qui inclue les professionnelles du sexe: a) la parité de la participation dans les interactions sociales et politiques, incluant la possibilité d’obtenir une représentation politique; b) la révision des normes injustes de reconnaissance, permettant à ces femmes d’être dignes de l’estime sociale et d’atteindre l’estime et la réalisation de soi ; c) la transformation des paradigmes qui régissent les relations de reconnaissance, responsables du développement de la précarité de la prostitution.

Mots-clés:
Prostitution; Réglementation; Justice


Introdução

O presente artigo se insere na esteira dos debates acerca da regulamentação da prostituição, desenvolvidos de modo mais sistemático no Brasil desde o final da década de 1980, momento no qual houve a difusão e o aprofundamento do tema no seio do feminismo nacional e na esfera pública ampla. Situo, em consonância com Sônia Corrêa e José Olivar (2014), o afloramento dessa discussão no contexto do Primeiro Encontro Nacional de Prostitutas e da criação da Rede Brasileira de Prostitutas em 1987. Posteriormente surgiram grupos organizados de prostitutas espalhados pelo território nacional, os quais defendiam, e ainda defendem, o exercício da prostituição em condições dignas, livres da criminalização e da violência. Ademais, pautas como direitos trabalhistas e saúde pública despontaram como imprescindíveis.

A partir dos anos de 1990, conforme Adriana Piscitelli (2012a)PISCITELLI, Adriana. (2012a), “Feminismo e prostituição no Brasil: uma leitura a partir da antropologia feminista”. Cuadernos de Antropología Social, 36: 11 – 31., irromperam posturas que rejeitavam parcial ou totalmente a prostituição, inclusive caracterizando-a como violência contra as mulheres. Essas vozes se propagaram e se intensificaram na década de 2000, assumindo em 2010 a dianteira em face das legislações e dos grupos da política institucional – principalmente a Bancada Evangélica (Corrêa; Olivar,2014). Apesar da diversidade de opiniões que confluíram nesse debate, os argumentos abolicionistas se sobressaíram na arena pública, apontando os fatores que constrangem diversas mulheres a se prostituírem, relacionados à pobreza, enfatizando a carência material que impõe a necessidade de exercer a prostituição, ou ao sofrimento psicológico, apontando para os traumas sofridos por mulheres que foram conduzidas pelos caminhos da prostituição.1 1 O abolicionismo é uma corrente de pensamento relacionado às primeiras fases do feminismo na Europa, cuja intenção era promover a libertação das vítimas (prostitutas) dos sistemas de opressão. É no século XIX que, de acordo com Piscitelli (2012a), o tráfico sexual passa a ser introduzido nessa discussão.

O campo de discussão supramencionado está pautado, fundamentalmente, por uma compreensão da prostituição em sua vertente popular, mais comumente conhecida como baixo meretrício, conforme designação de Dulce Gaspar (1985)GASPAR, Maria. (1985), Garotas de programa: prostituição e identidade social. Rio de Janeiro (RJ), Jorge Zahar.. Por um lado, é essencial reconhecer que grande parte do movimento associativo de trabalhadoras sexuais é composto por mulheres que atuam nas ruas, em bordéis ou hotéis onde os programas são mais baratos, segundo pesquisa de Aparecida Moraes (1996)MORAES, Aparecida. (1996), Mulheres da vila: prostituição, identidade social e movimento associativo. Petrópolis (RJ), Vozes.. Além disso, se acompanharmos os argumentos de Renan Freitas (1985)FREITAS, Renan. (1985), Bordel, bordéis: negociando identidades. Petrópolis (RJ), Vozes., veremos que as próprias reivindicações das prostitutas se relacionam com as condições de trabalho verificadas no baixo meretrício. Por outro lado, é fundamental considerar a crítica de Thaddeus Blanchette e Ana Paula da Silva (2009) de que essa forma de categorização que considera baixo, médio e alto meretrício promove uma confluência entre dinâmicas econômicas e julgamentos morais, escondendo a multiplicidade de modalidades de serviços e valores oferecidos pelas mulheres que se prostituem. Inclusive, em termos da própria formação recente das associações de prostitutas, essas noções encobrem a diversidade de pessoas envolvidas direta ou indiretamente em suas ações.2 2 Ainda que eu não tenha realizado um extensivo levantamento de todas as integrantes das associações que pesquisei, tem um caso em particular que destoa da categoria de prostituição popular: trata-se de Amanda, integrante da Aprosmig, que já atuou em casas de massagem e atualmente trabalha em estúdio particular, cobrando preços mais altos por atendimento. Mesmo assim, não encontrei nenhuma “prostitua de luxo” em meio aos grupos organizados. Por fim, poderíamos questionar, ainda, em que medida as noções abolicionistas se sustentam e consolidam-se tomando como parâmetro essa demarcação, classificando a prostituição como uma atividade propriamente marginalizada.

O debate sobre a regulamentação da prostituição continua a plenos pulmões na esfera pública, haja vista dois episódios recentes nos quais ele foi encenado: no contexto dos Jogos Olímpicos no Brasil em 2016 uma série de encontros foram promovidos para pensar essa questão, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo; em agosto de 2017 ocorreram encontros em cinco diferentes cidades brasileiras sob o mote “Um século e meio de abolicionismo: prostituição, criminalização e controle da mulher”.3 3 Em São Paulo, a Rede Feminista de Juristas (DeFEMde) promoveu dois encontros presenciais, um no dia 17 de agosto e o outro em 12 de setembro de 2016: no primeiro estiveram presentes representantes do “putafeminismo” e, no segundo, integrantes da Marcha Mundial das Mulheres. No Rio de Janeiro, o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas e a Marcha das Vadias realizaram em 16 de Junho de 2016 um encontro para debater turismo sexual e regulamentação da prostituição. ,4 4 Os encontros aconteceram em agosto de 2017, organizados pelo Observatório da Prostituição e Coletivo Davida. A primeira sessão ocorreu no 11º Seminário Internacional Fazendo Gênero em Florianópolis (SC). Posteriormente a mesa de discussão esteve nas cidades de São Paulo (SP), Campinas (SP), Belo Horizonte (MG) e Rio de Janeiro (RJ). Para além dessas ocasiões mais pontuais, as discussões já foram midiatizadas e povoaram as redes sociais, principalmente o Facebook, e os diversos portais da internet.5 5 Como exemplo é possível citar a Revista AzMina que publicou editorial sobre as Olimpíadas e a busca pelo trabalho sexual, seguido de textos escritos por pessoas favoráveis e contrárias à regulamentação da prostituição. Blogueiras Feministas e Mídia Ninja são outros dois importantes portais nos quais circulam informações sobre o tema.

No interior do debate supracitado também participaram acadêmicas e acadêmicos brasileiras/os, os quais discutiram, ao longo do tempo, uma série de questões e problemas que foram trabalhados a partir de distintas frentes: pelo viés dos direitos sexuais (Corrêa, 2006CORRÊA, Sônia. (2006), “Cruzando a linha vermelha: questões não resolvidas no debate sobre direitos sexuais”. Horizontes Antropológicos, 12 (26): 101-121.; Olivar, 2012OLIVAR, José. (2012), “Prostituição feminina e direitos sexuais... diálogos possíveis?”. Revista Lationamericana Sexualidad, Salud y Sociedad, 11: 88-121.); a partir da noção de trabalho (Piscitelli, 2012bPISCITELLI, Adriana. (2012b), “Exploração sexual, trabalho sexual: noções e limites”. Seminário Corpos, sexualidade e feminilidade. Rio de Janeiro (RJ).; Rodrigues, 2009); por meio do direito à cidadania (Fonseca; Pasini, 1998FONSECA, Claudia; PASINI, Elisiane. (1998), “A mulher prostituta: um caso limite de cidadania”. In: Anais da XX Reunião Bianual de Antropologia, Salvador.; Guimarães; Merchán-Hamann, 2005GUIMARÃES, Kátia; MERCHAN-HAMANN, Edgar. (2005), “Comercializando fantasia: a representação social da prostituta, dilemas da profissão e a construção da cidadania”. Revista Estudos Feministas, 13, 3: 525-544.); em atenção à participação política (Brasil, 2012BRASIL, Danielle. (2012), A prostituição feminina e a Associação de Prostitutas da Paraíba: movimento social, luta política e reivindicação de direitos. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa (PB).; Lira, 2006LIRA, Nelma. (2006), Associação Pernambucana de Profissionais do sexo: uma experiência de organização política. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco, Recife (PE).); e até mesmo pela perspectiva da violência patriarcal (Diniz; Queiroz, 2008DINIZ, Maria; QUEIROZ, Fernanda. (2008), “A relação entre gênero, sexualidade e a prostituição”. Divers@! Revista Eletrônica Interdisciplinar, 1 (0): 2-16.; Swain, 2004SWAIN, Tânia. (2004), “Banalizar e naturalizar a prostituição: violência social e histórica”. UNIMONTES Científica, 6 (2): 23-39.), dentre muitos outros.

Diante desse panorama multifacetado de abordagens proponho a inclusão de outra problemática, que requer a recuperação dos diversos sentidos atribuídos à reivindicação por regulamentação. Se em primeira instância tal demanda está vinculada ao legislativo em face da afirmação da prostituição como trabalho, em uma camada mais profunda ela dialoga com um ideal de justiça social estabelecido intersubjetivamente pelas profissionais do sexo. Compreender a regulação profissional como uma linguagem de justiça implica demonstrar seus três principais elementos (todos relacionados a noções distintas de reconhecimento e de justiça): a) uma reformulação do status social da prostituta, acompanhado da ampliação de sua representação política; b) uma reivindicação por estima, tanto em relação às pessoas envolvidas no sexo comercial quanto em relação ao trabalho exercido; c) uma denúncia da precariedade da prostituição, associada diretamente ao valor moral inferior atribuído às prostitutas e à sua atividade profissional.

O percurso da investigação

Iniciei este estudo a partir de uma análise das principais demandas elencadas por dez associações brasileiras em suas páginas da internet e redes sociais.6 6 A escolha dos grupos para análise foi feita levando em consideração os mais atuantes em cada região, e também pela possibilidade de acesso às principais demandas por meio de redes sociais e blogs. São elas: região sudeste: Davida (Rio de Janeiro), Associação das Prostitutas de Minas Gerais – Aprosmig (Belo Horizonte) e Mulheres Guerreiras (Campinas); região sul: Núcleo de Estudo da Prostituição – Neppoa (Porto Alegre); c) região norte: Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará – Gempac (Belém); região nordeste: Associação de Prostitutas da Bahia – Aprosba (Salvador), Associação Pernambucana de Profissionais do Sexo – APPS (Recife), Associação de Prostituta da Paraíba – Apros-PB (Campina Grande) e Associação de Profissionais do Sexo do Rio Grande do Norte – ASPRORN (Natal); região centro-oeste: Rede de Redução de Danos e Profissionais do Sexo do Distrito Federal e Entorno “Tulipas do Cerrado” (Brasília, DF). Além destas, investiguei a Rede Brasileira de Prostitutas (RBP) e a Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais (CUTS), que promovem a articulação política entre esses grupos.

Essa primeira fase foi realizada por meio de dois procedimentos: inicialmente selecionei as postagens em redes sociais e blogs das associações, retendo as que diziam respeito às suas principais reivindicações; em seguida criei um quadro demonstrativo sobre elas, a partir do qual foi analisada sua estruturação. Posteriormente realizei entrevistas semiestruturadas com as representantes de sete associações (Davida, Aprosmig, APPS-Recife, Apros-PB, Neppoa, ASPRORN, Tulipas do Cerrado), a fim de compreender as camadas de sentido que compõem as demandas, principalmente sua aproximação a um ideal de justiça.7 7 As entrevistas foram realizadas por telefone (APPS-Recife, APROS-PB, APS-RN), por Skype (Davida), por escrito (NEPPOA, Tulipas do Cerrado) e presencialmente (Aprosmig). Na Aprosmig conversei com duas representantes e tive a oportunidade de passar uma tarde no interior da sede da associação. As entrevistas foram divididas em três partes: a) a primeira corresponde à coleta de dados pessoais, tais como nome, idade, ingresso e tempo na atividade, motivações para entrada na prostituição; b) a segunda tangenciando a relação das profissionais do sexo com a associação – período da fundação do movimento, motivações para engajamento no grupo, aspirações na militância, os principais direitos exigidos; c) a terceira sobre os sentidos atribuídos à regulamentação profissional.

Principais objetivos das associações e sua articulação com a justiça

O primeiro contato com as reivindicações das associações foi através de suas páginas na internet e em seus perfis em redes sociais, majoritariamente o Facebook. O conjunto de demandas apresentado nesses espaços é amplamente diversificado e congrega uma variedade de objetivos: abrange a regulação profissional, o acesso ao serviço de saúde básico, os direitos de cidadania, a diminuição da violência, a transformação na representação das prostitutas e as finalidades vão desde obter benefícios trabalhistas diversos até a transformação de padrões de desrespeito e desvincular a prostituição do tráfico de pessoas para exploração sexual. Para demonstrar a amplitude e multiplicidade das demandas elencadas, apresento abaixo quadro que as distribui por associação (Quadro 1).

Quadro 1
As principais demandas das associações de prostitutas

Além das associações que representam as diversas regiões brasileiras, há duas redes principais que articulam os objetivos e ideais gerais do movimento de prostitutas, a Rede Brasileira de Prostitutas (RBP) e a Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais (CUTS). A RBP, fundada em 1987, apresenta como missão promover a cidadania e os direitos das prostitutas, articular as associações, fortalecer a identidade profissional, reduzir o estigma e a discriminação e melhorar a qualidade de vida das trabalhadoras do sexo. Suas metas são derivadas daí – assumir a identidade profissional e buscar o reconhecimento; promover a igualdade social das prostitutas; favorecer a liberdade, a dignidade e o respeito; incentivar o protagonismo e a autonomia; colaborar com a elevação da autoestima; rejeitar o abolicionismo e a vitimização das prostitutas; lutar pelo direito à cidadania; e recusar o gueto social e simbólico. A CUTS iniciou suas atividades em 2015, e defende a regulamentação profissional (e a descriminalização do entorno da prostituição) e o reconhecimento oficial/social do trabalho da prostituição, promove ações contra o estigma, a violência e o preconceito e incentiva a educação sexual e a segurança na atividade.

Em meio à profusão de reivindicações que inicialmente podem parecer dispersas, busquei identificar os traços comuns que permitiam unir demandas tão diversificadas. A partir dessa primeira incursão percebi quatro eixos centrais para os quais elas estão voltadas: a) regulamentação, central para a discussão da prostituição como trabalho; b) acesso à saúde, preventiva e curativa; c) redução da violência nas casas de prostituição, nas relações com os clientes e diante das forças policiais; d) transformação de representações sociais das prostitutas e dos padrões de desrespeito.

No primeiro eixo reivindicatório, o da regulamentação profissional, estão elencados predominantemente os direitos e benefícios trabalhistas (férias, licença maternidade, seguro em caso de acidentes, aposentadoria) e a pauta pela descriminalização das casas de prostituição, permitindo que elas sejam fiscalizadas (instituindo uma margem de lucros máxima para os donos desses espaços e condições dignas de trabalho para as mulheres).

O cuidado com a saúde física e mental das profissionais do sexo, que corresponde ao segundo eixo, também aparece como preocupação predominante, uma vez que o atendimento médico e psicológico gratuito está nas pautas de todas as associações investigadas, sobretudo para a APPS-Recife, cuja sede se localiza no interior de um dos postos de saúde da cidade e suas principais ações estão voltadas para prevenção de HIV/AIDS e distribuição de preservativos, a Aprosmig, que busca garantir para todas as prostitutas cadastradas acesso a médicos e atendimento psicológico (também fornecendo preservativos), a Apros-PB, que promove uma parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS) da região para que as mulheres sejam atendidas mediante apresentação do endereço da associação, garantindo assistência médica prioritária em postos de saúde. Tal reivindicação está diretamente relacionada à melhoria da qualidade de vida e de trabalho das profissionais.

No terceiro eixo, relativo à redução da violência, existem três problemas centrais: o primeiro diz respeito às lesões físicas sofridas pelas prostitutas por meio de diversas formas de coerção que envolvem prisões, espancamentos e estupros (essas violências podem ser praticadas nas casas de prostituição ou na rua, e podem envolver os donos dessas casas, os clientes e até mesmo a polícia); o segundo se relaciona a danos morais, tais como coações diversas acionadas para promover divisão injusta dos ganhos das prostitutas com os/as donos/as de bordéis, ofensas públicas e variados modos de desrespeito; o último versa sobre exploração financeira, abrangendo o não pagamento do programa (ou ameaça de não pagar, ou pagar somente parcela do combinado) e o pagamento de valores exorbitantes em hotéis para aluguel de quartos para programa. Todas as questões elencadas nesse terceiro eixo compõem a demanda para “diminuir a vulnerabilidade”.

O quarto eixo está relacionado à dimensão simbólica que permeia a vida e o trabalho das prostitutas. Em primeiro plano demanda-se protagonismo, autorrepresentação e visibilidade das garotas de programa. Destarte, as associações figuram como instâncias que permitem às trabalhadoras do sexo formularem e dialogarem sobre os direitos considerados essenciais nos espaços de participação política, incluindo na esfera pública de debates questões concernentes à prostituição. Em segundo lugar trata-se de transformar as representações hegemônicas sobre a atividade, buscando conformá-la como profissão igual a qualquer outra, bem como modificar as imagens difundidas sobre as prostitutas, procurando reverter padrões sociais de desrespeito – ou a “putafobia”. O último item relevante é a elevação da autoestima, cujos dois objetivos são possibilitar que as mulheres não tenham vergonha de se afirmarem como prostitutas e reverter a ideia de inferior valor moral desses indivíduos.

Cada um dos eixos apontados imbrica uma série de reivindicações específicas, que estão relacionadas aos problemas particulares enfrentados pelas trabalhadoras sexuais em seu cotidiano. No quadro apresentado a seguir busco distribuir as demandas das associações nos eixos aos quais elas estão atreladas (Quadro 2).8 8 Para não repetir muitas vezes reivindicações análogas, principalmente as que estão presentes em todas as associações, reuni em denominações gerais demandas similares. Por exemplo, o reconhecimento legal da profissão que aparece escrito de diversas formas em cada um dos grupos.

Quadro 2
As principais demandas distribuídas por eixos

Analisando mais detidamente os eixos supracitados é possível perceber que as reivindicações oscilam em dois âmbitos distintos, reclamando-se, de um lado, por melhorias nas condições materiais de vida e trabalho das prostitutas, e exigindo-se, de outro, uma transformação do valor moral (inferior) atribuído às trabalhadoras do sexo. Em sua superfície, as questões pautadas pelas associações estão em estreito diálogo com políticas de redistribuição e reconhecimento, na medida em que enumeram injustiças e buscam alterações nessas duas esferas.

Redistribuição e reconhecimento aparecem mesclados no conjunto de demandas das associações, o que fica evidente quando analisados os quatro eixos apresentados. No interior da regulamentação são acionadas alegações tanto de direito ao trabalho sexual e à inclusão social quanto a benefícios trabalhistas e à implementação de políticas públicas. Na esfera da saúde existe um peso maior para ações de redistribuição, mas ainda assim a noção de qualidade de vida desponta como uma necessidade. Em relação à violência, prevê-se reduzir a vulnerabilidade e insegurança ao mesmo tempo em que luta-se contra a exploração econômica e ao tráfico de pessoas para exploração sexual. Já no eixo representação, voltado sobretudo para políticas de reconhecimento social, busca-se protagonismo e visibilidade da prostituta na esfera pública, elevação da autoestima e supressão da “putafobia”.

As prostitutas estão apontando para padrões econômicos, legais e socioculturais que promovem injustiças nas esferas pública e privada de sua existência. Apesar de haver uma ênfase em um e outro eixo em políticas de redistribuição ou de reconhecimento, elas aparecem atreladas uma à outra, sendo ambas condição e possibilidade de transformação do estatuto legal da prostituição e da sua posição social. No quadro de demandas das associações a reversão da situação de injustiça experimentada pelas trabalhadoras do sexo seria desengatilhada pela regulamentação profissional, que possibilitaria a reivindicação e obtenção de diversos direitos (dentre eles os de cidadania), e também a conquista do respeito e da estima, principalmente através da obliteração dos diversos preconceitos sofridos por essas pessoas.

Ao interpretar as reivindicações fundamentais das associações como enunciações de injustiça em duas esferas, redistribuição e reconhecimento, situo-as em consonância à perspectiva de justiça bidimensional defendida por Nancy Fraser (2002FRASER, Nancy. (2002), “A justiça social na globalização: redistribuição, reconhecimento e participação”. Revista Crítica de Ciências Sociais, 63: 7-20., 2006FRASER, Nancy. (2006), “Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era ‘pós-socialista’”. Cadernos de Campo, 14/15: 231-239.). De um lado há a justiça distributiva que se relaciona às desigualdades no plano econômico, diferenças de classes e divisão díspar de bens materiais; por outro prisma, existem padrões culturais hierárquicos de valoração dos sujeitos e representações hegemônicas que redundam em subordinação social: “Vista por uma das lentes, a justiça é uma questão distributiva justa; vista pela outra, é uma questão de reconhecimento recíproco” (Fraser, 2002FRASER, Nancy. (2002), “A justiça social na globalização: redistribuição, reconhecimento e participação”. Revista Crítica de Ciências Sociais, 63: 7-20., p. 11).9 9 Todas as traduções foram feitas de modo livre pela autora.

Na articulação das demandas elencadas pelas associações há um subtexto que aponta para a necessidade de participação das prostitutas nos espaços nos quais as representações sobre elas são construídas e as legislações sobre sua profissão são debatidas. Essa ideia dialoga com a noção de “paridade de participação” (Fraser, 2006FRASER, Nancy. (2006), “Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era ‘pós-socialista’”. Cadernos de Campo, 14/15: 231-239.), adotada como ideal normativo de correção das injustiças nas esferas da redistribuição e do reconhecimento – injustiças essas que devem ser superadas, tendo em vista a possibilidade de os sujeitos participarem paritariamente das interações sociais e políticas. Partindo dessa leitura, as profissionais do sexo reunidas em grupos passariam a ser consideradas pares nas relações sociais, que envolvem tanto o âmbito cotidiano quanto político, possibilitando a inserção dos direitos formulados intersubjetivamente por elas na arena de debates democrática.

Nas entrevistas realizadas, o ideal político de paridade participativa aparece com destaque e está associado tanto às demandas quanto à própria fundação das associações. As narrativas de minhas interlocutoras sobre tal objetivo se iniciam evidenciando um momento anterior e outro posterior da prostituição: a primeira parte da história demonstra um contexto no qual as profissionais do sexo possuíam pouca (ou mesmo nenhuma) possibilidade de expressão no espaço público e de diálogo com agentes do Estado (que apareciam, na maior parte das vezes, na figura da polícia); a segunda revela uma ampliação tanto da interlocução na sociedade, quanto da vocalização de demandas (fomentada em reuniões internas, regionais e nacionais). A regulamentação profissional e a criação das associações permitiram, de acordo com as entrevistadas, a participação nas arenas de debates (inclusive sobre o PL Gabriela Leite) e iniciou um processo de reconhecimento da prostituta como pessoa digna de respeito – processo esse ainda não completamente concretizado.10 10 Projeto de Lei n. 4211/2012, de autoria do deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ), popularmente conhecido por PL Gabriela Leite, em homenagem à uma das principais ativistas dos direitos das prostitutas.

Quando conversei com Laurinha, representante da Aprosmig, ela me disse que “antigamente era mais precário, hoje já tem médico, psicólogo e apoio jurídico” (Entrevista com Laurinha, agosto 2016) e atualmente as prostitutas já teriam ciência de seus direitos (podendo reclamá-los).11 11 Os nomes das entrevistadas estão apresentados conforme acordo estabelecido antes da entrevista e assegurado por Termo de Consentimento Livre e Esclarecido datado e assinado. Ademais, como se tratam das representantes das associações, suas identidades são públicas e amplamente conhecidas, sendo difícil manter o anonimato. Luza Maria (Apros-PB) aponta o papel das associações para a participação social e representação política das profissionais do sexo. Segundo a entrevistada, contemporaneamente existem muitos serviços e formas de apoio às mulheres que se prostituem no interior das associações, mas, mais importante que isso, as profissionais estariam conquistando a possibilidade de “falarem em seu próprio nome”, exigindo “respeito e dignidade” (Entrevista com Luza, junho 2016) na interlocução social.

Diana Soares (APS-RN) discorreu sobre a autonomia proporcionada às prostitutas pela formação de associações, criando condições para a vocalização das demandas formuladas por elas em conjunto. Ela conclui alegando que “o empoderamento nos torna sujeitos políticos de nossa história” (Entrevista com Diana, julho 2016). Antes de chegar a essa conclusão, Diana disse que as profissionais do sexo são, frequentemente, silenciadas no espaço público, principalmente quando reivindicam sua autonomia. Os entraves estão relacionados, para ela, à falta de garantia de recursos básicos e às representações sociais que ainda circulam sobre as prostitutas, que ora são vistas como vítimas da sociedade, ora como pessoas sem dignidade e subalternas. Diante dessa conjuntura, por meio das associações as trabalhadoras pretendem se “auto fortalecer para o fortalecimento do movimento e luta por políticas públicas e reconhecimento de nossa ocupação como trabalho. Pretendemos sair da clandestinidade e para isso precisamos que o nosso trabalho seja reconhecido” (Entrevista com Diana, julho 2016), garantindo independência e autonomia na vida social e profissional.

Em minha conversa com Laura Murray, membra da Davida, soube que a fundação do coletivo esteve embasada no ideal de tirar a prostituição dos guetos e inseri-la em espaços nos quais o tema (e também as prostitutas) ainda não circulava. Esta seria a forma de transformar os discursos que reforçam os estigmas associados às profissionais do sexo, responsáveis por apartar essas mulheres dos âmbitos social (que inclui a convivência em sociedade) e político. Laura afirmou que a Davida tem como objetivo principal valorizar o movimento de prostitutas e fomentar a divulgação de sua história, contribuindo para a obtenção de direitos e a descriminalização. A percepção de que a prostituição é criminalizada no Brasil não aparece apenas na fala de Laura, mas na maioria de minhas entrevistadas: prisões constantes sem justificativas, violência perpetrada cotidianamente e inexistência na prática de direitos básicos comporiam um quadro de criminalização social. A reversão dessa condição, para as sete representantes de associações com quem conversei, seria propiciada pela autorrepresentação das profissionais do sexo e sua inserção nos espaços de debates e decisões sobre sua profissão.

Para Carmen Lúcia (Neppoa) o papel das associações é amplo, mas seu principal objetivo é “dar visibilidade à classe profissional das prostitutas” e transformar as representações sociais que circulam sobre elas. A participação das trabalhadoras sexuais ocorre por meio de “formar lideranças, intervir nas políticas públicas, participar nas instâncias de controle social, manter o vínculo com as prostitutas nos seus locais de trabalho, discutir os direitos conquistados e lutar por mais direitos” (Entrevista com Carmen, junho 2016). Carmen questiona os entraves à atuação política das mulheres que se prostituem e, inclusive, sua invisibilidade na sociedade. O movimento de prostitutas teria sido, para ela, um divisor de águas que inseriu (de modo amplo, ainda que não completo) as demandas dessas mulheres nos âmbitos social e político. Hoje, segundo Juma (Tulipas do Cerrado), “as trabalhadoras sexuais estão mais empoderadas de seus direitos [...] hoje estamos nos organizando mais, denunciando mais as violências que passamos” (Entrevista com Juma, setembro 2016).

Ao retomar os depoimentos das representantes das associações, percebi mais um elemento que compõe o subtexto tanto das demandas, quanto da própria formação dos grupos organizados: a ideia de representação política, fundamentada na inscrição das prostitutas no terreno de disputas social e legal. Essa questão está mais diretamente relacionada às demandas por autorrepresentação e auto-organização, mas não somente, visto que muitas das representantes de associações já pleitearam cargos políticos em instituições formais, como câmaras de vereadores e de deputados. A própria formação das associações atua no sentido de eleger representantes que consigam estabelecer as prostitutas no âmbito do debate sobre suas condições de trabalho e vida, seja em termos econômicos ou simbólicos. Nesse sentido, não se trata apenas de uma reivindicação, mas de um questionamento acerca dos marcos que definem quem deve ou não ter participação e quais sujeitos podem ou não ter seus direitos garantidos. Por consequência, podemos considerar que minhas interlocutoras apontam para três dimensões distintas de injustiça que precisam ser reparadas, aproximando-se da perspectiva tridimensional de justiça destrinchada em Fraser (2010)FRASER, Nancy. (2010), Scales of justice: reimaging political space in a globalizing world. New York, Columbia University Press..

Seguindo a reflexão de Fraser (2010), no âmbito da representação política o que está em jogo é o próprio enquadramento da justiça que define quem pode ou não reivindicá-la. Na mesma linha da autora, os depoimentos de minhas entrevistadas questionam quais são as pessoas contempladas pelos regimes representativos e de justiça atuais, principalmente aqueles abolicionistas, que excluem as prostitutas e as impedem de se autorrepresentar. Nesse caso, a injustiça sofrida seria a má representação (ou a falta de expressão política), que consiste no impedimento de determinados indivíduos participarem como pares na arena política (Fraser, 2010). A má representação se desdobra em dois tipos distintos, conforme Fraser (2010): a primeira é denominada “política-comum” e se relaciona à impossibilidade de envolvimento nas arenas públicas ordinárias (processos de eleição e decisão) e a segunda é identificada como “mal enquadramento” ou “falsa representação metapolítica”, dizendo respeito às fronteiras do político e à definição da justiça – impedindo formulações de reivindicações de primeira ordem (reconhecimento, redistribuição e representação).

É possível afirmar que a reivindicação por representação política extrapola a participação das prostitutas na esfera pública: por meio dela as mulheres reunidas em associações estão disputando o enquadramento que define quem está ou não incluído no âmbito da justiça. Tal dimensão política é de suma importância, já que nela são edificados os mecanismos que facilitam ou impedem a construção de demandas em torno da redistribuição e do reconhecimento (Fraser, 2010FRASER, Nancy. (2010), Scales of justice: reimaging political space in a globalizing world. New York, Columbia University Press.). Se um sujeito não possui as condições de participação social e sua existência está marcada pelo desrespeito, não é possível requerer recursos materiais ou igualdade de status – os reclamos advindos desses indivíduos sequer são considerados legítimos. Nas palavras da autora, essa questão está centrada em “quem é considerado um sujeito da justiça, e qual é o enquadramento apropriado, a política de enquadramento abrange esforços para estabelecer e consolidar, contestar e revisar, a divisão oficial do espaço político” (Fraser, 2009FRASER, Nancy. (2009), “Reenquadrando a justiça em um mundo globalizado”, Lua Nova, São Paulo, 77: 11-39., p. 26).

Por meio do ideal de representação, as trabalhadoras sexuais evidenciam que lhes são negados elementos fundamentais para que possam inscrever suas narrativas e demandas no espaço público de decisão. Falta-lhes condições dignas de trabalho e direitos fundamentais, como acesso gratuito aos serviços de saúde, segurança no entorno dos prostíbulos, licença maternidade, apoio jurídico etc. Além disso, existe a falta de respeito, as representações povoadas por estigmas, a desconsideração social. Como seria possível estabelecer reivindicações sem que antes esses problemas fossem considerados legítimos e sem que essas pessoas fossem de partida consideradas sujeitos políticos? Somente a partir da formação das associações as prostitutas passaram a reclamar uma transformação nas esferas da redistribuição, do reconhecimento e da representação. Quando elas demandam representação política também estão, em alguma medida, questionando a própria definição de justiça e quem ela contempla, inserindo, ainda que de modo incipiente, a discussão sobre os contornos excludentes que formatam a justiça instaurada.

Em torno de uma justiça que inclua estima e respeito

Ao realizar as entrevistas com as representantes das sete associações, percebi que a regulamentação da prostituição – pauta central desses grupos – possuía uma miríade de sentidos embasados na constatação dos problemas enfrentados pelas profissionais do sexo no nível empírico que ascendiam para discussões mais amplas sobre sua condição política e social. Se, em um primeiro momento, constatei dois pilares fundamentais subjacentes às demandas e à própria formação dos grupos organizados (a paridade participativa e a representação política), posteriormente compreendi que havia mais um nível de significados permeando suas narrativas, no qual minhas interlocutoras apontavam para os padrões de reconhecimento intersubjetivo a partir da produção de uma crítica que assinala o apartamento das prostitutas de tais padrões, denunciando a corrosão de suas relações sociais e de sua autorrealização.

Relaciono esse outro nível de significação presente na fala das entrevistadas à noção de reconhecimento voltada à autorrealização dos sujeitos, que envolve percepções normativas intersubjetivas e engendra as expressões sociais de pretensões de subjetividade (Honneth, 2003HONNETH, Axel. (2003), Luta por reconhecimento – a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo, Editora 34.).12 12 Estou ciente do debate entre Fraser e Honneth e das diferenças que existem entre suas ideias de reconhecimento e justiça. Estou também ciente das tentativas de aproximar os projetos teóricos de ambos, mais especificamente presentes em Celi Pinto (2008) e Ricardo Mendonça (2007). Não retomo tal discussão no presente texto propositadamente, principalmente porque pretendo mostrar que as noções desenvolvidas por Fraser e Honneth colaboram na compreensão de dimensões distintas ensejadas no movimento de prostitutas. Nesse sentido, trata-se de um cruzamento entre os autores com a finalidade de interpretar a realidade das associações, que formulam suas reivindicações a partir de pressupostos diversos, tornando necessário abordar um conjunto amplo de explicações teóricas. Parto desse quadro teórico-normativo por acreditar que ele permite compreender como se processam as relações de reconhecimento recíproco ao mesmo tempo em que ilumina os tipos de feridas morais que impactam diretamente na relação dos indivíduos com a alteridade e consigo mesmos – as diversas formas de desrespeito são, portanto, equivalentes negativos das possibilidades de reconhecimento mútuo.

De partida já esclareço que os relatos de minhas entrevistadas são atravessados pelas diversas formas de desrespeito as quais elas e suas companheiras de profissão estão sujeitas, entretanto, seus discursos enfatizam os elementos considerados por elas necessários para obter respeito e reconhecimento. Nesse sentido, existe um diagnóstico sobre a posição da prostituição e da prostituta no seio social que compõe a primeira parte do raciocínio, mas aquilo que elas destacam são os direitos que devem ser garantidos, a participação social e política que precisam ser asseguradas, bem como o respeito e a estima que têm de conquistar.

Para destrinchar os modos a partir dos quais estima e respeito apareceram nas conversas com as sete entrevistadas, assinalo, novamente, a importância das associações para as prostitutas, que foi afirmada e retomada em diversos momentos, na medida em que elas são instâncias nas quais essas mulheres podem formular demandas e discutir sua posição na sociedade. A primeira vez que constatei a existência de uma dimensão de respeito foi na fala de Luza Maria (Apros-PB), que me disse: “a sociedade vitimiza ou discrimina a prostituta, mas nós queremos a igualdade” (Entrevista com Luza, junho 2016).

Antes de avançar no sentido de igualdade atrelado a essa frase, retomo o contexto de nossa conversa. Luza me contava do período em que entrou na prostituição e me dizia que naquela época não conhecia seus direitos (nem sabia que os tinha) e, por isso, não impunha muitos limites aos clientes e aos/às donos/as de bordéis nos quais havia trabalhado. Refletindo sobre sua trajetória, ela consegue perceber as amplas transformações sofridas pela atividade da prostituição, sobretudo nos processos de negociação entre os diversos sujeitos inseridos nesse universo, incluindo a polícia. Enquanto retoma essas mudanças, Luza me fala da importância do movimento de prostitutas, que possui como missão primordial “representar e defender os direitos humanos e a cidadania das prostitutas como trabalhadoras e como mulheres” (Entrevista com Luza, junho 2016). A consequência da formação desse movimento é o “aumento do respeito” ocorrido quando as “prostitutas são vistas como cidadãs” (Entrevista com Luza, junho 2016).

A igualdade a qual Luza se referia em sua frase citada no parágrafo anterior está intimamente relacionada à possibilidade de auferir respeito no seio social. Ser igual é correspondente a ser respeitado como sujeito de direito, isto é, um indivíduo que deve ter seus direitos assegurados e pode, inclusive, reclamá-los. As relações de reconhecimento aparecem nesse momento como imprescindíveis, apresentando-se como soluções para o desrespeito sofrido: é preciso ser reconhecido como alguém moralmente imputável para estar no rol daqueles que estão legalmente protegidos. Enxergar “as prostitutas como cidadãs” completa esse sentido e assinala que as profissionais do sexo precisam se assemelhar aos outros (ser reconhecidas por eles) que já são cidadãos. Retomando Honneth (2003)HONNETH, Axel. (2003), Luta por reconhecimento – a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo, Editora 34., é possível situar essa discussão presente na entrevista com Luza à esfera jurídica de reconhecimento, que nomeia a classe de pessoas para as quais os direitos são atribuídos. A ação de reclamar por direitos, nesse sentido, é um meio de expressão simbólica que afirma o reconhecimento universal como pessoa moralmente imputável ou mesmo “a exigência de ser membro com igual valor da coletividade política” (Idem, p. 191).

Minhas outras interlocutoras trilharão caminho similar ao de Luza para apontar a necessidade do reconhecimento jurídico, qual seja, relatar o período anterior ao surgimento das associações, no qual elas eram desconsideradas pela comunidade política e excluídas do âmbito jurídico de obtenção de direitos, e avançar relatando a organização do movimento de prostitutas, afirmando como ele possibilitou a denúncia dessa condição e a reivindicações por mudanças. Outro elemento também presente em todos os diálogos foi a noção de cidadania, que serviu como recurso explicativo e conclusivo para o tema. Nanci Feijó (APPS-Recife) retoma essa discussão quando me diz que “a sociedade precisa ver as prostitutas como cidadãs, como pessoas que possuem direitos iguais e precisam ser respeitadas” (Entrevista com Nanci, junho 2016). Já Amanda (Aprosmig) afirmou que as trabalhadoras sexuais devem “conquistar cidadania e a inserção na sociedade” (Entrevista com Amanda, agosto 2016). Juma (Tulipas do Cerrado) disse que as associações promovem “a luta pelos nossos direitos que são violados” (Entrevista com Juma, setembro 2016). A consequência direta da demanda por respeito, obtido mediante o reconhecimento na esfera jurídica, é a inclusão das prostitutas na comunidade política (Honneth, 1995HONNETH, Axel. (1995), “Integrity and disrespect: principles of a conception of morality based on a theory of recognition”, in A. Honneth, The fragmented world of social, Albany, State University of New York Press., 1999HONNETH, Axel. (1999), “Reconocimiento y obligaciones morales”. Estudios Políticos, Colombia, 14: 173-187.). Nas palavras de Honneth, “é o caráter público que os direitos possuem, porque autorizam seu portador a uma ação perceptível aos parceiros de interação, o que lhes confere a força de possibilitar a constituição do auto-respeito” (Idem, 2003, p.197).

Mas não são somente as demandas por direitos (muito variadas e amplas) e por participação na comunidade política que estão na pauta das prostitutas reunidas em grupos; existe também a intenção de “melhorar a autoestima” ou “trabalhar a autoestima”. Enquanto os dois primeiros itens (direitos e participação política) dizem das condições universais que situam os sujeitos em relações de reconhecimento jurídico recíproco, o terceiro (autoestima) se volta às propriedades e capacidades concretas dos indivíduos (e também de sua ocupação) que são valorizadas pela atribuição de estima (Honneth, 2009HONNETH, Axel. (2009), “A textura da justiça – sobre os limites do procedimentalismo contemporâneo”. Civitas, 9 (3): 345-368.).

Nanci (APPS-Recife) me mostrou como a dimensão da estima é importante para as trabalhadoras sexuais quando disse que “existe muita raiva e ódio das prostitutas” (Entrevista com Nanci, junho 2016) – sentimentos reforçados pelo amplo preconceito sofrido por essas mulheres na sociedade. A consequência mais direta do ódio e da raiva é que no Recife, segundo ela, as mulheres que se prostituem preferem ser chamadas de “profissionais do sexo” por não se sentirem à vontade com a palavra “prostituta”, o que revela o “preconceito delas com elas mesmas” (Entrevista com Nanci, junho 2016). A Aprosmig, segundo Laurinha, surgiu em um contexto no qual haviam muitas reclamações de “hostilização e preconceito” (Entrevista com Laurinha, agosto 2016). Nesse sentido foi que a associação passou a pautar e combater a violência e definiu como um de seus objetivos “elevar a autoestima das mulheres”. Laurinha me falou sobre estima quando relatou as mudanças que percebera na prostituição. Atualmente, segundo ela, há menos estigmatização, e agora “não tenho vergonha de dizer que sou prostituta”, mas “antigamente quando ia fazer compra as pessoas olhavam torto” (Entrevista com Laurinha, agosto 2016). Amanda, também da Aprosmig, afirmou que melhorar a autoestima é “empoderar” as mulheres nessa profissão.

A ideia de regulamentação profissional traz em seu âmago uma tentativa de valorização da prostituta (em sua identidade pessoal e profissional), ideal articulado às demandas por “elevar a autoestima”, “afirmar a identidade de prostituta” e “lutar contra a putafobia”. São dois enfoques principais atrelados à questão da estima, o primeiro voltado às mulheres que se prostituem e o segundo referindo à própria prostituição, que passa a ser compreendida como um trabalho que precisa ser considerado valoroso no seio social.13 13 É de suma importância refletir o valor atribuído ao trabalho (e às ocupações que estão inseridas nessa categoria) para compreender a importância da regulação profissional para as prostitutas, que estão em uma atividade amplamente estigmatizada e marginalizada. A estima atribuída a determinados sujeitos e suas capacidades (e também às atividades desenvolvidas por eles) é edificada mediante valores intersubjetivamente partilhados que definem quais realizações individuais (e de grupos) vão ser consideradas relevantes em um determinado contexto, seja social, histórico, político, ou outro. O valor social das qualidades pessoais “se mede pelo grau em que elas parecem estar em condições de contribuir para a realização das predeterminações dos objetivos sociais” (Honneth, 2003HONNETH, Axel. (2003), Luta por reconhecimento – a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo, Editora 34., p. 200). As representantes de associações com quem conversei estão tentando conseguir oportunidades de ter valorizadas suas habilidades e aptidões, evidenciando como caminho para efetivar suas aspirações as relações de reconhecimento recíprocos, que elas ainda afirmam não ter.

Em conversa com Luza Maria (Apros-PB) percebi que as relações de reconhecimento recíprocas já começaram a fazer parte do cotidiano das profissionais do sexo organizadas em associações. Quando Luza iniciou sua trajetória na prostituição ainda não se afirmava como prostituta, mas “atualmente mostro quem eu sou e não escondo mais que trabalho na prostituição” (Entrevista com Luza, junho 2016), isso porque já não teria mais preconceito consigo mesma. Ao avançarmos no diálogo, ela reforçou a importância desse ato de afirmação de sua identidade, revelando que a partir dele passou a ser referência entre as colegas de profissão que ainda estão no processo de compreender o seu lugar na sociedade e conhecer seus direitos. A defesa da prostituição como trabalho é outro elemento imprescindível nesse processo, na medida em que uma atividade que sempre foi tachado de “mal necessário” passa a ser valorizada, compreendendo sua especificidade e valor no seio social. Muitas das companheiras de Luza ainda “negam a profissão” e mentem sobre sua real ocupação, dizendo que são domésticas ou manicures (ou qualquer outro trabalho que já seja socialmente reconhecido). Para Luza, a partir do momento em que as trabalhadoras sexuais conhecem seus direitos e passam a ver o comércio de sexo como um trabalho, os preconceitos são dissolvidos e não é mais necessário “esconder quem elas são”. Segundo a entrevistada, a Apros-PB atua no sentido de “promover a autoestima e discutir o preconceito, preparando as mulheres para lidar com ele e também trata da autoimagem e identidade das prostitutas” (Entrevista com Luza, junho 2016).

Laura Murray (Davida) aborda de modo extenso, em nosso diálogo, a questão da autoestima e sua relação direta com os preconceitos sofridos pelas prostitutas. Na opinião de minha interlocutora seria essencial conferir o status de trabalho à prostituição, pois só assim as mulheres que vendem sexo seriam consideradas trabalhadoras e haveria possibilidades de diminuição, e até mesmo extinção, dos estigmas. A categoria trabalho possuiria um valor simbólico capaz de transformar os padrões de desrespeito hoje instituídos, principalmente porque “os locais de trabalho não são mais cenas de crime, que é o que são hoje, em termos das casas” (Entrevista com Laura, julho 2016). Ao mesmo tempo as mulheres não seriam mais “assediadas pela polícia, sem mandado, sendo que é muito comum elas serem presas para investigação” (Entrevista com Laura, julho 2016). Juntos, esses dois elementos possibilitariam “assumir a profissão, não ter vergonha do que faz e saber que merece respeito e dignidade” (Entrevista com Laura, julho 2016). A redução da discriminação tem, segundo Laura Murray, “efeitos muito fortes, tanto para o pessoal, porque muitas delas acabam levando uma vida na qual muitas famílias não sabem o que fazem e acaba criando muito estresse, você sentir que tem uma vida dupla, que tem que esconder o que faz” (Entrevista com Laura, julho 2016). Quando as “putas se afirmam como trabalhadoras sexuais e exigem respeito” (Entrevista com Diana, julho 2016), me disse Diana Soares (APS-RN), surge a coragem de enfrentar a estigmatização.

Nas narrativas apresentadas acima está claro que as relações de reconhecimento também promovem a autoestima das prostitutas, que passam a se enxergar como pessoas valorosas, que não precisam ter vergonha ou medo de afirmar sua identidade pessoal e profissional. O processo de denegação da estima provoca o que minhas interlocutoras nomearam como um “preconceito com elas mesmas”, que impediria a autoafirmação da trabalhadora do sexo. Destarte, as entrevistas apontam para a necessidade de reversão da corrosão na autorrelação das mulheres que se prostituem, viabilizando serem incluídas nos enquadramentos de valoração social. A ideia da regulamentação pretende ser justamente o ponto de partida para desencadear tal reconhecimento, reinscrevendo as garotas de programa no espaço social.

Causas da precariedade e busca por justiça

No seio das associações de prostitutas analisadas neste texto circula ainda outra questão que me parece de primeira ordem nos discursos sobre regulamentação profissional, que sobressaiu nas entrevistas em uma expressão particular: ser considerada pessoa. Questionei-me quanto ao sentido que tal expressão poderia ter na narrativa das mulheres com quem falei: essa frase estaria relacionada à paridade de participação e ao questionamento que elas elaboram ao atual enquadramento de justiça? Seria essa sentença mais um componente das relações de reconhecimento no campo da estima e do jurídico? Ou ela estaria associada à outra dimensão, correlata a uma condição de desconsideração social, embasada em uma descaracterização de sua própria humanidade? O que significa “ser pessoa” na voz de minhas interlocutoras?

Em primeiro lugar é preciso ressaltar que tal expressão sempre apareceu no final das frases, principalmente as que enumeravam o que era necessário para que a voz da prostituta pudesse ser ouvida no espaço público. Ela fazia parte de um raciocínio causal que se inicia no polo das reivindicações e culmina na dimensão de “ser considerada pessoa”. Retomo a primeira conversa na qual essa frase me chamou atenção.

Quando conversei com Nanci Feijó da APPS, ela comentou sobre a época em que entrou para a prostituição, e como naquele momento era muito difícil a vida das prostitutas, que não podiam sair na rua pois poderiam ser presas por “vadiagem”. Para Nanci, apesar das mudanças nas condições do trabalho sexual propiciadas pela associação, ainda existe muita “raiva” e “ódio” em relação às mulheres que se prostituem. Já no fim de nossa conversa, afirma que é preciso “ver a prostituta sem preconceito”, porque até hoje “acham que elas são bicho e só andam peladas” e, por fim, é preciso “que elas sejam vistas como pessoas mesmo” (Entrevista com Nanci, junho 2016). Em seguida, a representante da APPS contou a história de quando foi dar uma palestra em uma universidade do Recife, e como os alunos ficaram surpresos por ver que uma prostituta se vestia bem (sem roupas curtas e chamativas) e sabia falar em público. Após o diálogo com Nanci passei a perceber como a ideia de pessoa era aludida nas entrevistas de outras representantes das associações: uma forma de situar as mulheres prostitutas no interior de uma comunidade em que elas participam paritariamente e podem auferir estima e respeito, sendo consideradas seres humanos de igual valor.

Já na conversa com Laurinha na Aprosmig as duas frases “mesmo as meninas que falavam que antigamente iam fazer compra que o pessoal ficava olhando pra elas torto” e “antes o pessoal nem chegava perto de uma prostituta” sobressaíram – essas frases compunham uma resposta sobre a transformação das condições de vida das trabalhadoras do sexo (Entrevista com Laurinha, agosto 2016). Quando Laurinha as proferiu fiquei pensando qual seria a relação delas com a expressão “serem vistas como pessoa” dita por Nanci.

A ideia de que a prostituta precisa ser “vista como pessoa” apareceu também durante a fala de Laura Murray sobre as possibilidades de reconhecimento das prostitutas. Para ela, as ações da Davida estão direcionadas para diversos setores sociais, principalmente os que criam e replicam os discursos sobre a prostituição, porque é preciso edificar outros enunciados que revelem as profissionais do sexo “como mulheres, como pessoas iguais a qualquer outra” (Entrevista com Laura, julho 2016). Na entrevista com Luza Maria (Apros-PB), ao final da resposta para a indagação sobre as condições de vida e de trabalho das prostitutas, apareceu a afirmação “nos vejam como pessoa e cidadãs” (Entrevista com Luza, junho 2016).

Em retorno à questão sobre a importância das associações para as prostitutas na contemporaneidade, Juma (Tulipas do Cerrado) afirmou serem de “suma importância”, e completou: “pois quando vivemos na clandestinidade estamos sujeitas a todas as vulnerabilidades e violências” (Entrevista com Juma, setembro 2016). Diante da frase de minha interlocutora, refleti sobre como a ideia de qualificar as trabalhadoras do sexo como “pessoas” estava diretamente relacionado às questões da “vulnerabilidade e violência” apontadas: se é possível afirmar que a prostituição hoje é exercida em péssimas condições e que as prostitutas estão sujeitas aos maus-tratos e às agressões, é exatamente porque ainda não ascenderam integralmente à categoria de “pessoa”. Somente após auferir tal status, as prostitutas passariam a ser contempladas em um enquadramento de justiça, já que assim poderiam reclamar o reconhecimento e o respeito para si e sua atividade profissional.

Para compreender o que está em jogo quando se afirma que é necessário “ser considerada pessoa”, retomo o argumento desenvolvido por Judith Butler nas obras Vida Precaria e Marcos de guerra: las vidas lloradas.14 14 Conheço a controvérsia Fraser-Butler e estou informada também de que Butler não se filia aos marcos da teoria do reconhecimento tal como Fraser e Honneth. Entretanto, para compreender a complexidade e profundidade da empiria sob escrutínio foi necessário lançar mão de concepções distintas (e em constante desavença) de reconhecimento e de justiça. Ainda que os autores não coadunem com as mesmas premissas, suas reflexões ajudam a iluminar dimensões distintas e fundamentais do fenômeno em pauta. O cerne das discussões nesses livros é a ideia de vulnerabilidade comum, que situa os sujeitos em face dos outros no processo mesmo de sua formação subjetiva. Essa vulnerabilidade, conforme Butler (2006)BUTLER, Judith. (2006), Vida precaria: el poder del duelo y la violencia. Buenos Aires, Paidós., é considerada ou rechaçada a partir da distribuição diferencial dos corpos dos outros, estabelecendo fronteiras entre quais são os indivíduos que compartilham do mesmo valor moral e quais são prescindíveis, mediante determinadas condições sociais e políticas. A autora questiona quais vidas são consideradas dignas de serem vividas e quais podem ser relegadas à violência e à morte. Nesse sentido, a precariedade é maximizada para uns e minimizada para outros.

Segundo Butler (2010)BUTLER, Judith. (2010), Marcos de guerra: las vidas lloradas. Barcelona, Buenos Aires, Paidós., o reconhecimento da vulnerabilidade comum está na base da apreensão de uma humanidade compartilhada (a interdependência) com o outro. Destarte, nesse quadro alguns danos são considerados legítimos, enquanto outros nem sequer são interpretados como danos, porque a vida que eles atingem é desconsiderada como forma de existência. A vulnerabilidade depende, portanto, das formas de reconhecimento existentes, na medida em que a própria noção de humano (e do não humano) é orquestrada pelos tipos de reconhecimento disponíveis.

A vulnerabilidade comum trata da responsabilidade diante dos outros e das implicações políticas da distribuição desigual de valor moral. A manutenção (ou extinção) de determinadas vidas depende do reconhecimento da humanidade comum, já que para garantir a vida é preciso fornecer condições para sua manutenção – ao passo que uma vida considerada impossível não precisa de garantias para persistir.

Na fala das entrevistadas “ser pessoa” é elemento fundamental para conseguirem ser consideradas pares nas interações sociais e desenvolverem relações de reconhecimento recíprocas, e que precede ambos os processos. Elas questionam, a partir dessa expressão, a posição que ocupam na distribuição diferencial dos corpos que as posicionam como pessoas de menor valor moral, e que, portanto, não possuem vidas consideradas dignas de serem vividas. É somente a partir dessa possibilidade de estarem relegadas à violência que as prostitutas podem ser presas sem mandado, podem apanhar e sofrer estupros, podem ser consideradas seres para os quais não se deve olhar e com quem não é possível interagir. As representantes das associações apontaram como essa situação é ilegítima e questionável, e de que modo o movimento de prostitutas contribui para minimizar a condição de precariedade as quais estão expostas as trabalhadoras do sexo. Se a humanidade das prostitutas (e os laços que a ligam invariavelmente a outros sujeitos) passa a ser reivindicada, é para buscar revelar que suas vidas são possíveis e precisam de cuidado e garantias como todas as outras. E as associações são a forma política de se articular em torno dessas questões, bem como lutar por justiça.

Considerações: Justiça em três dimensões? 15 15 O título das considerações finais alude à obra Scales of Justice de Fraser (2010), especificamente à entrevista realizada por Sonia Arribas & Ramón del Castillo (2007) com a autora, de mesmo nome. Apesar da referência direta à Fraser, aqui não se trata de reproduzir suas três dimensões de justiça, mas revelar que no caso das associações de prostitutas a justiça tridimensional está atrelada às reflexões de Fraser, Honneth e Butler.

Ao longo deste texto busquei demonstrar como as demandas articuladas no interior de associações brasileiras de prostitutas, encabeçadas especialmente pelo ideal de regulamentação profissional, extravasam o âmbito legal (de criação de leis) e se dirigem à uma noção de justiça que inclua as prostitutas enquanto sujeitos de direitos. Apontei uma justiça composta por três dimensões.16 16 Aqui me baseio na ideia tridimensional de Fraser (op. cit.), mas não a adoto da forma proposta por esta autora. Trata-se de uma adaptação para refletir sobre o caso destrinchado. A primeira diz respeito às possibilidades de participação social e política das trabalhadoras sexuais, que passaram a requer paridade nas arenas de decisão e a questionar o enquadramento de justiça que as exclui e as impede de demandar os próprios direitos. Nesta dimensão, a redistribuição de bens, a igualdade de estatuto, a ocupação de posições em cargos políticos institucionais e a formação das próprias associações são quatro componentes considerados essenciais para efetivar a paridade e consolidar a representação. A segunda se refere à obtenção de estima social tanto para as prostitutas quanto para o trabalho sexual, incluindo também a possibilidade de elaborar e reivindicar os direitos que ainda lhes são negados. Essa esfera aponta para a corrosão da autorrealização causada pelas experiências de desrespeito (mais frequentes até o momento) e a necessidade de instituir relações de reconhecimento recíprocas. A terceira versa sobre a urgência de transformar os marcos de reconhecimento, os quais colaboram para distanciar as prostitutas do status de pessoa, situando-as em uma condição de precariedade extrema. Essas três dimensões aparecem nos discursos das entrevistadas como elementos a serem questionados e transformados, de modo a permitir condições de vida e trabalho dignos para as mulheres que se prostituem.

As três dimensões supracitadas foram elaboradas com base em reflexões teóricas acerca do reconhecimento desenvolvidas por três autores: Nancy Fraser, Axel Honneth e Judith Butler. Apesar das diferentes abordagens, e, inclusive, dos debates travados entre eles, considerei pertinente mobilizá-las nesta análise por dois motivos principais, quais sejam, o fornecimento por cada uma das abstrações de arcabouço explicativo à compreensão da miríade de sentidos atrelada à ideia de regulamentação e a contribuição das três proposições à compreensão da amplitude e profundidade das demandas estabelecidas pelas associações, apontando diversas dimensões de justiça em jogo no movimento de prostitutas. Isto posto, vale salientar um desdobramento fundamental da análise aqui empreendida: tencionar o próprio debate sobre as lutas sociais baseadas em demandas por reconhecimento, demonstrando como as diversas dimensões desse conceito iluminam camadas distintas das reivindicações, que partem de problemas percebidos empiricamente e se direcionam para questionamentos ontológicos. Assim, antes de conceber as ideias dos teóricos aqui elencados como frentes opostas de uma discussão geral, trata-se de perceber como eles esclarecem faces diferentes e complementares de uma mesma problemática.

A reflexão desenvolvida acerca do ideal de regulamentação profissional como uma linguagem de justiça não é apenas recurso retórico ou releitura do problema em termos puramente teóricos-normativos, mas, ao contrário, uma proposta de alterar o eixo dos debates nesta seara, apontando um elemento imprescindível tanto para o movimento de prostitutas quanto para qualquer sugestão alternativa à regulação da prostituição que se preocupe, de fato, com a vida das trabalhadoras do sexo. Destrinchar as dimensões que compõem a justiça definida pelas prostitutas organizadas em grupos situa a discussão no âmbito das possibilidades de existência social dessas mulheres, apresentando possibilidades de reversão da precariedade. Como seria possível pensar outros caminhos ignorando a denegação de paridade participativa, de representação política, de estima, de respeito e de humanidade? A interpretação elaborada neste artigo lança um desafio às posições contrárias ao projeto de regulamentação (tal como elaborado por minhas interlocutoras), que precisariam justificar de que modo suas proposições garantiriam condições de justiça para as trabalhadoras sexuais. Seria imprescindível, para isso, estipular normativamente os critérios aceitáveis e justificáveis para a instauração de outra justiça, instituída por uma via distinta da regulação.

Em suma, o enquadramento aqui proposto acerca da regulamentação da prostituição visa alterar a direção dos argumentos deste debate: ao invés de realçar os aspectos considerados negativos do trabalho sexual (tais como a opressão e submissão das mulheres) para justificar sua aniquilação como possibilidade de trabalho, convoco uma interpretação ao revés, que reconhece as injustiças, mas as trata como elementos a serem corrigidos mediante a instauração de uma justiça que promova um progresso moral das relações sociais, justiça essa que inclua os direitos de todas as mulheres e não exponha as prostitutas à precariedade e à violência.

  • 1
    O abolicionismo é uma corrente de pensamento relacionado às primeiras fases do feminismo na Europa, cuja intenção era promover a libertação das vítimas (prostitutas) dos sistemas de opressão. É no século XIX que, de acordo com Piscitelli (2012a)PISCITELLI, Adriana. (2012a), “Feminismo e prostituição no Brasil: uma leitura a partir da antropologia feminista”. Cuadernos de Antropología Social, 36: 11 – 31., o tráfico sexual passa a ser introduzido nessa discussão.
  • 2
    Ainda que eu não tenha realizado um extensivo levantamento de todas as integrantes das associações que pesquisei, tem um caso em particular que destoa da categoria de prostituição popular: trata-se de Amanda, integrante da Aprosmig, que já atuou em casas de massagem e atualmente trabalha em estúdio particular, cobrando preços mais altos por atendimento. Mesmo assim, não encontrei nenhuma “prostitua de luxo” em meio aos grupos organizados.
  • 3
    Em São Paulo, a Rede Feminista de Juristas (DeFEMde) promoveu dois encontros presenciais, um no dia 17 de agosto e o outro em 12 de setembro de 2016: no primeiro estiveram presentes representantes do “putafeminismo” e, no segundo, integrantes da Marcha Mundial das Mulheres. No Rio de Janeiro, o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas e a Marcha das Vadias realizaram em 16 de Junho de 2016 um encontro para debater turismo sexual e regulamentação da prostituição.
  • 4
    Os encontros aconteceram em agosto de 2017, organizados pelo Observatório da Prostituição e Coletivo Davida. A primeira sessão ocorreu no 11º Seminário Internacional Fazendo Gênero em Florianópolis (SC). Posteriormente a mesa de discussão esteve nas cidades de São Paulo (SP), Campinas (SP), Belo Horizonte (MG) e Rio de Janeiro (RJ).
  • 5
    Como exemplo é possível citar a Revista AzMina que publicou editorial sobre as Olimpíadas e a busca pelo trabalho sexual, seguido de textos escritos por pessoas favoráveis e contrárias à regulamentação da prostituição. Blogueiras Feministas e Mídia Ninja são outros dois importantes portais nos quais circulam informações sobre o tema.
  • 6
    A escolha dos grupos para análise foi feita levando em consideração os mais atuantes em cada região, e também pela possibilidade de acesso às principais demandas por meio de redes sociais e blogs.
  • 7
    As entrevistas foram realizadas por telefone (APPS-Recife, APROS-PB, APS-RN), por Skype (Davida), por escrito (NEPPOA, Tulipas do Cerrado) e presencialmente (Aprosmig). Na Aprosmig conversei com duas representantes e tive a oportunidade de passar uma tarde no interior da sede da associação.
  • 8
    Para não repetir muitas vezes reivindicações análogas, principalmente as que estão presentes em todas as associações, reuni em denominações gerais demandas similares. Por exemplo, o reconhecimento legal da profissão que aparece escrito de diversas formas em cada um dos grupos.
  • 9
    Todas as traduções foram feitas de modo livre pela autora.
  • 10
    Projeto de Lei n. 4211/2012, de autoria do deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ), popularmente conhecido por PL Gabriela Leite, em homenagem à uma das principais ativistas dos direitos das prostitutas.
  • 11
    Os nomes das entrevistadas estão apresentados conforme acordo estabelecido antes da entrevista e assegurado por Termo de Consentimento Livre e Esclarecido datado e assinado. Ademais, como se tratam das representantes das associações, suas identidades são públicas e amplamente conhecidas, sendo difícil manter o anonimato.
  • 12
    Estou ciente do debate entre Fraser e Honneth e das diferenças que existem entre suas ideias de reconhecimento e justiça. Estou também ciente das tentativas de aproximar os projetos teóricos de ambos, mais especificamente presentes em Celi Pinto (2008)PINTO, Celi. (2008), “Nota sobre a controvérsia Fraser-Honneth informada pelo cenário brasileiro”. Lua Nova, 74: 35-58. e Ricardo Mendonça (2007)MENDONÇA, Ricardo. (2007), “Reconhecimento em debate: os modelos de Honneth e Fraser em sua relação com o legado habermasiano”. Revista de Sociologia e Política, 27: 169-185.. Não retomo tal discussão no presente texto propositadamente, principalmente porque pretendo mostrar que as noções desenvolvidas por Fraser e Honneth colaboram na compreensão de dimensões distintas ensejadas no movimento de prostitutas. Nesse sentido, trata-se de um cruzamento entre os autores com a finalidade de interpretar a realidade das associações, que formulam suas reivindicações a partir de pressupostos diversos, tornando necessário abordar um conjunto amplo de explicações teóricas.
  • 13
    É de suma importância refletir o valor atribuído ao trabalho (e às ocupações que estão inseridas nessa categoria) para compreender a importância da regulação profissional para as prostitutas, que estão em uma atividade amplamente estigmatizada e marginalizada.
  • 14
    Conheço a controvérsia Fraser-Butler e estou informada também de que Butler não se filia aos marcos da teoria do reconhecimento tal como Fraser e Honneth. Entretanto, para compreender a complexidade e profundidade da empiria sob escrutínio foi necessário lançar mão de concepções distintas (e em constante desavença) de reconhecimento e de justiça. Ainda que os autores não coadunem com as mesmas premissas, suas reflexões ajudam a iluminar dimensões distintas e fundamentais do fenômeno em pauta.
  • 16
    Aqui me baseio na ideia tridimensional de Fraser (op. cit.), mas não a adoto da forma proposta por esta autora. Trata-se de uma adaptação para refletir sobre o caso destrinchado.
  • DOI: 10.1590/3510310/2020

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  • 15
    O título das considerações finais alude à obra Scales of Justice de Fraser (2010)FRASER, Nancy. (2010), Scales of justice: reimaging political space in a globalizing world. New York, Columbia University Press., especificamente à entrevista realizada por Sonia Arribas & Ramón del Castillo (2007) com a autora, de mesmo nome. Apesar da referência direta à Fraser, aqui não se trata de reproduzir suas três dimensões de justiça, mas revelar que no caso das associações de prostitutas a justiça tridimensional está atrelada às reflexões de Fraser, Honneth e Butler.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Maio 2020
    • Data do Fascículo
      2020

    Histórico

    • Recebido
      21 Ago 2018
    • Aceito
      20 Nov 2019
    Creative Common - by 4.0
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