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Produção legislativa e preferências eleitorais na Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara dos Deputados

Legislative output and electoral preferences at the Chamber of Deputies Committee for Agriculture and Rural Policy

Production législative et préférences électorales à la Commission d'Agriculture et de Politique Rurale de la Chambre des Députés

Resumos

Esse artigo estuda a função legislativa da Comissão de Agricultura e Política Rural, assim como a nomeação dos membros desta comissão. Primeiramente, analisou-se o processo legislativo, com respeito ao tempo de tramitação, tipos de parecer, partidos proponentes e conteúdo das propostas. Observou-se que os projetos são examinados pela comissão, mas há um número significativo de pareceres negativos aprovados. Em seguida, verificou-se se os membros da comissão têm reduto eleitoral em áreas rurais ou não. Os dados sugerem que eles não provêm de municípios rurais, e que a tese informacional explica melhor a lógica de nomeação dos membros do que a tese distributiva.

Processo legislativo; Comissão de agricultura; Conexão eleitoral; Congresso brasileiro


The purpose of this article is to investigate the legislative performance of the Agriculture Committee and the logics behind its members' appointments. In the first part it analyses the legislative process with regards to time, Committee reports, party initiative, and content of bills. Committees generally debate on bills, but it is significant the number of rejection reports. In the second part it analyzed whether the committee members are supported by voters from rural areas or not. The data suggests that they do not come from agricultural towns and that the informational theory explains the logics of nomination better than the distributional theory.

Legislative process; Agricultural committee; Electoral connection; Brazilian Congress


Cet article étudie la fonction législative de la Commission d'Agriculture et de Politique Rurale, ainsi que la nomination des membres de cette commission. Nous avons, tout d'abord, analysé le processus législatif, en respectant le temps de renvoi aux commissions, les genres d'avis, de quels partis partent les propositions et leur contenu. Nous avons, ainsi, observé que les projets sont examinés par la commission, mais il existe un nombre significatif d'avis contraires approuvés. Ensuite, nous avons examiné si les membres de la commission ont un réduit électoral dans des zones rurales ou pas. Les données suggèrent qu'ils ne sont pas issus de communes rurales et que la thèse informationnelle explique mieux la logique de la nomination des membres que la thèse distributive.

Processus législatif; Commission d'agriculture; Connexion électorale; Congrès brésilien


Produção legislativa e preferências eleitorais na Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara dos Deputados* * Uma versão anterior deste trabalho foi apresentada no encontro anual da Anpocs, Caxambu, 2003, Grupo de trabalho "Estudos Legislativos". Agradecemos aos comentários dos participantes desse grupo, bem como a Marcos José Mendes, pela gentileza de compartilhar parte de seu banco de dados sobre municípios, e a Ricardo Pereira e Letícia Teixeira, pela assistência na alimentação parcial de dados no SPSS.

Legislative output and electoral preferences at the Chamber of Deputies Committee for Agriculture and Rural Policy

Production législative et préférences électorales à la Commission d'Agriculture et de Politique Rurale de la Chambre des Députés

Paolo Ricci; Leany Barreiro Lemos

RESUMO

Esse artigo estuda a função legislativa da Comissão de Agricultura e Política Rural, assim como a nomeação dos membros desta comissão. Primeiramente, analisou-se o processo legislativo, com respeito ao tempo de tramitação, tipos de parecer, partidos proponentes e conteúdo das propostas. Observou-se que os projetos são examinados pela comissão, mas há um número significativo de pareceres negativos aprovados. Em seguida, verificou-se se os membros da comissão têm reduto eleitoral em áreas rurais ou não. Os dados sugerem que eles não provêm de municípios rurais, e que a tese informacional explica melhor a lógica de nomeação dos membros do que a tese distributiva.

Palavras-chave: Processo legislativo; Comissão de agricultura; Conexão eleitoral; Congresso brasileiro.

ABSTRACT

The purpose of this article is to investigate the legislative performance of the Agriculture Committee and the logics behind its members' appointments. In the first part it analyses the legislative process with regards to time, Committee reports, party initiative, and content of bills. Committees generally debate on bills, but it is significant the number of rejection reports. In the second part it analyzed whether the committee members are supported by voters from rural areas or not. The data suggests that they do not come from agricultural towns and that the informational theory explains the logics of nomination better than the distributional theory.

Key words: Legislative process; Agricultural committee; Electoral connection; Brazilian Congress.

RÉSUMÉ

Cet article étudie la fonction législative de la Commission d'Agriculture et de Politique Rurale, ainsi que la nomination des membres de cette commission. Nous avons, tout d'abord, analysé le processus législatif, en respectant le temps de renvoi aux commissions, les genres d'avis, de quels partis partent les propositions et leur contenu. Nous avons, ainsi, observé que les projets sont examinés par la commission, mais il existe un nombre significatif d'avis contraires approuvés. Ensuite, nous avons examiné si les membres de la commission ont un réduit électoral dans des zones rurales ou pas. Les données suggèrent qu'ils ne sont pas issus de communes rurales et que la thèse informationnelle explique mieux la logique de la nomination des membres que la thèse distributive.

Mots-clés: Processus législatif; Commission d'agriculture; Connexion électorale; Congrès brésilien.

Introdução

Como as comissões permanentes afetam as escolhas legislativas do Congresso brasileiro? Muitos cientistas políticos têm observado que, nos parlamentos modernos, o elemento organizacional mais comum a ser encontrado são as comissões permanentes (Strom, 1998, p. 55), uma área abundante e ainda promissora nos estudos legislativos. O interesse dos estudiosos é facilmente entendido. De fato, ao constituírem-se em grupos menores do que o plenário, as comissões favorecem a participação de grupos organizados, facilitam o trabalho de coleta e distribuição de informações, diminuem os custos de decisão, abrem espaço para a participação mais ativa das minorias, propiciam ambiente de negociação e consenso e permitem que os representantes possam atingir seus objetivos – sejam eles a realização de determinada política pública, a vocalização de grupos de interesse, sejam sua própria reeleição. A evidência, baseada na simples observação, mostra que as comissões permanentes com funções legislativas integram a estrutura organizacional da maioria dos parlamentos. Na Europa, o número médio de comissões permanentes varia entre dez e vinte por parlamento (Mattson e Strom, 1995).1 1 Vale lembrar que há notáveis exceções, como os parlamentos do Reino Unido e da Irlanda, onde não há registro de comissões permanentes com funções legislativas. No Reino Unido, quando um deputado apresenta um projeto de lei, institui-se uma comissão ad hoc para o exame da proposta. O committee, assim constituído, tem como objetivo emendar e/ou refinar a proposta de lei, mas não modificá-la em seus fundamentos, uma vez que o debate é anterior à entrada na comissão e se dá no plenário. Na Irlanda, ocorre o mesmo (ver De Vergottini, 1993). Essa prática é completamente distinta da norte-americana, em que as comissões são o centro do processo legislativo (Oleszek, 2001), e também da brasileira, em que as comissões têm amplos poderes de legislar, e a discussão das matérias legislativas é anterior ao debate em plenário (Lemos, 2002).

A Câmara dos Deputados do Congresso brasileiro não se diferencia dos demais nesse aspecto, e conta com dezenove comissões permanentes. A implicação imediata é a de que a organização dos trabalhos internos no Congresso Nacional constitui-se uma ótima linha de pesquisa, capaz não só de mostrar o formato da dinâmica interna dos trabalhos parlamentares, mas também de detalhar o processo de tomada de decisão em um âmbito restrito e que favorece as interações face a face. Entretanto, observa-se uma escassez de estudos sobre as comissões brasileiras, seja em termos de estudo de caso, seja como ausência de uma linha de pesquisa mais ampla que tenha como foco principal o estudo do processo legislativo, assim como este se dá no interior delas.

O objetivo deste artigo é contribuir para o avanço nessa área. Em particular, o trabalho busca caracterizar o tipo de processo legislativo dentro das comissões em dois níveis. Em primeiro lugar, o formato do processo legislativo, isto é, como, em função da agenda decisória brasileira, as propostas de lei tramitam no Congresso brasileiro. O segundo objetivo insere-se numa discussão teórica já bem estruturada no contexto norte-americano, mas ainda pouco desenvolvida para o caso brasileiro, que supõe testar se as comissões atuam segundo o modelo distributivo ou o informacional, e traçar evidências empíricas.

Nosso estudo focaliza a Comissão de Agricultura e Política Rural dos Deputados (CAPR). A escolha de uma comissão determinada parte da idéia de que precisamos, em primeiro lugar, limitar a análise em vista da enorme quantidade de propostas legislativas apresentadas por ano no Congresso brasileiro.2 2 Os projetos de lei ordinária introduzidos na Câmara dos Deputados passam das mil unidades por ano. Um segundo argumento, mais relevante, enfatiza o fato de que as propostas de áreas diferentes podem ter comportamentos legislativos igualmente diferenciados. O caso italiano tem mostrado, por exemplo, que algumas comissões são mais ativas do que outras em termos de propostas analisadas e no tempo de tramitação (Capano e Giuliani, 2001). O mesmo foi demonstrado para o Senado brasileiro, em que as Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania e de Assuntos Econômicos demonstram ser mais ativas do que as demais (Lemos, 2002). Quanto ao caso em questão, vale apenas lembrar que a dimensão agrícola é uma componente essencial do mundo socioeconômico brasileiro, envolvido por polêmicas e interesses organizados segundo diferentes lógicas. Nesse sentido, a forma pela qual se dá a relação entre o mundo político e os setores agrícolas no Congresso torna-se uma questão relevante a ser estudada.

Primeiramente, analisaremos a literatura que firma posição no desempenho das comissões brasileiras. Em seguida, nossos esforços serão voltados para o estudo da totalidade das propostas encaminhadas à CAPR nas últimas três legislaturas, que correspondem ao período de 1991 a 2003. Serão analisados fatores concernentes à iniciativa legislativa das propostas dos deputados, o tipo de tramitação dos projetos e suas áreas temáticas, seja em função da legislatura na qual foram apresentadas, seja tendo em conta o diferente perfil político dos proponentes. Ao abordar duas questões clássicas no estudo legislativo – distributivismo e informacionismo –, serão utilizados dados referentes ao reduto eleitoral dos titulares da comissão e à sua profissão.

Perspectivas e hipóteses sobre o desempenho das comissões permanentes brasileiras

Quando o foco é o estudo do processo legislativo, sob uma perspectiva neoinstitucionalista, é possível destacar duas tendências analíticas dominantes. A primeira põe em evidência os condicionamentos internos que a arena parlamentar proporciona aos políticos nas diversas fases do processo legislativo. Nessa linha, vários autores têm investigado o poder de agenda e a influência que as comissões permanentes têm sobre o resultado final.3 3 Não se trata aqui de retomar essa linha de análise. Basta lembrar que, para os Estados Unidos, as referências obrigatórias são os trabalhos de Shepsle (1979; 1986a; 1986b). Para o caso italiano, os textos de Di Palma (1977), que analisam o período relativo à Primeira República, e de Capano e Giuliani (2001), para o contexto atual. A segunda abordagem tem o foco analítico mais voltado para o estudo do estilo decisório dos atores políticos. A idéia central dessa orientação é a de que as comissões podem se tornar instrumentos organizacionais que viabilizam o objetivo primário dos políticos: a reeleição. Nesse sentido, quando as comissões permitem a troca de influência entre os políticos sobre os direitos acerca das matérias de suas competências (Weingast e Marshall, 1988), é que se efetiva um dos modelos, distributivo ou informacional. O primeiro trabalha com a perspectiva de que as comissões são arenas de maximização eleitoral, ou núcleos cooperativos para as trocas legislativas (logrolling). Já a abordagem informacional admite que as comissões sejam agentes facilitadores dos "ganhos de especialização", fundamentais para a coleta e a distribuição de informações aos congressistas, e para aproximar as políticas de seus resultados desejáveis, possibilitando, assim, a reeleição (Khrebiel, 1991).4 4 A outra vertente clássica dos estudos legislativos é a partidária, em que as comissões funcionariam basicamente como cartéis do partido majoritário, excluindo as minorias, e em que os membros cooperam para atingir objetivos também partidários. Expoentes contemporâneos dessa vertente são Cox e McCubbins (1993). Além dessas três linhas de análise, pode-se adicionar a teoria da rivalidade bicameral, de Diermeier e Myerson (1999), segundo a qual quanto mais pontos de veto na estrutura constitucional de governo, mais obstáculos uma câmara irá criar dentro de sua própria estrutura organizacional (Groseclose e King, 2001). De qualquer maneira, não trataremos neste estudo diretamente da primeira vertente, tampouco abordaremos a questão do arranjo institucional bicameral.

Se os termos da discussão forem esses, como se comporta o Congresso brasileiro? Seriam as comissões permanentes no Brasil tão relevantes quanto as do congresso norte-americano ou as do parlamento italiano?5 5 Há consenso na literatura em atribuir às comissões permanentes norte-americanas e italianas amplos poderes decisórios que, em ultima instância, são a componente essencial para o sucesso das normas de cunho local. É preciso lembrar que a função legislativa das comissões permanentes italianas foi dominante nas primeiras legislaturas, quando cerca de 70% dos projetos de lei eram aprovados em comissão, sem passar pelo plenário (Di Palma, 1977). A partir dos meados da década de 1970, houve uma diminuição considerável desse percentual, que se manteve, no entanto, superior a 50% até 1992, para então declinar sucessivamente a taxas inferiores a 20% (Capano e Giuliani, 2001). Para a importância das comissões nos Estados Unidos, ver Deering e Smith (1987). Seria possível concluir que seus membros atuam numa ou noutra perspectiva – informacional ou distributiva?

Para responder a essas perguntas é preciso ter em mente que o desempenho legislativo das comissões permanentes depende de seus poderes formais. Digamos que as comissões possuam amplos poderes positivos, como no caso desfrutam as comissões permanentes brasileiras.6 6 Na literatura corrente, costuma-se distinguir entre poderes negativos ou positivos (Krehbiel, 1988). São negativos quando à comissão não é permitida ou é dificultada qualquer mudança do status quo. São positivos quando, contrariamente, a comissão pode alterar o conteúdo das propostas segundo suas preferências. De fato, além da iniciativa legislativa, da possibilidade de modificar propostas e de gozar de amplos recursos informacionais,7 7 Em particular, as comissões podem organizar atividades como audiências públicas, simpósios, painéis, além de requisitar informações do Executivo e o auxílio de órgãos formais como o Tribunal de Contas da União. as comissões podem ter, de acordo com o regimento interno e a Constituição de 1988, poderes terminativos. Essa prerrogativa institucional segue a lógica da organização dos trabalhos internos do parlamento italiano, em que as comissões podem examinar e aprovar definitivamente um projeto de lei sem que ele passe pelo plenário. Do ponto de vista do processo decisório, a questão é: Quem controla o tempo de tramitação das propostas nas comissões? Sobretudo, poderia um projeto que tramita de maneira terminativa numa comissão ser debatido no plenário? No caso brasileiro, sabemos que o pedido de urgência garante ao Executivo um controle elevado sobre a agenda legislativa. Estudos recentes têm enfatizado o fato de que é por meio desse instrumento que o Executivo consegue aprovar mais depressa seus projetos prioritários (Figueiredo e Limongi, 1999). Da mesma forma, também as propostas de deputados que tramitam em regime de urgência têm mais chance de sucesso (Amorim Neto e Santos, 2002; Ricci, 2003).

Ao analisar todas as implicações desse tipo de regra decisória, o debate sobre as comissões brasileiras é quase unívoco em atribuir-lhes um papel secundário. Devido à prerrogativa exclusiva do presidente para apresentar propostas em alguns temas específicos e para editar medidas provisórias, mecanismos associados a poderes institucionais conferidos ao Colégio de Líderes, como a possibilidade de utilizar instrumentos que aceleram a aprovação de proposições de seu interesse, os parlamentares estariam impedidos de exercer, por meio do sistema de comissões, um papel mais efetivo no processo legislativo. Assim, as comissões teriam um papel apenas secundário – ou negativo – de frustrar a vontade da maioria, arquivando projetos (Bernardes, 1996; Pessanha, 1997; Figueiredo e Limongi, 1995, 1996). Não é surpreendente, portanto, que, com base nessa crença, haja uma orientação analítica que desvaloriza o problema inerente ao estudo da análise do processo legislativo na forma como este ocorre dentro das comissões.

Uma outra interpretação tem a hipótese de que as comissões funcionariam como centros de agregação das tendências paroquialistas dos deputados brasileiros. Para quem acentua a componente relativa à arena eleitoral, e não a parlamentar, é a estrutura da competição eleitoral que determina o comportamento do deputado e, conseqüentemente, o tipo de projeto que ele tende a apresentar. Em particular, dado um sistema eleitoral fortemente centrado sobre as características do candidato, a produção legislativa ordinária é, sobretudo, um procedimento para processar quaisquer demandas provenientes dos próprios eleitores; e isso significaria, em última instância, o domínio da prática paroquialista (Ames, 1995a, 1995b). Entretanto, o foco na organização dos trabalhos internos ao Congresso Nacional, evidencia como o investimento em políticas paroquiais não tem fundamento empírico (Figueiredo e Limongi, 1999; Lemos, 2001; Amorim Neto e Santos, 2002; Ricci, 2003). No mérito dos estudos que analisam o formato da organização dos trabalhos na arena parlamentar, foi observado que o processo decisório brasileiro é tão centralizado – no Executivo e/ou por meio das lideranças partidárias – que desestimularia o envolvimento em questões paroquiais por meio da legislação ordinária via comissões permanentes.8 8 As evidências da falta de paroquialismo surgem também quando o foco analítico passa a ser o estudo do processo orçamentário e, em particular, das emendas dos deputados. No exame do orçamento executado, Figueiredo e Limongi (2002) mostram que o local de aplicação privilegiado pelos deputados não é o município onde, em tese, haveria interesse individual na distribuição de benefícios locais, mas o estado. Outros autores afirmam que apenas as emendas efetivamente executadas, e não as emendas individuais na Lei Orçamentária, são relevantes para confirmar a hipótese da reeleição (Pereira e Rennó, 2001).

Apesar dessas considerações, todas baseadas em evidências empíricas, ainda permanecem os dois problemas básicos que o paradigma neoinstitucionalista proporciona: o da agenda decisória e o do estilo decisório. Sobretudo – eis o ponto – não temos uma clara definição do papel exercido pelas comissões permanentes. De fato, seriam elas centros de agregação de preferências capazes de influenciar, modificar ou bloquear as propostas dos deputados brasileiros?

Do ponto de vista da agenda, mesmo num contexto de um processo decisório altamente centralizado, acreditamos ser questionável a orientação da literatura que defende um papel secundário das comissões. E isso em virtude da existência de fortes indícios de que a dinâmica do law-making brasileiro atribui um papel relevante à atuação das comissões como centros decisórios. Em primeiro lugar, estipula-se que algumas comissões sejam mais relevantes do que outras. Ribeiral (1998), em estudo de caso, acentua o caráter diferenciado do sistema de comissões, em que algumas seriam mais disputadas como arena política e consideradas mais relevantes para a condução do processo legislativo do que outras. Demonstra que a Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da Câmara dos Deputados exerce seu poder terminativo, é extremamente produtiva e, apesar da grande rotatividade, favorece a especialização interna, além de se configurar como um importante veto player institucional, num espaço onde "os lobbies internos têm maior poder de barganha partidária" (Idem, p. 77). Sem entrar no mérito da questão relativa à qualidade das propostas apresentadas9 9 Da mesma forma que nascem propostas com o objetivo manifesto de mudar o status quo, é possível, em maior escala, encontrar projetos sem pretensão alguma desse tipo e que respondem, apenas, a um desejo de sinalização do deputado para seus eleitores. Essas propostas aparecem geralmente na literatura como "propostas-bandeira". , o fato de termos um alto índice de projetos de deputados indica um argumento analítico puramente lógico. O problema é saber o que acontece com esses projetos e, sobretudo, mostrar o desempenho das comissões no exame das propostas legislativas.

Quanto ao estilo decisório, num sistema que centraliza a prática legislativa e, em vista disso, que desfavorece as práticas paroquialistas, resta considerar qual seria a lógica de ocupação de cargos no interior das comissões. Dentro do espírito da tese distributiva, que supõe a existência de uma conexão eleitoral clara e definida, é oportuno, por exemplo, observar se o tipo de reduto eleitoral do deputado pode explicar a ocupação de cargos de titulares na CAPR. Mais precisamente, a hipótese a ser testada diz respeito à idéia de que os titulares têm redutos eleitorais rurais consistentes e, portanto, preferem ser nomeados titulares na CAPR em vez de assumirem outras comissões. Mesmo que isso não signifique, como visto, a apresentação de propostas paroquiais, pode apontar para uma escolha do deputado voltada à manutenção dos laços com seu eleitorado. Por outro lado, sob uma perspectiva informacional, em que as comissões permanentes "desempenhariam, alternativamente, o papel de gerar informação e reduzir incertezas" (Pereira e Muller, 2000, p. 61), interessante é verificar se os titulares da CAPR escolhem-na por causa da profissão exercida antes do ingresso na Câmara dos Deputados. O fato de isso ocorrer evidencia a propensão à especialização que os deputados têm e, ao mesmo tempo, mostra que as comissões desenvolvem um papel relevante segundo a perspectiva informacional.

A sessão seguinte analisará o aspecto da agenda decisória da CAPR, em seguida o modelo informacional e o distributivo serão objeto de investigação.

Os projetos de lei despachados à CAPR: análise dos dados

A primeira constatação remete à quantidade de propostas do Executivo em relação às do Legislativo.10 10 Foram excluídas todas as propostas retiradas pelo proponente, os projetos apensados, os anexados e os prejudicados, salvo, nesses casos, a comissão já ter concluído o exame do projeto. Ao analisar os dados relativos à iniciativa legislativa em matéria agrícola (Tabela 1), evidencia-se a escassez das propostas oriundas do governo. Para o período em exame, desconsiderando-se os tratados internacionais, que são apenas ratificações, as propostas vindas do governo somam apenas 31, enquanto os projetos apresentados pelos deputados atingem o número de 482. Em termos meramente quantitativos, isso é um sinal inequívoco de que é o Congresso Nacional que exerce o papel principal no âmbito dos debates de temas agrícolas. Entretanto, ao observar o resultado final das propostas, verifica-se que quinze das propostas do Executivo foram transformadas em normas jurídicas. Isso ocorreu somente em catorze projetos apresentados por deputados.

O que explica tal resultado é o uso do pedido de urgência, elemento previsto na organização dos trabalhos internos da Câmara dos Deputados. Uma análise mais detida das propostas apresentadas e aprovadas confirma que, somente em caso do interesse das lideranças partidárias – por meio das quais se manifesta formalmente o pedido de urgência –, os projetos têm chance concreta de se tornar lei (Amorim Neto e Santos, 2002; Ricci, 2003). Mais precisamente, dos catorze projetos de lei bem-sucedidos, cinco foram aprovados recorrendo ao instrumento da urgência. Para as propostas do Executivo, em todas as quinze proposições as lideranças serviram-se da urgência para acelerar a tramitação e facilitar a aprovação final das normas. Nenhum dos projetos de lei arquivados recebeu a apresentação de um pedido de urgência.

Esses projetos surgem em elevado número, conforme ainda a Tabela 1, e o arquivamento é uma constante em todas as legislaturas. Dos 432 projetos arquivados, deve-se observar que 33,6% tramitaram em legislaturas diferentes antes de serem arquivados, isto é, trata-se de projetos arquivados ao final de cada legislatura, mas imediatamente desarquivados, nos termos do art. 105, parágrafo único do regimento interno. Não é raro que sejam definitivamente arquivados na legislatura sucessiva. O fato de termos estabelecido como data final da pesquisa o dia 31 de janeiro de 2003, concluindo portanto a coleta dos dados no último dia da 52ª legislatura, significa que os projetos desarquivados no início da legislatura atual não foram incluídos. Ou seja, o percentual de 33,6% de projetos que tramitam em mais de uma legislatura deve ser interpretado como valor abaixo do efetivo.11 11 É preciso reconhecer que a prática do desarquivamento não tem suscitado nenhum interesse entre os estudiosos. Investigações futuras deveriam aprofundar o fenômeno e entender a lógica do desarquivamento que, em termos percentuais, é significativa.

Como entender o valor referente a 482 propostas despachadas à Comissão de Agricultura? É possível afirmar que se trata de um número substancial? A comparação com as outras comissões do Congresso Nacional é problemática, já que não há estudos recentes nessa matéria. Em trabalho pioneiro sobre a organização e o funcionamento do Congresso, Figueiredo e Limongi informam que, no período de 1989 a 1995, o volume de projetos distribuídos entre as diferentes comissões revela que a Comissão de Agricultura ocupou a penúltima posição, à frente apenas da Comissão de Minas e Energia (Figueiredo e Limongi, 1996). Com um levantamento detalhado das propostas encaminhadas à comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP), Diniz mostra que em apenas quatro anos, entre 1989 e 1993, a agenda de propostas apresentadas a essa comissão chega a 1.144 (Diniz, 1999). É claro, portanto, que, além do baixo número de aprovação das propostas, pode-se dizer que as temáticas ligadas à área da agricultura canalizam um menor interesse dos deputados.12 12 Dos 482 projetos despachados à CAPR, 28 tiveram sua origem no senado. A que se deve isso?

Uma resposta mais precisa será dada na segunda parte deste artigo, quando estabelecermos a relação entre distribuição dos votos e ocupação de cargos de titulares na comissão. Algumas considerações podem, contudo, ser apresentadas nesse momento. De acordo com os dados da Tabela 1, observa-se que há um leve e progressivo aumento das propostas despachadas à Comissão de Agricultura, que passam de 140 a 165 e, enfim, a 177, numa média mensal de 2,9% para a 50ª legislatura e 3,4 e 3,7% para as sucessivas. Em termos absolutos, isso sinaliza um incremento do interesse na temática ao longo dos anos. A dinâmica desse aumento está demonstrada na Tabela 2.

Observando os dados nela apresentados, nota-se que grande parte do incremento é devido ao aumento mais ou menos constante das iniciativas legislativas de alguns partidos (como PSDB, PFL, PDT e PT). Atente-se para o dado que agrupa os partidos da área do governo e os de oposição. Nas 51ª e 52ª legislaturas, PSDB, PMDB, PFL, PPB e PTB apresentaram conjuntamente 63,6% e 75,1% das propostas. Esses partidos têm preponderância na origem das propostas, mas é relevante o fato de que, entre os partidos oposicionistas, o PT e o PDT foram os que mais projetos apresentaram, embora se deva ressaltar que na 52ª legislatura, à diminuição de propostas do PT – que passa de 34 para 20 projetos –, há um crescimento de propostas apresentadas pelo PPE.

Importa agora esclarecer que os números absolutos, e mesmo as percentagens, não levam em conta o fato de que os partidos têm bancadas quantitativamente muitos diferentes entre si. Para isso, foi aplicado o Índice de Atividade Legislativa (IAL), que traduz o número de propostas legislativas apresentadas por partido.13 13 Esse índice é a divisão entre o número de propostas e o número de deputados de um determinado partido. Considerando as elevadas taxas de migração partidária, para o cálculo da bancada de cada partido foi necessário estabelecer uma média de parlamentares entre os que estavam inscritos no dia da posse e aqueles do último dia da legislatura. Para uma aplicação do IAL e os problemas inerentes ao seu cálculo, ver o trabalho de Lemos (2001). Dessa forma, fica evidente que, ao levar em conta a bancada, os partidos mais envolvidos com propostas legislativas da área agrícola são os de esquerda.

Até aqui temos um quadro analítico das iniciativas legislativas e dos atores partidários que as apresentam. Há referências freqüentes na literatura sobre o Congresso Nacional de que ele está constantemente comprometido com questões locais: a estratégia básica dos políticos em busca da reeleição é a de se posicionarem em favor de políticas paroquialistas (Ames, 1995a, 1995b). Outros estudos, que ressaltam o elevado grau de centralização do processo decisório no Congresso, têm mostrado que essa imagem não corresponde à realidade, já que a maioria das normas sancionadas é de cunho nacional (Figueiredo e Limongi, 1998; Lemos, 2001; Amorim Neto e Santos, 2002; Ricci, 2003).14 14 Entretanto, para sustentar a vertente dos autores que procuram demonstrar a relação entre deputados e eleitores, Amorin Neto e Santos afirmam que o paroquialismo dos deputados não passaria pelas normas ordinárias, mas apenas pelas questões secundárias relativas à concessão de serviços de rádio e televisão. Dando destaque para a arena eleitoral, Ricci (2003) enfatizou o fato de que, em virtude das amplas circunscrições, a melhor forma de sinalizar para os próprios eleitores não passa pelo envolvimento em questões locais, mas, mais precisamente, pelas propostas que favorecem determinadas categorias de interesses espalhados sobre o território nacional.

A análise do conteúdo dos projetos de lei, diferenciados por legislatura e por partido político do proponente, permite confirmar esse último argumento. A Tabela 3 analisa a evolução do conteúdo das propostas parlamentares nas três legislaturas em exame. Todos os 482 projetos foram classificados em nove categorias, às quais foi acrescentada uma categoria residual denominada "outros" (alguns exemplos são mencionados no Apêndice Apêndice ). Em termos gerais, isto é, agrupando as três legislaturas, é possível observar que não existe uma categoria dominante. Algumas temáticas apresentam, em média, percentuais maiores – como a categoria da reforma agrária, as políticas setoriais de cunho nacional, os créditos rurais, as normas sobre importação/exportação, a ocupação do solo rural –, mas sem se destacar das demais.

Do ponto de vista da evolução da iniciativa legislativa para as categorias supracitadas, os dados revelam valores quase idênticos em todas as legislaturas, salvo para duas categorias: a da reforma agrária e a do crédito rural. Para a primeira, o crescimento significativo das propostas se dá na 51ª legislatura, enquanto a segunda apresenta uma relativa diminuição.

Antes de enfrentar o problema do ponto de vista do espectro político dos proponentes, é oportuno levar em conta o dado que aponta para o pouco interesse em temas relativos ao associativismo e sindicalismo, à regulamentação de profissões e às políticas setoriais de cunho local.15 15 A diferença entre políticas setoriais de cunho local e as de abrangência nacional é definida pela amplitude territorial do tipo de custo-benefício que a política acarreta. Para uma discussão sobre os tipos de lei, ver Ricci (2002). Os dados informam que a configuração de atitudes distributivas setoriais é significativa, já que, agrupando a segunda e terceira categoria, chega-se a 20,6% do total nas três legislaturas. Vale notar que as categorias de cunho nacional – admitindo, mas não concedendo, que tudo que for setorial é distributivo – são superiores às de políticas locais. Assim, confirma-se mais uma vez a teoria de que no processo legislativo os deputados trabalham, quando envolvidos em questões setoriais, para problemáticas abrangentes.

De que forma os partidos políticos são responsáveis por essa evolução? Ao considerarmos os dados da Tabela 4, nota-se como o PMDB participa na determinação de todas as áreas temáticas apontadas anteriormente como majoritárias. O fato de que isso ocorra também para o PFL, PSDB e o PPB pode ser interpretado como um grau de consonância entre essas forças políticas que, não por acaso, convergiram na coalizão de governo naquele momento. Nesses termos, mesmo com tênues diferenças entre si,16 16 O PSDB distancia-se dos seus aliados e não trata de temas relativos a normas sobre importação/exportação e comercialização, preferindo a dos direitos gerais. pudemos descrever as iniciativas legislativas prevalecentes nos partidos da área do governo. Em conseqüência, é significativo o dado associado às propostas relativas à reforma agrária que, nas três legislaturas consideradas, provêem 77,6% das vezes do PMDB, PFL, PPB e PSDB, isto é. de deputados que, a partir da 50ª legislatura, formam a coalizão de governo. O principal partido de oposição à época, o PT, apresentou seis projetos, voltando sua atenção para a categoria das normas relativas à importação/exportação (a maioria, propostas de fixação de tarifas com vistas à proteção de produtos brasileiros e de regulamentação do comércio de produtos agrotóxicos) e da ocupação do solo rural, referentes à fixação do Imposto Territorial Rural e ao ordenamento geral do território. Cabe, por fim, ressaltar que as propostas de cunho local, e que aparecem no debate como as práticas destinadas a manter ou estabelecer o vínculo entre deputado e eleitor, vêem do PFL e do PPS. São forças políticas altamente envolvidas, com oito projetos cada. Entretanto, os partidos não convergem de forma homogênea para esse tipo de proposta. Ao analisar os dados, destaca-se o fato de que doze projetos – todos voltados à criação de distritos agropecuários – são de iniciativa de apenas um deputado (Marcio Bittar, do PPS) e de um senador (Romero Jucá, do PFL). Isso torna evidente que a ação paroquialista é minoritária e depende da ação esporádica de alguns políticos.

O quadro assim apresentado desfruta de uma análise que nos ajuda a identificar as preferências decisórias das forças políticas com as propostas dedicadas a temáticas agrícolas. Não se deve esquecer que a literatura política sobre as comissões – especialmente a norte-americana – postula a existência de um interesse individual do deputado quanto ao envolvimento no processo decisório. Às vezes em detrimento da orientação partidária, essa perspectiva afirma que a estratégia do deputado pode ser apresentar projetos de lei com base na própria experiência pessoal ou para atender a determinados grupos de interesse. Nesse último caso, tendo em vista os dados que apontam para a falta do envolvimento dos deputados brasileiros em questões locais, o peso da iniciativa legislativa destinar-se-ia a grupos setoriais amplos e distribuídos sobre o território nacional.

De forma geral, podemos entender essa questão observando a relação entre o proponente e a respectiva ocupação de cargos na Comissão de Agricultura. Dos 454 projetos apresentados por deputados federais, 63% foram propostos por titulares/suplentes dessa Comissão, ou que já tinham exercido esse papel. A implicação é óbvia: o comportamento legislativo em geral pode ser mais bem compreendido quando se investiga o desempenho dos titulares da comissão, suas preferências e seus interesses específicos. Essa é a justificativa que nos levou a destinar ao estudo dos titulares da comissão uma sessão à parte.

Antes disso, é oportuno aprofundar-se no exame das iniciativas legislativas. Trata-se de compreender qual é o desempenho da Comissão de Agricultura ao longo do processo decisório. O primeiro aspecto a ser considerado remete ao tipo de organização dos trabalhos parlamentares: 92,5% das propostas encaminhadas à Comissão de Agricultura são despachadas com poderes terminativos, o que revela uma elevada descentralização do processo decisório. E isso ocorreu nas três legislaturas consideradas, sem grandes variações na taxa de descentralização. Quando nos deparamos com esse dado, de imediato assume força a associação com as experiências norte-americana e italiana, nas quais as comissões permanentes gozam de uma proeminência absoluta na organização dos trabalhos legislativos (Lees e Shaw, 1979). A prática legislativa brasileira mostra, contudo, que os fortes poderes formais das comissões encontram muitos obstáculos na própria dinâmica interna ao processo decisório. A Tabela 5 aponta nessa direção.

A primeira constatação é a de que a Comissão de Agricultura, quando as propostas nela ingressam, tende a examinar, elaborar e aprovar um parecer final. De fato, são "apenas" 142 – 34,3% do total – os projetos que, entrando na comissão, acabam por serem arquivados, sem que seja apresentado ou votado qualquer parecer. Quanto à demora na decisão, na maior parte das vezes o parecer é dado e votado na mesma legislatura. Dos 272 projetos, cujos pareceres foram votados e aprovados, apenas 21,7% são analisados pela comissão em legislaturas diferentes. O que acabamos de especificar dá margem à idéia de três tipos de decisão que afetam os projetos despachados à cada comissão.

O primeiro tipo corresponde, na verdade, à inexistência de decisão, devido a fatores externos à comissão e ao fato de que há propostas que nunca chegam a nela ingressar, embora devessem formalmente, já que são designadas pela Mesa Diretora. No banco de dados, são sessenta os projetos que se encontram nesta condição. A explicação está na múltipla distribuição: os projetos, na Câmara dos Deputados, são em geral distribuídos a várias comissões pertinentes, além da Comissão de Constituição, Justiça e Redação. De fato, a CAPR é a segunda comissão na ordem de despacho estabelecida pela Mesa em 83,3% das vezes. Para os projetos que chegam a entrar na comissão, esta taxa cai para 16,9%. Essa forma organizacional cria uma série de pontos de veto dentro da instituição.

O segundo tipo de decisão refere-se àqueles projetos que entram na comissão mas que acabam por ser arquivados sem que seja decidido seu mérito. A partir dos 142 projetos nessa categoria, é possível avançar algumas hipóteses interpretativas. Em primeiro lugar, é fundamental distinguir o poder de veto do parlamentar individual – que apresenta o parecer –, do poder de veto do presidente da comissão – que não distribui o projeto ou não o inseri na agenda de deliberação. Trata-se, em ambos os casos, do poder da não-decisão, fato que pode ser atribuído a um conjunto de fatores, como, por exemplo, a falta de consenso quanto ao tema ou à sua pequena importância em relação aos demais, que o tornaria uma proposta marginal. Mesmo assim, vale notar que os casos em que o projeto foi "guardado" pela comissão são sempre inferiores ao terceiro tipo de decisão, a saber, quando os projetos são analisados e apreciados de forma conclusiva. Descritivamente, os dados parecem apontar por uma prevalência deste terceiro tipo que, em síntese, espelha a capacidade de chegar a um acordo final quanto às propostas que tramitam na comissão.

Os dados referentes à Tabela 5 podem, em última instância, demonstrar o papel ativo da CAPR, o que contradiria a idéia de que as comissões exercem um papel de veto sobre as propostas legislativas (Figueiredo e Limongi, 1996; Ricci, 2003). Mas que tipo de parecer final é aprovado? Ter um parecer aprovado significa a aprovação da lei? Para os 272 casos em que a comissão chega a expressar um voto final, em 94 vezes o parecer aprovado é contrário no mérito. Ou seja, agrupando os pareceres contrários e as 142 propostas bloqueadas em comissão, chega-se a 236 projetos em que a CAPR ou não decide, ou decide negativamente. Isso representa 57% das propostas examinadas pela comissão, confirmando o perfil das comissões como instância de veto.

Observa-se, de forma conclusiva, que 85,3% dos 272 projetos que receberam um parecer final da Comissão de Agricultura e, portanto, seguiram a tramitação ideal, não tendo sido anteriormente vetado em nenhuma outra comissão, foram sucessivamente arquivados antes de serem debatidos no plenário da Câmara dos Deputados (232 projetos). Para os demais, doze ainda tramitavam em outras comissões da Câmara no momento do fechamento do banco de dados e sete esperavam por decisão do plenário. Apenas 21 terminaram a tramitação na Câmara e foram despachados ao Senado, dos quais três foram arquivados, nove transformados em norma jurídica, cinco vetados totalmente pelo presidente e os quatro restantes ainda encontravam-se na segunda Casa no momento do fechamento desta pesquisa. Sob essa perspectiva, é patente que, para o sucesso de um projeto, o custo de tramitação tem o efeito de diminuir significativamente as expectativas de seu sucesso.

Ocupação de cargo na Comissão de Agricultura: aquisição de expertise e conexão eleitoral

Feitas essas considerações sobre a tramitação das propostas na CAPR, no que diz respeito à produção legislativa vis à vis o Executivo, o conteúdo das propostas e a classificação por partidos políticos, passamos à analise da composição da CAPR segundo o histórico profissional e o desempenho eleitoral dos membros em municípios rurais.

Essa análise, como anteriormente assinalado, terá como foco as vertentes informacional e distributiva. No primeiro caso, regras privilegiadas, como as closed rules e gate-keeping power, garantem que as comissões tenham maior acesso às informações e possam se especializar. A especialização dos parlamentares é fundamental para tornar o processo eficiente (aproximando as políticas dos resultados desejados) e, assim, possibilitar o alcance do objetivo final – a reeleição. As comissões têm um papel preponderante na coleta das informações necessárias ao andamento legislativo e na distribuição dessas informações entre os congressistas, diminuindo os custos da decisão para todos. A formulação dessa vertente está atada a dois postulados fundamentais: a decisão majoritária e a incerteza quanto aos resultados das políticas, o que leva os parlamentares a agirem de forma a evitar riscos (Khrebiel, 1991).17 17 Pereira e Mueller (2000) apresentam um teste empírico da teoria informacional aplicado à Câmara dos Deputados, incluindo o Executivo como ator dominante. Na vertente distributiva, o fator preponderante é a conexão eleitoral. Uma vez que os legisladores estão sujeitos a eleições periódicas, e o espaço eleitoral é o geográfico, a "conexão eleitoral" significa que todo membro do Congresso tem forte incentivo para atender aos interesses específicos dos eleitores de sua região (Weingast e Marshall, 1988).

A primeira parte da análise, portanto, verifica se representantes com laços profissionais na área agrícola anteriores à vida parlamentar buscam fazer parte da CAPR. É preciso salientar que todas as informações foram retiradas do repertório biográfico dos próprios parlamentares. Isso dificulta a classificação, já que o critério de atribuição de um parlamentar numa dada categoria profissional se dá por autodesignação. Para tentar identificar não somente os que têm um vínculo strictu sensu, mas também todos os que de alguma forma estão profissionalmente vinculados à agricultura ou ao meio rural, acrescentamos à análise os critérios da ocupação de cargos públicos e da militância sindical na área. No caso em questão, de 1991 a 2003, 298 deputados ingressaram na comissão como titulares.18 18 A proporção partidária é definida constitucional e regimentalmente, de forma que não há como buscar os preference outliers por partido político. Entretanto, levando em conta a distribuição por estados, a preferência torna-se patente: sete estados têm mais de 50% da representação na comissão, no período estudado. Minas Gerais teve 34 representantes, seguido de 29 do Rio Grande do Sul, 24 do Paraná, 18 da Bahia, 17 de Tocantins, 16 de Goiás e 15 de Santa Catarina. Todos, claramente, com fortes interesses agrícolas.

De acordo com a Tabela 6, o teste informacional do expertise dos parlamentares quanto ao seu histórico profissional demonstrou-se válido, confirmando o fato de que a especialização tem impacto significativo na nomeação (Santos, 2002). A porcentagem, na comissão, de deputados da área de agricultura segue uma média de 61,6%. Ela permaneceu constante para as três legislaturas consideradas, sendo de 62,3% para a Legislatura de 1991 a 1995; 58,7%, para a de 1995 a 1999; e 64,6%, para o período de 1999 a 2003.19 19 Foram incluídas as seguintes profissões da área de agricultura: produtor rural, agropecuarista, pecuarista, médico-veterinário, extensionista rural, agricultor, engenheiro agrônomo, fazendeiro, técnico agrícola, empresário rural, lavrador, citricultor, trabalhador rural, administrador rural e técnico de lacticínios. A Tabela 6 mostra a divisão dos membros da comissão segundo o partido político. Ficam visíveis, então, os dois partidos que designaram proporcionalmente mais membros profissionais para a CAPR, na área respectiva de especialização: o PFL (quatro vezes o número de parlamentares que não são profissionais da agricultura) e o PT (uma vez e meia o número de parlamentares que não têm experiência anterior na agricultura). Isso certamente não quer dizer que ambos tenham o mesmo perfil, mas que são partidos que canalizam para essa comissão seus especialistas. O único partido a ter mais representantes sem o background agrícola foi o PSDB.20 20 Esse dado pode estar vinculado ao perfil dos componentes de cada partido, suas agendas e história política, tema do qual não trataremos neste artigo.

Quanto ao teste distributivo, o propósito aqui foi verificar se os parlamentares que buscaram compor a CAPR vêm de municípios rurais, partindo da premissa de que, para se reeleger, o deputado sempre buscará o contato com seus eleitores. O município rural é importante? O voto rural tem peso significativo na distribuição dos votos totais dos deputados titulares da CAPR? A partir dessas questões centrais, orientamos a investigação no sentido de reunir dados capazes de permitir a definição das problemáticas em discussão.

Em primeiro lugar, concentrando a investigação sobre as eleições de 1994 e de 1998, observou-se que os 155 titulares da CAPR no período em questão obtiveram votos em 32.21921 21 É evidente que esse número seja o somatório de municípios onde houve registro de voto para cada deputado individual, e, assim, excede em muito o número real de municípios brasileiros. Assim, são mais de 30 mil municípios-referência, porque levam em conta os históricos individuais. municípios, alcançando um total de 7.228.402 votos. Do ponto de vista empírico, esses números levantam um problema operacional. Para resolver a questão, basta refletir sobre a relevância dos votos em cada município: Teriam eles a mesma importância no que diz respeito à quantidade de votos? A literatura é unânime em apontar, no caso brasileiro, para a concentração de votos em poucos municípios, que se tornariam cidades-chave na lógica da competição eleitoral (Ames, 2001; Samuels, 2003). Sendo essas as condições de funcionamento da dinâmica eleitoral, decidimos desconsiderar os casos nos quais os deputados conseguiram poucos votos, concentrando o estudo sobre as cidades mais relevantes. Dois critérios foram utilizados: (1) os votos computados para cada deputado não poderiam ser inferiores a 80% do total; e (2) inclusão obrigatória dos municípios que computavam um limite mínimo de trezentos votos. O total de registros de municípios passou então para 5.002, 15,5% do total. Nessa porcentagem de municípios, os titulares somaram 6.263.463 votos, o que representa 86,7% do total. Fato que confirma, em síntese, o voto concentrado dos parlamentares. Devemos, ainda, ressaltar que dos 5.002 municípios, não foi possível levantar dados sobre doze. Portanto, os dados apresentados referem-se a 4.990 casos.

O segundo problema operacional remete ao problema da qualificação dos municípios nos quais os deputados obtiveram votos de forma significativa. Classificamos os 4.990 municípios de acordo com a população residente, segundo dados do IBGE (ano-base 1996). Foram adotadas três categorias: (1) município rural, quando a população rural era superior a 50%; (2) município intermediário, quando a população rural estava entre 33,3% e 49,9%; e (3) município urbano, quando a população rural era inferior a 33,3% do total.

Antes de passar ao exame dos dados, é necessária uma reflexão sobre o critério aqui escolhido para conceber e entender de forma correta a relação entre deputado e reduto eleitoral. O tipo de município (rural/urbano) seria um critério satisfatório? Antes de tudo, esta escolha partiu do reconhecimento de que outros critérios – como as atividades econômicas por município e o número de empregados por setor – não apresentam dados em todos os municípios. Deve-se ressaltar, ainda, que o conceito de propriedade familiar é um dos itens considerados para estimar o público potencial da reforma agrária. A legislação que regulamenta a criação do Banco da Terra segue esta lógica, de modo que os agricultores proprietários de imóveis, cuja área não alcance a dimensão da propriedade familiar, constituem uma maneira de definir o público prioritário (Gasques e Conceição, 2000). Portanto, as diferenças entre os números de domicílio é uma estratégia válida para caracterizar a importância do voto rural no sistema eleitoral brasileiro.

O estudo da performance dos titulares da CAPR nas eleições de 1994 e de 1998 revelou-se muito interessante. A Tabela 7 apresenta os dados sobre o tipo de município que "alimentou" eleitoralmente os membros da comissão. Os municípios de perfil urbano somaram 42,9% (2.141) e, portanto, têm uma participação maior no envio de parlamentares. Os membros dessa comissão não são todos, nem em sua maioria, oriundos de bases eleitorais rurais, tampouco procedem de bases urbanas, já que, do ponto de vista estrito,existe uma distribuição. Mas pode-se dizer que, proporcionalmente à distribuição populacional brasileira, os municípios rurais têm sim um peso maior na CAPR do que no total dos representantes da Câmara. Somando-se ainda municípios rurais e intermediários, tem-se uma ampla maioria de 57,1%.

Quanto ao perfil regional, a Tabela 7 mostra que as regiões Norte, Nordeste e Sul têm uma grande participação de municípios rurais, embora com diferenças: na bancada nordestina, a participação de bases eleitorais rurais chega a ser duas vezes a de municípios urbanos e, na bancada sulista e nortista, a proporção de municípios rurais e urbanos tende a ser equilibrada. É preciso enfatizar que, no Nordeste, nos estados da Bahia, Maranhão, Paraíba e Piauí, a categoria "município rural" é numericamente superior à dos "urbanos" e "intermediários", quando considerados em conjunto. Para os demais estados – Alagoas, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe – os municípios rurais são significativos, mas os intermediários também têm relevância. Destaca-se o Rio Grande do Norte por ter, em comparação aos demais estados da região, votos significativos em municípios urbanos. Quanto ao Sul, é importante enfatizar que o baixo número de municípios intermediários se dá graças a Santa Catarina e Rio Grande do Sul, estados onde os deputados se concentram em cidades urbanas ou rurais. No Centro-Oeste e no Sudeste, a ocorrência dos tipos intermediário e rural é muito inferior à de municípios urbanos, apontando para uma maior distribuição populacional nas áreas urbanas. A região Norte apresenta um quadro bastante similar ao Nordeste, apesar da prevalência de municípios rurais no Pará e de o peso da categoria urbana ser maior.

Até o momento referimo-nos apenas aos dados dos municípios. Mas vale lembrar que a dinâmica do sistema eleitoral brasileiro prevê distritos com magnitude médio-alta. E, em particular nos distritos com magnitude elevada, a competitividade será maior, seja em termos de número de candidatos, seja em termos de número de votos a serem obtidos para alcançar o quociente eleitoral. A partir dessa consideração, é licito pensar que o peso competitivo dos municípios rurais é menor onde a magnitude for maior e a população se concentrar em centros urbanos grandes. Nesse sentido, basta olhar para os dados relativos ao tamanho populacional dos municípios em exame. Dos 1.865 municípios classificados como rurais, é muito significativa a porcentagem (50%) dos que têm população inferior a 10 mil habitantes, enquanto entre os 2.141 municípios urbanos, o peso das cidades pequenas é de apenas 14,6%. Por que o candidato deveria gastar tempo, energia e recursos pessoais em vários municípios rurais quando poderia se concentrar unicamente em uma grande área urbana? Evidentemente precisamos analisar quanto e em que proporção o voto em cidades rurais é significativo.

Pode-se observar na Tabela 8 os votos por municípios, ou seja, a participação de votos oriundos de municípios rurais, intermediários e urbanos na composição da CAPR, durante as eleições de 1994 e 1998. Esses dados demonstram que, embora os municípios urbanos representem 42,9% do universo de municípios representados na CAPR, os votos equivalentes chegam a 57,1% do total (3.571.431, num total de 6.253.314). Assim, o peso eleitoral dos municípios urbanos, em número de votos, é mais significativo do que a representação dos municípios pela população. Isso se explica parcialmente pela demografia brasileira, com a população concentrada em cidades. Com o atual sistema, é também mais barato buscar votos nas cidades do que no campo, em virtude, como assinalado anteriormente, do tamanho do distrito e da competitividade.

A distribuição regional do voto mantém a predominância do rural no Nordeste, embora não na mesma proporção que o tipo de município. De fato, se agruparmos as categorias urbano e intermediário, a Bahia surge como o único caso em que a categoria rural consegue concentrar mais votos (52% dos totais). Entretanto, vale salientar que, se para Alagoas, Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí e Sergipe os votos obtidos em cidades rurais permanecem significativos (respectivamente, 38,5%, 38,8%, 49,4%, 42,3%, 40,7%, e 45,9%), para Pernambuco e Rio Grande do Norte a votação está circunscrita nos centros urbanos (51,2% e 69,1%, respectivamente). As regiões Norte e Sul, que apresentaram um equilíbrio entre municípios rurais e urbanos, passam a ter um contingente de votos bem mais significativo na área urbana. Os votos urbanos representam 60,4%, 60,5% e 51%, respectivamente, para Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Na região Norte, apenas o Pará tem votos urbanos inferiores às outras duas categorias. Sempre com base nos dados da Tabela 8, vemos como as regiões Centro-Oeste e Sudeste confirmam a tendência da concentração dos votos em municípios urbanos.

Dessa forma, é possível apontar para o menor peso dos municípios rurais quando a análise é restrita ao exame dos votos dos titulares. Num sistema eleitoral altamente competitivo, caracterizado por grandes distritos e por uma população majoritariamente urbana, o peso eleitoral dos municípios rurais tornou-se menos relevante. Posto nesses termos, a questão distributiva se torna menos importante para a titularidade da comissão. Poderíamos então afirmar que o teste informacional é o mais significativo? Para responder a essa pergunta, voltemos nossa análise para as duas explicações relativas à titularidade.

De modo descritivo, o teste informacional e o distributivo revelam que há quatro tipos de titulares na Comissão de Agricultura. O primeiro é o que poderíamos chamar de "titular de área" (tipo A), já que combina uma profissão ligada ao setor agrícola com uma concentração de votos em áreas rurais. Dos 155 deputados titulares em exame, 37 adequavam-se a essa categoria. O segundo tipo é o "titular distributivista" (tipo B), que não tem profissão específica de área, mas possui acima de um terço de votos em cidades rurais. Para o período em exame, eles são apenas 15. O terceiro tipo representa o "titular por especialização" (tipo C). Ao contrário do anterior, ele tem profissão ligada ao mundo rural, sem gozar de votos relevantes nos municípios rurais. Trata-se do tipo mais representativo, incluindo 63 titulares da comissão. Finalmente, o quarto tipo refere-se ao "titular sem interesses manifestos" (tipo D). Para os quarenta casos em questão, nem a profissão nem o reduto rural são características explicativas da presença dos deputados na Comissão de Agricultura. O fato de os deputados com profissão constituírem maioria e de os chamados distributivistas comporem uma minoria sinaliza para a fragilidade da hipótese distributiva em relação à informacional, pelo menos para o caso da Comissão de Agricultura.

Devemos, contudo, nos deter sobre essa questão, afinal o tipo A, que agrupa 37 titulares, esconde os dois modelos de comportamento do deputado ao relacionar concomitantemente a participação na CAPR com a profissão e o reduto rural. Para analisar esse aspecto, decidimos fazer um teste a partir do grau de rotatividade que a comissão apresenta. Poderíamos explicar a permanência do titular na comissão, por uma legislatura inteira, a partir de sua profissão e/ou de seu reduto eleitoral?

O teste foi feito adotando o procedimento estatístico da regressão logística. A variável dependente era a permanência ou não do deputado na comissão para o período de uma legislatura. As variáveis independentes foram o tipo de profissão do titular e seu reduto eleitoral. No primeiro caso, a variável apresentava-se como ter ou não ter profissão ligada ao setor agrícola; no segundo, optou-se por dicotomizar a variável, diferenciando entre deputados com votos significativos em municípios rurais (acima de 33,3% dos votos totais) e deputados sem votos significativos em municípios rurais (abaixo de 33,3%). A Tabela 9 evidencia os resultados obtidos da análise univariada, demonstrando que apenas a profissão está associada à permanência do deputado na comissão.22 22 Foi feita a análise multivariada para observar possíveis alterações nos dados univariados. Entretanto, a introdução da variável "reduto eleitoral" não ajustou os valores da variável "profissão" (? = 1,910; ORbruta = 6,752; IC = [2,643; 17,247]). Em particular, titulares com profissões na área têm 6,9 mais chances de permanecer do que os que não têm profissão na área. O tipo de reduto eleitoral não é estatisticamente significativo [IC95% = 0,890; 3,576], de forma que é possível considerar apenas o fator profissão como preditor da menor rotatividade dos titulares.

Mas somente com base neste teste seria possível afirmar a eficiência explicativa do modelo informacional? Em primeiro lugar, é importante salientar que a rotatividade dos membros é significativa, mesmo entre os deputados que têm profissão na área agrícola. Para os 155 titulares em exame, dos cem que tinham profissões na área, 54% não permaneceram durante uma legislatura inteira. Embora a porcentagem seja mais baixa em relação aos que têm redutos eleitorais (a porcentagem dos que deixam a comissão aumenta para 57,7%), é claro que esse fato desfavorece a teoria informacional, uma vez que os parlamentares têm a especialização prejudicada quando não permanecem na comissão. Entretanto, no caso da CAPR, há casos de rotatividade cíclica: os parlamentares saem da comissão e depois retornam a ela. Assim, o problema é saber por que esses deputados saem da comissão. Duas hipóteses podem ser apresentadas: ou o partido, por meio das lideranças, tende a enfraquecer a permanência dos próprios membros por períodos prolongados, fortalecendo seu papel como centro distribuidor de privilégios, ou os deputados decidem sair para defender propostas e projetos inerentes a outras temáticas que tramitam em outras comissões. Uma dinâmica desse tipo, se confirmada, demonstraria, para ambas as hipóteses, a insuficiência do modelo informacional, já que aponta para a importância do aspecto político-partidário ou para a existência de diferentes formas de expertise político do parlamentar.

Em segundo lugar, a grande rotatividade foi marcante no primeiro governo FHC, quando apenas catorze titulares, do total de 88, permaneceram na comissão durante toda a legislatura. Entretanto, no segundo governo FHC, a rotatividade foi menor, com 38 dos 63 titulares permanecendo até o fim da legislatura. É importante ressaltar que, como não se adota no Brasil o princípio da senioridade e as comissões funcionam num sistema estratificado, a intensa rotatividade dos parlamentares pode ser explicada a partir da segunda legislatura de cada mandato, quando o parlamentar ganha um "passe" para outra comissão mais importante. Sendo assim, considerando que a decisão final a respeito da ocupação de cargos numa comissão é dos líderes partidários, a dimensão partidária torna-se mais relevante do que a esfera informacional. E o fato de ter havido um aumento da permanência dos deputados na comissão no segundo mandato de FHC pode estar ligado não ao aumento do prestígio interno da comissão dentro do sistema – evidenciado no baixo número de propostas legislativas –, mas numa estratégia das lideranças de partido.

Vale, contudo, observar que as comissões podem ser representativas do plenário ou ter preferências extremas. Essa avaliação pode ser feita mediante um estudo comparado do background profissional do plenário com o background de todas as comissões.23 23 Nesse sentido, Santos et al. (2000) abordam a questão do background (2003) desenvolveram um estudo das carreiras focado no Senado brasileiro na década de 1990, no qual demonstram uma ultra-especialização da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) em relação ao plenário, embora não demonstrem o mesmo em relação. Esse expertise prévio é relevante para os trabalhos das comissões e causa impacto no processo legislativo, pois os parlamentares trazem consigo suas redes de apoio, de financiamento de campanha, de interlocução, as quais passam a ser um canal privilegiado de informação dentro da comissão. Aspectos como os tipos, os pedidos e os propósitos das audiências públicas realizadas poderiam ajudar a iluminar os trabalhos das comissões e o papel da especialização prévia e posterior na coleta e distribuição de informações aos congressistas.

Essa discussão não pretende de forma alguma ser exaustiva. Tentamos apenas destacar como é extremamente duvidoso que o sistema de comissões possa ser concebido e entendido como uma aplicação do mero modelo informacional. Para o caso em questão, acreditamos que, além da dimensão partidária, seja necessário analisar a dinâmica da arena eleitoral. Num contexto altamente competitivo, em distritos amplos e heterogêneos, o deputado com votos em municípios rurais deve transferir sua atenção para votos em áreas urbanas, mais povoadas e onde há interesses diferentes. Desse modo talvez seja possível explicar a grande rotatividade dos membros, assim como o fato de ela ser cíclica.

Conclusão

Com este trabalho, buscamos três objetivos básicos. Primeiro, assinalar a importância de analisar as comissões quando se trata de entender a dinâmica do legislativo. Embora a área de estudos legislativos venha-se firmando, existe ainda um longo caminho a ser percorrido para a compreensão de como operam as diversas instâncias internas do Legislativo e de quanto isso influencia a qualidade da legislação produzida, do controle do Executivo e dos gastos governamentais.

Ao lado desse objetivo maior, apresentaram-se dois de natureza analítica, formulados a partir do estudo de caso da Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara dos Deputados. O primeiro era caracterizar o processo legislativo nas comissões, seja na forma – como as comissões exercem seus poderes e privilégios, especialmente o gatekeeping –, seja no conteúdo – propostas apresentadas segundo a área especifica –, seja a preferência dos partidos políticos na produção legislativa, seja, ainda, o timing da apreciação das propostas legislativas, o qual, na realidade, acaba sendo o timing de quem detém o poder de designar (presidente da comissão) ou responder à designação (o relator). O segundo objetivo era identificar se as comissões estariam compostas por preference outliers e se os titulares das comissões tinham redutos eleitorais com estreitos laços na comissão. No primeiro caso, tratava-se de uma hipótese observada na teoria informacional; no segundo, na teoria distributiva.

Os dados coletados e processados viabilizaram algumas conclusões interessantes seguindo cada um dos objetivos, algumas delas já anunciadas na literatura existente sobre o Legislativo brasileiro. Quanto ao exame da produção legislativa, após o estudo dos dados referentes a três legislaturas, não resta dúvida de que a Comissão de Agricultura exerce um papel ativo, se levarmos em conta o número de projetos por ela apreciados. Quanto ao tipo de tomada de decisão, gostaríamos de enfatizar o papel de veto que a comissão exerce. Dois dados apontam nessa direção: projetos bloqueados e tipo de parecer. Em primeiro lugar, o tipo de decisão que implica o bloqueio de um projeto na comissão pode ser interpretado como uma decisão do presidente de não relatá-lo ou, ainda, de não apreciá-lo. Isso significa, do ponto de vista prático, o envio do projeto para um relator que irá mantê-lo até o final da legislatura. Essa hipótese, que deverá ser investigada com mais rigor, baseia-se na idéia de que o processo legislativo encontra vínculos e limites significativos no intenso poder que exerce o presidente de comissão. De outro lado, a apresentação de pareceres contrários é também bastante significativa, o que demonstra a capacidade de auto-seleção da Comissão de Agricultura. De modo geral, é possível dizer que o número limitado de projetos que chegam a ser apreciados em plenário e, menos ainda, os que seguem para o Senado e se tornam lei deve-se ainda que parcialmente ao custo de tramitação, no qual as comissões representariam o fator mais relevante. Levando-se em conta que os projetos de lei na Câmara passam pelo exame de mais de duas comissões, e que a maioria delas os examinam terminativamente, basta um parecer negativo de uma única comissão para inviabilizar o sucesso das propostas legislativas.

Para cumprir o segundo propósito deste estudo, focalizamos a análise sobre a lógica de ocupação de cargos de titulares na Comissão de Agricultura – do expertise parlamentar e da conexão eleitoral. Demonstrou-se que os parlamentares que compõem a CAPR têm um elevado nível de especialização, o que repercute na aquisição e na distribuição de informações. Comprovou-se ainda que os municípios onde esses parlamentares concentram votos são na maioria rurais e intermediários, mas, em contrapartida, que a maior parte dos votos são urbanos. Isso ficou ainda mais patente quando passamos a discutir em conjunto os aspectos informacional e distributivo. Ao chamarem atenção para a grande rotatividade dos membros, os dados evidenciaram que somente a profissão pode explicar a permanência dos deputados na comissão durante uma legislatura inteira. Isso não quer dizer que não haja representação rural, mas apenas que ela não é majoritária, em decorrência tanto da concentração populacional nas cidades, como ao fato de que, pelo tamanho do distrito e da intensa competitividade, aos parlamentares convém buscar votos em municípios urbanos de ampla dimensão. Isso parece apontar para o fato de que os deputados titulares da Comissão de Agricultura têm interesses diversos; fato que pode explicar as taxas elevadas de rotatividade cíclica.

Em síntese, a investigação da conexão eleitoral unicamente como função da relação entre políticos e cidadãos (eleitores) não contempla toda a complexidade do processo legislativo, já que a representação se faz não só do ponto de vista geográfico, mas também dos interesses organizados. Assim, grupos de interesse – sindicatos, associações ruralistas etc. – podem ter influência em diversos tipos de município, viabilizando ou dificultando campanhas. A nosso ver, com relação a esse argumento, tornar-se-ia mais interessante para o estudo da dinâmica legislativa brasileira obter uma perspectiva analítica focada sobre os grupos de interesse, as atividades de lobby e a influência dos setores organizados da sociedade. Em outras palavras, para além da relação direta entre deputados e eleitores, é preciso considerar a policy community, a issue network ou os iron-triangles.

NOTAS

BIBLIOGRAFIA

Artigo recebido em outubro/2003

Aprovado em abril/2004

Paolo Ricci, mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), é doutorando em Ciência Política na mesma instituição. Recentemente publicou na revista Dados o artigo "O conteúdo da produção legislativa brasileira: leis nacionais ou políticas paroquiais?" E-mail: riccirez@aol.com.

Leany Barreiro Lemos é doutoranda no CEPPAC/Universidade de Brasília e servidora de carreira do Senado Federal. Atualmente, encontra-se no Congresso Norte-Americano, como American Political Science Association Fellow, e na Georgetown University, como pesquisadora associada. E-mail: leany@senado.gov.br.

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Apêndice

  • 1
    Vale lembrar que há notáveis exceções, como os parlamentos do Reino Unido e da Irlanda, onde não há registro de comissões permanentes com funções legislativas. No Reino Unido, quando um deputado apresenta um projeto de lei, institui-se uma comissão
    ad hoc para o exame da proposta. O
    committee, assim constituído, tem como objetivo emendar e/ou refinar a proposta de lei, mas não modificá-la em seus fundamentos, uma vez que o debate é anterior à entrada na comissão e se dá no plenário. Na Irlanda, ocorre o mesmo (ver De Vergottini, 1993). Essa prática é completamente distinta da norte-americana, em que as comissões são o centro do processo legislativo (Oleszek, 2001), e também da brasileira, em que as comissões têm amplos poderes de legislar, e a discussão das matérias legislativas é anterior ao debate em plenário (Lemos, 2002).
  • 2
    Os projetos de lei ordinária introduzidos na Câmara dos Deputados passam das mil unidades por ano.
  • 3
    Não se trata aqui de retomar essa linha de análise. Basta lembrar que, para os Estados Unidos, as referências obrigatórias são os trabalhos de Shepsle (1979; 1986a; 1986b). Para o caso italiano, os textos de Di Palma (1977), que analisam o período relativo à Primeira República, e de Capano e Giuliani (2001), para o contexto atual.
  • 4
    A outra vertente clássica dos estudos legislativos é a partidária, em que as comissões funcionariam basicamente como cartéis do partido majoritário, excluindo as minorias, e em que os membros cooperam para atingir objetivos também partidários. Expoentes contemporâneos dessa vertente são Cox e McCubbins (1993). Além dessas três linhas de análise, pode-se adicionar a teoria da rivalidade bicameral, de Diermeier e Myerson (1999), segundo a qual quanto mais pontos de veto na estrutura constitucional de governo, mais obstáculos uma câmara irá criar dentro de sua própria estrutura organizacional (Groseclose e King, 2001). De qualquer maneira, não trataremos neste estudo diretamente da primeira vertente, tampouco abordaremos a questão do arranjo institucional bicameral.
  • 5
    Há consenso na literatura em atribuir às comissões permanentes norte-americanas e italianas amplos poderes decisórios que, em ultima instância, são a componente essencial para o sucesso das normas de cunho local. É preciso lembrar que a função legislativa das comissões permanentes italianas foi dominante nas primeiras legislaturas, quando cerca de 70% dos projetos de lei eram aprovados em comissão, sem passar pelo plenário (Di Palma, 1977). A partir dos meados da década de 1970, houve uma diminuição considerável desse percentual, que se manteve, no entanto, superior a 50% até 1992, para então declinar sucessivamente a taxas inferiores a 20% (Capano e Giuliani, 2001). Para a importância das comissões nos Estados Unidos, ver Deering e Smith (1987).
  • 6
    Na literatura corrente, costuma-se distinguir entre poderes negativos ou positivos (Krehbiel, 1988). São negativos quando à comissão não é permitida ou é dificultada qualquer mudança do
    status quo. São positivos quando, contrariamente, a comissão pode alterar o conteúdo das propostas segundo suas preferências.
  • 7
    Em particular, as comissões podem organizar atividades como audiências públicas, simpósios, painéis, além de requisitar informações do Executivo e o auxílio de órgãos formais como o Tribunal de Contas da União.
  • 8
    As evidências da falta de paroquialismo surgem também quando o foco analítico passa a ser o estudo do processo orçamentário e, em particular, das emendas dos deputados. No exame do orçamento executado, Figueiredo e Limongi (2002) mostram que o local de aplicação privilegiado pelos deputados não é o município onde, em tese, haveria interesse individual na distribuição de benefícios locais, mas o estado. Outros autores afirmam que apenas as emendas efetivamente executadas, e não as emendas individuais na Lei Orçamentária, são relevantes para confirmar a hipótese da reeleição (Pereira e Rennó, 2001).
  • 9
    Da mesma forma que nascem propostas com o objetivo manifesto de mudar o
    status quo, é possível, em maior escala, encontrar projetos sem pretensão alguma desse tipo e que respondem, apenas, a um desejo de sinalização do deputado para seus eleitores. Essas propostas aparecem geralmente na literatura como "propostas-bandeira".
  • 10
    Foram excluídas todas as propostas retiradas pelo proponente, os projetos apensados, os anexados e os prejudicados, salvo, nesses casos, a comissão já ter concluído o exame do projeto.
  • 11
    É preciso reconhecer que a prática do desarquivamento não tem suscitado nenhum interesse entre os estudiosos. Investigações futuras deveriam aprofundar o fenômeno e entender a lógica do desarquivamento que, em termos percentuais, é significativa.
  • 12
    Dos 482 projetos despachados à CAPR, 28 tiveram sua origem no senado.
  • 13
    Esse índice é a divisão entre o número de propostas e o número de deputados de um determinado partido. Considerando as elevadas taxas de migração partidária, para o cálculo da bancada de cada partido foi necessário estabelecer uma média de parlamentares entre os que estavam inscritos no dia da posse e aqueles do último dia da legislatura. Para uma aplicação do IAL e os problemas inerentes ao seu cálculo, ver o trabalho de Lemos (2001).
  • 14
    Entretanto, para sustentar a vertente dos autores que procuram demonstrar a relação entre deputados e eleitores, Amorin Neto e Santos afirmam que o paroquialismo dos deputados não passaria pelas normas ordinárias, mas apenas pelas questões secundárias relativas à concessão de serviços de rádio e televisão.
  • 15
    A diferença entre políticas setoriais de cunho local e as de abrangência nacional é definida pela amplitude territorial do tipo de custo-benefício que a política acarreta. Para uma discussão sobre os tipos de lei, ver Ricci (2002).
  • 16
    O PSDB distancia-se dos seus aliados e não trata de temas relativos a normas sobre importação/exportação e comercialização, preferindo a dos direitos gerais.
  • 17
    Pereira e Mueller (2000) apresentam um teste empírico da teoria informacional aplicado à Câmara dos Deputados, incluindo o Executivo como ator dominante.
  • 18
    A proporção partidária é definida constitucional e regimentalmente, de forma que não há como buscar os
    preference outliers por partido político. Entretanto, levando em conta a distribuição por estados, a preferência torna-se patente: sete estados têm mais de 50% da representação na comissão, no período estudado. Minas Gerais teve 34 representantes, seguido de 29 do Rio Grande do Sul, 24 do Paraná, 18 da Bahia, 17 de Tocantins, 16 de Goiás e 15 de Santa Catarina. Todos, claramente, com fortes interesses agrícolas.
  • 19
    Foram incluídas as seguintes profissões da área de agricultura: produtor rural, agropecuarista, pecuarista, médico-veterinário, extensionista rural, agricultor, engenheiro agrônomo, fazendeiro, técnico agrícola, empresário rural, lavrador, citricultor, trabalhador rural, administrador rural e técnico de lacticínios.
  • 20
    Esse dado pode estar vinculado ao perfil dos componentes de cada partido, suas agendas e história política, tema do qual não trataremos neste artigo.
  • 21
    É evidente que esse número seja o somatório de municípios onde houve registro de voto para cada deputado individual, e, assim, excede em muito o número real de municípios brasileiros. Assim, são mais de 30 mil municípios-referência, porque levam em conta os históricos individuais.
  • 22
    Foi feita a análise multivariada para observar possíveis alterações nos dados univariados. Entretanto, a introdução da variável "reduto eleitoral" não ajustou os valores da variável "profissão" (? = 1,910; ORbruta = 6,752; IC = [2,643; 17,247]).
  • 23
    Nesse sentido, Santos
    et al. (2000) abordam a questão do
    background (2003) desenvolveram um estudo das carreiras focado no Senado brasileiro na década de 1990, no qual demonstram uma ultra-especialização da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) em relação ao plenário, embora não demonstrem o mesmo em relação.
  • *
    Uma versão anterior deste trabalho foi apresentada no encontro anual da Anpocs, Caxambu, 2003, Grupo de trabalho "Estudos Legislativos". Agradecemos aos comentários dos participantes desse grupo, bem como a Marcos José Mendes, pela gentileza de compartilhar parte de seu banco de dados sobre municípios, e a Ricardo Pereira e Letícia Teixeira, pela assistência na alimentação parcial de dados no SPSS.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Recebido
      Out 2003
    • Aceito
      Abr 2004
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