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Grau de cobertura e resultados econômicos do ensino supletivo no Brasil

Resumos

Este artigo analisa o ensino supletivo no Brasil, levando em consideração dois aspectos básicos: grau de cobertura e os resultados econômicos. O programa apresenta um baixo grau de cobertura mesmo entre os que ainda freqüentam a escola e possuem idade adequada. Os retornos econômicos se apresentam bastante diferentes entre o supletivo de 1º grau e o supletivo de 2º grau. Para o supletivo de 2º grau os retornos são inferiores ao programa regular. Já o supletivo de 1º grau apresentou um retorno absoluto equivalente e uma taxa de crescimento da renda, por ano adicional de estudo, duas vezes maior que a do 1º grau regular. O artigo chama atenção para a necessidade de se entender melhor a baixa cobertura do supletivo de 1º grau, uma vez que os seus resultados econômicos se mostram bastante atraentes.

resultados econômicos da educação; educação suplementar


This paper analyzes supplemental education in Brazil, taking into account two basic aspects: level of coverage and personal economic results. The program has a low degree of coverage, even among those who could benefit from the program. The estimates of economic results have shown that 2nd level supplemental program produced lower gains than the regular program, but the 1st level supplemental program, when compared to the 1st level regular system, demonstrated the same absolute gains and an income growth rate twice higher for each additional year of study. This paper highlights the need for better understanding of why the 1st level supplemental education program has a low degree of coverage in the presence of such a high economic return.


Grau de cobertura e resultados econômicos do ensino supletivo no Brasil* * Os autores agradecem a Renata Del Tedesco Narita pela excelente assistência a esta pesquisa

Francisco Anuatti Neto; Reynaldo Fernandes

Do Departamento de Economia da FEA/USP, campus de Ribeirão Preto

Sumário: 1. Introdução; 2. A questão da capacitação dos trabalhadores economicamente desfavorecidos; 3. Grau de cobertura do ensino supletivo; 4. Resultados econômicos do ensino supletivo; 5. Considerações finais.

Este artigo analisa o ensino supletivo no Brasil, levando em consideração dois aspectos básicos: grau de cobertura e os resultados econômicos. O programa apresenta um baixo grau de cobertura mesmo entre os que ainda freqüentam a escola e possuem idade adequada. Os retornos econômicos se apresentam bastante diferentes entre o supletivo de 1º grau e o supletivo de 2º grau. Para o supletivo de 2º grau os retornos são inferiores ao programa regular. Já o supletivo de 1º grau apresentou um retorno absoluto equivalente e uma taxa de crescimento da renda, por ano adicional de estudo, duas vezes maior que a do 1º grau regular. O artigo chama atenção para a necessidade de se entender melhor a baixa cobertura do supletivo de 1º grau, uma vez que os seus resultados econômicos se mostram bastante atraentes.

Palavras-chave: resultados econômicos da educação; educação suplementar

Códigos JEL: I21 e J24.

ABSTRACT

This paper analyzes supplemental education in Brazil, taking into account two basic aspects: level of coverage and personal economic results. The program has a low degree of coverage, even among those who could benefit from the program. The estimates of economic results have shown that 2nd level supplemental program produced lower gains than the regular program, but the 1st level supplemental program, when compared to the 1st level regular system, demonstrated the same absolute gains and an income growth rate twice higher for each additional year of study. This paper highlights the need for better understanding of why the 1st level supplemental education program has a low degree of coverage in the presence of such a high economic return.

1. Introdução

A necessidade de expandir o nível educacional do trabalhador brasileiro tem sido ressaltada por praticamente todos aqueles que se dedicaram a estudar os temas de desenvolvimento econômico, desigualdade e pobreza no Brasil. Entretanto, essa questão tem sido pensada, fundamentalmente, para a próxima geração de trabalhadores. Ou seja, a ênfase tem sido dada às políticas voltadas para o ensino regular de 1º e 2º graus.

Apesar de o Brasil contar com programas de educação para adultos (os supletivos de 1º e 2º graus), a importância desses programas como forma de elevar o poder de rendimento dos trabalhadores tem recebido pouca atenção.1 1 Para que se possa pensar o supletivo como um instrumento de elevar o poder de rendimento dos trabalhadores, é necessário conhecer tanto os custos aos quais os alunos estão submetidos (gastos financeiros, dificuldade para adquirir o aprendizado necessário etc.) quanto os retornos esperados daqueles que conseguiram concluir o programa. Em relação a este último aspecto, praticamente nada se sabe. A falta de estudos sobre os impactos econômicos do ensino supletivo pode ser, pelo menos em parte, explicada pela ausência de informações. As bases de dados geralmente utilizadas para analisar os retornos econômicos da educação não dispunham de informações sobre as pessoas que cursaram o supletivo. Entretanto, as Pnads de 1992, 1993 e 1995 possuem um quesito para conclusão do supletivo de 1º grau e outro para o 2º grau e, para os que concluíram, a última série de ensino regular cursada.2 2 Infelizmente, estes quesitos foram retirados da Pnad de 1996.

O objetivo deste artigo é, exatamente, o de explorar essas informações, tendo em vista duas preocupações básicas. A primeira é conhecer o grau de cobertura do programa, ou seja, a proporção de pessoas que se utilizam dele em relação àquelas que poderiam utilizar. A segunda é proporcionar uma primeira estimativa dos ganhos econômicos dos que conseguiram adquirir o grau via o programa em relação àqueles que não o possuem e em relação àqueles que o obtiveram por meio do ensino regular. Com isso, esperamos poder contribuir para se ter uma melhor compreensão da potencialidade de tais programas em uma política que busque elevar a renda dos trabalhadores menos qualificados.

O artigo foi desenvolvido em quatro seções, além desta introdução: a seção 2 discute a capacitação de trabalhadores pouco qualificados, procurando explorar melhor as motivações deste artigo; a seção 3 avalia o grau de cobertura do ensino supletivo no Brasil; a seção 4 estima os resultados econômicos do programa; por fim, na seção 5, tecem-se as considerações finais.

2. A Questão da Capacitação dos Trabalhadores Economicamente Desfavorecidos

A relação positiva entre rendimento e escolaridade é um dos padrões empíricos mais bem estabelecidos na literatura de economia do trabalho e da educação. Embora não seja unânime, a posição dominante é que tal relação tem sua principal explicação na causalidade de educação para rendimento. Ou seja, a escola desenvolveria certas habilidades individuais que são valorizadas no mercado de trabalho.

No Brasil, o perfil renda-escolaridade tem chamado particular atenção, em virtude de sua acentuada inclinação. Vários trabalhos têm mostrado que os salários crescem, por ano adicional de estudo, a uma taxa bem mais elevada do que a que se observa no exterior, mesmo se considerados apenas os países subdesenvolvidos (Barros & Mendonça, 1996; Ramos & Vieira, 1996; Lam & Levinson, 1990). Por outro lado, Barros e Mendonça (1996) argumentam que essa alta sensibilidade dos salários em relação ao nível educacional e o alto grau de desigualdade de escolaridade colocam a educação como o elemento mais importante na explicação da desigualdade salarial no Brasil. A eliminação dos diferenciais de renda por nível educacional reduziria a desigualdade salarial entre 35 e 50%, redução que é muito mais elevada do que a que se conseguiria com a eliminação dos diferenciais de renda provocados por fatores como gênero, raça, setor de atividade, região, idade etc.

Esses resultados têm contribuído para reforçar a proposição de que é difícil pensar uma política consistente de combate à pobreza e à desigualdade de renda que não passe por uma política educacional.

Considerando que, à exceção de algumas das regiões mais pobres do país, o acesso das crianças à escola não constitui um problema grave (Ribeiro, 1994), o debate sobre política educacional tem-se concentrado nas questões de como proporcionar aos que ingressam no sistema uma trajetória mais regular (combate à evasão e à repetência) e um ensino de melhor qualidade, especialmente na rede pública.3 3 Para uma discussão dos problemas da expansão escolar e da qualidade de ensino ver, entre outros, Mendonca (1994), Ribeiro (1994) e Xavier et alii (1994).

As discussões sobre política educacional pouco se têm dedicado ao problema dos jovens e adultos que precocemente abandonaram a escola e hoje se defrontam com baixos rendimentos. É possível que não haja muito a ser feito além de políticas de transferências diretas. Por outro lado, pode-se argumentar que a expansão educacional teria um efeito positivo mesmo para aqueles que possuem um baixo nível de escolaridade, porque haveria uma redução na oferta relativa de trabalhadores não-qualificados. Entretanto, a idéia de elevar a produtividade dos trabalhadores adultos e não-qualificados vem, há algum tempo, conquistando adeptos. Ela é um dos pilares básicos dos chamados programas de treinamento profissional.

A existência de programas de treinamento já é bastante antiga em praticamente todos os países. Nos anos recentes, o interesse por estes programas tem aumentado, isto em virtude do crescimento do desemprego na Europa e da desigualdade salarial em países como os EUA. Assim, além de elevarem os rendimentos dos trabalhadores, os programas de treinamento são considerados uma forma de enfrentar o problema do desemprego. Conceitos como requalificação profissional e empregabilidade são comuns tanto na mídia quanto na literatura especializada.

No Brasil, o interesse pelos programas de treinamento não tem sido menor. No passado, várias iniciativas nesse sentido foram tomadas, sendo o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e o Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial) os casos mais conhecidos. Mais recentemente, a Secretaria de Formação Profissional do Ministério do Trabalho e Emprego (Sefor) lançou o Plano Nacional de Qualificação Profissional (Planfor), um programa muito mais ambicioso do que os do passado. A meta global do Planfor era qualificar, no período 1995-98, cerca de 20% da PEA, além de assumir o desafio de dar formação profissional para trabalhadores de baixa escolaridade, reconhecidamente uma população que apresenta maiores dificuldades para obter resultados positivos.4 4 Uma crítica recebida pelos programas do sistema S de formação profissional refere-se à exclusão dos trabalhadores menos favorecidos. Amadeo (1992) conclui que o Senai treinava trabalhadores e jovens estudantes, mas não tinha programas especiais para desempregados; além disso, o nível de escolaridade dos treinados era alto, em comparação à escolaridade média dos trabalhadores brasileiros.

Os programas de treinamento podem cumprir o papel de facilitar a transição da escola para o trabalho. Neste caso, o treinamento seria complementar à escolarização e consistiria em dotar aqueles que já possuem um certo nível de escolaridade de habilidades mais específicas relacionadas aos postos de trabalho que vão ocupar no mercado de trabalho. Este tipo de treinamento é, em grande medida, oferecido pelas próprias empresas a seus empregados. Outro tipo de programa de treinamento seria aquele voltado para os trabalhadores com pouca escolaridade. Neste caso, o treinamento é visto como substituto, em vez de complementar à escolarização formal. Este segundo tipo de programa é aquele que apresenta o maior desafio para os diversos governos nacionais.

Existe hoje uma vasta literatura que procura avaliar o desempenho dos programas de treinamento para os desfavorecidos, em especial para os EUA e Europa. Friedlander, Greenberg e Robins (1997) realizaram um levantamento extensivo da literatura americana sobre a avaliação de tais programas, concluindo que a impressão geral, após 30 anos de avaliações, é que os programas de treinamento apresentam resultados modestos para homens adultos e falham em produzir resultados positivos para os jovens. Os resultados obtidos para as mulheres adultas são um pouco mais otimistas.

O Brasil não possui tradição em avaliar os impactos dos programas de treinamento, ou seja, avaliar a capacidade de tais programas em aumentar o rendimento dos que por eles passaram. No passado, as avaliações, quando realizadas, restringiam-se apenas a critérios internos: se o programa cumpre os objetivos por ele definidos, em relação tanto à aprendizagem quanto ao grau de cobertura. Este quadro parece estar mudando no caso do Planfor. Duas avaliações de impactos recentes para os PEQs5 5 Os planos estaduais de qualificação (PEQs) são os principais responsáveis pelo oferecimento dos cursos de formação do Planfor nos respectivos estados. apontam resultados médios positivos, mas modestos. Barros, Andrade e Perelli (1999), utilizando-se de método não-experimental, avaliam o ganho médio de rendimento daqueles que passaram pelo treinamento como sendo de 8% em Pernambuco e 5% no Mato Grosso, mas neste último caso o resultado não foi estatisticamente significativo. Já Rios-Neto e Oliveira (1999), utilizando-se de método experimental, encontraram, para Minas Gerais, um ganho médio de R$15,00 a R$20,00 para os participantes do programa.

Apesar de as avaliações de impacto do Planfor estarem no início, tornando prematura uma avaliação geral, os resultados apresentados requerem duas observações. A primeira refere-se ao fato de os ganhos de renda serem modestos não significar que os programas sejam economicamente inviáveis. Isto porque os custos dos programas são também modestos, de modo que a taxa de retorno pode ser elevada. A segunda é que mesmo admitindo que a taxa de retorno seja relativamente elevada, muito do otimismo depositado em tais programas como forma de combate à pobreza e à desigualdade parece exagerado. Os resultados que podem ser esperados dos programas de treinamento para enfrentar estes problemas parecem bastante limitados.

Outra alternativa para os jovens e adultos com pouca escolaridade, especialmente para os primeiros, seria adquirir um maior nível de escolaridade via programas de educação para adultos, no nosso caso, o supletivo de 1º e 2º graus. O supletivo possui duas características básicas: lidar com alunos mais velhos, o que possibilita diferentes métodos pedagógicos, e ser um programa de educação acelerada, reduzindo o tempo mínimo para que o aluno consiga o grau almejado.

Os estudos sobre a capacidade do supletivo em elevar a renda dos trabalhadores pouco escolarizados são praticamente inexistentes. Saber como o mercado de trabalho avalia os egressos dos cursos supletivos, assim como o custo aos quais os alunos estão submetidos (gastos financeiros, dificuldade para adquirir o aprendizado etc.), é fundamental para se ter uma avaliação mais apurada da potencialidade do programa. Isto parece ser mais importante para os jovens, pois a experiência internacional tem apontado este como o grupo que apresenta pior resultado nos programas de treinamento. É neste sentido que este artigo pretende dar uma contribuição.

3. Grau de Cobertura do Ensino Supletivo

Nesta seção, considerou-se como universo de análise o Brasil, excluindo-se a área rural da região Norte, para o ano de 1995.6 6 A área rural da região Norte, à exceção de Tocantins, não é coberta pela Pnad. Assim, resolveu-se excluir toda área rural da região Norte, inclusive Tocantins. Foram definidos como pessoas com potencial supletivo de 1º grau todos aqueles indivíduos com 15 ou mais anos de idade e que não completaram o 1º grau. Já as pessoas com potencial supletivo de 2º grau foram definidas como aquelas com 18 ou mais anos de idade e que concluíram o 1º grau, mas não o 2º grau.

Conforme as tabelas 1 e 2, 67,57% dos indivíduos com 15 ou mais anos de idade foram classificados como possuindo potencial supletivo de 1º grau, enquanto 40,03% dos indivíduos com 18 ou mais anos de idade e com 1º grau foram classificados como possuindo potencial supletivo de 2º grau. Isto corresponde a cerca de 69.690.304 e 12.361.181 pessoas, respectivamente. Estas taxas se mostraram elevadas para todas as regiões e faixa etárias, refletindo a baixa escolaridade dos brasileiros. Elas também não se mostraram significativamente diferentes entre homens e mulheres.

As tabelas 3 e 4 apresentam a proporção de pessoas com potencial supletivo que ainda freqüentam a escola. Elas mostram que, à exceção das faixas etárias mais jovens, a grande maioria das pessoas com potencial supletivo não freqüenta a escola. A maior participação dos jovens é algo esperado, em virtude de muitos deles, apesar do atraso escolar, não terem, ainda, abandonado o sistema.

Para nossos propósitos, o interessante é verificar qual a proporção dos que cursam o programa em questão, entre aqueles com potencial supletivo e que freqüentam a escola. A resposta aparece nas tabelas 5 e 6.

Entre os que freqüentam a escola, apenas uma pequena minoria dos que poderiam utilizar o programa supletivo está, de fato, se utilizando dele: 6,72% para o supletivo de 1º grau e 6,54% para o supletivo de 2º grau. É importante notar que esta participação é baixa, mesmo entre aqueles com idade mais elevada, onde se poderia esperar maior adesão ao programa. Apenas para região Sul e entre os mais velhos (acima de 26 anos para o 1º grau e acima de 36 anos para o 2º grau) a taxa de adesão superou os 50%.

Uma parcela das pessoas que podem utilizar o supletivo e hoje não o estão fazendo poderá vir a se utilizar do programa no futuro. Para dar uma idéia da contribuição do programa de supletivo no estoque de anos de escolaridade do país, as tabelas 7 e 8 apresentam, para os que concluíram os cursos de 1º e 2º graus, a proporção dos que adquiriram o grau através do programa. Novamente, as taxas se mostraram muito baixas. Das pessoas que possuem o 1º grau completo, apenas 2,24% o adquiriram através do supletivo. Para o 2º grau, essa taxa foi de 2,97%.

Essas taxas não podem ser vistas como a contribuição do ensino supletivo ao estoque de anos de escolaridade do país, porque elas não levam em consideração as pessoas que possuem menos de oito anos de estudo, como também não consideram, para os que concluíram o grau através do programa, quantos anos de escolaridade eles obtiveram no sistema regular de ensino. A tabela 9 apresenta, para os que obtiveram o grau através do supletivo, a distribuição da última série que freqüentaram no sistema regular de ensino. No caso do 2º grau, verifica-se que a maioria (59,88%) cursou todo o programa, o que é bastante distinto do que ocorre no 1º grau , onde essa taxa foi de apenas 4,75%. No 1º grau, a moda é cursar as últimas quatro séries (34,19% dos casos), sendo que a grande maioria que concluiu o programa (85,78%) já possuía, ao menos, quatro anos de escolaridade obtidos no sistema regular de ensino.

A conclusão desta seção é que o grau de cobertura do ensino supletivo no Brasil é muito baixo. A maioria das pessoas que podem utilizar programa não freqüenta a escola e, dos que freqüentam, a maioria o faz no sistema regular de ensino. Por outro lado, menos de 3% dos que concluíram os cursos de 1º e 2º graus o fizeram através do supletivo.

Este baixo grau de cobertura pode estar relacionado a diferentes fatores. Ele pode estar refletindo um problema de falta de vagas ou, pelo menos, de falta de vagas na rede pública de ensino. A inexistência de vagas na rede pública imporia aos candidatos do supletivo a alternativa de fazê-lo na rede privada a um maior custo. Isto poderia desestimulá-los a obter um maior nível de instrução ou deslocá-los para o sistema público de ensino regular. O problema de vagas do supletivo na rede pública merece ser estudado com atenção, mas não será objeto deste artigo.

A baixa cobertura do supletivo pode estar refletindo, também, um problema de atratividade do programa. O fato de o conteúdo programático do curso supletivo ser, a princípio, o mesmo do curso regular, com a diferença de ser oferecido num tempo menor, pode trazer dificuldade de assimilação do conhecimento por parte dos alunos. Assim, o curso supletivo seria mais difícil do que o curso regular e, na prática, poderia elevar, ao invés de diminuir, o tempo esperado para obtenção do grau. Ou, pode ser, ainda, que o ensino supletivo seja de qualidade inferior ao ensino regular e, assim, proporcionaria aos seus alunos uma baixa taxa de retorno. Este último ponto é o objeto de investigação da seção seguinte.

4. Resultados Econômicos do Ensino Supletivo

O objetivo desta seção é comparar os rendimentos dos que concluíram o curso supletivo com os daqueles que obtiveram grau equivalente no sistema regular de ensino. A figura apresenta a relação renda-idade para pessoas com diferentes níveis educacionais. Nesta figura, considerou-se a renda do trabalho principal padronizada para uma jornada semanal de trabalho de 44 horas e estão incluídos todos os indivíduos com renda do trabalho positiva que não freqüentam a escola e possuem zero, quatro, oito ou 11 anos de estudo.

As linhas tracejadas referem-se aos indivíduos que concluíram os cursos supletivos de 1º e 2º graus. Considerando apenas o ensino regular, a figura mostra o padrão esperado. Os rendimentos são, em média, mais elevados para os grupos mais educados e a inclinação do perfil renda-idade é, também, maior para os grupos com mais instrução.

Quando comparamos as pessoas com supletivo com as que possuem nível de instrução regular imediatamente inferior (oito anos/supletivo com quatro anos/regular e 11 anos/supletivo com oito anos/regular), os resultados mostram que, de modo geral, as pessoas com supletivo possuem um maior rendimento, sendo que o diferencial de renda vai-se reduzindo com o tempo. Por outro lado, quando comparamos pessoas com nível de instrução equivalente, mas adquirido em programas distintos (regular e supletivo), os resultados variam de acordo com a faixa etária. Entre os mais jovens, o rendimento dos que possuem supletivo se apresentou mais elevado, ocorrendo o inverso para os mais velhos.

A interpretação desta figura exige cautela, pois os dados nela contidos são por demais agregados, podendo, assim, estar contaminados por diversos efeitos de composição. Além disso, existem poucos indivíduos com supletivo para os grupos mais velhos. Para uma melhor análise, foi adotado o procedimento descrito a seguir.

Em primeiro lugar, procurou-se trabalhar com uma amostra mais homogênea. Assim, consideraram-se apenas os indivíduos das regiões metropolitanas, com exceção do Distrito Federal, que não freqüentavam a escola, possuíam idade igual ou superior a 20 anos, trabalhavam mais que 20 horas por semana em ocupações não-agrícolas, tinham renda do trabalho positiva e pertenciam a um dos seguintes grupos de anos de escolaridade: zero, quatro, oito ou 11 anos. Para as pessoas com supletivo de 1º grau, consideraram-se apenas aquelas que freqüentaram o programa desde a 5a série. Já para as pessoas com supletivo de 2º grau, consideraram-se apenas aquelas que cursaram o programa desde a 1ª série.

Após todos estes filtros, a amostra, para o ano de 1995, contou com 21.278 indivíduos. Destes, 95 possuíam supletivo de 1º grau e 155 haviam concluído o supletivo de 2º grau. Dado o pequeno número de pessoas com supletivo, resolveu-se estimar equações com variáveis dummies de ano e incluir na amostra os anos de 1992 e 1993. Em 1992, a amostra conteve 19.430 casos totais, 132 com supletivo de 1º grau e 186 com supletivo de 2º grau. Para 1993, esses números foram 19.677, 143 e 202, respectivamente.

Na variável rendimento, considerou-se apenas o rendimento no trabalho principal. Realizou-se, também, uma padronização das rendas pelas horas normalmente trabalhadas, convertendo-se as rendas em termos de salários mínimos do ano. A conversão em salários mínimos permite que se tenha uma melhor idéia do grau de ajustamento das equações.7 7 Note que o uso de deflatores não afeta os coeficientes estimados para as variáveis educacionais, pois o impacto do tempo na flutuação dos salários é completamente captado pelas variáveis dummies de ano. Assim, seria possível ter optado por realizar as estimativas com base nos salários nominais sem qualquer impacto nesses coeficientes. O inconveniente, neste caso, é que, dadas as grandes variações anuais dos salários nominais, as dummies de ano acabariam por explicar a maior parte da variância salarial e, desse modo, comprometendo a medida de ajustamento das equações estimadas. Quando utilizaram-se os salários nominais, o R2 ajustado ultrapassou o valor de 0,95. A especificação da equação básica de rendimentos a ser estimada por mínimos quadrados é:

In Y = b0 + b1S1 + b2S2 + b3S3 + g1D1 + g2D2 + g3D3 + aZ + u

onde:

As variáveis de controle utilizadas foram: gênero (uma dummy para homens); cor (uma dummy para brancos); ano (duas dummies, 92 e 93); idade; quadrado da idade; idade de ingresso no mercado de trabalho; regiões metropolitanas (oito dummies, sendo Belém a região de referência).

Nesta especificação, a variável S1, através de seu coeficiente, captura o efeito sobre a renda de se cursar as quatro primeiras séries do 1º grau; S2, o efeito de se cursar as quatro últimas séries do 1º grau pelo supletivo, para quem possui quatro anos de escolaridade regular; S3, o efeito de se cursar todo o supletivo de 2º grau, para quem cursou o 1º grau regular. Por outro lado, a variável D1 captura a variação esperada na renda por se cursar as quatro últimas séries do 1º grau pelo ensino regular, em vez de cursá-las pelo supletivo, enquanto a variável D2 capta este mesmo efeito para o caso do 2º grau. Por fim, a variável D3 busca testar se as perdas, ou ganhos, de um indivíduo que cursou o supletivo de 1º grau, em comparação a ter cursado o 1º grau regular, persistem ou são eliminadas quando ele completa o 2º grau. Caso g3 = 0, para prever a renda de uma pessoa que possui 2º grau completo a única informação relevante seria saber se este grau foi obtido através do programa supletivo ou pelo sistema regular de ensino, e não o tipo de programa em que esta pessoa realizou o 1º grau.

Um problema com esta especificação é que ela não capta o padrão que os diferenciais de renda podem ter com a idade. A figura sugere que os ganhos econômicos do supletivo diminuem com a idade. Uma vez que o conhecimento deste padrão pode constituir uma informação importante para se avaliar o impacto do programa supletivo na renda do trabalho,8 8 Note, por exemplo, que as pessoas de uma geração mais velha que possuem 11 anos de estudo regular devem, provavelmente, ter adquirido esta escolaridade quando jovens. Já aqueles desta geração que possuem o 2 º grau supletivo podem ter obtido esta escolaridade muito recentemente. Assim, uma redução dos ganhos econômicos do supletivo com a idade pode estar refletindo uma piora do sistema educacional. resolveu-se investigá-lo melhor. Para isto, uma outra equação, incluindo as variáveis de educação (Ss e Ds) interagindo com a idade, foi estimada (regressão 2).

A dificuldade neste caso é que, ao se incluírem variáveis correlacionadas com os antigos regressores, os desvios-padrão dos coeficientes estimados estariam sendo inflados e, assim, aumentaria a probabilidade de considerá-los incorretamente iguais a zero, mesmo que o novo regressor fosse uma variável irrelevante.9 9 Note que, apesar de o tamanho da amostra ser bastante grande, o número de pessoas com supletivo é relativamente reduzido. De fato, quando todas as variáveis interativas foram incluídas, quase todos os coeficientes das variáveis educacionais não se mostraram estatisticamente diferentes de zero. Dado isto, utilizou-se, para os testes de hipóteses dos coeficientes, o nível de significância de 10%, a variável educacional menos significativa foi sendo, a cada etapa, retirada, e a equação reestimada, até que todos os coeficientes atendessem a esta restrição.10 10 Cabe ressaltar que todas as variáveis de educação que não se mostraram estatisticamente significativas também não seriam aceitas se o nível de significância fosse 20%. Por outro lado, todas as que passaram pelo critério dos 10% seriam, também, aceitas se o nível de significância escolhido fosse 1%. 11 No caso da regressão 2, o procedimento de se retirar a variável menos significativa e reestimar a equação produziu algumas alterações nos resultados, em especial em relação às variáveis S2, S2*idade e D2*idade. Para esta última variável, o coeficiente, apesar de não se alterar muito, passa a ser não-significativo quando tal procedimento não é adotado. As principais mudancas ocorrem com as variáveis S2 e S2*idade, que, além de não se mostrarem significativas, obtiveram alterações sensíveis no valor dos parâmetros quando nenhuma variável foi retirada da regressão. Os valores dos parâmetros foram 0,1376 e 0,0038, respectivamente. Isto pode estar indicando uma falta de robustez da regressão 2. Este aspecto será mais bem analisado mais adiante. Para as duas regressões, todas as variáveis de controle se mostraram estatisticamente significativas e apresentaram sinais esperados. Em relação às variáveis de educação, os resultados estão reportados na tabela 10.11

Como seria de se esperar, o parâmetro da variável S1 foi positivo e estatisticamente significativo nas duas regressões, indicando que as quatro primeiras séries do 1º grau produzem um ganho econômico em torno de 45,61% para aqueles que as concluem. De acordo com os resultados da regressão 2, esse diferencial é estável com a idade, pois a variável interativa, S1*idade, não se mostrou significativa estatisticamente.

Em relação à estratégia de cursar as quatro últimas séries do 1º grau através do programa supletivo, as estimativas indicam que ela proporciona um aumento de renda em relação a quatro anos de estudo. De acordo com a regressão 2, este aumento é proporcionalmente crescente com a idade. Este resultado não é o sugerido pela figura.

O caso mais interessante, entretanto, refere-se à comparação entre as estratégias de se cursar as últimas quatro séries do 1º grau pelo programa de ensino regular ou através do supletivo. Em termos de variação de renda, essas estratégias não se mostraram distinguíveis. Tanto a variável D1 quanto a D3 não foram estatisticamente significativas em qualquer das regressões, como não o foram suas interações com a idade na regressão 2. Isto é bastante diverso do padrão sugerido na figura.

As estimativas sinalizam que supletivo de 2º grau também produz ganhos de renda e, de acordo com a regressão 2, esses ganhos são proporcionalmente maiores com a idade. Por fim, os resultados encontrados para o 2º grau regular são que, diferentemente do 1º grau, existe um ganho em cursar esse programa em relação ao supletivo. Pela regressão 2, o diferencial de renda (regular/supletivo) vai-se reduzindo com a idade e seria eliminado quando o indivíduo atingisse 68,7 anos de idade. Novamente, esse padrão é bastante diverso do sugerido na figura.

Como forma de avaliar melhor os resultados apresentados na tabela 1, os dois modelos básicos foram estimados, separadamente, para os anos de 1992, 1993 e 1995. No caso do modelo 1, os resultados se mostraram bastante consistentes. As variáveis S1, S2, S3 e D2 apresentaram parâmetros positivos e significativos, enquanto os parâmetros das variáveis D1 e D3 não se mostraram significativos. À exceção da variável S2, os valores dos coeficientes também se mostraram bastante próximos aos apresentados na tabela 10.12 12 No caso da variável S2, os valores dos coeficientes foram 0,22, 0,40 e 0,23 para os anos de 1992, 1993 e 1995, respectivamente.

A consistência dos parâmetros observada para o modelo 1 não se verificou para o modelo 2. Neste caso, a evolução dos diferenciais educacionais de salários com a idade apresentou alterações significativas conforme o ano analisado. Por exemplo, os parâmetros das variáveis S1 e S1*idade apresentaram valores de 0,2565 e 0,0028 para o ano de 1993 e de 0,4141 e -0,0017 para 1995. Ou seja, o ganho econômico das quatro primeiras séries do 1º grau é crescente com a idade em 1993 e decrescente em 1995. Foi observado anteriormente que o modelo 2 era sensível à exclusão de variáveis estatisticamente não-significativas e agora observa-se que ele é sensível ao ano analisado.

Ainda na tentativa de avaliar como os diferenciais educacionais de salários variam com a idade, o modelo 1 foi estimado para a subamostra das pessoas com 40 anos ou mais e para a subamostra daqueles com menos de 40 anos. Em termos de sinais e significância dos parâmetros, os resultados não se diferenciam dos apresentados na tabela 10. Quanto ao valor dos parâmetros, apenas a variável S1 apresentou variação significativa, sendo 0,2541 para o grupo com menos de 40 anos e 0,4058 para o grupo de 40 anos ou mais. Isto poderia sugerir que o ganho salarial por cursar as quatro primeiras séries do 1º grau é crescente com a idade, o que não é confirmado pela regressão 2 reportada na tabela 10. Em suma, os coeficientes da regressão 2 não se mostraram robustos e, assim, o padrão de variação com a idade dos diferenciais educacionais de salários reportados anteriormente não são confiáveis.

Os resultados qualitativos apresentados pela estimação do modelo 2 para cada ano em separado são aproximadamente os mesmos dos apresentados na tabela 10, a saber: os salários crescem com o progresso escolar; o ganho do supletivo de 2º grau é inferior ao do 2º grau regular; o tipo de programa cursado no 1º grau não parece relevante para aqueles que possuem 2º grau completo. Entretanto, para as variáveis D1 e D1*idade os resultados variaram conforme o ano analisado.

Para o ano de 1992, a variável D1*idade não se mostrou significativa, enquanto a variável D1 apresentou um coeficiente de 0,1038. Isto indicaria que o 1º grau regular traz, em média, um ganho de cerca de 11% em relação ao 1º grau supletivo. Por outro lado, os coeficientes das variáveis D1 e D1*idade foram, respectivamente, 0,2327 e -0,0089 para 1993. Assim, o 1º grau regular traria um ganho, em relação ao 1º grau supletivo, para os trabalhadores mais jovens, sendo que esse ganho vai-se reduzindo com a idade e, a partir dos 26 anos de idade, o supletivo começaria a apresentar ganhos em relação ao programa regular. Por fim, a variável D1 não se mostrou significativa em 1995, enquanto o coeficiente de D1*idade foi de 0,0061. Cabe ressaltar que tais resultados foram obtidos utilizando-se o procedimento de ir, a cada etapa, retirando a variável educacional menos significativa (isto até que todos os coeficientes fossem significativos ao nível de 10%) e, como mencionado anteriormente, os coeficientes da regressão se mostraram sensíveis a este procedimento.

De qualquer modo, isto tornou necessário averiguar melhor o resultado de não haver diferença no mercado de trabalho o fato de o indivíduo cursar as últimas quatro séries do 1º grau através do programa supletivo ou através do programa regular. A estratégia utilizada foi restringir a amostra para conter apenas pessoas com exatamente oito anos de estudo, de modo que as únicas variáveis educacionais fossem D1 e D1*idade, no caso do modelo 2, e D1, no caso do modelo 1.

Estes dois modelos foram estimados tanto para o conjunto dos anos quanto para cada ano em separado.13 13 Para o conjunto da amostra, existem 205 indivíduos com supletivo de 1 º grau. Com relação ao modelo 1, a variável D1 não se mostrou significativa em qualquer dos casos. As variáveis D1 e D1*idade, no modelo 2, também não se mostraram significativas para o conjunto da amostra e para os anos de 1992 e 1993. Em 1995, os coeficientes das variáveis D1 e D1*idade foram, respectivamente, -0,5567 (0,14) e 0,0179 (0,07), onde os números entre parênteses são os níveis de significância. Ou seja, caso se adote o nível de significância de 5%, nenhuma das variáveis seria aceita. Por outro lado, admitindo um nível de significância de 15%, a estimativa indica que até 31 anos de idade o supletivo apresenta um ganho em relação ao programa regular e, a partir desta idade, a situação seria invertida.

Após todos estes procedimentos, conclui-se que as evidências sugerem que o ensino supletivo de 1º e 2º graus traz um retorno positivo. No caso do 2º grau, esse retorno é inferior ao programa regular. Não foi possível rejeitar a hipótese de que, para as últimas quatro séries do 1º grau, os programas regular e supletivo não apresentam diferenças no mercado de trabalho.14 14 O modelo 1 foi também estimado separadamente para os grupos de gênero e para cada uma das regiões metropolitanas. Homens e mulheres não apresentaram diferencas que alterem as conclusões gerais deste artigo. Em relação às regiões metropolitanas, a redução de amostra tornou muitos parâmetros não-significativos, mas, com exceção de Belo Horizonte e Porto Alegre, os resultados são relativamente consistentes com as conclusões aqui apresentadas. Em Belo Horizonte, a variável D3 apresentou um coeficiente alto (0,346) e significativo, indicando que, entre os com 2 º grau, aqueles com 1 º grau supletivo apresentaram um melhor desempenho no mercado de trabalho. Em Porto Alegre, o resultado encontrado é que o supletivo de 1 º grau não apresenta ganhos significativos e que o 1 º grau regular traz um ganho de 35% em relação ao supletivo (o coeficiente de D1 foi significativo a 5%). Estes resultados podem estar indicando que a conclusão para o conjunto das RMs pode estar escondendo especificidades regionais, aspecto que mereceria ser mais bem estudado. A variação dos diferenciais salariais com a idade não apresentou padrão sistemático e conclusivo. Deste modo, o modelo de regressão 1 foi considerado como o mais adequado para se avaliar os ganhos econômicos da educação.

Para tornar mais clara a dimensão dos ganhos envolvidos por diferentes níveis e programas educacionais, a tabela 11 apresenta esses resultados em termos de variação percentual da renda. Nesta tabela, utilizaram-se os coeficientes da regressão 1 (tabela 10) e admitiu-se que os indivíduos terminam o programa no tempo normal. No caso do supletivo, foram considerados dois anos para cursar as quatro últimas séries do 1º grau e dois anos para cursar o 2º grau.15 15 O tempo mínimo para cursar o supletivo é variável, a depender se ele é seriado ou não-seriado. Assim, adotou-se o padrão vigente até 1997 para o programa de supletivo seriado.

O ganho associado às quatro primeiras séries do 1º grau foi de 45,61%, o que proporciona uma taxa média por ano adicional de estudo de 9,85%. As quatro últimas séries do 1º grau regular foram as que apresentaram o pior desempenho em termos da taxas de crescimento da renda por ano adicional de estudo. Esse pior desempenho é algo que já foi apontado em trabalhos anteriores (Leal & Werlang, 1991; Ramos & Vieira, 1996). O interessante aqui é comparar esse desempenho com o do supletivo de 1º grau. Como foi visto anteriormente, os dois programas proporcionam o mesmo resultado econômico. Entretanto, o supletivo pode ser feito na metade do tempo, o que praticamente dobra a taxa de crescimento da renda por ano adicional de estudo, a qual se mostrou uma das mais elevadas na comparação realizada.

Supondo que o único motivo para um indivíduo concluir o 1º grau fosse elevar a renda, os que pudessem optar deveriam, racionalmente, escolher o programa supletivo. Mas, como apresentado na seção anterior, a maior parte das pessoas que podem cursar o supletivo de 1º grau e freqüentam a escola está matriculada no curso regular. Este fato mostra a necessidade de estudos que busquem compreender melhor esta questão, analisando aspectos como os de disponibilidade de vagas e os relacionados às dificuldades enfrentadas pelos alunos na aquisição dos conhecimentos requeridos para a obtenção do grau.

Em relação ao 2º grau, os retornos alcançados pelo programa regular se mostram superiores aos do supletivo, mesmo em termos de taxa anual. Vale ressaltar que os retornos obtidos pelo supletivo de 2º grau foram inferiores aos do supletivo de 1º grau. Tais resultados poderiam constituir um fator que ajudaria a explicar a baixa cobertura do programa supletivo de 2º grau.

5. Considerações Finais

Este artigo procurou analisar o ensino supletivo no Brasil, levando em consideração dois aspectos básicos: grau de cobertura e os resultados econômicos pessoais. A primeira conclusão é que o programa possui um baixo grau de cobertura. Mesmo entre os que podem cursar o supletivo e freqüentam a escola, a maioria não está matriculada no programa.

Em relação aos retornos econômicos, os resultados foram bastante diferentes entre o supletivo de 1º grau e o de 2º grau. O supletivo de 2º grau apresentou retornos inferiores (tanto em termos absolutos quanto em taxas de crescimento da renda por ano adicional de estudo) em relação ao programa regular. Já o supletivo de 1º grau, quando comparado ao 1º grau regular, apresentou um retorno absoluto equivalente e uma taxa de crescimento da renda, por ano adicional de estudo, duas vezes maior.

O artigo chama a atenção para necessidade de estudos que procurem entender melhor por que o supletivo de 1º grau possui tão baixa cobertura, uma vez que seus resultados econômicos se mostram bastante atraentes.

Artigo recebido em mar. de 1999 e aprovado em mar. 2000

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  • *
    Os autores agradecem a Renata Del Tedesco Narita pela excelente assistência a esta pesquisa
  • 1
    Para que se possa pensar o supletivo como um instrumento de elevar o poder de rendimento dos trabalhadores, é necessário conhecer tanto os custos aos quais os alunos estão submetidos (gastos financeiros, dificuldade para adquirir o aprendizado necessário etc.) quanto os retornos esperados daqueles que conseguiram concluir o programa. Em relação a este último aspecto, praticamente nada se sabe.
  • 2
    Infelizmente, estes quesitos foram retirados da Pnad de 1996.
  • 3
    Para uma discussão dos problemas da expansão escolar e da qualidade de ensino ver, entre outros, Mendonca (1994), Ribeiro (1994) e Xavier et alii (1994).
  • 4
    Uma crítica recebida pelos programas do sistema S de formação profissional refere-se à exclusão dos trabalhadores menos favorecidos. Amadeo (1992) conclui que o Senai treinava trabalhadores e jovens estudantes, mas não tinha programas especiais para desempregados; além disso, o nível de escolaridade dos treinados era alto, em comparação à escolaridade média dos trabalhadores brasileiros.
  • 5
    Os planos estaduais de qualificação (PEQs) são os principais responsáveis pelo oferecimento dos cursos de formação do Planfor nos respectivos estados.
  • 6
    A área rural da região Norte, à exceção de Tocantins, não é coberta pela Pnad. Assim, resolveu-se excluir toda área rural da região Norte, inclusive Tocantins.
  • 7
    Note que o uso de deflatores não afeta os coeficientes estimados para as variáveis educacionais, pois o impacto do tempo na flutuação dos salários é completamente captado pelas variáveis dummies de ano. Assim, seria possível ter optado por realizar as estimativas com base nos salários nominais sem qualquer impacto nesses coeficientes. O inconveniente, neste caso, é que, dadas as grandes variações anuais dos salários nominais, as dummies de ano acabariam por explicar a maior parte da variância salarial e, desse modo, comprometendo a medida de ajustamento das equações estimadas. Quando utilizaram-se os salários nominais, o R2 ajustado ultrapassou o valor de 0,95.
  • 8
    Note, por exemplo, que as pessoas de uma geração mais velha que possuem 11 anos de estudo regular devem, provavelmente, ter adquirido esta escolaridade quando jovens. Já aqueles desta geração que possuem o 2
    º
    grau supletivo podem ter obtido esta escolaridade muito recentemente. Assim, uma redução dos ganhos econômicos do supletivo com a idade pode estar refletindo uma piora do sistema educacional.
  • 9
    Note que, apesar de o tamanho da amostra ser bastante grande, o número de pessoas com supletivo é relativamente reduzido.
  • 10
    Cabe ressaltar que todas as variáveis de educação que não se mostraram estatisticamente significativas também não seriam aceitas se o nível de significância fosse 20%. Por outro lado, todas as que passaram pelo critério dos 10% seriam, também, aceitas se o nível de significância escolhido fosse 1%.
    11
    No caso da regressão 2, o procedimento de se retirar a variável menos significativa e reestimar a equação produziu algumas alterações nos resultados, em especial em relação às variáveis S2, S2*idade e D2*idade. Para esta última variável, o coeficiente, apesar de não se alterar muito, passa a ser não-significativo quando tal procedimento não é adotado. As principais mudancas ocorrem com as variáveis S2 e S2*idade, que, além de não se mostrarem significativas, obtiveram alterações sensíveis no valor dos parâmetros quando nenhuma variável foi retirada da regressão. Os valores dos parâmetros foram 0,1376 e 0,0038, respectivamente. Isto pode estar indicando uma falta de robustez da regressão 2. Este aspecto será mais bem analisado mais adiante.
  • 12
    No caso da variável S2, os valores dos coeficientes foram 0,22, 0,40 e 0,23 para os anos de 1992, 1993 e 1995, respectivamente.
  • 13
    Para o conjunto da amostra, existem 205 indivíduos com supletivo de 1
    º
    grau.
  • 14
    O modelo 1 foi também estimado separadamente para os grupos de gênero e para cada uma das regiões metropolitanas. Homens e mulheres não apresentaram diferencas que alterem as conclusões gerais deste artigo. Em relação às regiões metropolitanas, a redução de amostra tornou muitos parâmetros não-significativos, mas, com exceção de Belo Horizonte e Porto Alegre, os resultados são relativamente consistentes com as conclusões aqui apresentadas. Em Belo Horizonte, a variável D3 apresentou um coeficiente alto (0,346) e significativo, indicando que, entre os com 2
    º
    grau, aqueles com 1
    º
    grau supletivo apresentaram um melhor desempenho no mercado de trabalho. Em Porto Alegre, o resultado encontrado é que o supletivo de 1
    º
    grau não apresenta ganhos significativos e que o 1
    º
    grau regular traz um ganho de 35% em relação ao supletivo (o coeficiente de D1 foi significativo a 5%). Estes resultados podem estar indicando que a conclusão para o conjunto das RMs pode estar escondendo especificidades regionais, aspecto que mereceria ser mais bem estudado.
  • 15
    O tempo mínimo para cursar o supletivo é variável, a depender se ele é seriado ou não-seriado. Assim, adotou-se o padrão vigente até 1997 para o programa de supletivo seriado.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2000

    Histórico

    • Recebido
      Mar 1999
    • Aceito
      Mar 2000
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