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Sobre uma nova teoria de precificação de opções e outros derivativos

Resumos

Este artigo desenvolve uma nova teoria de precificação de títulos derivativos, implementando-a para a situação particular de opções de compra européias de ações sem dividendos a partir da premissa básica de que o drift do ativo subjacente desempenha papel relevante no processo de precificação, no contexto dos fenômenos de transporte. É feita uma confrontação sistemática com os bem-conhecidos modelos Black-Scholes e Ornstein-Uhlenbeck bivariado que mostra a plausibilidade e efetividade desta abordagem.

modelos de precificação de opções; precificação de ativos


This paper develops a new theory of derivative securities pricing and implementes it for the specific case of European call options on a hypothetical non-dividend-paying stock. The basic premise is that the drift of the underlying asset plays a very important role in the pricing process, in the context of transport phenomena. A systematic confrontation to well-known Black-Scholes and bivariate trending Ornstein-Uhlenbeck models is also carried out, providing plausibility and effectiveness for this approach.


Sobre uma nova teoria de precificação de opções e outros derivativos* * Artigo recebido em set. 1999 e aprovado em out. 2000. O autor agradece a um parecerista anônimo desta revista por valiosas críticas e sugestões. Quaisquer erros ou omissões remanescentes são de total responsabilidade do autor.

Ailton Cassettari** * Artigo recebido em set. 1999 e aprovado em out. 2000. O autor agradece a um parecerista anônimo desta revista por valiosas críticas e sugestões. Quaisquer erros ou omissões remanescentes são de total responsabilidade do autor.

Sumário: 1. A precificação de Black-Scholes e o drift do preço do ativo subjacente: uma breve introdução; 2. A evolução do preço do ativo subjacente como um fenômeno de transporte; 3. O drift do preço e a distribuição de retornos do ativo subjacente; 4. A precificação de opções; 5. Exemplos da aplicação da teoria à precificação de opções européias de ações sem dividendos; 6. Conclusões e comentários.

Palavras-chave: modelos de precificação de opções; precificação de ativos.

Códigos JEL: G12 e G13.

Este artigo desenvolve uma nova teoria de precificação de títulos derivativos, implementando-a para a situação particular de opções de compra européias de ações sem dividendos a partir da premissa básica de que o drift do ativo subjacente desempenha papel relevante no processo de precificação, no contexto dos fenômenos de transporte. É feita uma confrontação sistemática com os bem-conhecidos modelos Black-Scholes e Ornstein-Uhlenbeck bivariado que mostra a plausibilidade e efetividade desta abordagem.

This paper develops a new theory of derivative securities pricing and implementes it for the specific case of European call options on a hypothetical non-dividend-paying stock. The basic premise is that the drift of the underlying asset plays a very important role in the pricing process, in the context of transport phenomena. A systematic confrontation to well-known Black-Scholes and bivariate trending Ornstein-Uhlenbeck models is also carried out, providing plausibility and effectiveness for this approach.

1. A Precificação de Black-Scholes e o Drift do Preço do Ativo Subjacente: uma Breve Introdução

De acordo com a análise pioneira de Black e Scholes (1973), se o preço de um ativo subjacente obedece ao seguinte processo (chamado de movimento browniano geométrico):

no qual m é o coeficiente de drift (constante), s é um coeficiente de difusão (constante) e W(t) é um processo de Wiener padrão, então a condição de contorno de não-arbitragem leva à seguinte equação diferencial para o preço (C) de uma opção de compra (call):

em que r é a taxa de retorno livre de risco, t é o tempo e S é o preço do ativo subjacente.

É notável o fato, amplamente conhecido, de que as famosas fórmulas de Black & Scholes não dependem do retorno esperado do ativo subjacente (do coeficiente de drift). Entretanto, raramente é dito que esse termo, que desaparece nas fórmulas de precificação, pode ser uma função arbitrária de S e das outras variáveis econômicas, como foi primeiramente observado por R. Merton (1973) e, mais recentemene, também reconhecido por Jagannathan (1984) e Grundy (1991).

Em artigo recente, Andrew Lo e Jiang Wang (1995) levaram a cabo a implementação de modelos de precificação de opções quando os retornos dos ativos são previsíveis. Um intrigante resultado desses autores é que a previsibilidade no retorno de um ativo afetará os preços das opções, mesmo se essa previsibilidade foi induzida pelo drift, que não aparece explicitamente nas fórmulas de precificação. Os autores fazem, ainda, alguns ajustes nas fórmulas de Black-Scholes e mostram que esse ajuste pode ser importante mesmo para pequenos níveis de previsibilidade, especialmente para o caso de opções com maior maturidade. Neste ponto, é oportuno transcrever um trecho substancial das conclusões dos referidos pesquisadores: ''The fact that asset return predictability has non-trivial implications for option prices provides a link between two seemingly disparate strands of the asset pricing literature: linear multifactor models of time-varying expected asset returns and arbitrage-based models of derivative asset prices. Heuristically, when predictability is well defined, i.e., when the asset return's conditional expectation of the prediction error is zero, then increases in predictability generally decrease option prices when the unconditional variance of asset returns is fixed. In such cases, an increase in predictability is equivalent to a reduction in the asset's residual uncertainty in the Black-Scholes case where the diffusion coefficient is a constant, option prices decline as predictability increases.

This is an intriguing implication for the evolution of option premia through time: as we are better able to model the time variation in the expected returns of an asset, option premia on the asset should fall, ceteris paribus . Alternatively, the fact that the option premia are positive may imply an upper bound on the predictability of the underlying asset's returns, which may partly address Roll's (1988) lament that R2s in financial applications are disappointingly low".

E, mais adiante: ''Despite the fact the drift of a diffusion process plays virtually no role in deriving theoretical pricing formulas for derivatives assets, its importance cannot be overemphasized in the implementation of these formulas. The practical value of arbitrage-based models of derivative prices rests heavily on the existence of an empirically plausible and stable model of the true data-generating process for the underlying asset's price. Although changing specifications for the drift does not influence the derivative pricing formula, it does influence both the theoretical value and empirical estimate of the parameter(s) on which the formula depends" (Lo & Wang, 1995).

O ponto de partida deste presente artigo é dar atenção ao termo de drift, esquecido pela grande maioria dos modelos de precificação, pelas razões expostas acima, revestindo-o de uma importância capital, no contexto dos fenômenos de transporte. A partir daí, podem ser derivados o comportamento do preço do ativo subjacente e, portanto, as fórmulas de precificação de seus derivativos.

2. A Evolução do Preço do Ativo Subjacente como um Fenômeno de Transporte

2.1 Um pouco sobre difusão

Desde sua publicação, o modelo de Black-Scholes não deixou de sofrer uma série de críticas a respeito de sua efetividade, plausibilidade e correção no seu papel de precificação de opções. Entretanto, raramente se dá atenção a um fato de capital importância teórica para a construção do modelo: o de que os preços seguem um processo de difusão browniana ou, mais precisamente, um processo de Wiener, fato tão-somente mencionado. Vamos observar mais detidamente alguns dos aspectos mais importantes desse movimento.

Como é sabido, os processos de difusão obedecem à seguinte equação fundamental (chamada, por isso mesmo, equação da difusão), onde (D é o operador de Laplace):

O parâmetro fundamental de qualquer processo de difusão é desempenhado por uma constante chamada, muito apropriadamente, de coeficiente de difusibilidade (na equação acima, representado por D). É ele que regula todo o processo. No modelo de Black-Scholes e suas variantes, o coeficiente de difusibilidade é o quadrado da volatilidade. Não é de adimirar, portanto, que seja ela a grande estrela do modelo, e não o drift. De fato, todos os problemas de precificação via Black-Scholes, de uma forma ou de outra, repousam em uma boa estimativa da volatilidade, não importando muito, por assim dizer, os demais parâmetros que aparecem nas conhecidas fórmulas. Mas, sem dúvida, é lícito, e até mesmo esperado, perguntar o que aconteceu com o termo de drift. Uma explicação possível para o fato de seu ''desaparecimento" é que sua atuação é ''transiente", ou seja, perdura por um termo muito curto, comparado ao de atuação da volatilidade (difusibilidade). De uma forma mais precisa, isso pode ser expresso como:

com

m1 = cte

e

Aqui, como será detalhado adiante, m2(·) é uma função (de várias variáveis econômicas) que descreve a parcela aleatória do drift do ativo subjacente). As fórmulas acima parecem ser corroboradas pela experiência, ao se verificar que o preço do ativo fundamental não cresce indefinidamente, como prediz o modelo Black-Scholes, mas apresenta a tendência de aumentar segundo uma taxa-limite fundamental da economia, característica do mercado.1 1 Isso é conhecido pelos pesquisadores como ''reversão à média'' ( mean reversion). Ao escrevermos (4), assumimos que o próprio drift tenha uma parcela de incerteza, que, entretanto, deve desaparecer num certo período de tempo.2 2 Lembramos que no modelo Black-Scholes m é uma constante, e o crescimento do preço do ativo fundamental é dado por S = S 0 e m – 1 .

Portanto, numa aproximação suficiente, o processo de difusão pode realmente ser capaz de, sozinho, descrever o processo de evolução dos preços do ativo subjacente e, portanto, o dos preços de seus derivativos, o que dá a efetidade da abordagem de Black-Scholes.

2.2 Passeio aleatório× transporte turbulento

Se é verdade que a equação de difusão pode descrever, aproximadamente, a evolução temporal do preço de um ativo, por exemplo, também o é que a solução obtida é uma aproximação para um fenômeno mais complexo, chamado genericamente de transporte turbulento.

É um fato bem-conhecido que os mecanismos de difusão turbulenta são muito próximos dos da difusão molecular, na qual uma molécula em movimento colide com outra e, assim, por um processo de passeio aleatório, sucessivamente se distancia de sua posição inicial.

A abordagem mais frutífera para tratar quantitativamente esses fenômenos forma a base da teoria estatística dos processos de transporte pelos movimentos moleculares num gás, devida ao físico austríaco Ludwig Boltzmann.

A equação fundamental da teoria de Boltzmann pode ser escrita como:

na qual e são os vetores de posição e velocidade, respectivamente, q(t,; ) é o número total de partículas por unidade de volume, no espaço de fases, e o símbolo dq/dt representa uma integral de colisão.

Uma conseqüência da equação de Boltzmann é a equação de evolução de uma quantidade transportável h(t,), definida por:

em que f() é uma função da velocidade aleatória .

Como se pode notar, a equação de Boltzmann é praticamente intratável, exceto para alguns poucos casos. Um de especial interesse, e já largamente estudado, é aquele para o qual f = (1,ni,), do que se obtêm, de (6) e (7), as equações gerais da hidrodinâmica. Não apresentaremos essas derivações aqui por serem muito elaboradas.

A equação fundamental dos fenômenos de transporte em fluidos incompressíveis (para os quais . = 0) é:

uma equação muito semelhante à de Boltzmann3 3 Os leitores familiarizados com a teoria dos processos estocásticos notarão também a semelhanca de (8) com a equação de Fokker-Planck (ou equação forwardde Kolmogorov), derivada a partir da aproximação trinomial para o passeio aleatório: (, , são os versores de um sistema retangular).

Aqui, q( ,t) é a concentração do ''escalar passivo'' na posição , no instante t, D é o coeficiente de difusibilidade e ( ,t) é um campo de velocidades.4 4 Um importante detalhe a ser observado é que E[ ] = 0, obrigatoriamente (o símbolo E[X] denota o valor esperado - médio - da variável X). Note-se também que, como na equação de Boltzmann, q aqui representa uma quantidade total de ''partículas'' por unidade de volume e, como tal, deve-se ter: ò Vq. dV = cte. Como é usual, essa constante é assumida 1, o que representa a bem-conhecida ''normalização''.

Se q é um escalar (a temperatura, por exemplo), trata-se de um ''transporte turbulento de escalares passivos''.

De uma forma simplificada, essa equação nos diz que a quantidade q é ''transportada'' ao longo do fluido, segundo um ''carregamento'', regulado pelo termo (,t), e uma ''difusão'', regulada por D.

De tudo o que foi dito acima, e da efetividade do modelo de Black-Scholes, parece lícito imaginar que o movimento do preço do ativo subjacente seja governado por uma equação similar à de transporte, com o termo ( ,t) fazendo o papel do drift e D, o da volatilidade. Nas próximas seções vamos explorar essa hipótese.

3. O drift do Preço e a Distribuição de Retornos do Ativo Subjacente

Como dissemos, o drift do preço do ativo subjacente pode ser uma função arbitrária do preço do ativo, bem como de todas as outras variáveis econômicas que estão envolvidas no processo de precificação. É oportuno também observar, já que há pouco mencionamos a semelhança desse problema com os de fluidos incompressíveis, que o drift desempenha, essencialmente, papel análogo ao da velocidade no fluido (sua dimensão seria a de preço/tempo), o que, aliás, é também intuitivo.5 5 Obviamente, supomos um ''espaco de preços'' que define as ''coordenadas'' do hipotético ''portador de preços''. Se isso soa estranho, basta lembrar o caso do ''passeio aleatório'', em que se tem um ''caminhante'' (que leva consigo o preço do ativo, à medida que dá passos aleatórios). Dado esse fato, e tendo em vista a arbitrariedade da forma funcional do drift, bem como sua natureza aleatória, nada parece proibir que esta função possa ser formalmente análoga à do campo de velocidades de um fluido turbulento incompressível.

Doravante, admitindo tacitamente essa hipótese, o problema, então, resumir-se-ia em resolver a equação de transporte, com o campo de velocidades sendo o próprio drift, e o coeficiente de difusibilidade o quadrado da volatilidade (este último, semelhante à análise de Black-Scholes).

Infelizmente, resolver exatamente a equação de transporte não é tarefa simples. Entretanto, algumas aproximações podem ser levadas a cabo para chegar-se a uma solução que, se não exatamente correta, dentro de certa tolerância se revelou muito útil. Essa solução ad hoc, obtida, em sua essência, em 1948 pelo físico alemão W. Heisenberg, ao tratar do problema da turbulência em fluidos, será apresentada, resumidamente, a seguir.

3.1 A teoria da turbulência de Heisenberg

Um análise de Fourier do campo de velocidades turbulento, associada a um forte apego fenomenológico, levaram W. Heisenberg (1948b) a estabelecer a seguinte equação para o espectro de energia, E(k,t), de uma turbulência estatística e isotrópica:6 6 Devemos lembrar aqui que a equação de transporte é, essencialmente, a de Navier-Stokes para um fluido incompressível, ou seja, a equação que descreve os fenômenos turbulentos, entre eles o do transporte turbulento de quantidades escalares.

na qual k é o número-de-onda, n é a viscosidade do fluido e c é uma constante.

Para chegar a essa equação, Heisenberg faz uso de um conceito que se revestiu posteriormente de grande importância, a saber, o de viscosidade efetiva. De acordo com sua formulação, a viscosidade que, de fato, atua num regime turbulento pode ser escrita da seguinte maneira:

Lembrando mais uma vez que o papel da viscosidade, no caso financeiro, é desempenhado pelo quadrado da volatilidade, teríamos que a volatilidade efetiva possui uma expressão análoga. Isso quer dizer, se essa abordagem é plausível, que a volatilidade que atua efetivamente não é independente do retorno observado do ativo, mas, ao invés, deriva dele. Da equação (10), a volatilidade que é considerada ''constante'', deve ser de longo prazo, ou uma volatitidade média, característica de cada mercado.7 7 As características da volatilidade inferidas aqui são, de fato, bem-conhecidas. Da maneira pela qual se estima empiricamente a volatilidade, vê-se claramente sua relação com os retornos observados do ativo. Além do mais, em relação à volatilidade de longo prazo, um modelo de cálculo bastante utilizado (modelo GARCH) já reconhece explicitamente a importância do "retorno à média'' para a volatilidade.

Heisenberg discute as soluções da equação (9) nos casos estacionário e não-estacionário. A que mais importância tem nesta nossa discussão é a situação não-estacionária, razão pela qual é a única que será apresentada.

Antes de prosseguirmos, é conveniente esclarecer alguns detalhes. A teoria da turbulência (na abordagem fenomenológica) é construída sobre as ''hipóteses da similaridade''. Essas hipóteses, para dizer de maneira simplificada, dizem respeito a um fator de escala que é de suma importância, a saber, o número de Reynolds, Re, que é uma quantidade adimensional igual a:

em que V é uma velocidade característica, L é um comprimento característico e n é a viscosidade do fluido.

Esse número resume as escalas características do problema em consideração. Segundo as hipóteses da similaridade, dois problemas, em princípio diferentes, que tenham o mesmo número de Reynolds devem, na realidade, ter a mesma solução.

Como vimos, nas situações a serem estudadas aqui, Re deve ser igual a:8 8 O símbolo representa a raiz quadrática média dos retornos aleatórios, já que E[F] = 0 (conforme nota 4).

pois faz o papel de uma velocidade característica, log(S0) o de ''comprimento'' e (s2/2) o da viscosidade (difusibilidade). Podemos adiantar ainda que, na situação financeira, Re será sempre pequeno (da ordem de 1), como facilmente pode ser constatado, dadas as dimensões típicas dos parâmetros envolvidos.

Posto isso, voltemos à solução de Heisenberg.

Omitindo os cálculos, na situação de pequenos números de Reynolds, uma solução aproximada da equação (9) pode ser escrita da seguinte maneira, de acordo com Heisenberg (1948a):

na qual b é a medida do número de Reynolds do problema em consideração. Substituindo os parâmetros para o ''caso financeiro'', a última equação torna-se:

com c = 0,45 e Re dado por (12). A equação (14) representa, assim, o espectro da parcela aleatória do drift do ativo subjacente9 9 Como já enfatizado anteriormente, E[F] = 0, obrigatoriamente. Esta parcela diz respeito somente à parcela do drift do ativo considarada ''imprevisível'', ou seja, m 2 (vide equação (4)). (aqui, o número de onda k é igual a 2p/(log S)).

De posse desse espectro, o problema agora se resume em obter a solução da equação de transporte propriamente dita, ou seja, a equação para a evolução temporal da concentração, (8). Da teoria da turbulência, é conhecido que a concentração - no caso dos fluidos, de vorticidade (x) - é relacionada à velocidade através da relação (no espaço de Fourier):10 10 Deve ser recordado aqui que, no caso dos fluidos, é exatamente x que é transportado ao longo do fluido, ou seja, tem-se, na equação (8), q fazendo o papel de x .

Ou, de outra maneira, o espectro de vorticidade, W(k,t) é dado por:

Daqui, admitindo a analogia com o problema da turbulência, temos, no espaço de Fourier, onde ( é a transformada de Fourier de q, equação (8):

Portanto, é razoável esperar que a solução aleatória (no espaço de Fourier) da equação (8) possa ser escrita como:

Ou, tendo em vista (14),

A transformada inversa de Fourier dessa expressão, ou seja, a evolução temporal da concentração no ''espaço de preços'' (y = ln(S)), é justamente a solução aleatória Q(y,t) que se aproxima da solução q(y,t) da equação (8):

obviamente supondo que tanto q(y,t) quanto (k,t) satisfazem as exigências para que as transformadas de Fourier existam (vide seção seguinte).

Em outras palavras, (19) é a concentração de retornos médios do ativo subjacente no tempo t > t0. A equação anterior, dada uma concentração inicial, q(y,t0), determina q(y,t), em qualquer instante posterior.11 11 Na realidade, da maneira pela qual essa solução foi obtida por Heisenberg, esse tempo não pode ser muito pequeno. De fato, a equação vale para tempos posteriores ao tempo necessário para que o sistema atinja um estado de equilíbrio dinâmico (Heisenberg, 1948a).

3.2 A concentração inicial, q(y,t0)

Suponhamos que, no instante inicial, t0 = 0, preço do ativo subjacente seja S0. Seja o logaritmo neperiano desse número representado por ln(S0) e este, por sua vez, abreviado por y0. As condições iniciais para problema do transporte turbulento podem ser idealizadas pela afirmativa de que q(y,0) é nula em todos os pontos, exceto em y = y0. Matematicamente, isto pode ser descrito por meio da função-delta de Dirac:

As condições de contorno para o problema podem ser formuladas de tal forma que, para todo t:

a) q(y,t) = 0;

b) q(y,t) ³ 0.

A primeira reflete o fato de que a função q(y,t) deve ser muito suave em relação a y (ou seja, deve possuir, pelo menos, a primeira e a segunda derivadas) e também absolutamente integrável.12 12 Esta última exigência implica que a integral (prontamente reconhecido como a ''normalização'' da função) q( y, t) dy = 1 converge. A segunda deve ser exigida para que ela possa ser, mais adiante, considerada uma distribuição.

Segue-se, então, que (y,t) possui, de fato, uma transformada de Fourier:

Adiantando aqui o que será tratado mais detalhadamente na subseção seguinte, não há nada de inconveniente, muito menos de errado, em admitir que q(y,t) é uma distribuição com relação a y e a t. Portanto, das condições iniciais, no sentido da teoria das distribuições,

que é a expressão para a distribuição inicial no espaço de Fourier.

3.3 A distribuição de retornos do ativo subjacente

A concentração dos retornos do ativo fundamental no ''espaço de preços'' é obtida, como vimos, através da equação (20), ou seja, a transformada inversa de Fourier da equação (19), com a condição inicial dada por (23). O resultado (aproximado) é:

em que a constante c = 0,45 foi, tacitamente, tomada também da teoria da turbulência (ver anexoanexo).

3.4 A parcela aleatória do drift, m2(·)

Admitida a hipótese de que o campo de velocidades turbulento, (,t), desempenha o papel do drift do preço, por analogia, o comportamento deste último pode ser imediamente inferido. Da teoria da turbulência, a velocidade turbulenta obedece a uma lei de decaimento expressa por:

na qual b » 1,1 (pela teoria de Heisenberg; vide equação (13)). Isto significa, portanto, que E[] decai com o tempo, segundo a mesma lei. Esse comportamento está exemplificado na figura 3.




O decaimento da parcela aleatória do drift do ativo fundamental tem uma importante implicação, já mencionada anteriormente, qual seja, a de que o preço do ativo fundamental não cresce indefinidamente segundo preceitua o modelo de Black-Scholes, mas, ao invés, quando t® ¥, esse crescimento é regulado pela parcela ''constante'' do drift, ou seja, de acordo com a equação (4), por m1.

4. A Precificação de Opções

A maneira mais trivial de precificar uma opção (do tipo europeu) é fazer uso da ''hipótese da neutralidade'': o preço da opção não depende das preferências dos agentes em relação ao risco. Isto implica que a taxa de retorno obtida com a compra de uma opção tem de ser igual à taxa de retorno sem risco. Matematicamente, o preço da opção (C) pode ser escrito, admitindo essa hipótese:

em que St é o preço do ativo subjacente em t = t, X é preço de exercício da opção e E, como antes, representa o ''valor esperado'' (no sentido estatístico) da quantidade entre colchetes.

Evidentemente, ao postularmos uma forma funcional para o drift do ativo subjacente, esperamos que, nesse caso, a neutralidade ao risco não seja verificada explicitamente. Entretanto, parece que o é na prática, muito aproximadamente.

Da equação (4), de pronto se nota que, se a primeira parcela for assumida como a taxa de juros livre de risco (m1 = r), então a neutralidade é verificada aproximadamente, já que a segunda parcela tem uma ''vida útil'' muito curta, o que implica que a média temporal de (4), para um período não muito curto, é, essencialmente, r. Por razões de simplificação, admitiremos uma equação análoga para o preço de uma opção de compra européia (C) nessa nova formulação. Tal expressão é plausível, porém não rigorosamente justificada.

na qual,

com

onde

2 é a transformada de Fourier de m2 e E(k,t) é dado por (14).13 13 Note-se, nesse ponto, a semelhanca da equação (28) com o bem-conhecido conceito de market price of risk ( ) , definido como m = r+ .s , bem como uma analogia entre (28) e o capital asset pricing model (CAPM), que relaciona o excesso de retorno e sperado de uma ação a seu risco (Hull, 1997, cap. 13).

De (27) o preço da call pode ser escrito, finalmente:

onde X é o preço de exercício da call, S = ey e q(y,t) é dado por (24). Como informação adicional, podemos impor a média de S como:

em que S0 é o preço em t = 0.14 14 Tendo em vista as equações (25) e (28), segue que (31) pode ser escrita como y 0 = ln(S 0 )+r.t+ µ t 0,45 , que, para t® ¥ , se comporta, essencialmente, como y 0 » ln(S0)+r.t.

Na seção seguinte, é feita, a título de exemplo, a implementação da teoria para o caso particular das opções européias de ações sem dividendos.

5. Exemplos da Aplicação da Teoria à Precificação de Opções Européias de Ações sem Dividendos

Esta seção será dedicada à implementação da teoria desenvolvida, para a particular situação da precificação de opções, do tipo europeu, de ações sem dividendos. Para que a exemplificação seja mais frutífera, serão utilizados os mesmos parâmetros da implementação descrita em Lo & Wang (1995), onde são encontradas confrontações entre as estimativas via processos de Ornstein-Uhlenbeck, Ornstein-Uhlenbeck bivariado e Black & Scholes.

A tabela 1 mostra os resultados da implementação do método desenvolvido para computação do preço de opções de compra européias de um ativo hipotético sem dividendos. Foram usados, propositalmente, os mesmo parâmetros utilizados em Lo & Wang (1995), para que a comparação seja imediata.

A figura 1 mostra a plotagem da distribuição de retornos do ativo fundamental juntamente com a distribuição normal (curva mais alta), para confrontação. Ambos foram obtidos para o ativo hipotético da tabela 1, para T = 364 dias.

A figura 2 mostra a plotagem do espectro de retornos aleatórios para o mesmo ativo e mesmo tempo para o vencimento. O valor quadrático médio do retorno foi assumido igual a 0,01( = 0,01), que representa pouco mais de 20% da taxa de juros livre de risco (a normalização inicial foi feita para t=dia). Além do mais, de acordo com Lo & Wang (1995), Re » 2.8.

A tabela 2 é a transcrição exata da tabela 4 de Lo & Wang (1995), na qual são mostrados os valores da call obtidos por outros métodos.

A figura 3, como mencionado na subseção 3.4, ilustra o decaimento da parcela aleatória do drift do ativo fundamental.

Finalmente, a figura 4 mostra a plotagem tridimensional da função densidade de probabilidade para os retornos do ativo hipotético da tabela 1.


6. Conclusões e Comentários

Neste artigo, foram lançadas algumas idéias a respeito de uma nova abordagem para a precificação de opções. Em nossa opinião, o fato de que o drift do ativo subjacente desempenha papel relevante no processo, embora não entre explicitamente nas fórmulas da maioria dos modelos em uso, é confirmado pelos resultados que obtivemos para opções européias. Como é sabido, a arbitrariedade da forma funcional do drift (que pode ser uma função qualquer das variáveis econômicas) abre espaço para a construção de métodos ad hoc de precificação, categoria na qual se enquadra a presente teoria. Não se pode, portanto, em princípio, questionar a validade ou não dessa ou daquela fórmula para o drift. Pode-se, isto sim, discutir sua efetividade no seu papel de permitir uma inferência plausível para a evolução temporal do preço do ativo em consideração. É nossa opinião que essa efetividade e plausibilidade são alcançadas com a presente abordagem.

Com respeito à confrontação dos resultados com os modelos de Black-Scholes e Ornstein-Uhlenbeck, note-se que os valores dos preços das calls calculadas pelo método aqui apresentado são, em geral, superiores aos dos demais. Isto é esperado quando se observa a distribuição de retornos do ativo subjacente (figura 1), a qual é bem mais ''pesada'' se comparada à distribuição normal (admitida nos modelos supracitados). Isto equivale a dizer, se esta abordagem é correta, que a volatilidade que efetivamente atua é maior que a admitida nos outros dois modelos. Este fato parece estar de acordo com as observações experimentais. Idêntico comportamento foi obtido por Neil Chriss ao aplicar o método de M. Rubinstein para avaliar o preço de opções européias de ações hipotéticas (conferir, sobretudo, Wilmott, 1998, cap. 10 e Chriss, 1997).

Por fim, é importante frisamos que a turbulência (o pano de fundo dos fenômenos de transporte aqui estudados) pode apenas realçar, reforçar a difusão (ela própria tem a propriedade da difusibilidade). Portanto, a intuição amplamente aceita de que a evolução do preço do ativo segue um processo de Wiener continua intocada. Apenas podemos dizer que, se nossa abordagem é correta, o processo deve ser ''revigorado'' pela atuação do desconhecido termo de drift.

Derivação da equação (24)

Como vimos, a equação (24) é a transformada inversa de Fourier de (20), com a condição inicial (23), ou seja,

ou

com

e

Consideremos inicialmente a integral I1.

Com a técnica usual de ''completar o quadrado'', temos:

Portanto, a integral anterior torna-se (omitindo a constante multiplicativa):

Fazendo a substituição z = k- , temos:

O fator que multiplica a exponencial no integrando da equação acima é um número complexo elevado a um expoente fracionário. Utilizando a conhecida fórmula de De Moivre para o cálculo de raízes de um número complexo chegamos a:

em que

Tomando o módulo do número complexo representado pelo integrando da equação acima, temos:

ou

na qual a integral converge e pode ser avaliada numericamente.

Para o segundo termo da equação, a transformada de Fourier é (omitindo as constantes multiplicativas):

também difícil de ser obtida explicitamente. Seja, então, a integral anterior aproximada pela seguinte:

na qual a função s(s,t) deve ser encontrada numericamente de tal maneira que

Nessa aproximação, a integral anterior pode ser obtida explicitamente. De fato:

na qual

Mais uma vez, calculando a raiz principal do número complexo g da maneira indicada anteriormente e, a seguir, o módulo da integral I2, chegamos, finalmente, a:

Portanto, de I = I1+I2 = (y,t), temos:

na qual N é a constante de normalização definida de tal forma que, para todo t,

Footnotes:

** Banco Sudameris Brasil.

em que p é a função densidade de probabilidade para o processo estocástico definido por

dS = A(S,t)dt+B(S,t)dX

Paul Wilmott trata explicitamente da equação de Fokker-Planck em vários capítulos de seu livro sobre derivativos (Wilmott, 1998).

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  • Hull, J. C. Options, futures and other derivatives 3 ed. Prentice Hall, 1997.
  • Jagannnathan, R. Call options and the risk of underlying securities. Journal of Financial Economics, 13:425-34, 1984.
  • Lo, A. W. & Wang, J. Implementing option pricing models when asset returns are predictable. Journal of Finance, 50(1):87-129, 1995.
  • Merton, R. Rational theory of options pricing. Bell Journal of Economics and Management Science, 4:141-83, 1973.
  • Wilmott, P. Derivatives: the theory and practice of financial engineering London, J. Wiley and Sons, 1998.

anexo

  • *
    Artigo recebido em set. 1999 e aprovado em out. 2000. O autor agradece a um parecerista anônimo desta revista por valiosas críticas e sugestões. Quaisquer erros ou omissões remanescentes são de total responsabilidade do autor.
  • 1
    Isso é conhecido pelos pesquisadores como ''reversão à média'' ( mean reversion).
  • 2
    Lembramos que no modelo Black-Scholes m
    é uma constante, e o crescimento do preço do ativo fundamental é dado por S = S
    0
    e
    m
    –
    1
    .
  • 3
    Os leitores familiarizados com a teoria dos processos estocásticos notarão também a semelhanca de (8) com a equação de Fokker-Planck (ou equação forwardde Kolmogorov), derivada a partir da aproximação trinomial para o passeio aleatório:
  • 4
    Um importante detalhe a ser observado é que E[
    ]
    = 0, obrigatoriamente (o símbolo E[X] denota o valor esperado - médio - da variável X). Note-se também que, como na equação de Boltzmann, q aqui representa uma quantidade total de ''partículas'' por unidade de volume e, como tal, deve-se ter: ò
    Vq.
    dV = cte. Como é usual, essa constante é assumida 1, o que representa a bem-conhecida ''normalização''.
  • 5
    Obviamente, supomos um ''espaco de preços'' que define as ''coordenadas'' do hipotético ''portador de preços''. Se isso soa estranho, basta lembrar o caso do ''passeio aleatório'', em que se tem um ''caminhante'' (que leva consigo o preço do ativo, à medida que dá passos aleatórios).
  • 6
    Devemos lembrar aqui que a equação de transporte é, essencialmente, a de Navier-Stokes para um fluido incompressível, ou seja, a equação que descreve os fenômenos turbulentos, entre eles o do transporte turbulento de quantidades escalares.
  • 7
    As características da volatilidade inferidas aqui são, de fato, bem-conhecidas. Da maneira pela qual se estima empiricamente a volatilidade, vê-se claramente sua relação com os retornos observados do ativo. Além do mais, em relação à volatilidade de longo prazo, um modelo de cálculo bastante utilizado (modelo GARCH) já reconhece explicitamente a importância do "retorno à média'' para a volatilidade.
  • 8
    O símbolo
    representa a raiz quadrática média dos retornos aleatórios, já que
    E[F]
    = 0 (conforme nota 4).
  • 9
    Como já enfatizado anteriormente, E[F]
    = 0, obrigatoriamente. Esta parcela diz respeito somente à parcela do drift do ativo considarada ''imprevisível'', ou seja, m
    2
    (vide equação (4)).
  • 10
    Deve ser recordado aqui que, no caso dos fluidos, é exatamente x
    que é transportado ao longo do fluido, ou seja, tem-se, na equação (8), q
    fazendo o papel de x
    .
  • 11
    Na realidade, da maneira pela qual essa solução foi obtida por Heisenberg, esse tempo não pode ser muito pequeno. De fato, a equação vale para tempos posteriores ao tempo necessário para que o sistema atinja um estado de equilíbrio dinâmico (Heisenberg, 1948a).
  • 12
    Esta última exigência implica que a integral (prontamente reconhecido como a ''normalização'' da função)
    q(
    y,
    t)
    dy = 1 converge.
  • 13
    Note-se, nesse ponto, a semelhanca da equação (28) com o bem-conhecido conceito de market price of risk (
    )
    , definido como m
    = r+
    .s
    , bem como uma analogia entre (28) e o capital asset pricing model
    (CAPM), que relaciona o excesso de retorno e sperado de uma ação a seu risco (Hull, 1997, cap. 13).
  • 14
    Tendo em vista as equações (25) e (28), segue que (31) pode ser escrita como y
    0 =
    ln(S
    0
    )+r.t+ µ
    t
    0,45
    , que, para t® ¥
    , se comporta, essencialmente, como y
    0 »
    ln(S0)+r.t.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2001

    Histórico

    • Recebido
      Set 1999
    • Aceito
      Out 2000
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