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Evidências sobre as estruturas de propriedade de capital e de voto das empresas de capital aberto no Brasil

Resumos

Este artigo analisa a evolução da estrutura de propriedade de capital e de votos das empresas de capital aberto no Brasil no período 1997-2002. Sua principal contribuição reside em estimar a magnitude dos direitos de voto e de fluxo de caixa do acionista último com a maior parcela do capital votante de cada empresa. Examinam-se, também, as fontes da discrepância entre direitos de votos e de fluxo de caixa, avaliando-se a importância relativa da emissão de ações preferenciais sem direito a voto, acordos de votos, estruturas piramidais de propriedade, e posse cruzada de ações. A base de dados compreende 4478 relatórios que as empresas, cumprindo uma exigência legal, submeteram à CVM nesse período.

Estrutura de Propriedade do Capital; Direitos de Votos; Direitos de Fluxos de Caixa; Desvio de Direitos


This paper focuses on the ownership and voting structures of limited liability companies in Brazil over the period 1997-2002. Its main contribution lies in measuring the magnitude of deviations between control rights and cash-flow rights for the ultimate shareholder with the largest voting rights. Furthermore, it pinpoints how these discrepancies are generated, evaluating the relative importance of the issuance of preferred stocks with no voting rights, voting agreements, pyramidal arrangements of ownership, and cross-shareholdings. The data set embraces 4,478 reports that companies, complying with a mandatory requirement, filed to the CVM over that period.


Evidências sobre as estruturas de propriedade de capital e de voto das empresas de capital aberto no Brasil* * O primeiro autor agradece ao CNPq pela concessão de apoio financeiro ao projeto de pesquisa que resultou neste artigo.

Dante Mendes AldrighiI; Roberto Mazzer NetoII

IProfessor do Departamento de Economia da FEA-USP

IIEconomista

RESUMO

Este artigo analisa a evolução da estrutura de propriedade de capital e de votos das empresas de capital aberto no Brasil no período 1997–2002. Sua principal contribuição reside em estimar a magnitude dos direitos de voto e de fluxo de caixa do acionista último com a maior parcela do capital votante de cada empresa. Examinam-se, também, as fontes da discrepância entre direitos de votos e de fluxo de caixa, avaliando-se a importância relativa da emissão de ações preferenciais sem direito a voto, acordos de votos, estruturas piramidais de propriedade, e posse cruzada de ações. A base de dados compreende 4478 relatórios que as empresas, cumprindo uma exigência legal, submeteram à CVM nesse período.

Palavras-chave: Estrutura de Propriedade do Capital; Direitos de Votos; Direitos de Fluxos de Caixa; Desvio de Direitos.

Códigos JEL: G32.

ABSTRACT

This paper focuses on the ownership and voting structures of limited liability companies in Brazil over the period 1997–2002. Its main contribution lies in measuring the magnitude of deviations between control rights and cash-flow rights for the ultimate shareholder with the largest voting rights. Furthermore, it pinpoints how these discrepancies are generated, evaluating the relative importance of the issuance of preferred stocks with no voting rights, voting agreements, pyramidal arrangements of ownership, and cross-shareholdings. The data set embraces 4,478 reports that companies, complying with a mandatory requirement, filed to the CVM over that period.

1. INTRODUÇÃO

A avaliação dos benefícios e dos custos de uma maior concentração da propriedade do capital de uma empresa em um grande acionista pode ser racionalizada em termos do trade-off entre incentivos para monitorar os executivos - que podem resultar na criação de valor para a empresa - e ganhos de liquidez e de diversificação do risco de sua riqueza - a renúncia dos quais pode incitar a busca de "benefícios privados de controle''.

Investigando grandes empresas com ações negociadas publicamente em 27 países desenvolvidos, (Porta et alii, 1999) mostram que, exceto nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, preponderam empresas controladas por um número reduzido de acionistas, cujos direitos de voto, muitas vezes, excedem significativamente os direitos de cash flows. Em estudo semelhante, Claessens et alii (2000) constatam que em mais de 67% das empresas analisadas da Ásia oriental há um acionista controlador - usualmente também o diretor da empresa. Com base em dados de uma amostra de 325 empresas listadas na Bovespa, (Valadares e Leal, 2000) estimam que, em 1996, o maior acionista possuía, em média, 41% do capital total e 58% do capital votante da empresa, sendo que em 62% das empresas havia um acionista com mais de 50% das ações com direito a voto. Levando em consideração a posse indireta de ações, o maior acionista detinha, na média, 44% do capital votante e 32% do capital total. Esses dois autores constatam também que, enquanto o uso de ações PN sem direito a voto era amplamente difundido, a incidência de arranjos piramidais como mecanismo de separação de direitos era baixa.

Porta et alii (1998, 1999) associam as diferenças internacionais na estrutura de propriedade e de controle das empresas às diferenças no grau efetivo de proteção legal aos acionistas minoritários: as estruturas tendem a ser mais concentradas nos países em que a legislação é deficiente e/ou seu enforcement é insatisfatório. Proteção legal inadequada pode ainda magnificar os custos de agência, pois facilita a alavancagem do poder de voto em relação à propriedade de capital. Embora apresente a vantagem de estimular o monitoramento sem comprometer a liquidez das ações, o afastamento do princípio "a cada ação, um voto'' fornece, em contrapartida, incentivo e poder ao grande acionista para expropriar os minoritários, uma vez que lhe assegura o controle da empresa com uma pequena parcela dos direitos de fluxos de caixa. Entre os recursos usualmente utilizados para se estabelecer uma cunha entre direitos de voto e direitos de dividendos, destacam-se: (1) os arranjos de propriedade piramidal; (2) a emissão de ações preferenciais sem direito a voto; (3) acordos de votos; e (4) a posse cruzada de ações. Em relação às estruturas de propriedade do tipo pirâmide, cabe a ressalva de que essa interpretação convencional, que atribui sua rationale à separação entre propriedade e controle, é contestada por Almeida e Wolfenzon (2006), que as explicam como um recurso para garantir o financiamento de novas empresas.

O intento deste trabalho consiste em analisar as estruturas de propriedade e de controle das empresas de capital aberto no Brasil entre 1997 e 2002. Com base em dados compilados a partir de 4478 relatórios de empresas de capital aberto fornecidos à CVM, são estimados os desvios entre direitos de votos e direitos de cash flows do acionista com a maior fração do capital votante das empresas, discriminando-se esses desvios por tipo de indústria e por categoria de investidor último. Investiga-se, também, a relevância bem como a rationale das ações sem direito a voto e dos esquemas piramidais de propriedade. O corte longitudinal da análise permite verificar, ainda, a evolução no tempo das estruturas de direitos de capital e de votos. Como possíveis contribuições do artigo, pode-se apontar a abrangência e a atualização da amostra (cobrindo um período de seis anos que se estende até 2002 e incluindo o conjunto das empresas de capital aberto, e não apenas as empresas da Bovespa) e a metodologia empregada.

O artigo se estrutura do seguinte modo: na seção 2 é descrita a base de dados; na seção seguinte define-se a metodologia adotada para o tratamento dos dados; na seção 4 são apresentados os principais resultados da pesquisa, que, na última seção, são retomados para fundamentar alguns comentários sobre os problemas de governança das empresas no Brasil.

2. DADOS

As empresas de capital aberto no Brasil são obrigadas a fornecer à "Comissão de Valores Mobiliários'' (CVM) o "Informativo Anual'' (IAN), documento em que reportam: i) a participação acionária dos maiores acionistas da empresa; ii) a composição do conselho de administração e da diretoria; iii) a existência ou não de ações preferenciais e se estas têm ou não direito a voto; iv) a existência ou não de acordo de acionistas; e v) características gerais da empresa, tais como sua atividade principal. A pesquisa empírica da qual resultou este trabalho investigou um total de 4478 IANs, referentes a 670 empresas em 1997, 836 em 1998, 807 em 1999, 772 em 2000, 727 em 2001 e 666 em 2002.

3. METODOLOGIA

Esta seção descreve os conceitos e a metodologia concebidos para organizar e analisar os dados extraídos dos IANs. Discute-se, também, a aplicação dessa metodologia a três empresas envolvidas em um arranjo piramidal de propriedade.

3.1 Estrutura de Propriedade Piramidal, Direitos de Fluxo de Caixa, Direitos de Voto e Desvios de Direitos do Maior Acionista Último

Com base nos dados fornecidos pelos IANs, buscou-se identificar o maior acionista último de cada empresa, definido como o acionista com a maior participação, direta e indireta, nos direitos de votos da empresa analisada. Por propriedade indireta ou propriedade piramidal de uma empresa entende-se a estrutura de propriedade que apresente pelo menos uma empresa de capital aberto entre a empresa analisada e o seu respectivo acionista último. A figura 1 ilustra o caso de uma estrutura de propriedade piramidal em que D é o acionista último da empresa A por meio de uma cadeia de relações de propriedade envolvendo B e C como empresas intermediárias.


Reconstituída a seqüência de participações acionárias em empresas intermediárias conectando o acionista último à empresa investigada, e verificado se este é ou não um controlador, construiu-se um organograma representando a estrutura de propriedade de ações, em que se discriminam os direitos de cash flow e de votos dos principais acionistas nas empresas da cadeia de participações acionárias.

O maior acionista último de uma empresa de capital aberto pode ser: 1) uma pessoa ou uma família; 2) o governo ou entidades subordinadas; 3) uma empresa estrangeira; 4) um fundo de investimento; 5) um fundo de pensão; 6) uma companhia limitada ou uma sociedade anônima de capital fechado; 7) uma fundação; 8) uma cooperativa; e 9) um acordo de acionistas, isto é, um registro legal de compromisso de voto acordado entre alguns acionistas.

Antes de se descrever o critério de cálculo dos direitos de voto e de fluxo de caixa do maior acionista último, deve-se lembrar que no Brasil parte expressiva das ações das empresas de capital aberto não tem direito a voto. A legislação societária impõe que as ações ordinárias nominativas (ON) concedam a seus detentores o direito de voto e torna facultativo este direito no caso das ações preferenciais nominativas (PN). Anteriormente às alterações de 2001, o artigo 15 da lei 6404 autorizava as empresas a emitirem até 2/3 do seu capital na forma de ações PN sem direito a voto, possibilitando que um acionista com apenas 1/6 das ações da empresa a controlasse. Essa mesma lei exigia que as ações PN oferecessem um dividendo maior, permitindo a emissão de classes de ações PN com diferentes direitos de dividendos. Por esta razão, não se pode determinar com exatidão a parcela dos dividendos que um acionista possui em uma empresa. Para estimá-la, recorreu-se, então, a uma proxy representada pela fração que o acionista detém no número total de ações ON e PN da empresa examinada.1 1 Diferentemente, o cálculo da magnitude dos direitos de voto de um acionista é preciso.

O cálculo da participação do acionista último nos direitos de fluxo de caixa da empresa depende da existência ou não de uma estrutura de propriedade piramidal. Se a empresa examinada não envolve esse tipo de estrutura, a parcela dos direitos de fluxo de caixa do acionista último é representada pelo quociente entre a soma das ações ordinárias e preferenciais que possui e o número total de ações da empresa. Havendo esquema piramidal, a parcela dos direitos de fluxo de caixa é determinada pelo produto das frações das ações que cada empresa detém na subseqüente.

Por sua vez, o cálculo da parcela dos direitos de voto depende de se o maior acionista último é também o acionista controlador. No caso de empresas sem estrutura de propriedade piramidal, define-se acionista controlador2 2 Em seu artigo 116, a lei 6404 das S.A. define o acionista controlador como sendo "a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia''. Esta definição será estendida para contemplar também os casos em que o controle é obtido por esquemas piramidais. como o acionista que possui pelo menos 50% dos direitos de voto da empresa analisada; se a empresa pertence a um arranjo piramidal, o acionista controlador é o acionista que possui pelo menos 50% dos direitos de voto em cada empresa ao longo da cadeia piramidal.3 3 Na definição de controle de uma empresa, (Porta et alii, 1999) estabelecem os cut-offs de 20% e de 10% dos direitos de voto, enquanto Claessens et alii (2002, p. 2748), analisando empresas de alguns países asiáticos, adotam, adicionalmente, o cut-off de 40%. Embora cut-offs baixos sejam dominantes na literatura empírica sobre as estruturas de propriedade e de controle das empresas, optou-se pelo critério de 50% por duas razões. Primeiro, as peculiaridades das empresas de capital aberto no Brasil, em que predominam direitos de votos do maior acionista último superiores a 50%. Segundo, se um acionista detiver menos de 50% dos direitos de voto, seu poder de extração de benefícios privados da empresa à custa dos demais acionistas pode, em tese, ser contestado por um outro acionista proprietário de uma parcela semelhante dos direitos de voto, situação em que coexistiriam dois acionistas controladores. Sobre esse tipo de inconsistência teórica, ver Chapelle e Szafarz (2005). Se o maior acionista último não for o acionista controlador da empresa, a parcela de seus direitos de voto é determinada de forma análoga à parcela dos direitos de fluxo de caixa, isto é, multiplicando-se as porcentagens das ações com direito a voto que cada empresa mantém na empresa adjacente ao longo da pirâmide. No caso em que o acionista último da empresa for também o acionista controlador, a parcela de seus direitos de voto é determinada pela porcentagem do capital votante que o último intermediário na cadeia de propriedade possui na empresa da amostra.

3.2 Propriedade Cruzada de Ações

Duas empresas têm propriedade cruzada se cada uma delas tiver participação acionária na outra (figura 2). Demonstra-se, no apêndice Aapêndice A, que, ocorrendo essa situação, o cálculo das parcelas de direitos de voto e de direitos de fluxo de caixa do maior acionista último deve excluir o produto das participações recíprocas.


3.3 Modalidades de Propriedade do Capital das Empresas

A classificação das empresas segundo a origem do capital (empresa privada nacional, empresa estatal ou empresa estrangeira) é determinada pela origem do acionista proprietário da parcela majoritária do capital votante da empresa. Havendo um acionista último controlador, sua origem determina a modalidade da propriedade do capital da empresa. Não existindo um acionista último controlador, há duas possibilidades: 1) a soma dos direitos de voto dos acionistas últimos pertencendo a uma mesma modalidade de capital ultrapassa 50%, determinando, assim, a modalidade do capital da empresa; 2) a soma das porcentagens do capital votante em cada uma das modalidades é inferior a 50%, fazendo com que a empresa seja classificada em duas ou três modalidades.4 4 Se grupos de acionistas de duas das três modalidades possíveis de capital possuírem, cada um, 50% dos direitos de voto, a empresa será classificada como pertencendo àquelas duas modalidades. Quando nenhum grupo de acionistas representando uma modalidade de capital atingir 50% dos direitos de voto, a empresa será classificada nas três modalidades. Um problema de classificação ocorre no caso em que o maior acionista último é uma offshore, pois, tanto nos "paraísos fiscais'' como no Brasil, a legislação protege o sigilo da identidade de seus proprietários.5 5 Tentou-se, sem sucesso, obter informações do Banco Central do Brasil a respeito da propriedade do capital de algumas empresas offshore. Ainda que possam ser de brasileiros, empresas offshore foram consideradas estrangeiras, gerando um viés para subestimar a quantidade de empresas de capital privado nacional. Todavia, sendo pequeno o número de empresas offshore, tal procedimento não compromete os resultados.

3.4 Análise das Estruturas de Propriedade do Capital e de Controle da Companhia Nordeste de Participações (Conepar), Polialden Petroquímica S.A. e Politeno S.A.

Para uma melhor compreensão da metodologia seguida, apresenta-se abaixo o procedimento empregado no cálculo dos desvios de direitos de três empresas vinculadas por participações acionárias à Nordeste Química S.A. (Norquisa). Adotou-se a seguinte notação:

  • Cada retângulo representa um acionista ou a empresa sob análise;

  • Setas indicam relações de propriedade de capital e de direitos de votos: o retângulo de onde a seta parte representa o acionista da empresa, representada pelo retângulo para o qual a seta se destina;

  • Porcentagens fora de parênteses referem-se à parcela de capital votante a que o acionista tem direito na empresa para a qual a seta se destina; porcentagens entre parênteses referem-se à parcela do capital social (direitos de fluxo de caixa) desse acionista;

  • Não havendo porcentagens entre parênteses para uma determinada seta, as parcelas de direito de voto e de fluxo de caixa são iguais.

Entre 1997 e 2001, a família Odebrecht foi o maior acionista último da Norquisa (não há dados para 2002). Em 2001, em razão da alteração na estrutura de propriedade da Conepar, uma das empresas do arranjo piramidal, formou-se uma participação cruzada circular, elevando os direitos de votos da família controladora. Nesse ano, a Norquisa e a Politeno faziam parte de um intricado arranjo de propriedade e de controle envolvendo treze empresas da amostra: Politeno, Conepar, Econômico, NQ Part, Polipropileno, Trikem, Polialden, Braskem, EDN, Pronor, Oxíteno, Oxíteno Nordeste e Ultrapar (ver a representação gráfica da estrutura de propriedade e de controle da Norquisa na figura 3). Devido à complexidade das relações patrimoniais da Politeno, Conepar e Polialden, são apresentados, abaixo, os cálculos dos direitos de voto e de cash flow de cada uma dessas três empresas para 2001.


Pela figura, pode-se observar uma participação cruzada circular envolvendo a Politeno, a Norquisa, a Copene, o Econômico e a Conepar. Para se calcular os direitos de votos e de cash flows descontou-se o produto das participações cruzadas, que, exceto no caso do Econômico S.A., é de 2.55% para os direitos de voto (isto é, 0.5841 × 0.35 × 0.1247) e de 0.82% para os direitos de fluxo de caixa (0.2306 × 0.3099 × 0.1141). No caso do Econômico, descontou-se do total 1.63% para os direitos de voto (0.5841 × 0.35 × 0.1247 × 0.6382) e 0.46% para os direitos de fluxo de caixa (0.2306 × 0.3099 × 0.1141 × 0.5631).

Na Politeno, um acordo primário de acionistas entre a Sumitomo, a Itochu, a Conepar e a SPP Nemo garante o controle integral dos votos. Sendo a Sumitomo e a Itochu empresas japonesas, são, por isso, participantes efetivas do acordo de acionistas. Outro participante efetivo do acordo é a família Feffer, pois controla integralmente a empresa brasileira SPP Nemo. A Conepar, também brasileira, é controlada, via esquema-pirâmide, pela Norquisa e envolve uma participação cruzada. Dado que a Norquisa tem seu capital disperso, é a participante efetiva do acordo. Assim, os participantes efetivos do acordo, que determinam os direitos totais de fluxo de caixa da Politeno, são as duas empresas japonesas, a família Feffer e a Norquisa.

Juntas, a Sumitomo e a Itochu possuem 25.20% dos direitos de fluxo de caixa da Politeno. A Norquisa possui 23.06% dos direitos de dividendos na Copene, que possui 100% dos direitos de dividendos no Econômico e na Conepar. Desse modo, como a Conepar tem 30.99% do capital social da Politeno, a Norquisa tem de maneira indireta, sem considerar a participação cruzada, 7.15% dos direitos de fluxo de caixa (0.3099 × 0.2306). Descontando-se o produto das participações cruzadas, obtém-se 7.22%, isto é, {0.0715 / (1 - 0.0082)}. Com isso, as empresas japonesas e a Norquisa detêm conjuntamente 32.42% dos direitos de fluxo de caixa da Politeno. A parcela da família Feffer na Politeno, por sua vez, envolve participação por duas vias: pela SPP Nemo e pela Norquisa. A parcela que essa família possui na Norquisa já foi considerada, uma vez que o cálculo que resultou nos 7.22% levou em conta todos os acionistas da empresa. Por meio da SPP Nemo, a família possui 17.93% (0.5840 × 0.3071) do capital social da Politeno. Portanto, a parcela dos direitos de fluxo de caixa do acionista último, que é o acordo de acionistas, totaliza 50.35% (isto é, 32.42% + 17.93%) e o desvio de direitos é de 49.65% (100% - 50.35%). Quanto à extensão da estrutura piramidal, há até seis empresas intermediárias na seqüência entre um dos acionistas últimos (a família Feffer) e a Politeno.

A Conepar, controlada pela Norquisa, tem o mesmo maior acionista último desta empresa, a família Odebrecht, que, por sua vez, controla a Trikem S.A. e a Nova Odequi. Entretanto, como essa família não controla a Norquisa, os direitos de voto são calculados segundo o mesmo procedimento dos direitos de fluxo de caixa. Considerando que a família Odebrecht controla duas empresas com participação na Norquisa e que esta controla a Conepar, há então duas vias de participação a serem consideradas no cálculo da parcela dos direitos de fluxo de caixa. Além disso, tem que se descontar a participação cruzada via Politeno entre a Conepar e a Norquisa. Com isso, o cálculo das parcelas de direitos de voto e de fluxo de caixa para esta empresa envolve três componentes: 1) o cálculo das parcelas que o acionista último possui na Norquisa; 2) o cálculo das parcelas que o acionista último possui na Conepar; e 3) o desconto das parcelas referentes à participação cruzada. Em termos de direitos de voto, a família Odebrecht comanda, via esquema-pirâmide, 23.69% da Nova Odequi e 16.02% da Trikem, totalizando, portanto, 39.71%. Dado que a Norquisa controla 58.41% do capital votante efetivo da Conepar, então o controle efetivo da família Odebrecht, ainda sem descontar a participação cruzada, é de 23.19%, isto é, 0.3971 × 0.5841. Como o produto das participações recíprocas entre a Norquisa e a Conepar é 2.55% (0.5841 × 0.35 × 0.1247), a parcela dos direitos de voto da família corresponde a 23.80%, isto é, 23.19% / ( 100% - 2.55% ). A parcela de direitos de fluxo de caixa que a família Odebrecht possui na Norquisa é de 14.98%, sendo 2.75% proveniente da Trikem (0.5996 × 0.3325 × 0.1379) e 12.23% da Nova Odequi (0.5996 × 0.2040). Como a Norquisa tem 23.06% dos direitos de fluxo de caixa na Conepar, essa família possui, via pirâmide, 3.45% do capital social da Conepar (0.1498 × 0.2306). Por fim, descontando-se o produto das participações cruzadas, chega-se à parcela final de 3.48% dos direitos de dividendos, resultado da operação 3.45%/(1 - 0.2306 × 0.3099 × 0.1141). Há sete empresas intermediárias na cadeia de controle entre a família Odebrecht e a Conepar.

A Polialden, em contraste com a Conepar, o Econômico e a NQ Participações, não tem a família Odebrecht como acionista último. Como essa família possui 39.71% dos direitos de voto da Norquisa, que tem 58.41% dos votos da Copene, que, por sua vez, tem dois - terços dos votos da Polialden, então ela detém 15.46% dos direitos de voto desta última empresa. Excluindo a intersecção referente à participação cruzada entre a Copene e a Norquisa, que é de (0.5841 × 0.35 × 0.1247) = 0.0255, a parcela final efetiva que a família Odebrecht possui na Polialden é de 15.46% / ( 1 - 0.0255 ) = 15.97%. Entretanto, como as empresas japonesas Mitsubishi e Nisho Iwai possuem diretamente, cada uma, 16.67% dos votos e 6.81% do fluxo de caixa, ambas são os maiores acionistas últimos na Polialden, não sendo, portanto, necessário considerar as participações cruzadas nos cálculos dos direitos de voto e de fluxo de caixa.

No que diz respeito à origem do capital, as treze empresas que constam do organograma são de capital privado nacional. Embora em alguns casos existam empresas estrangeiras ou mesmo estatais na composição do capital, em nenhuma empresa essas participações somadas atingem 50%. A cadeia de propriedade acionária que parte do acordo de acionistas da Politeno e chega à participação cruzada com a Norquisa, empresa da qual se ramificam outras tantas empresas da amostra, condensa muitas das dificuldades metodológicas com que a pesquisa se defrontou: há desvios da regra "a cada ação, um voto'' em praticamente todas as empresas envolvidas nos arranjos piramidais; existem acordos de acionistas em empresas como a Politeno e a Braskem; há participação cruzada entre a Politeno, a Norquisa, a Conepar, a Copene e o Econômico, tanto no que diz respeito a direitos de voto quanto a direitos de fluxo de caixa; no caso da Polialden, o maior acionista não é seu controlador; ocorrem simultaneamente concentração de capital (na Politeno) e dispersão (na grande maioria das empresas); e famílias combinam-se com empresas estrangeiras e estatais no controle de uma ou mais corporações.6 6 No Apêndice B são apontadas as principais dificuldades enfrentadas na aplicação dessa metodologia às demais empresas da amostra.

4. RESULTADOS

Esta seção relata os principais resultados da pesquisa em relação aos seguintes aspectos: (a) composição setorial das empresas de capital aberto; (b) identidade do maior acionista último (doravante representado pelo acrograma MAU); (c) direitos de fluxo de caixa, direitos de votos e desvios destes direitos para o MAU, discriminando-os também por setor de atividade e por tipo de acionista último; (d) efeitos das ações PN sem direito a voto e das estruturas piramidais de propriedade sobre os direitos de voto e sobre os desvios de direitos; e (e) o grau de efetividade dos acordos de acionistas para se alcançar o controle da empresa. Os resultados agregados foram obtidos a partir dos cálculos feitos para cada empresa com base na metodologia exposta anteriormente.

4.1 Composição Setorial das Empresas da Amostra

Desde 1998, tanto o número de empresas de capital aberto como o número de empresas com ações negociadas na bolsa vêm declinando, acumulando até 2002 uma queda de, respectivamente, 20% e 24%.7 7 Entre 1998 e 2002, o número de empresas listadas nas bolsas caiu de 556 para 422, enquanto o número de empresas de capital aberto que forneceram o IAN à CVM reduziu-se de 836 para 666. Em função das restrições de espaço, não são apresentadas algumas tabelas referentes a dados mencionados no texto. Pela tabela 2, observa-se que, na média para o período analisado, holdings respondem pela maior fatia das empresas da amostra (19.1%), seguidas de bancos (15,4%), indústria metalúrgica e minerais metálicos (8,3%), eletricidade, gás e água (7,4%) e telecomunicações (7,2%). Em termos de evolução, cabe apontar a ampliação da participação da indústria de eletricidade, gás, e água (de 6,0% em 1997 para 9.3% em 2002) e das holdings, que cresce até 2001 (de 16,9% para 20.1%).

4.2 Identidade do Maior Acionista Último

Entre os maiores acionistas últimos das empresas analisadas, predominam famílias, que, na média do período 1997-2002, compunham 54.7% desses acionistas. Seguem em importância os investidores estrangeiros (com participação média de 18.4%), governo (7,5%) e fundos de investimento (5,2%). Fundos de pensão são o MAU em apenas 2,0% das empresas da amostra (ver tabela 3). Sob a perspectiva da evolução no período investigado, reduziram-se moderadamente as frações das empresas de capital aberto cujo MAU são famílias ou entidades governamentais,8 8 Cabe frisar que o número de empresas em que o governo é o MAU vem declinando desde 1998 (após o aumento de 60 para 68 empresas em 1998, cai para 50 em 2002). enquanto a parcela relativa aos fundos de investimento mais do que triplicou. No caso de investidores estrangeiros, eram os maiores acionistas últimos em 14.5% das empresas da amostra em 1997, participação que aumentou para 19.7% em 2000, caindo em 2002 para 17.7% (em termos absolutos, o número de empresas em que eram os maiores acionistas últimos saltou de 97 para 158 entre 1997 e 1998, reduzindo-se para 118 em 2002).

4.3 Direitos de Fluxo de Caixa e de Voto e Desvios de Direitos do Maior Acionista Último

A média dos direitos de fluxo de caixa do MAU nas empresas de capital aberto da amostra entre 1997 e 2002 é de 51.6% e a média dos direitos de votos é de 72.9%, implicando um desvio médio de direitos de 21.3%. As empresas com ações negociadas em bolsa apresentam diferenças pequenas vis-à-vis o conjunto das empresas de capital aberto, como se pode observar pela tabela 4: a concentração média dos direitos de fluxos de caixa e a dos direitos de votos são menores em, respectivamente, 5.2 e 2.2 pontos percentuais, resultando em um maior desvio de direitos (3.0 pontos percentuais). São limitadas as alterações nas magnitudes dos direitos e dos desvios de direitos ao longo do período: para as empresas de capital aberto, os direitos de votos e os de fluxos de caixa crescem, respectivamente, 4.0 e 5.6 pontos percentuais. No caso das empresas com ações negociadas em bolsa, não houve tendência de desconcentração dos direitos de votos (ao contrário, a média dos direitos de votos do MAU cresceu de 69,1% para 72,0%) e ocorreu um pequeno aumento nos direitos de cash flow (de 44,5% para 48,1%), resultando em certa estabilidade nos desvios de direito.

As empresas de capital aberto em que o MAU é proprietário de uma parcela do capital maior do que 50% representam 47.9% do total de empresas da amostra no período e, para as empresas com ações negociadas na Bovespa, 41,8% (ver tabela 5). Empresas cujo MAU detinha mais de 90% do capital total da empresa correspondem a 18,4% das empresas analisadas (10,0% para empresas com ações negociadas na Bovespa).9 9 Em contrapartida, em apenas 25,9% das empresas de capital aberto (29,2% das empresas com ações listadas na Bovespa) o MAU apresentava uma fração dos direitos de fluxos de caixa não excedendo 25%. Sob a ótica convencional que associa os arranjos piramidais de propriedade e as ações de classes duais à estratégia do MAU de obter o controle da empresa com uma participação mínima no seu capital, esses percentuais representam um enigma, uma vez que não seria racional possuir direitos de fluxos de caixa em uma magnitude maior do que a logicamente necessária para controlá-la.

Na média do período, há um acionista controlador em 77.6% das empresas de capital aberto examinadas e em 77.3% das empresas com ações negociadas na Bovespa (tabela 6). Mesmo entre as empresas em que o MAU apresenta direitos de voto inferiores a 50%, a média é de 33.9% (32.4% para empresas da Bovespa). Empresas cujo MAU detém mais de 90% do capital votante da empresa correspondem a 39,0% do total de empresas de capital aberto e a 31,8% das empresas da Bovespa.10 10 A mediana dos direitos de voto (ver tabela 8) indica que 50% das empresas da amostra possuíam um acionista último com mais de 80% dos direitos de voto, embora esse mesmo percentual de empresas apresentasse um acionista último com mais de apenas 49.1% dos direitos de fluxo de caixa. Essas participações são muito elevadas em comparação com aquelas estimadas por Claessens et alii (2002, p.2748) - para um cut-off de 40%, apenas 23% das empresas asiáticas analisadas tinham acionista controlador. Se fosse seguido o cut-off de 20% dos direitos de voto para definir controle, adotado por Porta et alii (1999), menos de 6% das empresas da amostra da CVM (menos de 7% para as da Bovespa) não teriam acionista último controlador. E para o cut-off de 10%, apenas 0.4% das empresas da amostra (0.25% das empresas com ações negociadas na Bovespa) não teria acionista controlador. Uma vez que a lei das S.A. faculta ao acionista que possui 50% dos votos o controle efetivo sobre as decisões mais importantes da empresa,11 11 Segundo o artigo 136 da Lei n. 9457, "é necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, para deliberação sobre: ... criação de ações preferenciais ou aumento de classes existentes, sem guardar proporção com as demais espécies e classes, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto; ... redução do dividendo obrigatório; ... fusão da companhia, ou sua incorporação em outra; ... cisão da companhia''. causa surpresa que em 77% das empresas da amostra haja um acionista último controlando mais de 50% dos direitos de votos.12 12 Medida pela proporção das empresas cujo direito de voto do MAU é superior a 90%, a concentração nos direitos de votos cresceu entre 1997 e 2002: de 34,9% para 43,4% nas empresas de capital aberto e de 28.4% para 34,4% nas empresas com ações negociadas na Bovespa.

Quanto aos desvios de direitos do MAU, a tabela 7 evidencia que, em termos médios para o período analisado, excedem 10 pontos percentuais em 55.9% das empresas da amostra e em 64,9% das empresas com ações negociadas na Bovespa. Desvios maiores do que 25% e 50% ocorrem em, respectivamente, 36.2% e 13,2% das empresas de capital aberto (e em, respectivamente, 42,4% e 15,5% das empresas listadas nas bolsas). Por sua vez, 20,7% das empresas não apresentavam desvio de direitos e 3,8% apresentavam desvios negativos (respectivamente, 10,3% e 4,7% das empresas com ações negociadas na Bovespa). Não há variação significativa nesses percentuais ao longo do tempo.

4.4 Direitos de Fluxo de Caixa, Direitos de Voto e Desvios de Direitos por Categoria de Acionista

Entre as categorias de MAU que apresentam as menores parcelas médias de direitos de cash flow para o período, sobressaem famílias (43,2%), fundações (35,9%) e fundos de pensão (48,6%), enquanto governos (72,1%), investidores estrangeiros (60,4%) e fundos de investimento (64,1%) são categorias em que os maiores acionistas últimos detêm uma fração média do capital social bem acima da média geral de 51,6% (ver tabela 8). Essas médias pouco se alteram se os acordos de votos não forem considerados, exceto no caso em que o MAU seja um fundo de pensão (declinando de 48,6% para 35,5%). Em termos de evolução no período, cresce bastante a participação média do MAU na propriedade do capital das empresas para entidades governamentais (de 62,5% para 79,1%), fundos de pensão (de 39,1% em 1997 para 58,2% em 2001, caindo em 2002 para 51,2%), e fundos de investimento (de 57.2% em 1999 para 70.2% em 2002). No caso dos investidores estrangeiros, o crescimento foi moderado (de 58,0% para 63,3%).

No que concerne aos direitos de voto do MAU, as entidades governamentais apresentam as maiores média e mediana para o período (86,5% e 96,0%), seguidas pelos fundos de investimento (78,0% e 95,1%), e investidores estrangeiros (77,3% e 84,1%). Entre as menores médias, destacam-se os fundos de pensão (65,0%) e famílias (69,1%). Durante o período analisado, a média anual de direitos de voto do MAU oscilou pouco para famílias e aumentou para fundos de investimento (de 73,4% para 85,5%), entidades governamentais (de 81,3% para 89,3%), investidores estrangeiros (de 73,8% para 81,4%), e fundos de pensão (de 56,5% para 63.9%). Deixando de considerar os acordos de votos, a única mudança significativa ocorre novamente no caso em que o MAU são fundos de pensão: a média de direitos de voto para o período cai de 65,0% para 48,3%.

Em relação aos desvios entre direitos de voto e de cash flow, as médias mais elevadas do período ocorrem nos casos em que o MAU são famílias e fundações (25,9% e 22,2%, respectivamente), seguidas por entidades governamentais (14,4%), investidores estrangeiros (16,9%), fundos de investimento (13,9%) e fundos de pensão (16,4%). Chama atenção a forte discrepância entre médias e medianas dos desvios para entidades governamentais, investidores estrangeiros, fundos de investimento e fundos de pensão, com as médias excedendo as medianas em mais de 10 pontos percentuais, evidenciando que alguns poucos acionistas últimos majoritários usufruem de elevadíssimos desvios de direitos. Ao longo do período focalizado, há alterações substanciais na média anual desses desvios de direitos para entidades governamentais, cuja média declinou de 18,8% para 10,3% (e a mediana de 9.5% para 0.1%), fundos de investimento e fundos de pensão. Se os acordos de votos não forem considerados, a única alteração significativa ocorre, mais uma vez, para os fundos de pensão.

4.5 Direitos de Fluxo de Caixa, Direitos de Voto, e Desvios de Direitos do Acionista Majoritário Último por Indústria

É alta a discrepância inter-industrial nas médias dos direitos de cash flow do MAU das empresas (tabela 9). Enquanto telecomunicações (32,9%) e petróleo (33,8%) apresentam médias para o período significativamente inferiores à média do conjunto das indústrias (51,6%), esta é bem menor do que as médias nos setores de transportes (65,3%), intermediação financeira (60,7%), e saúde (76,8%). Não se nota características comuns às indústrias que compõem cada um desses dois grupos que poderiam esclarecer essas diferenças. No que tange à evolução na média anual dos direitos de cash flow no período 1997-2002, destacam-se os aumentos nos casos de telecomunicações (de 29,4% para 39,5%) e holdings (de 48,9% para 58,8%). Confrontando-se as médias dos direitos de cash flow com acordos de votos e sem estes acordos, verifica-se uma expressiva diferença nos seguintes setores: transportes (65,3% e 48,2%), petróleo (33,8% e 26,6%), e eletricidade, gás e água (57,1% e 50,8%).

A discrepância nos direitos de voto do MAU entre as indústrias é menor. Apresentam médias superiores à média do conjunto das indústrias (72.9%) os setores de comércio (83,7%), agricultura (79,0%), papel e celulose (77,4%), eletricidade, gás e água (77,8%), e bancos (76,3%, mas com mediana bem maior, 94.9%), enquanto as médias na indústria de petróleo (62,0%) e nas holdings (68,2%) são inferiores à média global. Quanto à evolução da média das participações no capital votante do MAU no período, é notável o aumento que ocorre na indústria de telecomunicações (de 57,6% para 78,8%) e comércio (de 75,1% para 87,7%), sendo expressivo também no setor de petróleo (de 56,9% para 66,3%) e nas holdings (de 65,2% para 73,4%). Não considerando os acordos de acionistas, a média de direitos de voto do MAU para o conjunto das indústrias cai relativamente pouco (de 72,9% para 67,8%), sendo que as maiores diferenças ocorrem nos seguintes setores: transportes (78,2% com acordo e 58,2% sem), petróleo (respectivamente, 62,0% e 52,4%), e telecomunicações (72,0% e 63,9%).

Por fim, no que diz respeito aos desvios de direitos do MAU, os seguintes setores apresentam médias significativamente superiores à média geral de 21,3%: telecomunicações (39,0%, sendo que a média anual subiu de 28,3% em 1997 para 49,7% em 1999, caindo em 2002 para 38,6%), papel e celulose (33,4%), e agricultura (31,5%). Por sua vez, os menores desvios de direitos ocorrem no setor de cerâmica, cimento e vidro (13,9%), transportes (12,8%), bancos (15,6%, declinando de 21,2% para 11,9%) e holdings (14,4%, com médias anuais relativamente estáveis). Se acordos de votos entre acionistas não são considerados, a situação pouco se altera.

4.6 Ações sem Direito de Voto

Embora as ações PN possam ter ou não direito a voto, apenas 5,2% das empresas da amostra na média do período investigado haviam emitido ações PN com direito a voto - em 3,6% das empresas, todas as ações PN tinham direito a voto e em 1,6% das empresas havia ações PN com e sem direito a voto (tabela 10). Em contrapartida, também em termos da média do período, 67,0% das empresas só dispunham de ações PN sem direito a voto. Deve-se notar, porém, que o número de empresas em que todas as ações PN não têm direito a voto vem caindo: de 574 em 1998 para 433 em 2002 (declinando em termos relativos de 68,7% para 65,0%). Por sua vez, as empresas em que todas as ações têm direito a voto representam 31,4% da amostra, participação esta que no período subiu de 29,0% para 33,6%.

As ações PN sem direito a voto representam, na média, 31,0% do capital social das empresas da amostra (quase a metade dos dois-terços legalmente permitidos), implicando que a parcela do capital social necessária para controlar a "empresa média'' é de 34,5%. É também significativo que, na média, 36,5% das empresas tivessem mais de 50% de seu capital social composto por ações sem direito a voto, permitindo que o controle fosse alcançado com a propriedade de apenas 25% das ações da empresa (tabela 10). Cabe a ressalva, porém, de que o número de empresas com essa característica tem declinado desde 1998 (de 314 para 235 em 2002).

4.7 Empresas com Estrutura de Propriedade Piramidal e Empresas com Propriedade Cruzada de Ações

Participações cruzadas de ações de duas ou mais empresas, fenômeno comum na Alemanha, Japão e Cingapura (Bouabker, 2003), são raras no Brasil: em 2002 havia apenas 11 empresas (1,7% da amostra) com esse tipo de arranjo, com média de direitos de voto de 78% e de desvio de direitos de 44%. Diferentemente, empresas com estrutura de propriedade piramidal (EPP) representavam, conforme indica a tabela 11, 47,1% do total das empresas da amostra em 2002 (50,5% na média do período 1997-2002).13 13 Cabe mencionar que o número de empresas com EPP caiu de 431 em 1998 para 314 em 2002. Definindo-se o grau da estrutura piramidal (GEP) como o número de empresas intermediárias entre a empresa analisada e o MAU, das empresas com EPP, na média do período, 48,1% apresentavam um GEP igual a 1, 23,9% um GEP igual a 2, e 13,6% um GEP igual a 3, sendo a média dos graus de estrutura piramidal para o conjunto da amostra de 1.04 e de 2.06 para as empresas com EPP (ver tabelas 11 e 12).14 14 Em 2002, havia duas empresas com GEP = 8 e uma com GEP = 9.

Tradicionalmente, atribui-se a rationale das estruturas piramidais, que tipificam muitos grupos econômicos nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, ao propósito de expropriação dos minoritários por meio da separação que engendram entre direitos de controle e direitos de cash flow.15 15 Ver, entre outros, Bebchuk (1999), Bebchuk et alii (1999), Porta et alii (1999) e Bertand e Mullainathan (2002). Recentemente, essa interpretação foi desafiada por , que, com base em um modelo teórico e em evidências episódicas, argumentam que EPP permitem a famílias utilizar os lucros não distribuídos de empresas que já controlam para criarem novas empresas, partilhando com os acionistas daquelas empresas os "security benefits''das novas empresas, isto é, os retornos que estas geram e que não são apropriados como benefício privado pelas famílias controladoras. Mercados de capital incipientes e baixos "security benefits'' da nova empresa, características típicas de países em que a proteção ao investidor é fraca, favoreceriam assim a emergência de estruturas piramidais, que poderiam representar uma resposta eficiente a falhas nos mercados financeiros. Empresas com elevadas exigências de investimento e/ou baixa geração de cash flow em ambientes com fraca proteção legal dos investidores seriam as mais propensas a serem formadas em torno de arranjos piramidais, pois, além de gerarem um maior payoff para a família controladora e de envolverem menores "security benefits'' para os investidores "externos'', são as que sofrem maiores restrições financeiras e, portanto, as que mais se beneficiariam com a transferência de recursos internos do grupo. Para Almeida e Wolfenzon, sua teoria apresentaria o mérito de explicar a predominância das pirâmides vis-à-vis outros mecanismos de afastamento da regra "a cada ação, um voto'' - como, por exemplo, a existência de ações sem direito a voto.16 16 Essa controvérsia pode ser pensada em termos de ênfases distintas nas implicações distributivas e de eficiência das EPP.

Para examinar a implicação dessa teoria de que os arranjos de propriedade piramidal ocorreriam mesmo se as famílias controladoras não tivessem esgotado os limites legais de emissão de ações sem direito a voto, construiu-se a tabela 13, que apresenta a distribuição das empresas com EPP de acordo com a participação de ações PN sem direito a voto no total das ações da empresa para o período 1997-2002. Verifica-se que 29% dessas empresas emitiram ações PN sem direito a voto em um volume maior do que 60% do total de ações, e que empresas cuja fração de ações PN sem direito a voto excede 40% do total de suas ações representam 53,1% das empresas com EPP. Esses percentuais elevados lançam dúvidas sobre a tese de Almeida e Wolfenzon.17 17 Analisando-se a evolução ano a ano, não se percebe nenhuma tendência de declínio nesses percentuais. Cabe notar em favor deles, entretanto, que mais de 27% das empresas com pirâmide não emitiram ações PN sem direito a voto.

Almeida e Wolfenson sustentam que sua teoria é consistente com evidências empíricas recentes de que famílias controlando empresas por meio de arranjos piramidais detêm elevadas participações no capital e pequenos desvios da relação "a cada ação, um voto'', contrariando, portanto, a teoria tradicional. No caso dos direitos de fluxos de caixa do MAU das empresas de capital aberto da amostra, as evidências não são conclusivas. Embora as médias desses direitos sejam significativamente inferiores nas empresas com EPP se comparadas com as empresas sem estes arranjos, pode-se argumentar que, ao menos para empresas com GEP de 1 a 3, a participação no capital da empresa é expressiva, superior a 33%, sendo de 47.9% no caso de empresas com GEP igual a 1 (ver tabela 14).

Quanto aos desvios de direitos em empresas com EPP, a tabela 15 revela que são bem superiores aos das empresas sem pirâmides (a média para empresas com GEP igual a 1 é de 26,1%, contra 11,8% das empresas sem EPP) e crescem bastante à medida que o GEP aumenta, colocando em suspeição a afirmação de Valadares e Leal (2000, p. 49) de que a separação entre propriedade e controle não constitui o principal objetivo dos arranjos de pirâmides no Brasil. Por sua vez, outra evidência favorável a Almeida e Wolfenson é o número significativo de esquemas piramidais com empresas intermediárias controladas diretamente por um acionista com 100% dos direitos de votos. Para 2001, por exemplo, se empresas desse tipo forem computadas no cálculo, a média dos graus da estrutura piramidal sobe, se for considerado o conjunto das empresas, de 1.04 para 1.57 e, considerando-se apenas empresas com EPP, de 2.05 para 2.31.

À luz dessas evidências, parece provável que a EPP no Brasil sirva a diferentes propósitos nas estratégias das empresas: algumas a utilizam para facilitar o financiamento por meio do "mercado interno de capital'', em concordância com Almeida e Wolfenzon (2006); para outras, opera como um recurso de alavancagem dos direitos de votos sob uma base estreita de capital; em outras, como observam (Valadares e Leal, 2000), visa "manter o controle da firma dentro da mesma família'', evitando que outros detentores de grandes blocos de ações contestem esse controle; e, muito provavelmente, há as que recorrem à EPP como estratagema tributário.

4.8 Grau de Alcance dos Acordos de Acionistas

Embora a concentração dos direitos de votos no MAU mantenha-se elevada mesmo sem considerar os acordos de acionistas, esta prática é adotada em uma parcela significativa das empresas de capital aberto e, em uma fração substancial, é efetiva em assegurar o controle. O número de empresas com esse tipo de acordo cresceu de 82 em 1997 (12,2% do total de empresas) para 118 em 2002 (17,7%). Em termos de média para o período, o acordo foi decisivo para se alcançar o controle em 60,7% das empresas com acordo (ou 8,8% do número total das empresas, parcela que se elevou de 7,4% em 1998 para 11,1% em 2002). Na média, os acordos envolvem três acionistas e resultam em uma concentração dos direitos de voto nas empresas que os adotam de 81,4% (ver tabela 16). Vale notar que, ao longo do período analisado, essa concentração se elevou de 76,3% para 85,3%. Acordos não asseguraram o controle em apenas 7.1% das empresas (parcela que declinou de 11,0% em 1997 para 3,4% em 2002). Por sua vez, já havia um controlador em 32,2% das empresas com acordo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS À GUISA DE CONCLUSÃO

Este trabalho analisou a evolução da estrutura de propriedade de capital e de votos das empresas de capital aberto no Brasil no período de 1997 a 2002. Foram calculados os desvios entre direitos de votos e direitos de fluxos de caixa do maior acionista último das empresas com base em uma metodologia concebida para investigar as peculiaridades do cenário corporativo brasileiro - como a existência de ações preferenciais sem direito a voto, arranjos piramidais complexos e acordos de acionistas. Duas outras contribuições do artigo, além da metodologia, são a abrangência da amostra, que se estende por seis anos e inclui também as empresas de capital aberto não listadas em bolsas, e a análise da rationale das estruturas piramidais de propriedade.

Abaixo, enumeram-se os principais resultados da investigação, parte dos quais tem seu significado econômico comentado, e apontam-se algumas questões cujo esclarecimento exige pesquisa adicional:

a) Redução expressiva no número de empresas de capital aberto e de empresas com ações negociadas em bolsa entre 1998 e 2002 (respectivamente, 20% e 24%).

b) Holdings (19.1%) e bancos (15,4%) respondem por mais de 1/3 das empresas de capital aberto. Especificamente em relação às holdings, cabe elucidar se sua difusão é motivada por razões de eficiência ou constitui um expediente para transferir renda (do fisco ou dos minoritários para os executivos e controladores).

c) Famílias preponderam entre os acionistas últimos majoritários (54.7%), seguidas de investidores estrangeiros (18.4%), governo (7,5%) e fundos de investimento (5,2%), sendo que os fundos de pensão representam apenas 2,0%.

d) Entidades governamentais experimentaram uma redução nessa participação ao longo do período enquanto a dos fundos de investimento e a dos investidores estrangeiros aumentaram.

e) A média no período dos direitos de propriedade do MAU no capital das empresas de capital aberto da amostra é de 51.6%, a dos direitos de votos é de 72.9%, resultando em um desvio médio de direitos de 21.3%, sendo essas médias próximas às das empresas listadas nas bolsas.

f) Empresas de capital aberto cujo MAU é proprietário de uma parcela do capital da empresa maior do que 50% representam 47.9% da amostra (41,8% para empresas registradas em bolsas).

g) Há um acionista controlador em 77.6% das empresas de capital aberto examinadas (77.3% no caso de empresas da Bovespa). Pode-se especular, contrafatualmente, que essas frações seriam bem menores se as privatizações dos últimos quinze anos não tivessem sido conduzidas estritamente pelo objetivo de maximização da receita de venda das empresas, que implicou a mera transferência do controle do governo para grupos privados, desperdiçando-se assim uma oportunidade para a introdução no mercado acionário de grandes empresas com capital disperso.

h) Em 39,0% das empresas de capital aberto (em 31,8% das empresas listadas nas bolsas) o MAU detém mais de 90% do capital votante da empresa, sendo que esta participação no número de empresas saltou de 34,9% em 1997 para 43,4% em 2002 (para as empresas registradas em bolsas, o aumento foi de 28.4% para 34,5%). Se o controle da empresa é garantido com 50% dos votos, resta esclarecer a razão pela qual o MAU em mais de 1/3 das empresas listadas em bolsa controla mais de 90% do capital votante.

i) 55.9% das empresas da amostra (64,9% das empresas da Bovespa) apresentam desvios de direitos do MAU superiores a 10 pontos percentuais; em 36.2% das empresas (42,4% das empresas da Bovespa), os desvios são maiores do que 25%, e em 13,2% das empresas (15,5% das empresas da Bovespa) os desvios são maiores do que 50%.

j) As entidades governamentais apresentam a maior média de direitos de voto do MAU para o período (86,5%), seguidas dos fundos de investimento (78,0%), e investidores estrangeiros (77,3%). Fundos de pensão (65,0%) e famílias (69,1%) ficam com as médias menores.

k) Acordos de votos elevam substancialmente a média dos direitos de votos apenas para os fundos de pensão (de 48,3% para 65,0%).

l) As médias mais elevadas de desvios de direitos ocorrem nos casos em que o MAU são famílias (25,9%).

m) As indústrias com as maiores participações do MAU no capital votante são: papel e celulose (77,4%), eletricidade, gás e água (77,8%), e bancos (76,3%).

n) As indústrias com as maiores médias de desvios de direitos do MAU são: telecomunicações (39,0%), papel e celulose (33,4%), agricultura (31,5%), e petróleo (28,2%). Muito provavelmente há alguma conexão entre a elevada discrepância de direitos no setor de telecomunicações e o modelo que norteou sua privatização.

o) Na média do período, em 67% das empresas todas as ações PN não têm direito a voto; as ações PN sem direito a voto representam 31,0% do capital social das empresas analisadas; e 36.5% das empresas tinham mais de 50% de seu capital social composto por ações sem direito a voto. Essas porcentagens são evidências de que muitas empresas de capital aberto no Brasil buscam a separação entre direitos de votos e direitos de fluxos de caixa.

p) Na média do período, 50,5% das empresas da amostra estavam envolvidas em arranjos piramidais, cuja motivação precisa ainda merece maior esclarecimento. É possível que sirvam a diversas estratégias, como por exemplo, criar uma cunha entre direitos de votos e de fluxos de caixa, facilitar o financiamento, ou reduzir tributação.

q) Acordos de acionistas envolvem uma parcela expressiva das empresas de capital aberto (17,7% em 2002) e garantem o controle em uma fração substancial das empresas que dispõem destes acordos (60,7%).

Esses resultados podem contribuir para a reflexão sobre a incipiência do mercado de capitais no Brasil e, portanto, sobre as possíveis vias para superá-la. Primeiro, uma estrutura em que o MAU concentra na média mais de 51% do capital e quase 73% dos direitos de votos da empresa parece incompatível com a liquidez e os limites à discricionariedade dos controladores exigidos para o fortalecimento dos mercados primário e secundário de capital. Analogamente, parece racional a relutância de potenciais investidores a adquirirem ações de empresas listadas em bolsa sabendo-se que em 31,8% delas o MAU detém mais de 90% do capital votante. Segundo, a elevada média geral das discrepâncias entre as frações dos votos e do capital que o MAU detém na empresa (21%) pode ser um indício de que os controladores persigam a expropriação de minoritários, mais do que a facilitação do financiamento de novas empresas ou a criação de incentivos para atenuar o tradeoff liquidez-monitoramento. O amplo escopo legal para procedimentos que separam direitos de votos e de propriedade é uma das principais dimensões da fragilidade da proteção aos minoritários e da complacência da lei das S.A. com os privilégios dos controladores, podendo-se especular que aí resida um importante entrave microeconômico ao desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil. De fato, mesmo com as mudanças das leis 6404 e 6385 em 2001 e em 2002, 18 18 A Lei n. 10303/2001, a nova lei das SA, reformou a Lei n. 6404, de 1976, e a Lei n. 10411/2002, referente à CVM, alterou a Lei n. 6385, também de 1976. não se avançou muito no sentido de se criar um quadro institucional favorável ao fomento desse mercado. Terceiro, um indicador da debilidade dos mecanismos de enforcement das já frágeis regras legais que disciplinam o mercado de ações é que há empresas em que a parcela das ações PN sem direito a voto excede os 2/3 que eram legalmente permitidos (ver tabela 13). Quarto, a predominância entre os maiores acionistas últimos de famílias (55% das empresas) com um elevado poder médio de voto (69%) revela um enorme potencial a ser explorado por investidores institucionais, cuja atuação, se disciplinada por um adequado quadro regulatório e de fiscalização que forneça os incentivos necessários, poderia contestar o oportunismo dos executivos e de controladores.

O desdobramento natural do presente trabalho é examinar a influência sobre o desempenho operacional e/ou o valor das empresas provocada pela magnitude dos direitos de fluxos de caixa, dos direitos de votos e dos desvios destes direitos bem como pelas características dos acionistas últimos majoritários.

Sejam a e a¢, respectivamente, as parcelas dos direitos de voto e de dividendos do acionista A na empresa X; b e b¢, respectivamente, as parcelas dos direitos de voto e de dividendos do acionista B na empresa Y; x e y, respectivamente, a parcela dos direitos de votos que a empresa X tem na empresa Y e a parcela dos direitos de votos que esta empresa tem na empresa X; e x¢ e y¢, respectivamente, a participação acionária que a empresa X tem na empresa Y e a participação acionária que esta empresa tem na empresa X (Ver figura 4). Supõe-se, ainda, que as empresas com participação cruzada distribuam integralmente seus lucros entre os acionistas e que nenhuma delas tenha prejuízo, de modo que os dividendos recebidos por uma delas não possam ser utilizados para reduzir o prejuízo de outra.


Se no ano 1 a empresa X gera e distribui dividendos D, o acionista A e a empresa Y têm direito a receber, respectivamente, a¢D e y¢D. Por sua vez, no ano seguinte, o dividendo y¢D que Y recebeu de X será distribuído entre os acionistas de Y, sendo que X recebera uma parcela x¢, isto é, x¢y¢D, e B uma parcela b¢ de y¢D. No ano 3, X distribuirá entre seus acionistas o dividendo x¢y¢D que recebeu de Y, sendo que esta empresa receberá y¢x¢y¢D e A receberá a¢x¢y¢D. No ano seguinte, Y distribuirá entre seus acionistas o dividendo y¢x¢y¢D que recebeu de X, sendo que esta empresa receberá x¢y¢x¢y¢D e B, b¢y¢x¢y¢D, e assim sucessivamente. Considerando que os dividendos gerados no ano 1 desdobram-se perpetuamente em novos dividendos devido à participação cruzada e supondo que a taxa de desconto seja nula, o valor presente dos dividendos recebidos por A seria a¢D + a¢x¢y¢D + a¢x¢y¢x¢y¢D + ¼, que representa a soma de uma progressão geométrica de razão x¢y¢ < 1. Portanto, o valor presente dos dividendos recebidos por A totalizaria: [a¢D/(1 - x¢y¢)]. Raciocínio análogo revela que o valor presente dos dividendos recebidos por B seria b¢y¢D + b¢y¢x¢y¢D + b¢y¢x¢y¢x¢y¢D + ¼, totalizando [b¢y¢D/(1 - x¢y¢)]. Esse resultado dos direitos de fluxo de caixa para cada um dos acionistas não se altera em termos proporcionais se for considerada a distribuição de dividendos para apenas dois períodos. No primeiro período A recebe a¢D e Y recebe y¢D enquanto no segundo período y¢D será distribuído entre B e X, que receberão, respectivamente, b¢y¢D e x¢y¢D. Mas x¢y¢D não é pago diretamente nem ao acionista A nem ao acionista B, que nos dois períodos iniciais receberiam, respectivamente, apenas a¢D e b¢y¢D de um total de D - x¢y¢D = D(1 - x¢y¢). Logo as parcelas de A e B em relação ao montante já distribuído seriam de [a¢/(1 - x¢y¢)] e [b¢y¢/(1 - x¢y¢)], que são exatamente as mesmas parcelas obtidas para a perpetuidade.

No que diz respeito aos direitos de voto, pode-se argumentar que na data de realização da assembléia geral da empresa X, o acionista A terá direito à parcela a de votos e a empresa Y à parcela y. No entanto, a decisão de voto da empresa Y exigiria uma "pré-assembléia geral'' entre seus acionistas, que incluem B e X. Por sua vez, deveria haver também uma pré-assembléia geral entre os acionistas da empresa X para decidir como a empresa Y votaria na assembléia de acionistas da empresa X, implicando a realização de uma assembléia geral entre os acionistas da empresa X para decidir sobre as mesmas questões que seriam votadas na assembléia originária. Raciocinando-se como se houvesse apenas duas assembléias gerais (a originária, referente à empresa X, e a derivada, realizada pelos acionistas de Y para decidir o voto a ser dado na assembléia de X), o mesmo cálculo dos direitos de fluxo de caixa para dois períodos se aplicaria aos direitos de voto. Portanto, uma parcela xy dos direitos de votos na empresa X deve ser excluída do total de direitos de votos dessa empresa, fazendo com que as parcelas de direitos de voto para os acionistas A e B na empresa X sejam, analogamente aos direitos de fluxo de caixa, [a/(1 - xy)] e [by/(1 - xy)].

Especificidades de certas empresas levaram a algumas decisões metodológicas que, embora questionáveis sob determinados aspectos, pareceram as mais adequadas. Convém relatar os seguintes casos:

1) A GP Administradora de Ativos tem quatro acionistas com capital votante que, apesar de não estarem ligados por vínculos familiares, parecem atuar coordenadamente. Duas evidências fundamentam essa suposição: tal empresa responde, na média, pelo controle de cerca de 2.5% do número de empresas da amostra, e seus quatro acionistas aparecem com participação minoritária em diversas outras empresas investigadas. Optou-se, assim, por considerá-los um único acionista.

2) Se uma empresa sem controlador tem dois ou mais acionistas últimos majoritários, os direitos de fluxo de caixa são calculados pela média destes direitos para esses acionistas.

3) Há três empresas em que, apesar dos direitos de voto do acionista último excederem 50%, não há controlador: a Cia Thermas, a Ultrapar e a Cobrasma. Tal ocorrência é possível quando o acionista último possui mais de uma via de participação na empresa examinada e não a controla na via que determina a soma total superior a 50%.

4) Quando há acordo de acionistas entre controlador e minoritários, considera-se como direitos de voto a soma das porcentagens de capital votante dos participantes do acordo, mas no que se refere aos direitos de fluxo de caixa, computa-se apenas a parcela de capital social do acionista controlador.

5) Quando uma empresa de capital aberto que faz parte de um acordo de acionistas tem um acionista controlador, os direitos de voto correspondem à soma do capital votante dos participantes primários do acordo e os direitos de fluxo de caixa do acordo correspondem à soma das parcelas do capital social de seus participantes efetivos, isto é, dos controladores, quando houver, das empresas que fazem parte do acordo. Se, entretanto, uma empresa de capital aberto que participa do acordo de acionistas não tiver controlador, ela própria fará parte do acordo efetivo.

6) Empresas offshore, em que, em razão do sigilo legal, a identidade, e portanto a nacionalidade, do acionista último não são públicas, foram consideradas empresas estrangeiras, gerando possivelmente um viés que subestima a participação das empresas de capital privado nacional.

7) Embora fartamente divulgada pela imprensa, a informação de que a família Dantas controla as empresas do grupo Opportunity nem sempre pode ser comprovada pelos IANs. Em certos casos, não se identifica o controlador de empresas intermediárias; em outros casos chega-se a fundos de investimento administrados pelos Dantas. Assim, na maioria das vezes, é necessário atribuir as participações no capital social e no capital votante das empresas relacionadas ao grupo Opportunity não à família Dantas mas a empresas e fundos que muito provavelmente estão sob seu controle. Há doze empresas da amostra com o termo Opportunity na denominação social.

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  • Chapelle, A. & Szafarz, A. (2005). Controlling firms trough the majority voting rule. Technical Report 05-05, Dulbea Working Paper.
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  • Claessens, S., DJankov, S., & Lang, L. (2000). The separation of ownership and control in east asian economies. Journal of Financial Economics, 58:81112.
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  • Porta, R. L., Lopez-De-Silanes, F., & Shleifer, A. (1999). Corporate ownership around the world. Journal of Finance, 54(2):471517. available at http://ideas.repec. org/a/bla/jfinan/v54y1999i2p471-517.html
  • Valadares, S. & Leal, R. (2000). Ownership and control structure of brazilian companies. Revista Abante, 3(1):2956.

apêndice A

Apêndice B

  • *
    O primeiro autor agradece ao CNPq pela concessão de apoio financeiro ao projeto de pesquisa que resultou neste artigo.
  • 1
    Diferentemente, o cálculo da magnitude dos direitos de voto de um acionista é preciso.
  • 2
    Em seu artigo 116, a lei 6404 das S.A. define o acionista controlador como sendo "a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia''. Esta definição será estendida para contemplar também os casos em que o controle é obtido por esquemas piramidais.
  • 3
    Na definição de controle de uma empresa, (Porta et alii, 1999) estabelecem os cut-offs de 20% e de 10% dos direitos de voto, enquanto Claessens et alii (2002, p. 2748), analisando empresas de alguns países asiáticos, adotam, adicionalmente, o cut-off de 40%. Embora cut-offs baixos sejam dominantes na literatura empírica sobre as estruturas de propriedade e de controle das empresas, optou-se pelo critério de 50% por duas razões. Primeiro, as peculiaridades das empresas de capital aberto no Brasil, em que predominam direitos de votos do maior acionista último superiores a 50%. Segundo, se um acionista detiver menos de 50% dos direitos de voto, seu poder de extração de benefícios privados da empresa à custa dos demais acionistas pode, em tese, ser contestado por um outro acionista proprietário de uma parcela semelhante dos direitos de voto, situação em que coexistiriam dois acionistas controladores. Sobre esse tipo de inconsistência teórica, ver Chapelle e Szafarz (2005).
  • 4
    Se grupos de acionistas de duas das três modalidades possíveis de capital possuírem, cada um, 50% dos direitos de voto, a empresa será classificada como pertencendo àquelas duas modalidades. Quando nenhum grupo de acionistas representando uma modalidade de capital atingir 50% dos direitos de voto, a empresa será classificada nas três modalidades.
  • 5
    Tentou-se, sem sucesso, obter informações do Banco Central do Brasil a respeito da propriedade do capital de algumas empresas
    offshore.
  • 6
    No
    Apêndice BApêndice B são apontadas as principais dificuldades enfrentadas na aplicação dessa metodologia às demais empresas da amostra.
  • 7
    Entre 1998 e 2002, o número de empresas listadas nas bolsas caiu de 556 para 422, enquanto o número de empresas de capital aberto que forneceram o IAN à CVM reduziu-se de 836 para 666. Em função das restrições de espaço, não são apresentadas algumas tabelas referentes a dados mencionados no texto.
  • 8
    Cabe frisar que o número de empresas em que o governo é o MAU vem declinando desde 1998 (após o aumento de 60 para 68 empresas em 1998, cai para 50 em 2002).
  • 9
    Em contrapartida, em apenas 25,9% das empresas de capital aberto (29,2% das empresas com ações listadas na Bovespa) o MAU apresentava uma fração dos direitos de fluxos de caixa não excedendo 25%.
  • 10
    A mediana dos direitos de voto (ver
    tabela 8) indica que 50% das empresas da amostra possuíam um acionista último com mais de 80% dos direitos de voto, embora esse mesmo percentual de empresas apresentasse um acionista último com mais de apenas 49.1% dos direitos de fluxo de caixa.
  • 11
    Segundo o artigo 136 da Lei n. 9457, "é necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, das ações com direito a voto, se maior quorum não for exigido pelo estatuto da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão, para deliberação sobre: ... criação de ações preferenciais ou aumento de classes existentes, sem guardar proporção com as demais espécies e classes, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto; ... redução do dividendo obrigatório; ... fusão da companhia, ou sua incorporação em outra; ... cisão da companhia''.
  • 12
    Medida pela proporção das empresas cujo direito de voto do MAU é superior a 90%, a concentração nos direitos de votos cresceu entre 1997 e 2002: de 34,9% para 43,4% nas empresas de capital aberto e de 28.4% para 34,4% nas empresas com ações negociadas na Bovespa.
  • 13
    Cabe mencionar que o número de empresas com EPP caiu de 431 em 1998 para 314 em 2002.
  • 14
    Em 2002, havia duas empresas com GEP = 8 e uma com GEP = 9.
  • 15
    Ver, entre outros, Bebchuk (1999), Bebchuk et alii (1999), Porta et alii (1999) e Bertand e Mullainathan (2002).
  • 16
    Essa controvérsia pode ser pensada em termos de ênfases distintas nas implicações distributivas e de eficiência das EPP.
  • 17
    Analisando-se a evolução ano a ano, não se percebe nenhuma tendência de declínio nesses percentuais.
  • 18
    A Lei n. 10303/2001, a nova lei das SA, reformou a Lei n. 6404, de 1976, e a Lei n. 10411/2002, referente à CVM, alterou a Lei n. 6385, também de 1976.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2007
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