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Os empresários da educação e o sindicalismo patronal

RESENHAS

OLIVEIRA, Marcos Marques. Os empresários da educação e o sindicalismo patronal. Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco, 2002, 190p.

Os empresários da educação e o sindicalismo patronal é, talvez, a primeira grande contribuição acadêmica sobre a história sindical das escolas particulares no Brasil. Foi como assessor de imprensa dessa entidade patronal que o seu autor, o jornalista Marcos Marques de Oliveira, começou a refletir sobre o lugar do ensino privado no sistema educacional brasileiro e seus efeitos sobre as políticas educacionais. Pôde melhor sistematizar essas preocupações no curso de Ciências Sociais e Sociologia e no mestrado em Antropologia e Ciência Política na Universidade Federal Fluminense (UFF), cursos nos quais pretendia aperfeiçoar sua trajetória profissional na área de comunicação social.

O fato de existirem poucos estudos sobre esse setor, já que a literatura acadêmica tende a privilegiar o ensino público ou a ação dos trabalhadores da educação, fez com que o autor resgatasse a história do ensino privado com destaque para os "atores" que sintetizavam seus interesses. E essa história começa com a atuação da Igreja católica no período colonial, quando ela tem, pode-se dizer, o monopólio do ensino, atuando não como aparelho privado, mas como instituição portadora de uma "política pública" de um Estado que não se interessava pela reprodução cultural de seu povo.

Tudo começa a mudar ainda no período imperial, quando, em concomitância com o desenvolvimento do capitalismo industrial e do nacional-estatismo europeu, aportam no Brasil parcas idéias sobre a importância da área educacional, ainda que restrita à formação das elites. Esse fato permite a intensificação do papel da Igreja na formação das camadas médias e populares. Durante a Primeira República, o discurso de reconstrução social e o processo de urbanização favoreceram a demanda pela extensão dos serviços educacionais, o que vai ser atendido apenas por alguns estados. De acordo com especialistas, o esforço para a constituição de um real sistema educacional se institui apenas após a Revolução de 1930, principalmente a partir do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que solicitam a escolarização das massas para o ingresso do Brasil no rol dos países civilizados. No período do Estado Novo (1930-1945), são implantadas as reformas de Francisco Campos e Gustavo Capanema.

Nesse cenário, a Igreja inicia com uma posição reticente, atacando as tentativas de instituição de um ensino público estatal a partir de uma "revolução" portadora da Constituição sem Deus, da Escola sem Deus, da Família sem Deus. No entanto, rapidamente ela encontra seu lugar por meio de um pacto com os líderes políticos da Era Vargas, o que possibilita a expansão de sua rede, a vitória nos debates doutrinários sobre o processo de laicização do ensino e o combate aguerrido contra os defensores do ensino público e gratuito.

Ao mesmo tempo, de acordo com o novo sistema de regulação de interesses promovido por Getúlio Vargas, as escolas particulares fundam sua entidade sindical no Distrito Federal e desenvolvem uma ação política de apoio ao Estado que permite a limitação da ação sindical trabalhista. A relação entre os sindicatos patronal e trabalhista, no entanto, vai se intensificar no período de 1946/1964, tendo como marco a assinatura da primeira convenção coletiva no ano de 1947.

Concomitantemente, as escolas particulares realizam congressos nacionais que forjam a fundação da Federação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (FENEN), entidade que vai ter um papel importante nos debates que antecedem a LDB de 1961, inspirando e apoiando o chamado "substitutivo Carlos Lacerda", em grande parte oriundo do seu 3º Congresso, realizado em 1948. Sobre esse período, é importante ressaltar que o ensino privado (escolas católicas + escolas laicas) estava preocupado com a mobilização conseguida pela Campanha Nacional pela Escola Pública, que reuniu entidades da sociedade civil e intelectuais de renome, como Anísio Teixeira, Fernando Henrique Cardoso e Florestan Fernandes, e também com a queda de sua participação no sistema de ensino. Em unidades escolares, por exemplo, o setor privado no ensino primário caiu de 27,63% em 1940 para 9,66% em 1960; no secundário, caiu de 78,92% em 1940 para 66,17% em 1960.

A vitória na LDB e o Golpe Militar de 1964 consolidaram a reação da iniciativa privada, em virtude do apoio político dos (e aos) militares e, principalmente, a participação intensa nos conselhos federal e estaduais de educação. Tal fato permitiu, em termos relativos, a contenção do crescimento do ensino público através da utilização de recursos públicos pelas escolas particulares e a escolha seletiva da criação de instituições públicas. O resultado é que, se em 1970 as escolas particulares detinham 9% das matrículas no ensino primário, em 1980 chegarão a 13%; já no secundário, passam de 40% para 41%; e no superior de 50% para 65%.

Com o fim da ditadura, temos uma cisão no interior do ensino privado. A Igreja apresenta um discurso e uma prática voltados mais para a "questão social", a chamada "opção pelos pobres", o que demanda uma participação pontual na educação básica e maior investimento na educação superior. Em contrapartida, as escolas laicas começam a assumir uma identidade empresarial mais definida, dominando a participação política nos fóruns internos da representação sindical – que se faz aparecer para opinião pública e para os trabalhadores. No entanto, as duas vertentes se apóiam num mesmo princípio de unidade: o pluralismo democrático, que dá lugar à escola particular como contraponto ao suposto "monopólio estatal" pretensamente defendido pelos defensores do ensino público.

Esse debate será transparente nos debates para a Constituição de 1988, quando Igreja e empresários apresentam discursos distintos: de um lado, a primeira solicitando apoio do Estado para as escolas confessionais e comunitárias; de outro, os empresários pedindo mais liberdade de ação. O resultado é que o texto constitucional vai permitir a "destinação" de recursos públicos para a iniciativa privada dita filantrópica, na forma de isenções fiscais –o que é considerado uma derrota para os defensores do ensino público –, e ainda avalizar, pela primeira vez na história, o lucro na atividade educacional.

Um dos efeitos desse processo é a divisão corporativa, quando um grupo de sindicatos de escolas dos estados mais desenvolvidos saem da FENEN e criam a Federação Interestadual das Escolas Particulares (FIEP), instituindo uma espécie de "novo sindicalismo" do ensino privado, postando-se como uma forma mais moderna de representação política-sindical, cuja bandeira será a instituição do então polêmico "contrato de prestação de serviços educacionais", proposto durante o Governo Fernando Collor.

O livro conclui identificando uma tripla divisão no ensino privado: 1)adivisão corporativa entre a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN) e a FIEP, que atrapalha a ação lobista das escolas e, em parte, a representação sindical; 2) a divisão de interesses entre os que atuam na educação básica e os que atuam na educação superior, com os últimos favorecidos com apoio das políticas neoliberais; e 3)com a divisão institucional entre as escolas-empresa e as filantrópicas, com o benefício das últimas para a configuração dos custos de reprodução do capital, o que as favorece na concorrência pela educação.

É a partir desse retrospecto que o autor investe hoje em nova pesquisa, cujo primeiro resultado foi publicado no livro O empresariamento da educação: novos contornos no ensino superior no Brasil dos anos 1990 (Xamã, 2002). Nessa nova pesquisa, ele investiga as conseqüências das políticas públicas ofertadas pelo Governo FHC, que favoreceram maior investimento (de discurso e não de recursos) no ensino fundamental público, o que diminuiu, em tese, a margem de ação do ensino privado de educação básica – fenômeno que contou ainda com a influência da queda do poder aquisitivo da classe média, em decorrência do baixo crescimento da economia brasileira, sem falar da queda de natalidade nessa mesma faixa econômica.

No entanto, o autor defende a hipótese de que a conjuntura desfavorável para as escolas particulares não acarreta no fim do tradicional dualismo do sistema educacional brasileiro, já que novas e velhas formas de privatização do público continuam a solapar o desenvolvimento de um ensino público de qualidade que venha não só rivalizar com a educação das elites, mas instituir novo grau civilizatório em que as diferenças de origem social não seja fator de reprodução das desigualdades de classe. Entre as formas de privatização, destaca-se a cada vez maior ingerência do chamado "terceiro setor" na formulação e na execução das políticas públicas, especialmente as da área educacional voltadas para a educação das camadas mais pobres.

Cátia Couto da Costa

Professora de Ideologia na Universidade Salgado de Oliveira e pesquisadora no Instituto Data Brasil, da Universidade Cândido Mendes.

E-mail:catiaccosta@uol.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Set 2006
  • Data do Fascículo
    Ago 2004
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