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A Escola Argentina no antigo Distrito Federal durante os anos de 1930: um torrão argentino em solo brasileiro

The Argentinian School in the former capital city of Brazil in the 1930s: an Argentinian glebe on Brazilian soil

La Escuela Argentina en el antiguo Distrito Federal durante los años 1930: un terrón argentino en suelo brasileño

Resumos

É lícito afirmar que durante a década de 1930 a escola, articulada à esfera nacional, torna-se espaço de produção e disseminação dos novos valores da modernidade. Nesse sentido, este texto procura salientar que o pan-americanismo se constituía em um desses principais valores que compunham a cultura escolar da Escola Argentina, no antigo Distrito Federal. Mostra ainda que a relação da escola com a nação argentina era um aspecto relevante não apenas para a referida instituição, mas também para o próprio país. Metodologicamente, por meio de uma leitura semiótica do nome da escola e de uma análise de discurso sobre o modo como os alunos, pais, professores e diretores entendem a relação da escola com a nação argentina, salientam-se as estratégias discursivas utilizadas por esses mesmos agentes sociais, objetivando a fabricação de uma imagem idealizada da própria relação Brasil-Argentina.

Escola Argentina; nação argentina; pan-americanismo; anos de 1930


It is correct to affirm that in the 1930s, national mainstream schools became the breeding ground for the production and dissemination of new values of modernity. This text argues that the geopolitical view of Pan Americanism was one of such values that characterized the school culture of the Argentinian School in the former capital city of Brazil. It also argues that the relationship between this school and the Argentinian nation was a relevant feature not only for that institution but also for Brazil itself. As far as methodology is concerned, a semiotic interpretation of the name of the school and an analysis of discourse on the way the students, their parents, teachers and school coordinators viewed the relationship between the school and the Argentinian nation, it reveals the discourse strategies used by such agents to construct an idealized image of the very relationship between the two countries Brazil and Argentina.

Argentinian School; Argentinian nation; Pan Americanism; the 1930s


Es lícito afirmar que durante la década del 1930 la escuela, articulada a la esfera nacional, se vuelve espacio de producción y diseminación de los nuevos valores de la modernidad. En ese sentido, este texto busca resaltar que el panamericanismo se constituía en uno de esos principales valores que acompañan la cultura escolar de la Escuela Argentina, en el antiguo Distrito Federal. Muestra todavía que la relación de la escuela con la nación argentina era un aspecto relevante no sólo para la referida institución, pero también para el propio país. Metodológicamente, a través de una lectura semiótica del nombre de la escuela y de un análisis de discurso sobre el modo como los alumnos, padres, profesores y directores entienden la relación de la escuela con la nación argentina, se destacan las estrategias discursivas utilizadas por esos mismos agentes sociales, teniendo como objetivo la fabricación de una imagen idealizada de la propia relación Brasil-Argentina.

Escuela Argentina; nación argentina; panamericanismo; años de 1930


ARTIGOS

A Escola Argentina no antigo Distrito Federal durante os anos de 1930: um torrão argentino em solo brasileiro

The Argentinian School in the former capital city of Brazil in the 1930s: an Argentinian glebe on Brazilian soil

La Escuela Argentina en el antiguo Distrito Federal durante los años 1930: un terrón argentino en suelo brasileño

Miriam Waidenfeld Chaves

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação

RESUMO

É lícito afirmar que durante a década de 1930 a escola, articulada à esfera nacional, torna-se espaço de produção e disseminação dos novos valores da modernidade. Nesse sentido, este texto procura salientar que o pan-americanismo se constituía em um desses principais valores que compunham a cultura escolar da Escola Argentina, no antigo Distrito Federal. Mostra ainda que a relação da escola com a nação argentina era um aspecto relevante não apenas para a referida instituição, mas também para o próprio país. Metodologicamente, por meio de uma leitura semiótica do nome da escola e de uma análise de discurso sobre o modo como os alunos, pais, professores e diretores entendem a relação da escola com a nação argentina, salientam-se as estratégias discursivas utilizadas por esses mesmos agentes sociais, objetivando a fabricação de uma imagem idealizada da própria relação Brasil—Argentina.

Palavras-chave: Escola Argentina; nação argentina; pan-americanismo; anos de 1930

ABSTRACT

It is correct to affirm that in the 1930s, national mainstream schools became the breeding ground for the production and dissemination of new values of modernity. This text argues that the geopolitical view of Pan Americanism was one of such values that characterized the school culture of the Argentinian School in the former capital city of Brazil. It also argues that the relationship between this school and the Argentinian nation was a relevant feature not only for that institution but also for Brazil itself. As far as methodology is concerned, a semiotic interpretation of the name of the school and an analysis of discourse on the way the students, their parents, teachers and school coordinators viewed the relationship between the school and the Argentinian nation, it reveals the discourse strategies used by such agents to construct an idealized image of the very relationship between the two countries Brazil and Argentina.

Key words: Argentinian School; Argentinian nation; Pan Americanism; the 1930s

RESUMEN

Es lícito afirmar que durante la década del 1930 la escuela, articulada a la esfera nacional, se vuelve espacio de producción y diseminación de los nuevos valores de la modernidad. En ese sentido, este texto busca resaltar que el panamericanismo se constituía en uno de esos principales valores que acompañan la cultura escolar de la Escuela Argentina, en el antiguo Distrito Federal. Muestra todavía que la relación de la escuela con la nación argentina era un aspecto relevante no sólo para la referida institución, pero también para el propio país. Metodológicamente, a través de una lectura semiótica del nombre de la escuela y de un análisis de discurso sobre el modo como los alumnos, padres, profesores y directores entienden la relación de la escuela con la nación argentina, se destacan las estrategias discursivas utilizadas por esos mismos agentes sociales, teniendo como objetivo la fabricación de una imagen idealizada de la propia relación Brasil—Argentina.

Palabras claves: Escuela Argentina; nación argentina; panamericanismo; años de 1930

A história da educação no Brasil dos anos de 1930 remete-nos a uma discussão sobre as reformas de ensino viabilizadas por vários estados, objetivando a implementação de uma série de inovações metodológicas. Mostra que a própria escola, junto com os demais espaços de sociabilidade, procurava infundir nos habitantes da cidade novas atitudes e comportamentos – bons costumes, patriotismo, civilidade, cultura – para que o Brasil entrasse para o rol dos países civilizados. Implica, ainda, uma reflexão sobre a ligação da escola com o processo de modernização nacional que, ao tentar republicanizar a República, busca moldá-la de acordo com as novas exigências sociais.

Outro aspecto a considerar é que a questão nacional naquele momento se abre para uma variedade de propostas que lutam para se estabelecer como legítimas, fazendo com que o projeto nacional a ser encaminhado pelo Estado, assim como as representações simbólicas produzidas pelos intelectuais sobre o Brasil, sejam aquelas idéias que expressam a síntese do pensamento dominante no país; o que pressupõe um longo período de disputas entre os vários grupos e frações dominantes sejam eles pertencentes ao campo econômico, político ou cultural.

Não se deve esquecer ainda que nos anos de 1930 essas rivalidades ocorrem sob a égide de Getúlio Vargas, um dos principais arautos da modernização nacional, que, a despeito de suas diferenças em relação ao liberalismo de Anísio Teixeira, aceita a sua reforma educacional para o Rio de Janeiro, embora, em 1935, o "obrigue" a retirar-se da Diretoria do Departamento de Educação daquela mesma cidade.

Apesar das diferenças políticas, algo os unia em prol da construção da nação, dando margem para que se conclua que, diferentemente do que se possa imaginar, durante o primeiro Governo Vargas se fermentaram e, mais ainda, se desenvolveram experiências– pedagógicas – potencialmente democráticas.

Este texto, fruto de uma reflexão ampliada de minha tese de doutorado (Chaves, 2001), procura enfatizar não os aspectos pedagógicos da Escola Argentina – sua reforma de ensino ou suas inovações metodológicas –, mas a sua relação com a política na medida em que a sua história a conecta a um contexto em que o pan-americanismo e as relações com a nação argentina eram assuntos importantes tanto para a escola quanto para o Brasil.

O trabalho, dividido em três partes, chama a atenção para o fato de que a Escola Argentina, "ignorando" as disputas econômicas e políticas que existiam entre Brasil e Argentina, se estabelece como um território neutro onde esses dois países poderiam agir como se fossem duas nações amigas que comungavam dos mesmos ideais no que se refere ao desenvolvimento da América Latina.

A primeira parte expõe a trajetória da escola, com o objetivo de mostrar que, ao mesmo tempo em que se torna uma instituição modelo da cidade do Rio de Janeiro, procura, por meio de sua história, ratificar a sua ligação com a Argentina. A segunda explicita alguns aspectos da política internacional brasileira relativos às Américas, na tentativa de chamar a atenção para dois pontos: o pan-americanismo e o clima de disputa que existia entre Brasil e Argentina. Já na terceira parte é ressaltado que o torrão argentino em que a escola se transforma apaga qualquer desavença que poderia existir entre as duas nações. Por meio de uma leitura semiótica de seu nome e de uma análise sobre o modo como os alunos, pais, professores e diretores entendem a relação da escola com a nação argentina, salientam-se as estratégias discursivas utilizadas por esses mesmos agentes sociais objetivando a fabricação de uma imagem idealizada da própria relação Brasil–Argentina.

Uma última questão a ser explicitada é que as informações aqui utilizadas foram obtidas nos 15 exemplares da Revista Escola Argentina, editada de 1929 a 1935 por alunos e professores, e por meio de alguns artigos publicados na primeira metade dos anos de 1930 pelo Correio da Manhã, jornal diário do antigo Distrito Federal.

A história da escola

A Escola Argentina é fundada em 8 de novembro de 1924 por Carneiro Leão1 1 Sua gestão na Inspetoria Pública de Educação do Rio de Janeiro foi de 1922 a 1926. que, inspirado na doutrina pan-americanista do presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, inicia uma série de homenagens aos países americanos, dando os seus nomes às escolas. Acreditava que, por meio dessa ação, as escolas estariam incentivando a criação de um sentimento de união, de solidariedade e de cooperação continental em defesa da liberdade.

Entretanto, apenas em 1929, durante a administração de Fernando de Azevedo, é que a escola recebe instalações condignas,2 2 Com uma arquitetura neocolonial, a nova escola passa a ter doze salas de aulas, duas oficinas, uma biblioteca e um laboratório para ciências. mudando-se de uma casa na rua Jockey Club, nas imediações da rua São Francisco Xavier, para a rua 24 de Maio, no Engenho Novo, subúrbio carioca.

Joaquina Teixeira Daltro, professora da Escola Mato Grosso e uma das diretoras da Cruzada Pedagógica pela Escola Nova,3 3 Associação fundada em 1928 por iniciativa dos próprios professores, que desejavam examinar os problemas didáticos à luz dos preceitos da Escola Nova. é então chamada para dirigir a escola, que permanece sob a sua responsabilidade durante toda a gestão de Anísio Teixeira.

Essa mudança, no entanto, ocorre de forma tumultuada: Fernando de Azevedo, por meio de um decreto, modifica o nome da nova escola, que deveria ser Delfim Moreira, e a chama de Argentina, possibilitando que a Escola Argentina, inaugurada por Carneiro Leão na rua Joquey Club, tivesse o seu destino alterado; ou seja, obtivesse um novo endereço e um novo prédio com condições apropriadas para implementar um tipo de ensino que implicasse mais do que simplesmente aprender a ler e a contar.

A imprensa carioca, a partir desse acontecimento, inicia uma série de reportagens criticando o educador por ter arrancado do frontispício da nova construção o nome de Delfim Moreira, antigo presidente do estado de Minas Gerais que, inclusive, havia no passado prestado inúmeros favores à família de Fernando de Azevedo, também de origem mineira.4 4 Essa polêmica encontra-se aprofundada na tese de doutorado já citada (Chaves, 2001).

A partir desse fato, a Escola Argentina reafirma a sua existência e, como parte de um projeto educacional, junto com outras escolas – Escola Normal, Uruguai, Estados Unidos e Prado Júnior, inauguradas por Fernando de Azevedo na Diretoria de Instrução Pública –, amplia as suas funções e adquire novas perspectivas.

Fiel às suas idéias, o mineiro de Sapucaí faz com que a escola seja contaminada pelos ideais da "Escola Nova",5 5 Apesar das diferenças que existem no interior dessa corrente de pensamento, utilizo-me do termo, bastante genérico, para definir o movimento de modernização educacional que ocorre no Brasil, principalmente nas décadas de 1920 e 1930. estimulando uma série de inovações pedagógicas que, além de modernizar as relações de aprendizagem, contribuiriam para a difusão de uma cultura nacional em suas salas de aula.

Em 1931, já durante a administração de Anísio Teixeira, a escola alcança um novo patamar em sua história. Transforma-se, em 1932, em uma escola experimental e, ainda, adota o Sistema "Platoon".6 6 Experiência pedagógica implementada nos Estados Unidos, em 1912, por William Wirt, no estado de Indiana. Tinha como objetivo o melhor aproveitamento do tempo e do espaço escolar pela criação de uma estrutura em que os alunos, divididos em pelotões, não teriam salas fixas, mas circulariam entre elas a partir de um horário preestabelecido, com base em seus próprios interesses (Bourne, 1970). Em 1935, exatamente no dia 9 de julho, dia da independência da Argentina, deixa o subúrbio carioca e transfere-se para um novo prédio, na avenida 28 de Setembro, em Vila Isabel, típico bairro da zona norte.

Diferente da arquitetura neocolonial do endereço anterior, essa construção, de linhas simples e arrojadas, fixa-se em novos moldes, tendo como base a eficiência, o conforto ambiental – iluminação, aeração e vizinhança – e a crença nos princípios da sociedade moderna e industrial. É o editorial da Revista Escola Argentina de julho e agosto de 1935 que traduz o significado simbólico dessa nova arquitetura:

[...] Depois a nossa mudança da antiga e tão querida escola da rua 24 de Maio, para a nova Escola Argentina, na Avenida 28 de Setembro.

Lá, o evocador edifício colonial, com suas linhas arquitetônicas nos lembrando a cada hora o passado de nossa terra, enquanto o nome da rua não deixava esquecer um só momento as glórias do Exército Imperial.

Aqui, o majestoso edifício de cimento armado, no arrojo da engenharia moderna, em perene afirmativa da força e do fulgor de nossa civilização atual, enquanto o nome da Avenida evoca o advento da liberdade para todos os que nasceram no Brasil a partir de 28 de setembro de 1871. Quebrando o ritmo dos trabalhos escolares, a grande alegria da volta da Paz ao continente americano, pela cessação da luta entre o Paraguai e a Bolívia.

De acordo com essas palavras, a nova Escola Argentina surge para dar novos rumos à educação do antigo Distrito Federal. Inaugura um novo padrão arquitetônico/pedagógico escolar, que rompe com a valorização do passado e das tradições locais e continentais e passa a mostrar "volumes calcados nos sólidos geométricos elementares, acompanhados de superfícies lisas, despojadas dos até então habituais recursos ornamentais" (Sisson, 1990, p. 75).

Com capacidade para atender 2 mil alunos, passa a ter 25 espaços: 12 salas comuns de classe, 11 especiais – duas bibliotecas; duas para ciências sociais; duas para desenho e artes industriais com oficinas; outra para música, recreação e jogos; duas para ciências, com dependências para viveiro, e outras duas para dois auditórios –, um ginásio para representações, festas e aulas práticas, e uma sala de professores. A escola também possuía um refeitório com anexo para copa, cozinha e serviços, e um almoxarifado para pequenos consertos do mobiliário escolar (Oliveira, 1991).

Em suma, a Escola Argentina transforma-se em uma das maiores escolas da cidade, igualando-se apenas a outras duas – Getúlio Vargas e Rio Grande do Sul –, entre as 25 inauguradas por Anísio Teixeira.

Ante essa trajetória, pode-se afirmar que a Escola Argentina é, por sua natureza, organizada a partir de um conjunto de ações que se constitui como parte de um projeto pedagógico coletivo que tem as suas origens no movimento renovador educacional dos anos de 1920 e 1930. Expressa, por meio de sua história, o ideal de uma geração de educadores que, inspirada nos princípios da educação ativa,7 7 Na base desse tipo de pensamento educacional encontravam-se não apenas as recentes descobertas em torno da psicologia infantil, como também o movimento de emancipação de amplas massas populares nas sociedades ocidentais, que inovariam profundamente o papel da escola e seus fins (Cambi, 1999). almejava modernizar a nação pela melhoria da educação.

Nesse caso, se ainda se tem como referência a frase de Fernando de Azevedo (1958) que define o período de existência da Escola Argentina (1926-1935) como sendo "a fase mais fecunda, e também a mais tempestuosa, desse movimento de idéias e realizações" (p. 83), concluímos que contar a história da Escola Argentina tem a sua pertinência. Principalmente se levarmos em conta a trajetória profissional de seus mentores – Carneiro Leão, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira –, legítimos representantes desse grupo de educadores que, ao dedicarem-se à melhoria da qualidade da escola pública brasileira, transformam a própria Escola Argentina em um celeiro de fermentação de suas idéias.

Contudo, esse esforço para resgatar a história da escola também implica uma reflexão acerca do seu nome. Pressupõe levar em conta a intenção de seus responsáveis para, por último, poder verificar se a sua trajetória rumou em direção a uma história monumento que tenha durado e se transformado em um testemunho de sua época (Le Goff, 1994). Ou seja, se resultou de um esforço de seus idealizadores em impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – uma imagem de si própria e que cabe a nós pesquisadores desmistificar.

Portanto, a história da escola se encontra, sem dúvida, conectada ao seu nome. É como se o nome da nação argentina fosse garantia de que a Escola Argentina pudesse construir sua trajetória com base no que havia de melhor pedagogicamente nos anos de 1930, o que faria com que ainda se perpetuasse na memória da cidade como uma escola modelo de uma determinada época.

Brasil e Argentina: uma relação delicada

Uma reflexão acerca das disputas entre Brasil e Argentina nos anos de 1930 pressupõe uma discussão acerca do pan-americanismo, na medida em que a sua viabilização interfere na maneira como esses dois países se relacionam política e economicamente. Ou seja, o nível de afinidade ou de disputa que Brasil e Argentina instituem entre si depende do grau de comprometimento que terão para com essa doutrina, uma vez que sua política, ao redefinir as relações internacionais do continente americano, exige que as nações latino-americanas, principalmente Argentina e Brasil, países líderes, repensem o seu próprio papel nesse intrincado jogo de poder.

Portanto, no final do século XIX e início do XX, o continente americano, já sob alguma liderança dos Estados Unidos da América, ao iniciar um processo de questionamento acerca de seu papel político na conjuntura internacional, reúne-se em torno de alguns interesses comuns que implicam a rejeição do direito dos europeus intervirem em solo americano, dando margem a um realinhamento das nações latino-americanas (Cervo & Bueno, 1992).

Entretanto, o discurso "americanista" contra a secular influência européia no continente, apesar de defender a solidariedade e a cooperação entre as nações americanas, oculta uma série de disputas que contribuem para que a harmonia latino-americana seja, de fato, uma paz mesclada por um sentimento de desconfiança mútua entre as nações, ensejando, por sua vez, novas rivalidades e acirramento de ânimos (idem).

As relações entre Brasil e Argentina irão justamente expressar essa contradição: ao mesmo tempo em que ambos desejam se aproximar, cada um, separadamente, se digladia para aumentar o seu poder de influência no continente, transformando a frase de Saens Peña, presidente da Argentina – "Tudo nos une nada nos separa" –, em um ideal ainda a ser atingido por ambas as nações.

Verifica-se que o mal-estar entre elas ocorre não apenas em virtude das tentativas de implantação do ideário pan-americanista no continente, mas também em decorrência de a diplomacia brasileira, após o advento da República, principalmente após a guerra de 1914 (Bandeira, 1978), aproximar-se dos Estados Unidos, país pelo qual a Argentina nutria uma grande antipatia.8 8 Entre os Estados Unidos e a Inglaterra, a Argentina mantinha estreitas ligações com o último (Cervo & Bueno, 1992). Ou melhor, o pan-americanismo, defendido pelos Estados Unidos desde 1820, quando Henry Clay, congressista norte-americano, se coloca a favor de as colônias espanholas implantarem em seu território um governo americano guiado por uma política também americana (Lobo, 1939), em vez de incentivar a união entre todas as nações desde a Baía de Hudson até o Cabo Horn, contribui para atritar as próprias relações sul-americanas e, especialmente, as do Brasil com a Argentina.

Não há dúvida de que esse "espírito americano" possui uma conotação ambígua. Dá margem para que muitas vezes as duas nações em questão, em lados opostos, adotem estratégias diplomáticas divergentes, de acordo com Cervo e Bueno (1992).

De outro lado, o americanismo adotado pelo Brasil após a Proclamação da República, como que por oposição ao europeísmo dos tempos do Império, tem o mérito não apenas de aproximar o Brasil dos Estados Unidos, mas da própria América Latina. Os novos donos do poder acreditavam que a República integrava o Brasil ao sistema continental americano, e que, nesse sentido, precisariam esforçar-se para fazer desaparecer o sentimento de ódio que o Império fez nascer entre o Brasil e os países vizinhos. De acordo com os republicanos da época, o Brasil deveria manter-se em guarda em relação aos seus vizinhos, ao mesmo tempo em que também haveria de criar artifícios para que desaparecesse a desconfiança nascida entre eles (idem).

Inclusive, alguns deputados, entusiasmados com a nova condição política brasileira e com o próprio pan-americanismo, defendiam a idéia de que o Brasil teria a obrigação de incentivar a amizade entre toda a América do Sul, constituindo, se possível, uma Confederação Sul-Americana, isto é, uma América do Sul formando uma única nação (idem).

Esses arroubos francamente pró-América do Sul também fazem florescer súbitas explosões de amizade entre Brasil e Argentina. Mostram que essa nova postura não significava, como à primeira vista se poderia supor, um alinhamento automático aos objetivos norte-americanos, mas implicava um posicionamento mais realista da política internacional brasileira que deveria ser exercida de acordo com a defesa dos interesses nacionais (idem).

Adepta desse novo estilo, que rompia com o romantismo anterior, a diplomacia brasileira – muitas vezes ambígua – profissionaliza-se e passa a ser conduzida por princípios mais políticos e econômicos, tais como a ampliação de seu mercado, o favorecimento da imigração e a atração de capitais.

Dentro dessa perspectiva encontra-se o projeto de cordial inteligência conhecido como Projeto ABC. Elaborado nos últimos anos da gestão de Rio Branco na pasta das Relações Exteriores, durante o período de 1902 até 1912, buscava uma aproximação entre as três maiores nações latino-americanas: Argentina, Brasil e Chile; mas, por outro lado, gerava a desconfiança das nações menores do continente (Cervo & Bueno, 1992).

Apesar de não ter sido colocada em prática, essa proposta demonstra não só que o Brasil se esforçava para mostrar-se simpático a algumas nações latino-americanas, mas, principalmente, que não pretendia impor-se ao continente, como freqüentemente acreditavam as chancelarias hispano-americanas.

Entretanto, essas tentativas de aproximação muitas vezes não vão além das boas intenções expressas pelas visitas diplomáticas e pelos discursos e pronunciamentos proferidos nas várias Conferências Internacionais Americanas.9 9 Dentro da perspectiva pan-americanista, os Estados Unidos convocam os países latino-americanos a participarem da I Conferência Internacional Americana (1889-1890), realizada em Washington. Tinha-se como finalidade pensar a respeito da formação de uma unidade entre essas nações, a fim de que o continente obtivesse a sua soberania política e se visse longe do jugo europeu. Várias conferências foram posteriormente realizadas no México (1901-1902), Rio de Janeiro (1906), Buenos Aires (1910), Santiago (1923), Havana (1928), Montevidéu (1933), Lima (1938), Bogotá (1948) e Caracas (1954). Apesar de tornarem-se ações cada vez mais legítimas, essas gestões junto aos países vizinhos não conseguem apagar a impressão de que o Brasil compunha o bloco de poder norte-americano.

Essa desconfiança, justificada, devia-se não aos discursos propondo a paz continental, mas aos fatos reais de que na balança das relações internacionais brasileiras com os países sul-americanos e com os Estados Unidos pesava o que havia de concreto com este último, dando margem para que as nações vizinhas tirassem as suas conclusões: o Brasil não só era um aliado dos Estados Unidos, como também possuía pretensões de poder sobre a América do Sul.

O Convênio Comercial assinado pelo Brasil e pelos Estados Unidos em 31 de janeiro de 1891, a intervenção armada norte-americana a favor do presidente Floriano Peixoto contra os revoltosos da Marinha10 10 Conhecida como a Revolta da Armada (1893-1894), o movimento defende a pureza dos princípios republicanos que a Marinha desejava restaurar. Esse acontecimento, por colocar em dúvida a capacidade de o Brasil autogovernar-se, causa um efeito desastroso no exterior e "obriga" o presidente Floriano Peixoto a aceitar a intervenção das forças navais norte-americanas estacionadas no Rio de Janeiro, que, ao romperem com o bloqueio que a Marinha havia imposto à alfândega brasileira, põem fim ao conflito. e a elevação da legação brasileira em Washington à categoria de embaixada, em 1905, são acontecimentos que demonstram a forte ligação entre os dois países e a conseqüente conclusão de que o Brasil almejava conquistar uma posição de destaque ao lado dos Estados Unidos (Cervo & Bueno, 1992).

O acordo aduaneiro será uma das medidas que mais irá colaborar para a intensificação da animosidade entre Argentina e Brasil. Conhecido também como "tratado recíproco", tinha como objetivo garantir benefícios comerciais para ambas as nações. Enquanto havia uma lista de produtos norte-americanos com tratamento tarifário preferencial no mercado brasileiro – como trigo em grão e farinha de trigo –, o Brasil não só continuaria a colocar o café isento de direitos no mercado norte-americano, como também obtém favores alfandegários para seus açúcares, passando assim a competir em melhores condições com o açúcar antilhano (idem).

Apesar de os serviços estatísticos não poderem confirmar a eficiência desse tratado durante quase toda a Primeira República, Brasil e Estados Unidos renovam uma série de favores alfandegários, tornando a farinha de trigo norte-americana uma das principais importações do Brasil (idem).

Com tais acordos, cria-se uma zona de atrito entre o Brasil e a Argentina, que constantemente passa a exigir favores idênticos para a sua farinha, que seria um de seus mais importantes produtos de exportação.

A questão naval é um outro ponto importante de desavença entre os dois países. Se, com o advento da República, o Brasil, com uma Marinha de Guerra enfraquecida, sente-se ameaçado pelos projetos de reorganização do poder naval argentino, já com Rio Branco na pasta das Relações Exteriores e o conseqüente crescimento da Marinha brasileira, é a vez de a Argentina recrudescer o seu sentimento antibrasileiro.

Enquanto no primeiro momento as posturas da Argentina, do Chile (que se encontravam bem armados em razão de uma possibilidade de conflito entre ambos) e do Brasil (que em 1899 recusa um convite para participar de uma conferência em Haia sobre o desarmamento) confirmam a hipótese de que o continente sul-americano vivia um "clima de paz armada", típica dos países europeus (Cervo & Bueno, 1992), no segundo, em virtude das ações de fortalecimento da nossa Marinha, o que se evidencia é que o Brasil estaria esforçando-se para tornar-se a primeira potência naval da América do Sul, com vistas a tentar uma posição de domínio no continente, ameaçando desse modo a Argentina (idem).

Além desses fatos, a política pan-americanista norte-americana, ao propor que os Estados Unidos aumentem a sua influência econômica e o seu poder de "polícia internacional" (idem, p. 165) no continente, acirra ainda mais a animosidade latino americana contra o Brasil. Por ser visto como um aliado potencial das políticas norte-americanas, este último tem dificuldade em identificar-se como um parceiro das nações latino-americanas. Ao contrário, é sistematicamente apontado como um adversário dos interesses do continente.

Ao mesmo tempo, a Argentina, por ter relações estreitas com a Inglaterra, possuía razões mais do que suficientes para repelir uma aproximação americana, o que já era suficiente para fazer surgir um clima de rivalidade com o Brasil, país, segundo ela, adepto do corolário americanista.

Durante o período entre guerras, as relações internacionais no continente latino-americano tornam-se mais complexas. Por conta do surgimento de novos sistemas de poder – Alemanha e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) –, a luta norte-americana pelo controle político e econômico na América Latina intensifica-se e dá margem para que se acelere o acirramento das relações entre os países latino-americanos, que passam a interpretar, de maneira cada vez mais diferenciada, essa interferência (Moura, 1980).

Em contrapartida, se a competição interimperialista cresce, o continente procura a todo custo conquistar sua autodeterminação, fazendo com que cada uma das nações defenda incisivamente tanto as suas fronteiras quanto os seus mercados.

Nesse sentido, Brasil e Argentina, países predominantemente agrícolas, fixavam-se nesse novo sistema de divisão internacional do trabalho como exportadores de matérias-primas e importadores de manufaturados. Com economias complementares em virtude da variedade de solo e clima, exportavam produtos distintos e ainda configuravam uma dependência com terceiros países diferentes, o que pressupõe o estabelecimento de uma relação atravessada pela ambivalência (Bandeira, 1987): enquanto o Brasil aumenta a sua dependência econômica dos Estados Unidos e também se torna parceiro comercial da Alemanha, em razão de posições políticas de Vargas, a Argentina, principalmente a partir da Primeira Guerra, tem sua economia cada vez mais ligada à Inglaterra, apesar de, a partir de 1925, aumentar os seus vínculos comerciais com os Estados Unidos (idem).11 11 A Argentina, apesar de importar dos Estados Unidos automóveis, pneumáticos, combustíveis, equipamentos e maquinaria para suas fábricas têxteis e de calçados, nunca viu a liderança norte-americana no continente com bons olhos (Bandeira, 1987).

Entretanto, em razão das suas especificidades históricas, a Argentina, já na segunda década do século XX, atingia um posto de destaque no continente, tornando-se, em 1913, responsável por 1/3 de todo o comércio exterior da América Latina, deixando o Brasil em desvantagem (idem).

Essa prosperidade alcança índices ainda mais elevados na década de 1920. O crescimento da renda, a formação de uma ampla pequena burguesia vinculada ao comércio e aos serviços, o rápido desenvolvimento urbano de Buenos Aires e o aumento de sua malha ferroviária permitem o avanço de sua industrialização, possibilitando que chegue às vésperas da crise de 1929 com um Produto Interno Bruto (PIB) de 22,8%, enquanto o do Brasil era da ordem de 11,7% (idem).

De qualquer modo, esse crescimento não extingue as suas dificuldades. Por ter poucos recursos minerais – ferro e carvão –, um parque manufatureiro crescendo sem proteção tarifária e uma elite dominante que não conseguia firmar uma unidade necessária para que se definisse um projeto nacional, a Argentina não consegue entrar de maneira definitiva para o rol das nações desenvolvidas (idem).

O Brasil, em contrapartida, era o único país da América Latina que teria condições de competir pela cobiçada posição de primeira potência da América do Sul. Os sólidos acordos comerciais com os Estados Unidos garantindo-lhe estabilidade, o tamanho de sua população, de seu território, de sua Marinha de Guerra, que após os primeiros anos do século XX começa novamente a crescer, e de sua costa voltada para o Atlântico, faziam dele uma nação que deveria ser temida por aquela que também ambicionava um lugar de destaque no continente.

Nos anos de 1920 e 1930, a disputa econômica entre os dois países latinos tende a aumentar ainda mais: a economia norte-americana, por competir com a agroindústria argentina no comércio mundial na busca por novos mercados, dificulta os acordos entre Brasil e Argentina, tornando a relação entre ambos atravessada pelas dificuldades de um real entendimento (idem).

Decifrando a Escola Argentina

Ignorando as divergências que foram aqui apontadas, a Escola Argentina constrói a sua trajetória como se fosse um torrão argentino em solo brasileiro. Procura mostrar, pelo discurso de seus alunos e professores, que ambos os países se encontravam irmanados pelos mesmos ideais, que se consolidavam pelas águas que os banhavam, da Bacia do Prata.

Significado do nome

Segundo o Novo dicionário Aurélio, o vocábulo nome quer dizer: "palavra com que se designa alguma pessoa, animal ou coisa". E nome próprio expressa "o nome com que se nomeiam individualmente os seres e que se aplica em especial a pessoas, nações, povoações, montes, mares, rios, etc.".

Entretanto, de acordo com a hermenêutica, as palavras guardam um sentido oculto que deve ser captado, objetivando trazer à tona níveis opacos do próprio discurso (Maingueneau, 1989). Ou seja, pretende-se aqui tentar compreender que "a autoridade de que se reveste a linguagem vem de fora" (Bourdieu, 1996, p. 87); ancora-se no contexto social em que é produzida, cabendo ser interpretada. Dito de outra forma, este texto procura levar em conta as palavras de Maingueneau:

Há duas formas de ler a oposição entre duas zonas do campo lingüístico: a primeira revela uma hierarquia entre o que depende plenamente da lingüística e o que seria apenas um conjunto de margens, de reincidências pouco científicas do núcleo rígido; a outra, aquela que defendemos, afirma de início a dualidade radical da linguagem, a um só tempo integralmente formal e integralmente atravessada pelos embates subjetivos e sociais. (1989, p. 12)

Portanto, ao tomar-se como referência o livro de Ana Maria Machado (1976) sobre a importância do significado dos nomes dos personagens para a prosa de Guimarães Rosa, o significado do nome da escola adquire novos sentidos que ajudam ainda mais a decifrar sua história e sua relação com a nação argentina.

Dentro de um universo semiótico, o nome próprio é, por natureza, polissêmico. Implica determinadas circunstâncias e correlações necessárias que ajudam a definir o nome em si (Houaiss, 1976). E, como Guimarães Rosa escreve, referindo-se ao nome de seus personagens, "dou-te leitor, um enigma; dou-te também, a chave, decifra-o..." (apud Houaiss, 1976, p.7). Ou melhor, o nome – a chave – é o enigma a ser decifrado; é a ponta de um iceberg que, por meio de um trabalho do leitor/pesquisador, expressa o próprio augúrio do nominado, que, neste caso específico, é a Escola Argentina.

E é o texto de Houaiss (1976, p.10) – "se na vida real, societária, somos nominados por motivações dos nominadores, daí por diante pesa ou levita sobre cada um de nós esse nome, fardo ou gazua com que cada um de nós manipula a sua aventura biográfica e é por ela e o resto manipulado" – que nos incentiva ainda mais a decifrar o significado do nome Argentina, que aqui é trilhado em dois planos que se completam.

Enquanto o primeiro advém dos efeitos da leitura de alguns artigos da revista da escola que permitem uma interpretação acerca do significado simbólico das águas da Bacia do Prata para os agentes da Escola Argentina, o segundo mostra como a escola se inspira pedagogicamente na história da Argentina, possibilitando a fabricação de uma relação bastante peculiar entre ela e a nação argentina.

Entretanto, cabe ressaltar as diferenças internas no que se refere a essa questão. Se seus nomeadores – homens públicos, ligados à política – selam o seu destino, direcionando a sua trajetória, seus diretores, professores e alunos tornam-se, cada um em sua respectiva posição social, perfeitos tradutores dessa vontade maior. Ou seja, por meio dos artigos da Revista Escola Argentina não só se comprova o esforço das autoridades escolares em cumprir com o augúrio idealizado pelos nomeadores, como também se percebe o modo exemplar com que os artigos dos alunos, selecionados e publicados, traduzem essa mesma vontade.

Observando a teoria de Guimarães Rosa sobre os nomes próprios, o nome da escola refere-se ao nome da nação argentina, que, morfologicamente, tem a sua origem em argenti, que quer dizer prata. Por sua vez, o vocábulo prata remete-nos ao nome da bacia fluvial que se forma com os rios Uruguai, Paraguai e ParanᖠBacia do Prata, que com suas águas une Brasil e Argentina.

A própria redação de um aluno, com o título sugestivo de "Tudo nos une nada nos separa", transcrita para a revista, mostra como ele assimilou de maneira competente as lições da escola, acreditando que as águas desse "grande estuário" têm a função de reunir em um só corpo as duas nações:

Estudando a geografia da Argentina vemos que ela é banhada por um grande rio, o Prata que lhe deu o nome. No entanto, as águas desse grande rio têm qualquer coisa de Brasil, são as águas brasileiras do Paraná e seus afluentes, que a elas se reúnem e unidas, irmanadas, lá se vão a caminho do marulhoso oceano. (Revista Escola Argentina, jul./ago.1932, p. 12)

Três anos mais tarde, em um discurso na escola, a professora Leonor Posada ratifica as palavras do aluno, cumprindo com a sua função de perpetuar o desejo dos nomeadores da escola:

Por isso o Paraná, longe de ser um rio divisório entre as duas nações, é o braço undoso e líquido que as une: suas águas cantantes e doces, confundem no mesmo murmúrio as palavras argentinas e as brasileiras, e refletem num mesmo espelho as paisagens gêmeas dessas duas pátrias unidas. [...] Montanhas, lagos, planícies e rios entre os países da América não são senão motivos da mais afetuosa das aproximações. (Revista Escola Argentina, set./dez. 1935, p. 8)

O que se pretende frisar com esta interpretação é que a escola institui, por meio de seus dirigentes, uma leitura idealizada acerca da relação entre Brasil e Argentina, possibilitando que a própria Revista Escola Argentina se transforme em porta voz dessa mesma mensagem.

Porém, de acordo com as bases do discurso jornalístico – que, por princípio, seleciona o que deve ou não deve ser publicado –, supõe-se que apenas seja editado aquilo que se quer ver fixado nas mentes das crianças. Conseqüentemente, aqueles que assinam os artigos da revista, apesar de posicionarem-se de maneira diferenciada no interior das relações de poder da escola, encontram-se afinados com o projeto da escola, distinguindo-se daqueles que não publicam por não terem, por exemplo, internalizado de maneira tão competente a máxima da escola (Chaves, 2003).

Portanto, a intenção latente dos responsáveis pela escola – os diretores de Instrução que a nomearam, a diretora e os professores – é que seja construída uma leitura autorizada sobre a relação Brasil–Argentina, para que o seu alunado, de acordo com as premissas do pan-americanismo, modele-se a partir desse ideário.

O nome Argentina da escola funcionaria como uma verdadeira metáfora desse discurso reunificador das nações, embora no plano das relações internacionais tenham ocorrido infindáveis atritos e disputas, tanto comerciais quanto políticas.

Com base nessas considerações, percebe-se que a história da Escola Argentina, pela ótica da história de seu próprio nome, se mostra complexa e, por que não dizer, atípica também: de fato e de direito, é uma escola que tem dois nomeadores que, de forma decisiva, colaboram para o desenvolvimento de sua identidade: Carneiro Leão, ao batizá-la, torna possível sua existência segundo determinados valores; e Fernando de Azevedo, ao reafirmar o nome Argentina em seu novo endereço, reforça essa história.

Por último, pode-se acrescentar que a história de seu nome também contribui para que se explicite uma determinada perspectiva monumental (Le Goff, 1994) que se quer dar à relação entre Brasil e Argentina, e que será mostrada de forma mais clara no item a seguir.

A nação Argentina inspirando a escola

Pode-se afirmar que, por meio da Revista Escola Argentina, a escola, para concretizar o desejo de seus nomeadores, utiliza-se de determinadas formas de inculcação que, em última instância, definem quais professores e alunos estariam ou não aptos para publicar na revista. Ou seja, aqueles mais de acordo com o projeto da escola, para assim se transformarem em legítimos porta-vozes dessa mensagem.

Nesse sentido, se Argentina/argenti/prata-águas do Prata evoca a relação orgânica que existe entre Brasil e Argentina, a Escola Argentina, no Brasil, para seus agentes, seria o próprio torrão argentino em solo brasileiro. E foi a mesma professora Leonor Posada, que se referiu à função unificadora do grande estuário do Prata, que afirmou: "A Argentina é aqui...". Ou seja, se as águas do Prata unem as duas nações, o espaço escolar da Escola Argentina é, por excelência, solo argentino, sugerindo que existe uma relação quase simbiótica entre a escola e a Argentina.

Exemplar é a carta dos alunos da Escola Argentina para alunos argentinos: "A nossa escola que é um pedaço da pátria argentina..." (Revista Escola Argentina, jul./ago. 1932, p.13). Em uma outra correspondência, de 1933, esse mesmo sentimento é ressaltado: "... que Argentina e Brasil sejam um só coração a palpitar, trabalhando pelo progresso e pela paz do mundo" (Revista Escola Argentina, maio/jun. 1933, p. 3).

O próprio prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto, em 9 de julho de 1935, presente à inauguração do novo prédio da escola, em seu discurso afirma: "Nesta Casa da Argentina, no Brasil, a grande obra de arte e de educação que se há de realizar é a obra de cultivar e fazer florescer a amizade argentino-brasileira" (Revista Escola Argentina, jul./ago. 1935, p. 5).

Essa relação de fusão entre escola e nação muitas vezes faz com que a Escola Argentina produza um sentimento de culto pela Argentina, tornando seus valores os valores da nação: "... pudessem estar presentes à nossa festa para sentirem, mais de perto, o carinho, o amor, a dedicação com que nos lembramos e cultuamos os nomes e a data gloriosa do torrão de vocês" (Revista Escola Argentina, jul./ago. 1932, p.13).

De outro lado, essa admiração da escola pela nação argentina também pode ser traduzida como um sinal de respeito do Brasil pela Argentina, já que se equivalem econômica, social e politicamente. Vários artigos da revista, ao compararem esses países por meio de seus heróis, suas riquezas naturais e sua agricultura e pecuária, estariam querendo salientar o quanto são importantes para o continente americano.

Esse discurso construído pela escola, ou melhor, por seus responsáveis, teria como meta torná-la uma espécie de chancelaria, de território neutro, onde Brasil e Argentina ignorariam suas disputas e passariam a agir como se fossem duas nações amigas que, por suas qualidades, também teriam um papel político de destaque dentro do continente sul-americano.

Mais do que isso, pode-se afirmar que esse discurso ainda é conscientemente fabricado com a intenção de alicerçar o próprio projeto pedagógico da escola que, assim, passaria a ser estruturado de acordo com certos valores nacionais que necessitariam ser assimilados por todos os seus alunos; o que implica afirmar que a escola possuiria uma função tanto social quanto política bastante explícita.

Essa postura, no entanto, além de idealizar a relação entre Argentina e Brasil, também promove uma determinada interpretação da história da Argentina, que é a própria fonte de inspiração do discurso pedagógico que se quer construir. Ou seja, será essa história que deverá inspirar os comportamentos, os hábitos e as atitudes dos alunos da escola.

Por essa razão, deveriam conhecer a história da Argentina para que, desse modo, se viabilizasse no cotidiano da escola a exaltação a seguir: "Crianças, alunos da escola que ostenta na fachada o nome da grande nação amiga, vos deveis interessar pela história do povo a quem amamos com o nobre sentimento que é a fraternidade continental" (professora Abigail Padilha, em discurso na escola em razão da comemoração da independência da Argentina, Revista Escola Argentina, jul./ago. 1932, p. 5).

O dia da independência da Argentina, 9 de julho, é a data-símbolo dessa história que se quer contar. É o dia que marca o desenrolar de todo um processo histórico que tem como princípio as idéias de liberdade e democracia que, por conseguinte, são a base de sustentação do projeto da escola.

É a professora Abigail Padilha que, no mesmo discurso, afirma: "A independência das colônias inglesas na América do Norte, a leitura dos livros dos filósofos franceses: Voltaire, Jean Jacques Rousseau e Montesquieu trouxeram, aos habitantes da América Espanhola, idéias liberais e os fizeram sonhar com a emancipação natal" (idem, ibidem).

O próprio Anísio Teixeira, em visita à escola por ocasião da festa de comemoração da independência da Argentina, confirma esse pressuposto: "Nós amamos a Argentina. Amamos a Argentina, porque, seja em que parte do mundo tenha transcorrido uma vida inteira dedicada ao culto da liberdade e da democracia, a humanidade inteira se beneficiará daí. Ora, a história da Argentina oferece exemplos vivos desse idealismo..." (Revista Escola Argentina, set./out. 1933, p. 6).

No entanto, os contadores desta versão mostram que ela só se torna possível porque os seus heróis "levam a todos os recantos e além fronteiras, a flâmula sagrada da liberdade" (idem, ibidem). Serão esses personagens quase míticos que, de acordo com a escola, edificarão uma Argentina livre e soberana e que, por conseguinte, terão a função de espelhar as próprias ações dos pequenos cidadãos da Escola Argentina. É ainda pelos discursos da professora Abigail Padilha e de Anísio Teixeira, respectivamente, que se pode perceber esse tipo de mensagem:

Tal como os monumentos persas, cuja construção era confiada a militares e artistas, a nação Portenha foi construída pelo heroísmo e tenacidade de seus filhos que souberam defender-lhe a soberania e consolidar a vitória, apresentando ao mundo civilizado, esse formidável monumento de fé, de glória, de riqueza, que é a Pátria Argentina. (Revista Escola Argentina, jul./ago. 1932, p. 5)

Quando Sarmiento traz dos Estados Unidos o evangelho da educação popular e o prega na sua pátria com o entusiasmo, a perseverança e o gênio de um apóstolo, toda a atmosfera espiritual do continente recolhe as vibrações de sua fé profunda. Quando Saens Pena, luminoso representante de um grande povo, vem ao Brasil, e numa emoção indizível nos transmite uma esplêndida mensagem de paz, de confiança, de amizade, nessa noite a face do mundo recebe um reflexo da beleza imortal. Quando San Martin se recolhe ao exílio voluntário para evitar lutas nas pátrias da América que ele ajudara a tornar livre, todos nós constituímos seus herdeiros. (Revista Escola Argentina, set./out. 1933, p. 6)

Sarmiento, San Martin, Saens Pena, Belgrano, Mitre e Augusto Justo são os heróis que a escola decide homenagear. É pelo estudo de suas vidas, suas realizações e suas crenças, fixados em exercícios, redações e textos de aula, que a escola se transforma em um legítimo rincão argentino que cultua os mais genuínos princípios liberais.

A figura desses heróis torna-se ainda mais concreta quando a escola recebe de presente os seus retratos para que, em lugar de destaque, possam velar pelo bom desempenho de seus afilhados:

Desejoso de que conhecêssemos melhor algumas figuras ilustres de sua pátria, deu-nos em belas molduras os retratos de Sarmiento, Mitre, San Martin, Mariano Moreno e Belgrano e mais o escudo da Argentina em cores. Úteis e belas são as demais ofertas representadas por uma vitrine destinada à exposição dos lindos presentes que recebemos da Argentina. (Diretora Joaquina Daltro, Revista Escola Argentina, jul./ago. 1935, p. 14)

Todo esse amor pela Argentina pode ser constatado pelo seguinte texto: "Quero dizer também que os alunos da Escola Argentina se orgulham de freqüentar uma escola que sustenta o nome dessa pátria grandiosa" (Deisy Guimarães, aluna discursando na Festa do Livro, Revista Escola Argentina, set./out. 1933, p. 11).

Ademais, esse sentimento de admiração que se tem pela Argentina nada mais é do que uma admiração que se deve ter pelo próprio Brasil, uma vez que as suas histórias são propagadas como se fossem bastante parecidas:

A 9 de julho de 1816, o Congresso de Tucuman proclamou a Independência das Províncias Unidas do Rio da Prata. O Brasil cuja inspiração de independência segue a experiência argentina, festeja como suas as datas que assinalaram para a república amiga as conquistas... (Professora Abigail Padilha, Revista Escola Argentina, jul./ago. 1932, p. 5)

Ignorando as diferenças, os responsáveis pela escola acreditam que é disseminando o estilo de vida argentino – além da história, aprendem danças e músicas típicas, poesias e pequenas frases em espanhol; recebem revistas e objetos típicos variados da Argentina –, seus valores e costumes, que os alunos aprenderão a amar o próprio Brasil.

Mas, para que a escola cumprisse com esse seu augúrio, ainda teria que contar com alguns patronos, que assim garantiriam a sua existência a partir de certo modo de ser que glorifica e distingue a Escola Argentina por meio da permanente homenagem à Argentina.

É Geraldino Magalhães quem, em discurso de agradecimento aos mentores e patrocinadores da escola, afirma:

Neste momento quero citar, também, num brado de admiração e reconhecimento, os nomes de grandes amigos que têm dado o máximo de apoio para a glória desta Casa: Dr. Anísio Teixeira ilustre Diretor Geral, com muito saber e grande coração, desvelado e solícito amigo das crianças e suas professoras; os digníssimos srs. do Clube Social Argentino, à cuja frente se acha o grande amigo, o bondoso Sr. Juan Albertotti, o Exmo. Ramon Carcáno que freqüentemente nos honra com sua visita; o Exmo. Sr. Presidente da Nação Argentina, General Justo, cuja visita honrosíssima, a esta Escola, em 1933, jamais se apagará em nossa mente, em nossos corações. (Revista Escola Argentina, set./dez. 1934, p. 11)

Esses escritos, retirados da Revista Escola Argentina, apontam o pan-americanismo como a base de todo esse discurso. A redação "Se eu fosse grande...", de Eridan Floreal, da 5ª série, publicada na edição de setembro/dezembro de 1934, na página 12, exemplifica a maneira competente com que a escola inculca esse sentimento de amor pelo continente americano em seus alunos:

Sabem vocês, caros colegas, o que eu faria pelo Pan-Americanismo, se fosse grande? Pois vou lhes dizer. Como não tenho jeito para o desenho, mandaria pintar cartazes, que representassem as cenas horríveis dos campos de batalha, coalhadas de cadáveres, dos desoladores hospitais de sangue, dos lares abandonados em que as mães, as irmãs e as esposas choram os entes queridos que se foram para não voltar, talvez...

Estudaria muito, leria para que fosse capaz de, escrevendo para jornais e revistas, convencer a todos do quanto é triste a guerra e quanto são medonhas suas conseqüências...

Conversando com a D. Ivette a este respeito, ela disse que eu poderia começar de agora, a trabalhar contra a guerra, a favor da paz. Poderia escrever para a nossa revista incitando todos os meus colegas a trabalhar comigo pela paz.

Comecemos, pois, a procurar a paz dentro de nossas classes, de nossa casa, de nossa escola. [...]

Se fizermos o mesmo a todos os outros países da América estaremos trabalhando pelo Pan-Americanismo. Mais tarde, não trabalharemos só pela paz na América, mas pela paz em todo o mundo.

Vocês se lembram, caros colegas, do que disse D. Else a respeito do "Pan-Coleguismo"?

Portanto, os pilares de sustentação da Escola Argentina, ao basearem-se nos princípios do pan- americanismo, instituem uma determinada leitura sobre a relação do Brasil com a Argentina, que, inclusive, a conecta aos próprios acontecimentos da cidade. Provam que a sua função pedagógica também tem uma base política e que o seu espaço escolar, ao funcionar como uma chancelaria argentina em solo brasileiro, e vice-versa, aproxima Brasil e Argentina e ainda possibilita que essa relação tão delicada seja reinterpretada pela própria escola.

Essa função da escola torna-se mais evidente quando passa a ser notícia da seção política dos jornais da época por conta da visita do presidente argentino ao Brasil.

Publicada no Diário de Notícias em 11 de outubro de 1933, na página cinco da primeira seção, com letras garrafais e quatro fotografias, a reportagem "A visita do general Justo à Escola Argentina" descreve por meio de minúcias esse dia do presidente na escola:

Foi deveras imponente a recepção do General Justo à Escola Argentina. A multidão curiosa comprimia-se nos espaços limitados pelos cordões de isolamento, fazendo-se mister interromper o trânsito naquele trecho da rua 24 de Maio.

A fachada do edifício onde funciona o notável estabelecimento de ensino oferecia um lindo aspecto, tremulando à entrada os pavilhões das duas nações amigas. Da belíssima ornamentação do prédio ressaltava o lindo efeito produzido pelo conjunto caprichoso e artístico de hortênsias e dálias, desenhando, no jardim, as bandeiras nacional e argentina. [...]

Ao desembarcar, o sr. e a sra. Agustin Justo foram recebidos pelos srs. Pedro Ernesto, interventor federal; Anísio Teixeira, diretor de instrução , e sra. Joaquina Daltro, diretora da Escola Argentina, além de muitas professoras e jornalistas que ali se encontravam.

Seguido pela comitiva o presidente Justo dá entrada no estabelecimento. Ouve-se o hino nacional argentino.

À portaria, uma comissão de alunos recebe o General Justo.

Em seguida o sr. ex., percorre o estabelecimento modelar da rua 24 de Maio e com muito interesse examina os mapas cartográficos trabalhados pelos alunos, enquanto a sra. Ana Bernal aprecia os trabalhos de agulha. Visitam a sala onde funciona o Clube Literário e Esportivo e depois a dependência da Cooperativa de Consumo.

Na edição de 10 de julho de 1935, ainda na primeira seção, novamente a Escola Argentina é notícia na seção política do Diário de Notícias. A reportagem "A comemoração do dia da Argentina", além de noticiar as solenidades sobre a independência do país latino na cidade, também informa a respeito da festa de inauguração do novo endereço da escola, à avenida 28 de Setembro, em Vila Isabel.

Portanto, esse nome, fincado nos ideais do pan-americanismo, faz com que a escola estabeleça uma relação paralela com a Argentina que, nessas circunstâncias, a transforma em uma espécie de chancelaria brasileira/argentina. Torna o seu espaço escolar um ponto de encontro entre Brasil e Argentina, as duas nações líderes do continente sul-americano, que passam a ser vistas como co-irmãs.

Considerações finais

As afirmações anteriores mostram que a Escola Argentina, tanto por meio da história de seu nome quanto pelos discursos de seus alunos, professores e patronos, pode ser vista como uma escola que, ao instituir uma relação particular com a Argentina, fabrica uma imagem idealizada dessa mesma relação.

Seus agentes sociais, ao transformarem-na em um torrão argentino, a posicionam de maneira "involuntária" entre essas duas nações. Possibilitam que, além de sua função pedagógica, desempenhe um papel político que, acredita-se, de algum modo contribui para distender o próprio diálogo entre as duas chancelarias desses países.

Se ao longo dos primeiros anos da República brasileira as relações econômicas e políticas entre Brasil e Argentina encontram-se atravessadas por disputas, a escola, pelo contrário, ao assumir o augúrio de seu nome, monumentaliza (Le Goff, 1994) essa mesma relação, fazendo com que essa "amizade" fermente as bases de seu projeto pedagógico, que se pautaria nos princípios do pan-americanismo.

Pode-se também constatar que, "ao impor ao futuro uma imagem de si própria" (idem, p. 548), a escola constrói uma trajetória que indiscutivelmente a conecta aos ideais da Escola Nova. Torna-se uma legítima representante da educação moderna que nos anos de 1920 e 1930 tanto influenciou os educadores da época. Seus fundadores, signatários do Manifesto dos Pioneiros,12 12 Assinado por 26 educadores, esse documento, baseado nos preceitos da Escola Nova, tinha como objetivo propor alternativas para a reconstrução da educação nacional. em 1932, ao interferirem em sua história estariam colocando em prática suas idéias a respeito do que deveria ser reformado na própria escola brasileira.

Carneiro Leão, por meio de seu nome, ao conectá-la ao pan-americanismo, a liga às bases da democracia moderna, que implica o exercício da cooperação e da solidariedade continental. Fernando de Azevedo, ao construir uma sede própria a partir de uma arquitetura neocolonial, imprime-lhe alguns dos valores da educação moderna que desejava disseminar em seu alunado. E, finalmente, Anísio Teixeira, ao torná-la experimental e transferi-la para um novo prédio moderno e arrojado, a converte em uma das maiores escolas da cidade, com a função de fermentar novos métodos de ensino que mais tarde seriam adotados nas demais escolas da capital federal.

Portanto, a análise sobre o embate político e econômico que existe entre Brasil e Argentina, ao ser acrescido do papel que a escola desempenha nessa mesma questão, introduz novas interpretações sobre esse mesmo tema.

Além disso, os princípios dessa função política que a escola desempenha estariam servindo para que seus alunos tivessem como lições a serem aprendidas os ideais de liberdade e de fraternidade que emanariam não apenas da história da Argentina contada pela escola, mas da própria relação fraterna que se queria fazer existir entre o Brasil e a própria Argentina, base do pan-americanismo que se queria ensinar.

Recebido em setembro de 2006

Aprovado em março de 2007

MIRIAM WAIDENFELD CHAVES, doutora em educação brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), é professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora participante da pesquisa "O INEP no contexto das políticas do MEC, nos anos 1950 e 1960". Entre outros artigos, publicou: A afinidade eletiva entre Anísio Teixeira e John Dewey (Revista Brasileira de Educação, São Paulo: ANPEd, n. 11, p. 86-98, maio/ago. 1999); O liberalismo de Anísio Teixeira (Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Fundação Carlos Chagas/Autores Associados, n. 110, p. 203-211, jun. 2000); A Revista Escola Argentina: reflexões sobre um periódico escolar nos anos 20 e 30 (Revista Brasileira de História da Educação, Campinas: Sociedade Brasileira de História da Educação/Autores Associados, p. 59-85, 2003); Pragmatismo e desenvolvimentismo no pensamento educacional brasileiro dos anos 1950/1960, em co-autoria com Ana Waleska Mendonça, Libânia Nacif Xavier, Vera Breglia, Maria Tereza de Oliveira, Cecília Lima e Pablo dos Santos (Revista Brasileira de Educação, São Paulo: ANPEd, n. 31, p. 96-113, jan./abr. 2006); Educação como reconstituição e reorganização da experiência: Guatemala, a escola laboratório do INEP (1955-1964), em co-autoria com Yolanda Lobo (In: ARAÚJO, Marta; BRZEZINSKI, Iria (Orgs.). Anísio Teixeira na Direção do INEP: programa para a reconstrução da nação brasileira: 1952-1964. Brasília: INEP, p.95-112, 2006). E-mail: miriamfeld@terra.com.br

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  • SISSON, Raquel. Escolas públicas do primeiro grau. Inventário, tipologia e história. Arquitetura Revista, Rio de Janeiro, FAU/UFRJ, v. 8, p. 63-78, 1990.
  • 1
    Sua gestão na Inspetoria Pública de Educação do Rio de Janeiro foi de 1922 a 1926.
  • 2
    Com uma arquitetura neocolonial, a nova escola passa a ter doze salas de aulas, duas oficinas, uma biblioteca e um laboratório para ciências.
  • 3
    Associação fundada em 1928 por iniciativa dos próprios professores, que desejavam examinar os problemas didáticos à luz dos preceitos da Escola Nova.
  • 4
    Essa polêmica encontra-se aprofundada na tese de doutorado já citada (Chaves, 2001).
  • 5
    Apesar das diferenças que existem no interior dessa corrente de pensamento, utilizo-me do termo, bastante genérico, para definir o movimento de modernização educacional que ocorre no Brasil, principalmente nas décadas de 1920 e 1930.
  • 6
    Experiência pedagógica implementada nos Estados Unidos, em 1912, por William Wirt, no estado de Indiana. Tinha como objetivo o melhor aproveitamento do tempo e do espaço escolar pela criação de uma estrutura em que os alunos, divididos em pelotões, não teriam salas fixas, mas circulariam entre elas a partir de um horário preestabelecido, com base em seus próprios interesses (Bourne, 1970).
  • 7
    Na base desse tipo de pensamento educacional encontravam-se não apenas as recentes descobertas em torno da psicologia infantil, como também o movimento de emancipação de amplas massas populares nas sociedades ocidentais, que inovariam profundamente o papel da escola e seus fins (Cambi, 1999).
  • 8
    Entre os Estados Unidos e a Inglaterra, a Argentina mantinha estreitas ligações com o último (Cervo & Bueno, 1992).
  • 9
    Dentro da perspectiva pan-americanista, os Estados Unidos convocam os países latino-americanos a participarem da I Conferência Internacional Americana (1889-1890), realizada em Washington. Tinha-se como finalidade pensar a respeito da formação de uma unidade entre essas nações, a fim de que o continente obtivesse a sua soberania política e se visse longe do jugo europeu. Várias conferências foram posteriormente realizadas no México (1901-1902), Rio de Janeiro (1906), Buenos Aires (1910), Santiago (1923), Havana (1928), Montevidéu (1933), Lima (1938), Bogotá (1948) e Caracas (1954).
  • 10
    Conhecida como a Revolta da Armada (1893-1894), o movimento defende a pureza dos princípios republicanos que a Marinha desejava restaurar. Esse acontecimento, por colocar em dúvida a capacidade de o Brasil autogovernar-se, causa um efeito desastroso no exterior e "obriga" o presidente Floriano Peixoto a aceitar a intervenção das forças navais norte-americanas estacionadas no Rio de Janeiro, que, ao romperem com o bloqueio que a Marinha havia imposto à alfândega brasileira, põem fim ao conflito.
  • 11
    A Argentina, apesar de importar dos Estados Unidos automóveis, pneumáticos, combustíveis, equipamentos e maquinaria para suas fábricas têxteis e de calçados, nunca viu a liderança norte-americana no continente com bons olhos (Bandeira, 1987).
  • 12
    Assinado por 26 educadores, esse documento, baseado nos preceitos da Escola Nova, tinha como objetivo propor alternativas para a reconstrução da educação nacional.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Aceito
      Mar 2007
    • Recebido
      Set 2006
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