Acessibilidade / Reportar erro

Desenvolvimento de Habilidades Metafonológicas e Aprendizagem da Leitura e da Escrita em Alunos com Síndrome de Down

Development of Metaphonological and Reading and Writing Skills in Students with Down Syndrome

RESUMO:

este artigo teve como objetivo investigar os resultados produzidos pela aplicação de um programa de intervenção pedagógica que englobou o ensino do alfabeto associado ao treinamento de habilidades metafonológicas com vistas à aprendizagem da leitura e escrita. Participaram da pesquisa cinco crianças e adolescentes com Síndrome de Down, com idades entre 9 e 15 anos que estavam iniciando o processo de alfabetização. A pesquisa contou com a aplicação de pré-teste, intervenção, pós-teste 1 e pós-teste 2. No pré-teste e nos pós-testes 1 e 2 foram aplicados testes de vocabulário, consciência fonológica, prova de conhecimento de letras, e prova de leitura e de escrita de palavras e pseudopalavras. Durante a intervenção foi implementado um programa de ensino dos nomes e sons das letras, associado ao treinamento de habilidades metafonológicas com ênfase no processamento fonológico. Os resultados mostram que o ensino explícito dos nomes e sons das letras, associado ao treinamento de habilidades metafonológicas e das conexões entre fonemas e grafemas possibilitou aos alunos com Síndrome de Down a compreensão do princípio alfabético e aprendizagem da leitura e da escrita. Conclui-se que as habilidades desenvolvidas na intervenção possibilitaram, por meio da mediação fonológica, aos participantes a aprendizagem inicial da linguagem escrita.

PALAVRAS-CHAVE:
Educação Especial; Síndrome de Down; Habilidades Metafonológicas

ABSTRACT:

The objective of this study was to investigate the results from the application of a pedagogical intervention program that included alphabet teaching associated with metaphonological skills aiming to promote reading and writing learning. Five children and adolescents with Down Syndrome aged 9-15 years starting the alphabetization process were included. The study included the application of a pre-test, intervention, a post-test1, and a post-test2. In the pre-test, post-test1 and post-test2, vocabulary, phonological awareness, knowledge of letters, reading and writing of words and pseudo words were evaluated. During the intervention, a program was implemented to teach the names and sounds of letters associated with the metaphonological skills training emphasizing the phonological processing. Results show that the explicit teaching of names and sounds of letters, associated with metaphological skills and connections between phonemes and graphemes enabled the students with Down Syndrome to understand the alphabetic principle and acquire initial reading and writing skills. It is concluded that the skills developed during the intervention, through phonological mediation, enabled the participants to acquire initial learning of written language.

KEYWORDS:
Special Education; Down syndrome; Metalinguistic Abilities

1 Introdução

Conforme observado por Luz (2009)LUZ, R.H. A escola e a alfabetização no Brasil, um olhar histórico. Revista Portuguesa de Pedagogia, v.43, n.1, p.189-204, 2009., somente no último século as sociedades modernas passaram a se preocupar com a universalização da alfabetização e até nos dias atuais vários países, sobretudo os subdesenvolvidos e em desenvolvimento, discutem estratégias para a democratização do acesso ao ensino da linguagem escrita e erradicação do analfabetismo. Isto se deve, ao menos em parte, ao fato da leitura e escrita terem assumido um papel essencial na busca pela autonomia, participação social e acesso aos bens culturais nas sociedades modernas (ELLIS, 1995ELLIS, A.W. Leitura, escrita e dislexia: uma análise cognitiva. 2. ed. tradução de Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.; MALUF, 2003MALUF, M.R. Metalinguagem e aquisição da escrita: contribuições da pesquisa para a prática da alfabetização. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.).

Atualmente considera-se que a leitura e a escrita são conhecimentos fundamentais para o desenvolvimento cognitivo do indivíduo e precedem a aprendizagem de uma enorme gama de conteúdos acadêmicos. No entanto, os baixos índices de alfabetização em idade apropriada no Brasil evidenciam a urgente necessidade de se compreender melhor os mecanismos relacionados à aprendizagem da linguagem escrita (BRASIL, 2007BRASIL. Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. Relatório final do grupo de trabalho Alfabetização Infantil: os novos caminhos. 2 ed. Brasília, DF, 2007. Disponível em: ">file:///C:/Users/HP/Downloads/grupo_alfabetizacao_infantil_educacao_cultura%20(2).pdf. Acesso em: 23 maio 2016.; LUZ, 2009LUZ, R.H. A escola e a alfabetização no Brasil, um olhar histórico. Revista Portuguesa de Pedagogia, v.43, n.1, p.189-204, 2009.).

Diante deste cenário, ganha destaque os esforços empreendidos nos últimos anos pela psicologia cognitiva no sentido de identificar e compreender os processos cognitivos implicados no desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita (ALEGRIA; LEYBAERT; MOUSTY, 1997ALEGRIA, J.; LEYBAERT, J.; MOUSTY, P. Aquisição da leitura e distúrbios associados: avaliação, tratamento e teoria. In: GREGÓIRE, J.; PIÉRAT, B. (Org.). Avaliação dos problemas de leitura: os novos modelos teóricos e suas implicações diagnósticas. Trad. Maria Regina Borges Osório. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.; CAPOVILLA, 1999CAPOVILLA, A.G.S. Leitura, escrita e consciência fonológica: desenvolvimento, intercorrelações e intervenções. 1999. Tese (Doutorado em Psicologia Experimental) - Instituto de Psicologia Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.; BRASIL, 2007BRASIL. Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. Relatório final do grupo de trabalho Alfabetização Infantil: os novos caminhos. 2 ed. Brasília, DF, 2007. Disponível em: ">file:///C:/Users/HP/Downloads/grupo_alfabetizacao_infantil_educacao_cultura%20(2).pdf. Acesso em: 23 maio 2016.; GOMBERT, 2003GOMBERT, J.E. Atividades metalinguísticas e aprendizagem da leitura. In: MALUF, M.R. (Org.). Metalinguagem e aquisição da escrita: contribuições da pesquisa para a prática da alfabetização. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.; MALUF; ZANELLA; PAGNEZ, 2006MALUF, M.R.; ZANELLA, M.S.; PAGNEZ, K.S.M.M. Habilidades metalinguísticas e linguagem escrita nas pesquisas brasileiras. Boletim de Psicologia, v. 56, n.124, p.67-92, 2006.; CARVALHO, 2010CARVALHO, L. M. de M. Consciência fonológica e sucesso na aprendizagem da leitura e da escrita: melhor prevenir do que remediar. 2010. 320f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010.; NAZARI, 2010NAZARI, G.T. Panorama de pesquisas sobre consciência fonológica de crianças com desenvolvimento normal realizadas no Brasil 1991 até 2009. 2010. 177f. Dissertação (Mestrado em Letras/Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.). Estes esforços resultaram numa série de estudos sobre metalinguagem e na proposição de modelos de aquisição da linguagem escrita, e do funcionamento dos processos cognitivos envolvidos no reconhecimento de palavras escritas isoladas e na ortografia de palavras simples (FRITH, 1985FRITH, U. Beneath the surface of developmental dyslexia. In: PATTERSON, K.; COLTHEART, M.; MARSHALL, J. C. (Org.). Surface dyslexia: neuropsychological and cognitive studies of phonological reading. London: Lawrence E. Associates, 1985.; ELLIS, 1995ELLIS, A.W. Leitura, escrita e dislexia: uma análise cognitiva. 2. ed. tradução de Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.; EHRI, 2013EHRI, L.C. O desenvolvimento da leitura imediata de palavras: fases e estudos. In: SNOWLING, M.J.; HULME, C. (Org.). A ciência da leitura. Trad. Ronaldo Castaldo Costa, Porto Alegre: Penso, 2013.).

Dentre os estudos sobre a metalinguagem, a consciência fonológica foi a mais estudada e relacionada à aprendizagem da leitura e escrita. No entanto, destaca-se que as pesquisas sobre as implicações do ensino explícito de atividades de consciência fonológica para a alfabetização são relativamente recentes e os programas que enfatizam tal habilidade começaram a ser propostos e avaliados no Brasil no final da década de 1990 (MALUF; ZANELLA; PAGNEZ, 2006MALUF, M.R.; ZANELLA, M.S.; PAGNEZ, K.S.M.M. Habilidades metalinguísticas e linguagem escrita nas pesquisas brasileiras. Boletim de Psicologia, v. 56, n.124, p.67-92, 2006.; NAZARI, 2010NAZARI, G.T. Panorama de pesquisas sobre consciência fonológica de crianças com desenvolvimento normal realizadas no Brasil 1991 até 2009. 2010. 177f. Dissertação (Mestrado em Letras/Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.). Os estudos que investigam as relações entre a aprendizagem da linguagem escrita e o desenvolvimento da consciência fonológica entre crianças e adolescentes com dificuldades específicas de aprendizagem ou deficiência intelectual, como a Síndrome de Down (SD), são menos frequentes (CARDOSO-MARTINS; FRITH, 1999CARDOSO-MARTINS, C.; FRITH, U. Consciência fonológica e habilidade de leitura na Síndrome de Down. Psicologia: Reflexão Crítica, v.12, p.209-223, 1999.; CARDOSO-MARTINS; SILVA, 2008CARDOSO-MARTINS, C.; SILVA, J.R. da. A relação entre processamento fonológico e a habilidade de leitura: evidência da Síndrome de Down e da Síndrome de Williams. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v.21, n.1, p.151-159, 2008.; CARVALHO, 2010CARVALHO, L. M. de M. Consciência fonológica e sucesso na aprendizagem da leitura e da escrita: melhor prevenir do que remediar. 2010. 320f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010.; BARBY; GUIMARÃES, 2013BARBY, A.A de O. M. Desenvolvimento de habilidades metafonológicas e aprendizagem da leitura e escrita em alunos com síndrome de Down. 2013. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013.). Mais raros são os que investigam o desempenho de alunos brasileiros com SD em programas de intervenção em consciência fonológica (MOUSSATCHÉ, 2001; SÁS, 2009SÁS, R.M. Efeitos de um programa de remediação fonológica nas habilidades de leitura e escrita em alunos com Síndrome de Down. 2009. 130f. Dissertação (Mestrado em Educação Especial) - Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos , 2009.; LAVRA-PINTO, 2009LAVRA-PINTO, B. Avaliação da consciência fonológica em crianças com síndrome de Down. 2009. 166f. Dissertação (Mestrado em Letras/Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.; BARBY, 2013BARBY, A.A de O. M. Desenvolvimento de habilidades metafonológicas e aprendizagem da leitura e escrita em alunos com síndrome de Down. 2013. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013.; BARBY; GUIMARÃES, 2013BARBY, A.A de O. M.; GUIMARÃES, S.K. Consciência fonológica e aprendizagem da linguagem escrita em crianças com Síndrome de Down nas pesquisas brasileiras. Revista Educação Especial, Santa Maria, v.26, n.46, p.293-306, 2003.). Os estudos estrangeiros com intervenção em consciência fonológica realizados com participantes com SD também são recentes e em pequeno número (GOETZ et al., 2008GOETZ, K. et al. Training reading and phoneme awareness skills in children with Down syndrome. Reading and Writing, v.21, p.395-412, 2008.; LEMONS; FUCHS, 2010LEMONS, C.J.; FUCHS, D. Phonological awareness of children with Down syndrome: Its role learning to read and the effectiveness of related interventions. Elsevier Research in Developmental Disabilities, v.31, p.316-330, 2010.; COLOGON; CUPPLES; WYVER, 2011COLOGON, K.; CUPPLES, L.; WYVER, S. Effects of targeted reading instruction on phonological awareness and phonic decoding in children with Down syndrome. American Association on Intellectual and Developmental Disabilities, v.116, n.2, p.111-129, 2011.; BURGOYNE et al., 2012BURGOYNE, K. et al. Efficacy of a reading and language intervention for children with Down syndrome: a randomized controlled trial. Jounal of Child Psychology and Psychiatry. v.53, n.10, p.1044-1053, 2012.; BAYLIS; SNOWLING, 2012BAYLIS, P.; SNOWLING, M.J. Evaluation of a phonological reading programme for children with Down syndrome. Child Language Teaching and Therapy, v.28, n.1, p.39-56, 2012.).

Em geral, os estudos sobre esta temática encontraram evidências da existência de uma relação positiva entre o desenvolvimento da consciência fonológica (CF) e a aprendizagem da linguagem escrita nos sujeitos com SD. Porém, os estudos que analisaram os efeitos do ensino explícito de habilidades de metalinguagem por meio de programas de intervenção para o desempenho em leitura e escrita nesta população, obtiveram resultados variados; enquanto algumas crianças tiveram evolução significativa no desenvolvimento da linguagem escrita ao final da intervenção, outras apresentaram resultados modestos (LEMONS; FUCHS, 2010LEMONS, C.J.; FUCHS, D. Phonological awareness of children with Down syndrome: Its role learning to read and the effectiveness of related interventions. Elsevier Research in Developmental Disabilities, v.31, p.316-330, 2010.).

Pelo exposto, e considerando-se a relevância dos estudos sobre a consciência fonológica para a aprendizagem da leitura e escrita, bem como, a necessidade de se oferecer aos alunos com SD programas de ensino da linguagem escrita eficazes que os auxiliem a desenvolver suas potencialidades, algumas questões ganharam relevância, tornando-se o foco da investigação desse estudo, conforme segue: o ensino sistemático de habilidades de consciência fonológica pode favorecer o desempenho em leitura e escrita em alunos com SD? O ensino explícito das relações diretas entre fonema e grafema melhora a aprendizagem de palavras reais e possibilita a leitura de pseudopalavras em alunos com SD? Ensinar a leitura e escrita a alunos com SD por meio de uma abordagem analítica que enfatize o processamento fonológico possibilita a estes alunos o uso funcional da leitura e da escrita?

No intuito de encontrar respostas a estas questões, foi conduzida uma pesquisa com aplicação de programa de intervenção a crianças e adolescentes com SD que estavam iniciando o processo de alfabetização e conheciam parcialmente as letras do alfabeto. Partiu-se das seguintes hipóteses: primeiro, que a aplicação de um programa de intervenção com atividades que visam o desenvolvimento das habilidades de consciência fonológica produz efeitos no processo de aprendizagem da leitura e da escrita em crianças e adolescentes com SD. Segundo, que a aprendizagem da leitura numa abordagem analítica com ênfase no processamento fonológico possibilita que o aluno com SD generalize os conhecimentos sobre leitura decodificando palavras novas em diferentes contextos de leitura e pseudopalavras.

Assim, a presente pesquisa teve como objetivo principal, planejar, aplicar e avaliar os resultados produzidos pela implementação de um programa de intervenção pedagógica que englobe o ensino das habilidades de CF e nomes e sons de letras sobre a aquisição da leitura e da escrita, em alunos com SD no início da alfabetização.

2 Método

Trata-se de uma pesquisa de intervenção, realizada a partir do aporte teórico da psicologia cognitiva. A intervenção teve um delineamento intrassujeito onde cada criança atuou como controle de seu desempenho e os resultados obtidos foram analisados qualitativamente. Para acompanhar o desempenho dos participantes foram realizados, pré-teste (antes da intervenção), pós-teste 1 (após 40 sessões) e pós-teste 2 (após 75 sessões), nos quais avaliou-se as habilidades de vocabulário expressivo e receptivo, conhecimento dos nomes e sons das letras, consciência fonológica, leitura e escrita de palavras e pseudopalavras, leitura de frases e de pequenos textos.

Todas as etapas da intervenção foram desenvolvidas no Laboratório de Educação Especial (LEE), vinculado ao Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Campus Santa Cruz, Guarapuava, Paraná.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da UNICENTRO, sob o número CAAE 2341.0.000.300-11, em 2011, os pais e alunos foram informados sobre os objetivos, organização e forma de execução do estudo. Os pais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) autorizando a participação dos seus filhos, sendo adotados nomes fictícios na apresentação dos resultados para preservar a identidades dos participantes.

2.1 Participantes

Participaram da pesquisa cinco alunos com diagnóstico de SD, com idades entre 9a9m e 15a5m, sendo dois do sexo feminino e três do masculino. Todos eram falantes monolíngues do português brasileiro com linguagem oral minimamente inteligível, frequentavam classes de alfabetização escolas públicas do município de Guarapuava-PR e nenhum deles possuía perda auditiva ou visual não corrigida, nem alterações neurológicas diferentes das causadas pela SD.

2.2 Instrumentos e procedimentos

  1. Entrevista com as mães: no início da pesquisa foi realizada entrevista individual com as mães dos participantes para coletar informações sobre o desenvolvimento motor e da linguagem, idade cronológica, histórico clínico e escolar, condições visuais e auditivas, atendimentos especializados, condições econômicas e cariótipo da Síndrome.

  2. ABFW - Teste Vocabulário Expressivo - Parte B, (BEFI-LOPES, 2004BEFI-LOPES, D.M. Vocabulário. In: ANDRADE, C.R.F de (Org.). ABFW - Teste de linguagem infantil: nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. 2.ed. Barueri: Pró-Fono, 2004.): teste composto por 118 figuras apresentadas em pranchas individuais pela pesquisadora aos participantes que as nomearam oralmente. As respostas foram classificadas em três categorias: a) Designações por Vocábulo Usuais (DVU), quando o aluno nomeou adequadamente a figura; b) Não Designação (ND), quando respondeu não sei; c) Processos de Substituição (PS), quando o aluno substituiu o vocábulo usual por outro. Foram comparados os desempenhos do pré-teste com os pós-testes 1 e 2, e também com os referenciais de normalidade (RN) para seis anos no intuito de observar se o nível de vocabulário expressivo dos alunos com SD era semelhante ao das demais crianças na fase de alfabetização (seis anos).

  3. Teste de Vocabulário por Figuras - TVfusp-139o - alunos de 1ª a 3ª série do ensino fundamental público de nível sócio-econômico médio-baixo a médio (CAPOVILLA; SALIDO, 2011CAPOVILLA, F.C.; SALIDO, L.F.M. Validação desenvolvimental e normatização do TVfusp-139o para alunos de 1ª a 3ª série do ensino fundamental público com nível sócio-econômico médio-baixo a médio, e validação de critério por comparação por provas de processamento auditivo central (aspa e BBTPA: fala sob ruído, fala filtrada, dicótico de dígitos), compreensão auditiva (TCAS), consciência fonológica (PCFF-o, PCFO, PHF), leitura alfabética (TCLPP-o, TCLS-o), escrita sob ditado (Pesd-PP), e inteligência não verbal (TMP-Raven). In: CAPOVILLA, F. C. (Org.). Teste de vocabulário por figuras USP: normatizado para avaliar a compreensão auditiva de palavras dos 7 aos 10 anos. São Paulo: Memnon, 2011.): consiste num instrumento de avaliação do vocabulário receptivo composto por uma relação de 139 palavras ordenados por grau crescente de dificuldade que foram pronunciadas pela pesquisadora uma de cada vez. E um caderno de aplicação com quatro figuras para cada item avaliado, onde os participantes marcaram a figura que correspondia à palavra pronunciada, sendo atribuído 1 ponto para cada acerto. Nos três momentos de avaliação (pré-teste, pós-teste 1 e 2) o teste TVfusp-139o foi aplicado em duas sessões para minimizar as respostas ao acaso por desatenção. Para análise dos resultados, utilizou-se a normatização do TVfusp-139o que estabelece cinco faixas de pontuação para a 1ª série: muito rebaixada (78-86), rebaixada (87-95), média (96-115), elevada (116-124), muito elevada (125-134).

  4. Provas de reconhecimento dos nomes e sons das letras do alfabeto: inicialmente os participantes foram convidados a nomear as 26 letras do alfabeto apresentadas individualmente em ordem randomizada, sendo atribuído um ponto para cada acerto. Em seguida a examinadora produziu os sons de 25 letras do alfabeto (exceto letra /H/) apresentando 5 opções aleatórias para que o aluno apontasse a letra correspondente ao som produzido. Tendo em vista que alguns sons podem ser representados por mais de uma letra, o examinando pontuava sempre que apontava uma das letras que representava o som produzido.

  5. Prova de leitura de palavras em voz alta: foi composta por 12 palavras reais (bola, chuva, galinha, pássaro, criança, mamãe, bebida, pesca, florido, receita, tigela, açude) e seis pseudopalavras (dalé, dolhas, mepação, gavinha, saliz, nezema) selecionadas a partir das classificações de Pinheiro (1994)PINHEIRO, A.M.V. Leitura e escrita: uma abordagem cognitiva. Campinas: Psy, 1994. e Guimarães (2005)GUIMARÃES, S.R.K. Aprendizagem da leitura e da escrita: o papel das habilidades metalinguísticas. São Paulo: Vetor, 2005.. As palavras foram escritas em letra palito e ilustradas com figuras contextuais para avaliar se os participantes concentravam seus esforços em tentar adivinhá-las ou estabelecer relações entre fonemas e grafemas. Para a aferição dos resultados foram contados 2 pontos para cada palavra ou pseudopalavra lida corretamente, 1 ponto para as lidas parcialmente, e 0 pontos quando o participante errava completamente a leitura.

  6. Prova de escrita de palavras sob ditado: as mesmas palavras e pseudopalavras da prova de leitura em voz alta foram ditadas uma por vez aos participantes, porém, foram organizadas duas listas, a prova de leitura foi iniciada pela lista A e a de escrita pela lista B. As palavras ditadas somaram juntas 47 sílabas sendo atribuído 1 ponto para cada sílaba que estivesse escrita em consonância com a palavra alvo, a identificação dos erros ortográficos foi realizada a partir da classificação de Guimarães (2005, p.74-80)GUIMARÃES, S.R.K. Aprendizagem da leitura e da escrita: o papel das habilidades metalinguísticas. São Paulo: Vetor, 2005..

  7. Teste de Consciência Fonológica Instrumento de Avaliação Sequencial: CONFIAS, (MOOJEN et al., 2007MOOJEN, S. et al. CONFIAS - consciência fonológica: instrumento de avaliação sequencial. Ed. rev. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.): constituído por nove tarefas de consciência silábica (40 itens) e 7 de consciência fonêmica (30 itens) sendo atribuído 1 ponto para cada item avaliado (total 70 pontos). Nos pré-teste, pós-teste 1 e pós-teste 2 o CONFIAS foi aplicado em duas sessões, sendo apresentadas oralmente as tarefas de análise silábica na primeira e de análise fonêmica na segunda. Foram utilizadas pranchas com figuras para ilustrar as tarefas no intuito de minimizar a interferência do déficit na memória auditiva, conforme sugerido por Lara et al. (2007)LARA, T. de M.C.; TRINDADE, S.H. de R.; NEMR, K. Desempenho de indivíduos com síndrome de Down nos testes de consciência fonológica aplicados com e sem apoio visual de figuras. Revista CEFAC, São Paulo, v.9, n.2, p.164-73, 2007. para crianças com SD. Também foram realizadas duas repetições dos itens avaliados quando necessário, pontuando-se na segunda resposta fornecida (LAVRA-PINTO, 2009LAVRA-PINTO, B. Avaliação da consciência fonológica em crianças com síndrome de Down. 2009. 166f. Dissertação (Mestrado em Letras/Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.).

  8. Tarefas de leitura de frase e pequenos textos: após a intervenção os alunos foram convidados a ler 20 frases escritas e escolher entre quatro figuras aquela que melhor representava cada frase, além de ler e recontar quatro histórias infantis de poucas linhas. Tais tarefas não foram aplicadas no pré-teste porque os participantes reconheciam apenas algumas letras do alfabeto.

2.3 Programa de intervenção em consciência fonológica

Nesta pesquisa foi organizado e aplicado um programa de intervenção misto composto por atividades para o desenvolvimento da consciência silábica e fonêmica, ensino dos nomes e sons das letras, e a leitura e escrita de palavras. Sendo realizadas 87 sessões individuais (12 de avaliação e 75 de intervenção), com duração aproximada de 40 minutos, duas vezes por semana, ao longo de um ano letivo, em turno contrário ao das aulas dos participantes.

As atividades foram propostas, selecionadas e adaptadas a partir dos programas de Capovilla (1999)CAPOVILLA, A.G.S. Leitura, escrita e consciência fonológica: desenvolvimento, intercorrelações e intervenções. 1999. Tese (Doutorado em Psicologia Experimental) - Instituto de Psicologia Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999., Bandini (2003)BANDINI, H.H.M. Um programa para a promoção de consciência fonológica em pré-escolares aplicado em sala de aula. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação Especial) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2003., Sás (2009)SÁS, R.M. Efeitos de um programa de remediação fonológica nas habilidades de leitura e escrita em alunos com Síndrome de Down. 2009. 130f. Dissertação (Mestrado em Educação Especial) - Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos , 2009., Carvalho (2010)CARVALHO, L. M. de M. Consciência fonológica e sucesso na aprendizagem da leitura e da escrita: melhor prevenir do que remediar. 2010. 320f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010., Burgoyne et al. (2012)BURGOYNE, K. et al. Efficacy of a reading and language intervention for children with Down syndrome: a randomized controlled trial. Jounal of Child Psychology and Psychiatry. v.53, n.10, p.1044-1053, 2012., e foram desenvolvidas com o apoio de material concreto e jogos pedagógicos (Quadro 1).

Quadro 1
Atividades desenvolvidas no programa de intervenção do presente estudo

Para aferição dos resultados obtidos e verificação dos efeitos do programa de intervenção aplicado, foi realizada a análise qualitativa do desempenho dos participantes nos testes aplicados (pré-teste, pós-teste 1 e 2); análise dos materiais produzidos pelos participantes e registros das sessões efetivadas pela pesquisadora.

3 Resultados e discussões

Os dados sócio-demográficos coletados por meio de entrevista realizada com as mães revelaram que todos os participantes iniciaram seus estudos na educação infantil entre 5 meses e 3 anos de idade, sendo que quatro deles transitaram entre os sistemas de ensino inclusivo e especializado, e um estudou exclusivamente em escola especializada. Os cinco participantes repetiram série nos primeiros anos do ensino fundamental e/ou na educação infantil. Assim, no início desta pesquisa todos frequentavam classes de alfabetização em nível de 1º ou 2º ano.

Com relação ao desempenho em vocabulário receptivo os escores obtidos pelos participantes com SD foram classificados de acordo com os parâmetros propostos no Teste de Vocabulário por Figuras TVfusp-139o (CAPOVILLA; SALIDO, 2011CAPOVILLA, F.C.; SALIDO, L.F.M. Validação desenvolvimental e normatização do TVfusp-139o para alunos de 1ª a 3ª série do ensino fundamental público com nível sócio-econômico médio-baixo a médio, e validação de critério por comparação por provas de processamento auditivo central (aspa e BBTPA: fala sob ruído, fala filtrada, dicótico de dígitos), compreensão auditiva (TCAS), consciência fonológica (PCFF-o, PCFO, PHF), leitura alfabética (TCLPP-o, TCLS-o), escrita sob ditado (Pesd-PP), e inteligência não verbal (TMP-Raven). In: CAPOVILLA, F. C. (Org.). Teste de vocabulário por figuras USP: normatizado para avaliar a compreensão auditiva de palavras dos 7 aos 10 anos. São Paulo: Memnon, 2011.) e comparados aos desempenhos médios obtidos por alunos sem SD de 1ª série ensino fundamental. Foi utilizado este parâmetro porque todos os participantes frequentavam o primeiro ou segundo ano do ensino fundamental durante a realização da pesquisa (Tabela 1).

Tabela 1
Números e percentuais de acertos apresentados pelos participantes no TVfusp – 139º, de Capovilla e Salido (2011)CAPOVILLA, F.C.; SALIDO, L.F.M. Validação desenvolvimental e normatização do TVfusp-139o para alunos de 1ª a 3ª série do ensino fundamental público com nível sócio-econômico médio-baixo a médio, e validação de critério por comparação por provas de processamento auditivo central (aspa e BBTPA: fala sob ruído, fala filtrada, dicótico de dígitos), compreensão auditiva (TCAS), consciência fonológica (PCFF-o, PCFO, PHF), leitura alfabética (TCLPP-o, TCLS-o), escrita sob ditado (Pesd-PP), e inteligência não verbal (TMP-Raven). In: CAPOVILLA, F. C. (Org.). Teste de vocabulário por figuras USP: normatizado para avaliar a compreensão auditiva de palavras dos 7 aos 10 anos. São Paulo: Memnon, 2011. em relação à média esperada para a 1ª série entre alunos sem a SD, no pré-teste, pós-teste 1 e pós-teste 2

As médias de desempenho apresentadas pelo grupo de 72,8 pontos no pré-teste (abaixo dos limites da classificação muito rebaixada - 78 a 86), de 83 pontos no pós-teste 1 (faixa muito rebaixada - 78 a 86), e de 93,4 pontos no pós-teste 2 (faixa rebaixada - 87 a 95) permitem inferir que, apesar dos participantes com SD apresentarem uma defasagem no vocabulário receptivo em relação a crianças sem a Síndrome com grau semelhante de escolaridade, todos tiveram avanços importantes neste quesito durante a intervenção.

No que se refere ao desenvolvimento da linguagem expressiva, observou-se que durante a realização do Teste de Vocabulário ABFW (BEFI-LOPES, 2004BEFI-LOPES, D.M. Vocabulário. In: ANDRADE, C.R.F de (Org.). ABFW - Teste de linguagem infantil: nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. 2.ed. Barueri: Pró-Fono, 2004.), os participantes reconheceram muitas figuras que não conseguiram nomear com vocábulos usuais (DVU), utilizando-se de termos alternativos ou gestos para designá-las (PS), tais como: levar a mão à boca (colher), fazer movimento de escovar os dentes (pasta de dente), gesto indicando para cima - fiiiuuu (foguete), "fazê ovo" (frigideira), "de jogá bola" (estádio), "de dormi" (pijama), "cuco" (passarinho), "guardá gute" (geladeira), "miojo" (macarrão), "luz" (abajur), "xixi" (privada), dentre outros. As médias de acertos obtidas do grupo (MO) nas designações por vocabulários usuais (DVU) e nos processos de substituição (PS) são descritos na Tabela 2.

Tabela 2
Médias de desempenho do grupo em DVU, PS e comparação com RN (6 anos de idade) por campo conceitual no Teste de Vocabulário - ABFW (BEFI-LOPES, 2004BEFI-LOPES, D.M. Vocabulário. In: ANDRADE, C.R.F de (Org.). ABFW - Teste de linguagem infantil: nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. 2.ed. Barueri: Pró-Fono, 2004.) no pré e pós-teste 1 e 2

Na comparação entre os resultados médios obtidos (MO) antes e após a intervenção, pode-se observar que, no pré-teste, o grupo pesquisado estava ligeiramente abaixo do referencial médio adotado (RN); e que, nos pós-teste 1 e 2, apresentou maior média de pontuação nas designações por vocábulos usuais (DVU) e empregou menos processos de substituição (PS) que o grupo de referência. Estes resultados indicam que o grupo com SD ampliou seu vocabulário expressivo e passou a recorrer menos aos processos de substituição como gestos, mímicas ou descrição da função do objeto.

Destaca-se que, nesta pesquisa, adotou-se como referência de linguagem expressiva o nível de desempenho correspondente a seis anos de idade para as crianças com desenvolvimento típico. Esta decisão se deve ao fato dos participantes deste estudo, alunos com SD, estarem cursando anos iniciais do ensino fundamental, ou seja, comparou-se com o vocabulário de crianças de um período próximo de escolaridade.

Com relação à nomeação das letras do alfabeto e reconhecimento dos seus sons, observou-se que, no início desta pesquisa, todos os participantes conheciam parte das letras. Para investigar quantas e quais letras cada um conhecia, foram aplicadas duas provas: na primeira os participantes nomearam as letras apresentadas aleatoriamente e na segunda identificaram as letras que representavam os sons produzidos pela examinadora (Tabela 3).

Tabela 3
Números e percentuais de acertos dos participantes na prova de reconhecimento dos nomes e sons das letras no pré e pós-teste 1 e 2

Quanto à nomeação das letras, no pré-teste, todos participantes nomearam as vogais e algumas consoantes, sobretudo aquelas que iniciavam seus próprios nomes ou de familiares, de personagens e palavras que haviam decorado. As letras identificadas foram: A, B, E, I, L, M, O, R, U (João); A, B, E, I, L, O, P, R, S, U (Paulo); A, B, C, D, E, F, I, L, M, O, P, R, S, U (Ana); A, B, C, E, F, I, L, M, O, P, R, S, U, V (Maria); A, E, I, O, U (Marcos). Nos pós-testes 1 e 2, todos nomearam corretamente as 26 (100%) letras do alfabeto.

Na tarefa de reconhecimento dos sons das letras, o número de acertos no pré-teste foi mais baixo ficando entre 5 (20%) e 14 (56%). Os participantes identificaram os sons referentes às seguintes letras: A, B, E, I, O, S, U (João); A, B, E, I, L, O, R, S, U, Z (Paulo); A, B, E, F, I, L, M, O, P, R, S, U, V, Z (Ana); A, B, E, I, L, M, O, R, S, U, Z (Maria); A, E, I, O, U (Marcos). No pós-teste 1, duas participantes não conseguiram diferenciar corretamente as letras surdas e sonoras, "F/V" (Maria) e "D/T" (Ana), apresentando estas trocas também na escrita. No pós-teste 2, todos os participantes associaram corretamente os sons às letras.

Os resultados obtidos na Prova de Consciência Fonológica CONFIAS (MOOJEN et al., 2004) mostraram que, após a intervenção, os cinco participantes tiveram ganhos importantes na maioria das tarefas, sendo observados melhores resultados naquelas que avaliaram a consciência silábica. O avanço no desempenho médio do grupo foi de 11,2 (15,99%) no pré-teste, para 29,8 (42,56%) no pós-teste 1, e 46,2 (66%) no pós-teste 2 (Tabela 4).

Tabela 4
Desempenhos gerais dos participantes na prova de consciência fonológica ao nível da sílaba e do fonema no pré-teste e pós-teste 1 e 2

O teste CONFIAS foi aplicado com o auxílio de figuras e repetiu-se uma vez as palavras quando solicitado pelo avaliando, pontuando-se na segunda resposta. Os participantes tiveram mais facilidade em identificar os segmentos maiores da fala (sílabas).

Quanto à prova de leitura, no pré-teste os participantes identificaram parte das letras ou sílabas e também a palavra 'bola' que haviam memorizado, mas não conseguiram usar esse conhecimento para ler outras palavras (ex. BEBIDA), da mesma forma que pronunciar "GA do GATO", não auxiliou a leitura de GALINHA, nem o "SA do SAPO" a decodificação da pseudopalavra de SALIZ. Ou seja, antes da intervenção os alunos identificaram algumas letras e sílabas, mas não detinham conhecimentos suficientes sobre a correspondência fonema-grafema para decodificar palavras desconhecidas por eles.

No pós-teste 1, os participantes realizaram a leitura de quase todas as palavras, porém, de maneira fragmentada em sílabas, pois ainda não realizavam plenamente o reconhecimento imediato (lexical) das palavras e algumas vezes liam a primeira sílaba e tentavam adivinhar o restante da palavra. Assim, quando o aluno lia a palavra, sílaba por sílaba (em pedaços) a pesquisadora sempre solicitava que ele repetisse "tudo junto", ou seja, a palavra inteira, por ex., quando o aluno pronunciava /TI/+/G/+/E/=/GE/+/LA/, precisava dizer a palavra /TIGELA/. Pois em algumas situações os participantes soletravam letras e/ou sílabas e pronunciava uma palavra sem relação com as sílabas identificadas, por exemplo, tentando ler CRIANÇA, João falou: /CE/ (nome da letra), /K/(som da letra) /RI/ /NA/ (inverteu AN), /MENINA/ (referindo-se à figura). Em outras situações, o erro não mudava totalmente a palavra, mas parte da sua pronúncia, por exemplo, a leitura de FLORIDO como /FOLORIDO/.

Durante a realização do pós-teste 1, os participantes concentraram-se nas grafias das palavras e, na maioria das vezes, não recorreram às figuras para "adivinhar" as pronúncias. Os erros cometidos estavam relacionados principalmente ao desconhecimento das regras ortográficas (ex. ÇU lido como /KU/, ou CHU como /SU/); às dificuldades na discriminação de sílabas compostas por padrões diferentes de consoante-vogal CV (ex. consoante-consoante-vogal CCV - CRIANÇA); e à pronúncia dos segmentos nasalizados Vogal-consoante VC como /AN/ de forma invertida /NA/.

No pós-teste 2, os participantes estabeleceram clara relação entre os sons da pronúncia e a escrita das palavras, revelando uma tendência à decodificação de maneira mais automatizada, três participantes atingiram os 100% de acerto na prova de leitura, um obteve 94,44% e outro 91,66% (Tabela 5).

Tabela 5
Resultados gerais da prova de leitura de palavras e pseudopalavras, no pré-teste, pós-teste 1 e pós-teste 2

As diferenças observadas na leitura entre o pós-teste 1 (com base na soletração) e pós-teste 2 (com tendência à automatização) foi principalmente qualitativa. Dentre as palavras lidas corretamente nos dois momentos, a média de pontuação foi mais alta na leitura de palavras regulares, em que as cada letra representa um único som. Nas palavras regra, onde as relações entre sons e letras dependem de regras de posição e nas irregulares em que as relações letra-som são estabelecidas arbitrariamente a pontuação foi mais baixa nos pós-testes 1 e 2. Porém, pode-se inferir que a mediação fonológica auxiliou a leitura das palavras regra e irregulares que também foram lidas com relativo sucesso (GUIMARÃES, 2005GUIMARÃES, S.R.K. Aprendizagem da leitura e da escrita: o papel das habilidades metalinguísticas. São Paulo: Vetor, 2005.).

A maioria dos erros cometidos na leitura de palavras ocorreu por troca de letras (PESICA, MEPAKÃO), pronúncia do nome da letra em lugar do seu som (CERIANKA), inversões de letras (CRINAÇA), acréscimos (PESECA) ou exclusões (FORIDO).

Após o término da intervenção, foi solicitado aos alunos que lessem 20 frases uma por vez e apontassem uma entre quatro figuras que a representasse. Todos os participantes conseguiram ler em voz alta as 20 frases e associá-las às suas respectivas figuras, sendo observadas algumas pequenas dificuldades na decodificação, tais como: MORAN/JO/- (MORANGO) - /MU/ - (UM) - /JO/TO - (GOSTO), SE/TÁ - (ESTÁ) - /SO/VETE - (SORVETE) - /FO/TE (FORTE) - CA/DE/RA - (CADEIRA). Porém, as inversões e exclusões citadas não prejudicaram o entendimento da mensagem escrita como um todo.

Os participantes também foram convidados a ler em voz alta quatro pequenos textos de livros infantis e de alfabetização e na sequência contar sobre o conteúdo do livro. Todos conseguiram ler os textos propostos com a ajuda da pesquisadora que forneceu feedback corretivo sempre que necessário. Maria, Ana e Paulo conseguiram falar sobre os textos, João e Marcos tiveram mais dificuldades na decodificação das palavras não familiares que foram lidas de forma fragmentada, e também no reconto das histórias.

Ressalta-se que esta pesquisa foi direcionada para a aprendizagem inicial da leitura e escrita de palavras. A interpretação de textos não foi alvo da investigação, os textos foram apresentados aos participantes de forma complementar para se observar a capacidade de decodificação dos mesmos. Ainda assim, os resultados mostraram que a intervenção baseada no desenvolvimento da consciência fonológica contribuiu para capacidade de decodificação e compreensão da escrita contextualizada.

No que se refere ao desenvolvimento da escrita, os resultados obtidos mostraram que os cinco participantes tiveram avanços significativos ao longo do estudo, passando de uma média de acertos de 2,2 (4,67%) no pré-teste, para 27,2 (57,86%) no pós-teste 1 e 37,8 (80,42%) no pós-teste, conforme mostra a Tabela 6.

Tabela 6
Os desempenhos na prova de escrita de palavras e pseudopalavras no pré-teste e pós-teste 1 e 2

No pré-teste, todos os participantes tiveram dificuldades importantes em estabelecer relações entre os sons e as letras. A estratégia mais utilizada para diferenciar as escritas das palavras foi a de variar a posição e a quantidade de letras ou acrescentar números nas tentativas de escrita, ex. /FLORIDO/ = /ARO85/; /BEBIDA/ - /54S/. Segundo Ehri (2013)EHRI, L.C. O desenvolvimento da leitura imediata de palavras: fases e estudos. In: SNOWLING, M.J.; HULME, C. (Org.). A ciência da leitura. Trad. Ronaldo Castaldo Costa, Porto Alegre: Penso, 2013., as crianças precisam desenvolver certo conhecimento dos nomes e sons das letras e de segmentação fonêmica para formar representações das palavras na memória. Assim, leitores pré-alfabéticos, que ainda não estabeleceram relações claras entre os fonemas e os grafemas, muitas vezes utilizam marcas e sinais diferentes como formas alternativas de diferenciar os registros escritos.

Como os participantes ainda não haviam estabelecido claras relações entre fonemas e grafemas antes do início do estudo, no pré-teste, todos registraram algumas letras ou sílabas conhecidas, como por ex. /BO/ para /BOLA/, mas nenhum deles conseguiu transferir esta informação para decodificar outras palavras como para escrever /B/ de /BEBIDA/. Como foram as informações visuoespaciais (não relacionadas ao som) que prevaleceram nas tentativas de escrita os participantes não conseguiram generalizar o conhecimento sobre o uso das mesmas letras em diferentes palavras. O que se observa, segundo Alegria, Leybaert e Mousty (1997)ALEGRIA, J.; LEYBAERT, J.; MOUSTY, P. Aquisição da leitura e distúrbios associados: avaliação, tratamento e teoria. In: GREGÓIRE, J.; PIÉRAT, B. (Org.). Avaliação dos problemas de leitura: os novos modelos teóricos e suas implicações diagnósticas. Trad. Maria Regina Borges Osório. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. é o efeito de familiaridade das palavras, onde a criança só reconhece a palavra ou parte delas que memorizou visualmente. Para Ehri (2013)EHRI, L.C. O desenvolvimento da leitura imediata de palavras: fases e estudos. In: SNOWLING, M.J.; HULME, C. (Org.). A ciência da leitura. Trad. Ronaldo Castaldo Costa, Porto Alegre: Penso, 2013., esse tipo de relação é arbitrária, não sistematizada, e pode ser aprendida por repetição. Assim, memorizar e reproduzir uma palavra BOLA ou parte dela (BO) não auxiliou os sujeitos da pesquisa a produzir outras palavras como, por exemplo, BEBIDA.

Os resultados obtidos no pré-teste de escrita permitem considerar que todos os participantes no início da intervenção encontravam-se na fase descrita por Ehri (2013)EHRI, L.C. O desenvolvimento da leitura imediata de palavras: fases e estudos. In: SNOWLING, M.J.; HULME, C. (Org.). A ciência da leitura. Trad. Ronaldo Castaldo Costa, Porto Alegre: Penso, 2013. como pré-alfabética, caracterizada pelo uso de pistas contextuais ou visuográficas para a leitura. As características contextuais estão fora das palavras, como figuras que representam seus significados, enquanto as visuográficas estão associadas às características das palavras, como o tamanho ou o formato das letras. Esta autora propôs a teoria do desenvolvimento da escrita em quatro fases, pré-alfabética, alfabética parcial, alfabética plena e alfabética consolidada.

No pós-teste 1, os avanços obtidos por todos os participantes na escrita de palavras caracterizaram-se principalmente pela tentativa de estabelecer relações entre fonemas e grafemas para escrever as palavras e pseudopalavras que foram ditadas, fato que resultou num significativo aumento no número de escritas corretas. Esta preocupação também pode ser observada nos erros cometidos por transcrição da pronúncia das palavras, tais como: MAMAI, TIGLA, XUFA, PEXCA, CRIÃOSA, SUVA, TILELA, BEBICA. Também os erros ortográficos cometidos nas tentativas de escrita de palavras regra e irregulares (que requerem o conhecimento de regras e/ou de convenções ortográficas) demonstram o esforço empreendido pelo grupo para registrar as palavras com base na correspondência entre os sons e as letras, ex.: ASUDE, MEPASÃO, PASARO.

O pós-teste 1 revelou ainda que os participantes perceberam que os mesmos sons/letras se repetem para compor diferentes palavras, por exemplo, quando João usou B para BOLA/BEIDA, Paulo o G para GALIA/GAVINA, Maria o M para MAMI/MEPANHA, Ana o P em PEXCA/PASARO, e Marcos o B para BOLA/BIDA

Como a capacidade de identificar os sons e estabelecer relações fonema-grafema não estavam completamente desenvolvidas após as primeiras 40 sessões, no pré-teste 1 as palavras que ofereceram mais possibilidades de acerto foram as que apresentaram sílabas no padrão consoante-vogal - CV - BOLA, BEBIDA, TIGELA. As com outros padrões ofereceram maiores dificuldades, como consoante-consoante-vogal - CCV - FLORIDO, consoante-vogal-consoante - CVC - PESCA, dígrafos - GALINHA, consoante-vogal-vogal, CVV - RECEITA. Também foram observadas omissões como: BE_IDA, F_ORIDO, C_I_NSA, PE_CA, trocas de letras surdas por sonoras e vice-versa: B/P, T/D, V/F - XUFA, BASARO, TALE, e inversão de letras: GAILDA.

Estes resultados sugerem que após as primeiras 40 sessões de intervenção, os participantes passaram para a fase alfabética parcial de desenvolvimento da leitura de palavras, que surge segundo Ehri (2013, p. 161)EHRI, L.C. O desenvolvimento da leitura imediata de palavras: fases e estudos. In: SNOWLING, M.J.; HULME, C. (Org.). A ciência da leitura. Trad. Ronaldo Castaldo Costa, Porto Alegre: Penso, 2013. "[...] quando as crianças conseguem usar os valores sonoros de algumas letras para formar conexões entre grafias e pronúncias para lembrar como ler as palavras." Como nesta fase, as conexões são parciais, as crianças geralmente usam as letras mais salientes ou que conseguem relacionar à pronúncia da palavra ignorando letras intermediárias ou partes da palavra, como fez João ao registrar GAIA - GALINHA, Marcos ao escrever BIDA - BEBIDA, e Maria TILA - TIGELA.

No pós-teste 2, o grupo manteve maior percentual de acertos no registro das palavras regulares (65%) formadas por sílabas com padrão CV. As que ofereceram maiores desafios, as sílabas com padrão CCV nas palavras com encontros consonantais onde as crianças tinham de identificar dois sons representados por duas letras como CR, BR, PL, GL; as com padrão CVC com R ou S no final da sílaba, ex. PAR, GOS; e os dígrafos, ex. AN, AM, onde os alunos tinham que identificar que alguns fonemas são representados por mais de uma letra.

Quando comparados os desempenhos na escrita nos três momentos da coleta de dados (pré-teste e pós-testes 1 e 2), observa-se que houve um aumento importante no número de sílabas grafadas corretamente no decorrer do estudo, indicando que as sessões de intervenção foram eficazes para a aprendizagem da escrita em alunos com SD.

Tendo em vista que os erros de escrita apresentados pelos alunos ao final da pesquisa foram erros de regularização ou desconhecimento da ortografia regida por regras ou mesmo convenções, acredita-se ser possível afirmar que todos os participantes adquiriram o princípio alfabético e alcançaram a terceira fase proposta por Ehri (2013)EHRI, L.C. O desenvolvimento da leitura imediata de palavras: fases e estudos. In: SNOWLING, M.J.; HULME, C. (Org.). A ciência da leitura. Trad. Ronaldo Castaldo Costa, Porto Alegre: Penso, 2013., ou seja, na fase alfabética plena, quando "[...] os iniciantes adquirem habilidade de decodificação e conhecimento grafofonêmico, usados para conectar as ortografias plenamente com suas pronúncias na memória" (EHRI, 2013EHRI, L.C. O desenvolvimento da leitura imediata de palavras: fases e estudos. In: SNOWLING, M.J.; HULME, C. (Org.). A ciência da leitura. Trad. Ronaldo Castaldo Costa, Porto Alegre: Penso, 2013., p.164).

Os erros regularização na escrita ocorreram devido ao fato de que com o treino os participantes começaram a focalizar os sons da fala e a identificar os fonemas nas palavras, a partir daí passaram a estabelecer conexões entre fonemas e grafemas para grafar as palavras. Isto os levou a trocas em palavras regra ou irregulares onde não havia uma relação biunívoca entre fonemas e grafemas (OMSA - MOXILA e ESTOGO).

Ao longo da aplicação do programa de intervenção, o contato com a escrita, o ensino explícito das relações entre os fonemas e grafemas e a prática de refletir sobre as grafias dos constituintes sonoros da pronúncia proporcionou a evolução da escrita e a diminuição dos erros ortográficos, por exemplo, na sessão 43 Ana escreveu: ELEFENTE - MORSERO - OMSA, já na sessão 72 registrou: ELEFANTE - MORCEGO - ONÇA.

Após a finalização do programa de intervenção, novas conquistas foram alcançadas com relação à escrita correta das palavras: GALINHA, FLORIDO, MAMÃE, RECEITA e CRIANÇA, com destaque para a grafia adequada dos dígrafos nas palavras GALINHA e PÁSSARO (Maria e Ana). Além disso, também se registra o uso adequado dos acentos nas palavras PÁSSARO (Maria e Ana), MAMÃE (Paulo, Ana e Marcos), DALÉ e MEPAÇÃO (pseudopalavras grafadas corretamente por todos). Maria e Ana também começaram a escrever pequenas mensagens manifestando seus pensamentos e demonstrando que o ensino explícito das relações entre fonemas e grafemas contribuiu para o uso funcional da escrita. No final do estudo (sessão 75) Maria escreveu: "PAPAI NOL - EU QERO GANHA UMA MICILETA E UMA PATINETE. BEIZO". E Ana: "PARA O PAPI NOEL. ELU QERO GANA NO NATAL 1 CADERNO DO CARROSSEL E CADERNO DE ESCREVE".

O nível de desenvolvimento da escrita alcançado pelos participantes - fase alfabética plena - possibilita a decodificação na leitura e a codificação na escrita, o que vai gradativamente possibilitar o armazenamento das palavras e, consequentemente, uma automatização e velocidade na leitura, bem como maior capacidade de produção da escrita. Os rudimentos deste desenvolvimento que está por vir pode ser vislumbrado nas escritas espontâneas realizadas por Maria e Ana no final do processo de intervenção. Acredita-se que os progressos alcançados testemunham as possibilidades de aprendizagem dos alunos com SD, tendo em vista a demonstração de que superaram as dificuldades do início da alfabetização e entraram no "mundo da escrita", no sentido que passaram a ler e escrever de forma a receber e transmitir informações.

4 Conclusões

O delineamento da pesquisa teve como suporte estudos da área da psicologia cognitiva que já produziram um número expressivo de evidências empíricas sobre a importância das habilidades metalinguísticas, sobretudo as de consciência fonológicas, para a aprendizagem da linguagem escrita (MALUF; ZANELLA; PAGNEZ, 2006MALUF, M.R.; ZANELLA, M.S.; PAGNEZ, K.S.M.M. Habilidades metalinguísticas e linguagem escrita nas pesquisas brasileiras. Boletim de Psicologia, v. 56, n.124, p.67-92, 2006.; NAZARI, 2010NAZARI, G.T. Panorama de pesquisas sobre consciência fonológica de crianças com desenvolvimento normal realizadas no Brasil 1991 até 2009. 2010. 177f. Dissertação (Mestrado em Letras/Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.).

No que se refere à aprendizagem de crianças e adolescentes com SD, estudos estrangeiros também têm mostrado a existência de relações positivas entre o desenvolvimento da consciência fonológica e a aquisição da leitura. Porém, tais estudos são pouco frequentes e não há consenso sobre a natureza das relações estabelecidas entre estas áreas nos sujeitos com a Síndrome, supõe-se que sejam de reciprocidade (LEMOS; FUCHS, 2010LEMONS, C.J.; FUCHS, D. Phonological awareness of children with Down syndrome: Its role learning to read and the effectiveness of related interventions. Elsevier Research in Developmental Disabilities, v.31, p.316-330, 2010.).

No Brasil, os estudos de intervenção sobre a aplicação de programas de consciência fonológica a alunos com SD são raros, porém, Sás (2009)SÁS, R.M. Efeitos de um programa de remediação fonológica nas habilidades de leitura e escrita em alunos com Síndrome de Down. 2009. 130f. Dissertação (Mestrado em Educação Especial) - Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos , 2009. demonstrou que esta prática pode auxiliar o aprimoramento da leitura e escrita nestes alunos mesmo aqueles que se encontram na fase de escrita alfabética.

Nesta perspectiva, o objetivo principal desta pesquisa foi o de planejar, aplicar e avaliar os resultados produzidos pela implementação de um programa de intervenção que englobou o ensino explícito dos nomes e sons das letras do alfabeto associado ao treinamento de habilidades de CF com vistas à aprendizagem da leitura e da escrita, em crianças e adolescentes com SD que estavam iniciando o processo de alfabetização. Os resultados obtidos permitem inferir que o ensino explícito dos nomes e sons das letras, associado ao treinamento de habilidades de consciência fonológica, desempenharam um papel especialmente importante na aprendizagem inicial da linguagem escrita nos participantes - alunos com SD. Isto ficou evidenciado no desenvolvimento paralelo na capacidade de leitura, de escrita e de segmentação fonêmica, apresentado pelos alunos. Destaca-se que, os alunos com melhor desempenho em tarefas de consciência fonêmica foram os que obtiveram melhores resultados na leitura de palavras e pseudopalavras.

O desempenho em vocabulário receptivo e expressivo também melhorou ao longo da intervenção, porém, os resultados iniciais em vocabulário não foram preditivos do desempenho final em leitura e em escrita. Estes resultados sugerem que, independentemente do domínio inicial do vocabulário, para os alunos com SD que participaram deste estudo, o ensino explícito do nome e sons das letras, associado ao desenvolvimento da consciência fonológica, foi eficaz para a aprendizagem da leitura e da escrita.

Em síntese, os resultados obtidos nesta pesquisa corroboram os achados de estudos de intervenção em língua inglesa descritos por Lemons e Fuchs (2010)LEMONS, C.J.; FUCHS, D. Phonological awareness of children with Down syndrome: Its role learning to read and the effectiveness of related interventions. Elsevier Research in Developmental Disabilities, v.31, p.316-330, 2010., na medida em que tornam possível a verificação do impacto positivo do treinamento das habilidades metafonológicas sobre a aprendizagem da linguagem escrita em crianças e adolescentes com SD. Porém, estes resultados precisam ser interpretados com cautela devido a algumas limitações do estudo. Dentre as quais, o pequeno número de participantes e a ausência de grupo de controle que permitisse a comparação do desempenho em leitura e escrita mediante procedimentos de ensino alternativos.

Além disso, salienta-se que este estudo oferece uma resposta educativa concreta às dificuldades na alfabetização dos alunos com SD, na medida em que verificou que os problemas destes alunos não são qualitativamente diferentes daqueles apresentados por estudantes com desenvolvimento típico, ou seja, embora os alunos com SD demandem um tempo maior de ensino e adaptação de algumas atividades as estratégias de aprendizagem da leitura por eles empregadas não são diferentes das utilizadas pelos demais alunos.

Referências

  • ALEGRIA, J.; LEYBAERT, J.; MOUSTY, P. Aquisição da leitura e distúrbios associados: avaliação, tratamento e teoria. In: GREGÓIRE, J.; PIÉRAT, B. (Org.). Avaliação dos problemas de leitura: os novos modelos teóricos e suas implicações diagnósticas. Trad. Maria Regina Borges Osório. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
  • BANDINI, H.H.M. Um programa para a promoção de consciência fonológica em pré-escolares aplicado em sala de aula 2003. Dissertação (Mestrado em Educação Especial) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2003.
  • BARBY, A.A de O. M. Desenvolvimento de habilidades metafonológicas e aprendizagem da leitura e escrita em alunos com síndrome de Down 2013. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013.
  • BARBY, A.A de O. M.; GUIMARÃES, S.K. Consciência fonológica e aprendizagem da linguagem escrita em crianças com Síndrome de Down nas pesquisas brasileiras. Revista Educação Especial, Santa Maria, v.26, n.46, p.293-306, 2003.
  • BAYLIS, P.; SNOWLING, M.J. Evaluation of a phonological reading programme for children with Down syndrome. Child Language Teaching and Therapy, v.28, n.1, p.39-56, 2012.
  • BEFI-LOPES, D.M. Vocabulário. In: ANDRADE, C.R.F de (Org.). ABFW - Teste de linguagem infantil: nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. 2.ed. Barueri: Pró-Fono, 2004.
  • BRASIL. Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados. Relatório final do grupo de trabalho Alfabetização Infantil: os novos caminhos. 2 ed. Brasília, DF, 2007. Disponível em: ">file:///C:/Users/HP/Downloads/grupo_alfabetizacao_infantil_educacao_cultura%20(2).pdf Acesso em: 23 maio 2016.
    » » ///C:/Users/HP/Downloads/grupo_alfabetizacao_infantil_educacao_cultura%20(2).pdf
  • BURGOYNE, K. et al. Efficacy of a reading and language intervention for children with Down syndrome: a randomized controlled trial. Jounal of Child Psychology and Psychiatry v.53, n.10, p.1044-1053, 2012.
  • CAPOVILLA, A.G.S. Leitura, escrita e consciência fonológica: desenvolvimento, intercorrelações e intervenções. 1999. Tese (Doutorado em Psicologia Experimental) - Instituto de Psicologia Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
  • CAPOVILLA, F.C.; SALIDO, L.F.M. Validação desenvolvimental e normatização do TVfusp-139o para alunos de 1ª a 3ª série do ensino fundamental público com nível sócio-econômico médio-baixo a médio, e validação de critério por comparação por provas de processamento auditivo central (aspa e BBTPA: fala sob ruído, fala filtrada, dicótico de dígitos), compreensão auditiva (TCAS), consciência fonológica (PCFF-o, PCFO, PHF), leitura alfabética (TCLPP-o, TCLS-o), escrita sob ditado (Pesd-PP), e inteligência não verbal (TMP-Raven). In: CAPOVILLA, F. C. (Org.). Teste de vocabulário por figuras USP: normatizado para avaliar a compreensão auditiva de palavras dos 7 aos 10 anos. São Paulo: Memnon, 2011.
  • CARDOSO-MARTINS, C.; SILVA, J.R. da. A relação entre processamento fonológico e a habilidade de leitura: evidência da Síndrome de Down e da Síndrome de Williams. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v.21, n.1, p.151-159, 2008.
  • CARDOSO-MARTINS, C.; FRITH, U. Consciência fonológica e habilidade de leitura na Síndrome de Down. Psicologia: Reflexão Crítica, v.12, p.209-223, 1999.
  • CARVALHO, L. M. de M. Consciência fonológica e sucesso na aprendizagem da leitura e da escrita: melhor prevenir do que remediar. 2010. 320f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010.
  • COLOGON, K.; CUPPLES, L.; WYVER, S. Effects of targeted reading instruction on phonological awareness and phonic decoding in children with Down syndrome. American Association on Intellectual and Developmental Disabilities, v.116, n.2, p.111-129, 2011.
  • EHRI, L.C. O desenvolvimento da leitura imediata de palavras: fases e estudos. In: SNOWLING, M.J.; HULME, C. (Org.). A ciência da leitura Trad. Ronaldo Castaldo Costa, Porto Alegre: Penso, 2013.
  • ELLIS, A.W. Leitura, escrita e dislexia: uma análise cognitiva. 2. ed. tradução de Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
  • FRITH, U. Beneath the surface of developmental dyslexia. In: PATTERSON, K.; COLTHEART, M.; MARSHALL, J. C. (Org.). Surface dyslexia: neuropsychological and cognitive studies of phonological reading. London: Lawrence E. Associates, 1985.
  • GOETZ, K. et al. Training reading and phoneme awareness skills in children with Down syndrome. Reading and Writing, v.21, p.395-412, 2008.
  • GOMBERT, J.E. Atividades metalinguísticas e aprendizagem da leitura. In: MALUF, M.R. (Org.). Metalinguagem e aquisição da escrita: contribuições da pesquisa para a prática da alfabetização. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
  • GUIMARÃES, S.R.K. Aprendizagem da leitura e da escrita: o papel das habilidades metalinguísticas. São Paulo: Vetor, 2005.
  • LARA, T. de M.C.; TRINDADE, S.H. de R.; NEMR, K. Desempenho de indivíduos com síndrome de Down nos testes de consciência fonológica aplicados com e sem apoio visual de figuras. Revista CEFAC, São Paulo, v.9, n.2, p.164-73, 2007.
  • LAVRA-PINTO, B. Avaliação da consciência fonológica em crianças com síndrome de Down 2009. 166f. Dissertação (Mestrado em Letras/Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.
  • LEMONS, C.J.; FUCHS, D. Phonological awareness of children with Down syndrome: Its role learning to read and the effectiveness of related interventions. Elsevier Research in Developmental Disabilities, v.31, p.316-330, 2010.
  • LUZ, R.H. A escola e a alfabetização no Brasil, um olhar histórico. Revista Portuguesa de Pedagogia, v.43, n.1, p.189-204, 2009.
  • MALUF, M.R. Metalinguagem e aquisição da escrita: contribuições da pesquisa para a prática da alfabetização. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
  • MALUF, M.R.; ZANELLA, M.S.; PAGNEZ, K.S.M.M. Habilidades metalinguísticas e linguagem escrita nas pesquisas brasileiras. Boletim de Psicologia, v. 56, n.124, p.67-92, 2006.
  • MOOJEN, S. et al. CONFIAS - consciência fonológica: instrumento de avaliação sequencial. Ed. rev. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
  • MOUSSATCHÉ, A.H. Alfabetização e consciência fonológica: um estudo de intervenção com jovens pré-leitores portadores de síndrome de Down. 2002. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002
  • NAZARI, G.T. Panorama de pesquisas sobre consciência fonológica de crianças com desenvolvimento normal realizadas no Brasil 1991 até 2009 2010. 177f. Dissertação (Mestrado em Letras/Linguística Aplicada) - Faculdade de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
  • PINHEIRO, A.M.V. Leitura e escrita: uma abordagem cognitiva. Campinas: Psy, 1994.
  • SÁS, R.M. Efeitos de um programa de remediação fonológica nas habilidades de leitura e escrita em alunos com Síndrome de Down 2009. 130f. Dissertação (Mestrado em Educação Especial) - Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos , 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    08 Jun 2015
  • Revisado
    28 Maio 2016
  • Aceito
    31 Maio 2016
Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial - ABPEE Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01 Vargem Limpa, CEP: 17033-360 - Bauru, SP, Tel.: 14 - 3402-1366 - Bauru - SP - Brazil
E-mail: revista.rbee@gmail.com