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Concepções de professores da educação especial (APAEs) sobre a aprendizagem e desenvolvimento do aluno com deficiência intelectual: um estudo a partir da teoria vigotskiana

Teachers' conceptions of special education (APAEs) on learning and development of students with intellectual disabilities: a study based on Vygotsky

Resumos

O presente estudo teve por objetivo identificar concepções de professores que atuam na educação especial sobre a aprendizagem e desenvolvimento de alunos com deficiência intelectual, buscando averiguar como estes compreendem esse processo, bem como suas percepções sobre o papel da mediação na aprendizagem. Foi desenvolvido em duas escolas de Educação Básica na modalidade de Educação Especial para deficiente intelectual (Associação de pais e amigos dos excepcionais) localizadas no Interior do Estado do Paraná. O estudo contou com a participação de oito professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental, sendo quatro de cada escola. Os dados foram coletados mediante a técnica de entrevista semiestruturada. Estes foram analisados a partir da análise de conteúdo. Os principais resultados permitiram compreender que para as participantes da pesquisa a aprendizagem e desenvolvimento do aluno com deficiência ocorre de forma lenta, justificado pela limitação deste, e que a mediação docente não é vista como de fundamental importância para o aprendizado e desenvolvimento do mesmo. Estes resultados apontam para o fato destes professores estarem desenvolvendo sua prática pedagógica ancorada numa visão segregacionista do aluno com deficiência, com concepções reducionistas, enfatizando as limitações em detrimento das potencialidades. Dessa forma, é essencial um repensar sobre a deficiência e a educação escolar que vem sendo ofertada ao aluno com deficiência intelectual.

Educação Especial; Aprendizagem; Mediação docente; Deficiência intelectual


The present study aimed to identify conceptions of teachers who work in special education about learning and development of students with intellectual disabilities, seeking to ascertain how they comprehend this process, as well as their perceptions about the role of mediation in learning. The study was carried out in two Basic Education Special Education modality schools for students with intellectual disability (APAEs - Association of Parents and Friends of the Exceptional) located in the interior of the State of Paraná. The study involved the participation of eight teachers of the lower elementary grades, with four participants from each school. Data were collected using a semi-structured interview technique. The data were analyzed through content analysis. The main results showed that the research participants conceived that learning and development of students with disabilities occurs very slowly, which is to be expected because of their intellectual limitations. Furthermore, they considered that teacher mediation was not essentially significant to the student's learning and development. These results point to the fact that these teachers have developed a practice that is anchored on a segregationist view of students with disabilities, with reductionist conceptions that emphasize limitations at the expense of potential. For this reason, it is critical to rethink disability and schooling that is being offered to students with intellectual disabilities.

Special Education; Learning; Teaching Mediation; Intellectual Disability


RELATO DE PESQUISA

Concepções de professores da educação especial (APAEs) sobre a aprendizagem e desenvolvimento do aluno com deficiência intelectual: um estudo a partir da teoria vigotskiana1 1 Texto organizado a partir da pesquisa realizada para elaboração da dissertação de mestrado em Psicologia, defendida em 2014, do Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Maringá-PR.

Teachers' conceptions of special education (APAEs) on learning and development of students with intellectual disabilities: a study based on Vygotsky

Waléria Henrique dos Santos LeonelI; Nilza Sanches Tessaro LeonardoII

IMestranda pelo Programa de Pós- Graduação Mestrado em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá, Maringá, Paraná, Brasil. waleriahleonel@hotmail.com IIDoutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Maringá, Paraná, Brasil. nstessaro@uem.br

RESUMO

O presente estudo teve por objetivo identificar concepções de professores que atuam na educação especial sobre a aprendizagem e desenvolvimento de alunos com deficiência intelectual, buscando averiguar como estes compreendem esse processo, bem como suas percepções sobre o papel da mediação na aprendizagem. Foi desenvolvido em duas escolas de Educação Básica na modalidade de Educação Especial para deficiente intelectual (Associação de pais e amigos dos excepcionais) localizadas no Interior do Estado do Paraná. O estudo contou com a participação de oito professoras das séries iniciais do Ensino Fundamental, sendo quatro de cada escola. Os dados foram coletados mediante a técnica de entrevista semiestruturada. Estes foram analisados a partir da análise de conteúdo. Os principais resultados permitiram compreender que para as participantes da pesquisa a aprendizagem e desenvolvimento do aluno com deficiência ocorre de forma lenta, justificado pela limitação deste, e que a mediação docente não é vista como de fundamental importância para o aprendizado e desenvolvimento do mesmo. Estes resultados apontam para o fato destes professores estarem desenvolvendo sua prática pedagógica ancorada numa visão segregacionista do aluno com deficiência, com concepções reducionistas, enfatizando as limitações em detrimento das potencialidades. Dessa forma, é essencial um repensar sobre a deficiência e a educação escolar que vem sendo ofertada ao aluno com deficiência intelectual.

Palavras-Chaves: Educação Especial. Aprendizagem. Mediação docente. Deficiência intelectual.

ABSTRACT

The present study aimed to identify conceptions of teachers who work in special education about learning and development of students with intellectual disabilities, seeking to ascertain how they comprehend this process, as well as their perceptions about the role of mediation in learning. The study was carried out in two Basic Education Special Education modality schools for students with intellectual disability (APAEs - Association of Parents and Friends of the Exceptional) located in the interior of the State of Paraná. The study involved the participation of eight teachers of the lower elementary grades, with four participants from each school. Data were collected using a semi-structured interview technique. The data were analyzed through content analysis. The main results showed that the research participants conceived that learning and development of students with disabilities occurs very slowly, which is to be expected because of their intellectual limitations. Furthermore, they considered that teacher mediation was not essentially significant to the student's learning and development. These results point to the fact that these teachers have developed a practice that is anchored on a segregationist view of students with disabilities, with reductionist conceptions that emphasize limitations at the expense of potential. For this reason, it is critical to rethink disability and schooling that is being offered to students with intellectual disabilities.

Keyword: Special Education. Learning. Teaching Mediation. Intellectual Disability.

1 INTRODUÇÃO

As Políticas Públicas tem norteado os trabalhos nos contextos escolares, inclusive no âmbito da Educação Especial, no qual, vem provocando mudanças que levam as escolas a rever suas práticas e buscarem adequações para atender seus alunos, observamos também que as discussões sobre inclusão, cada vez mais presentes nos contextos escolares e a legislação existente busca um ensino que atenda a todos do nível básico ao superior.

Assim podemos refletir que, embora as políticas públicas garantam o direito de todos, sobretudo daqueles que apresentam deficiência, a um ensino de qualidade, a prática ainda está distante do ideal, não raro por falta de interesse das escolas e dos profissionais envolvidos, mas muitas vezes também pela dificuldade em compreender que este homem faz parte da construção histórica da educação de nosso país, educação que deve ser voltada a atender às suas dificuldades e a superá-las.

Amparados por meio da teoria vigotskiana, entendemos que a deficiência não pode estar acima do potencial do aluno, o qual certamente vai se aprimorar com o ensino ofertado e com mediações adequadas, e assim desenvolver suas funções psicológicas superiores, avançando em seu processo de humanização. Infelizmente, em nossa sociedade, geralmente o aluno com deficiência ainda é segregado pela sua limitação, sendo compreendido a partir de uma visão que considera o homem apenas fruto de sua constituição biológica, de sua herança genética.

Por entendermos, que todos podem se desenvolver em níveis mais elevados de ensino, inclusive o deficiente intelectual, e que este tem possibilidades de avançar em seu processo de desenvolvimento a partir do ensino de qualidade, propomo-nos a discutir a temática com o intuito de trazer contribuições para a área, tendo como foco a humanização do aluno com deficiência intelectual. Para tanto, elencamos como objetivo identificar concepções de professores que atuam na educação especial sobre a aprendizagem e desenvolvimento de alunos com deficiência intelectual, buscando averiguar como estes compreendem esse processo, bem como suas percepções sobre o papel da mediação na aprendizagem.

2 UM OLHAR SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA E SUA EDUCABILIDADE SOB A PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

Em seus estudos Vygotski (1983) teorizou sobre a psicologia e apresentou importantes estudos no campo do desenvolvimento humano e da deficiência. Segundo Barroco (2011), na área da deficiência, destaca-se a obra "Fundamentos da defectologia", na qual o autor discorre sobre o deficiente e sua educação e explica as leis gerais do desenvolvimento humano para as pessoas com e sem deficiência, sendo considerado como um dos criadores da Psicologia Especial. A mesma autora afirma que para Vigotski o desenvolvimento intelectual poderia se dar por mecanismos compensatórios e as pessoas com deficiência não estariam condenadas ao fracasso.

Barroco (2011) afirma que Vigotski, defendia a educação dos deficientes até o limite do aprendizado, e sua compreensão do desenvolvimento humano partia do percurso filogenético e do ontogenético, necessários para que os indivíduos se tornem humanizados. Logo, as pessoas com deficiência também são capazes de desenvolver-se e constituir-se enquanto homens culturais.

Rossato (2010, p.72) complementa afirmando que: "o que essas pessoas precisam é reproduzir para si as qualidades humanas que necessitam ser aprendidas, pois não são naturais, precisam ser, por toda e qualquer pessoa, apropriadas por meio de sua atividade no entorno social em situações mediadas por pessoas mais experientes". Deste modo, o que irá provocar avanços qualitativos no desenvolvimento psíquico dos alunos com deficiência, são as qualidades das mediações, o acesso à cultura e a novos conhecimentos e as relações sociais que lhes forem oportunizadas.

Logo, Barroco (2011, p.155) reforça o pensamento sociocultural da teoria de Vygotski ao afirmar que o "desenvolvimento do deficiente e do não deficiente no que é central ocorre da mesma forma, pois suas mentes são formadas socialmente".

Assim, em relação ao desenvolvimento da criança, Vygotski (1983) afirma que, independentemente de esta ter ou não deficiência, é possível sua educação. A criança com deficiência pode superar a limitação imposta pela deficiência, pois todo defeito cria estímulos para elaborar uma compensação, e o importante não é o defeito em si, mas sim, a criança atingida pela deficiência.

O autor afirma ainda que a compensação se aplica de forma igual a todas as crianças, com ou sem deficiência. Assim, o pensamento do autor nos remete para a importância de o trabalho pedagógico ser desenvolvido de forma a promover esses mecanismos compensatórios, contribuindo para o desenvolvimento da criança com e sem deficiência. Segundo Vygotski (1983, p.14):

Todo defeito cria um estímulo para elaborar uma compensação. Portanto os estudos em relação à criança deficiente não podem se limitar a determinar o nível e a gravidade, mas deve incluir obrigatoriamente a consideração dos processos compensatórios [...]. Para a defectologia, o objeto não é a insuficiência em si, mas a criança que é desacreditada pela falha [...] Assim, a reação do organismo na personalidade da criança em relação ao defeito é o eixo central e básico, a única realidade que opera a defectologia" (tradução nossa )2 2 Todo defecto crea lós estímulos para elaborar una compensación. Por ello el estudio dinámico del niño deficiente no puede limitarse a determinar el nivel y gravedad de la insuficiencia, sino que incluye obligatoriamente la consideración de los procesos compensatorios [...] para la defectología el objeto no lo constituye la insuficiencia en sí, sino el niño agobiado por la insuficiencia. [...] Así, la reacción Del organismo y de La personalidad del niño al defecto es el hecho central y básico, la única realidad con que opera a defetologia. .

Na visão de Vygotski (1983) o trabalho educativo deve buscar superar as limitações a partir do ensino, entendendo a pessoa com deficiência como um ser capaz de desenvolver todo o seu potencial por meio do acesso aos conhecimentos científicos e das mediações – estas, essenciais para o desenvolvimento da linguagem, do pensamento e da consciência.

Complementando Bifon (2009, p.79), afirma que é a partir das produções materiais e das relações materiais estabelecidas pelo homem que este irá desenvolver o seu pensamento e sua inteligência – inteligência que é "produto do desenvolvimento histórico e social", diferenciando os homens dos animais.

Desse modo, para desenvolver o seu psiquismo a criança necessita das relações com o mundo ao seu redor. Para a criança com deficiência, reforça-se que esse processo não acontece de modo diferente: ela só vai avançar em seu processo de aprendizagem ao estabelecer relações sociais, que são necessárias para a transformação das suas funções elementares em funções superiores (ROSSATO, 2010).

Leontiev (1978) entende o deficiente intelectual como um ser de relação que necessita desta para se constituir enquanto tal, e que o desenvolvimento mental não se constitui apenas por coisas materiais, mas também pelas relações estabelecidas com o outro, através de um instrumento importante para isso, que é a linguagem, considerada como um processo ativo para seu aprendizado. A criança, diante de um objeto e sua funcionalidade, passa por um momento de relação com o outro a partir das mediações do adulto, que lhe vai proporcionar a apropriação do conhecimento.

Nesse sentido, Vygotski (1997) aponta que a escola deve buscar superar as dificuldades do aluno de todas as formas possíveis, para que este consiga ir além dos conhecimentos do cotidiano. Ademais, é a escola que, por meio do seu trabalho, pela mediação, vai propiciar ao aluno com deficiência desenvolver o seu pensamento e uma concepção científica de mundo. Afirma o autor:

Temos esta intenção em dar uma imagem de vinculação existente entre os fenômenos fundamentais da vida (natureza, trabalho e sociedade), de desenvolver uma concepção científica de mundo na criança mentalmente retardada, e de ir formando nele dentro da escola, uma atitude consciente no sentido da vida futura (VYGOTSKI, 1997, p.150).

Para Vygotski (1989, p.101), "o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas", portanto, é a partir da escola que ocorre a transformação da consciência, configurando-se o seu trabalho como indispensável para a formação do homem social (SILVA, 2010).

Vigotski defende a escolarização para os deficientes intelectuais por acreditar na potencialidade da criança e no papel social da escola no desenvolvimento psíquico desta. Por isso a escola deve exercer sua função, ou seja, proporcionar por meio do ensino o desenvolvimento das FPSs e da consciência do aluno com ou sem deficiência.

Dessa maneira, enfocamos a importância das relações sociais para o desenvolvimento da criança com deficiência em seu processo de escolarização, pois entende-se que esta é a base para a aprendizagem. Para Vygotski (2006, p.109), "a aprendizagem da criança começa muito antes da aprendizagem escolar". Assim, o meio no qual a criança está inserida vai abrir as possibilidades para seu aprendizado, a partir do conhecimento prévio adquirido pela sua história.

Em contrapartida, as relações sociais podem também agravar a deficiência destas pessoas, sendo que a relação com o outro, as trocas favorecidas pelo convívio social e as oportunidades ofertadas, numa visão reducionista, quando restringidas pela suposta limitação provinda da deficiência, provocam a carência dos estímulos e, com isso, o empobrecimento do aprendizado e desenvolvimento. Nas palavras de Vygotski (1997, p.14), "Assim como para a medicina moderna o importante não é a enfermidade, mas o enfermo, para a defectologia o objeto não constitui a insuficiência em si, mas a criança oprimida pelo fracasso". Logo, pautados na teoria podemos dizer que para que haja o desenvolvimento psíquico da criança, esta necessita das relações com o mundo ao seu redor, transformando as suas funções elementares em funções superiores.

Ainda neste sentido, Leontiev (2004) aponta que o desenvolvimento do homem está vinculado às relações que ele estabelece com as pessoas, com o mundo e com a natureza. Para, então, se constituir em um homem cultural o homem se apropria da cultura material e intelectual, originando as formas superiores de comportamento (Facci, 2004). Sobre isto afirma Leontiev (2004, p.185):

O homem encontra na sociedade e no mundo transformado pelo processo socio-histórico os meios, aptidões e saber-fazer necessários para realizar a atividade que mediatiza a sua ligação com a natureza. Para fazer os seus meios, as suas aptidões, o seu saber-fazer o homem deve entrar em relações com os outros homens e com a realidade humana material.

Para a apropriação dos bens produzidos no contexto sócio-histórico em que o deficiente está inserido, constitui-se como primordial o trabalho da escola, que por meio do ensino lhe permitirá desenvolver funções superiores como o pensamento abstrato, a atenção e a memória. O ensino deverá oferecer oportunidades para alunos com deficiência, pois estes apresentam potencialidades a serem desenvolvidas no âmbito escolar.

De acordo com Leontiev (2004, p.95), o desenvolvimento do psiquismo humano deve ser visto como um processo qualitativo, pois "as condições sociais da existência dos homens se desenvolvem por modificações qualitativas e não apenas quantitativas, o psiquismo humano, a consciência humana, transforma-se igualmente de maneira qualitativa no decurso do desenvolvimento histórico e social".

Assim, Vygotski (1983, p.150) afirma que:

[...] toda função psíquica superior foi externa, por ter sido social, antes que interna; a função psíquica propriamente dita era antes uma relação social de duas pessoas. Os meios de influência são inicialmente os meios de influência sobre os outros, ou o meio da influência dos outros sobre os indivíduos (tradução nossa 3 3 Toda función psíquica superior propiamente dicha era antes una relación social de dos personas. El medio de influencia sobre sí mismo es inicialmente el medio de influencia sobre otros, o el medio de influencia de otros sobre el individuo. ).

Assim temos que a formação das FPSs é derivada das relações humanas, sendo que na infância o desenvolvimento da criança aparece primeiro no plano social e depois no psicológico, ou seja, inicia-se nas relações como categoria interpsíquica e depois, no interior da criança, como categoria intrapsíquica. Assim, o desenvolvimento psíquico da criança passa do externo para o interno, modificando seu próprio processo, o que favorece a transformação e o surgimento de novas funções superiores. Conforme afirma Vygotski (1983, p.151) "todas as funções psicológicas superiores são relações interiorizadas de ordem social, são o fundamento da estrutura social da personalidade. Sua composição, estrutura genética e modo de ação, em uma palavra, toda a sua natureza é social".

Neste sentido, Facci (2004) aponta que, a partir do nascimento, a criança aprende na relação com a família importantes conhecimentos do cotidiano, porém é a escola o ambiente que contribui de fato para o desenvolvimento psíquico do homem, por meio do conhecimento científico que lhe é ofertado e das relações que ele estabelece com os outros homens, intervindo na natureza e proporcionando uma prática sócio-histórica rica. Isto favorece o desenvolvimento dos processos intelectuais, e a educação é o meio para se alcançar esse desenvolvimento.

Vygotski (2001, p.32) reforça a importância dos conceitos científicos afirmando que "a aprendizagem dos conceitos científicos pode efetivamente desempenhar um papel imenso e decisivo em todo o desenvolvimento intelectual da criança".

Facci (2004) esclarece que, pelo fato de ser um processo complexo, como afirma Vigotski, a formação de conceitos exige o emprego de todas as funções psicológicas superiores, pois os conceitos não são facilmente assimiláveis. Sendo assim, é essencial um ensino que atue na zona de desenvolvimento próximo, isto é, que provoque o conhecimento do qual a criança ainda não se apropriou e a leve ao desenvolvimento e aprimoramento das FPSs.

Diante disso, compete ao ensino escolar a tarefa de transmitir ao aluno com ou sem deficiência os conteúdos historicamente produzidos, selecionando aqueles conteúdos os quais a criança já tem condições de ter acesso. Dessa maneira, compete à educação escolar atuar na zona de desenvolvimento proximal.

A esse respeito, Shuare (1990) menciona que Vigotski deixa clara a importância da relação entre o desenvolvimento, a educação e o ensino para o avanço das FPSs, processo no qual o desenvolvimento da criança está relacionado com a aprendizagem que ocorre na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP); ou seja, o que a criança ainda não consegue resolver com autonomia encontra-se na ZDP.

Para Vygotski (1996), é na zona de desenvolvimento proximal que as funções elementares avançam para as funções psicológicas superiores, as quais são desenvolvidas pelo ensino a partir das mediações de outros mais experientes. Essa compreensão se faz necessária para perceber o que representa a relação com o professor para o desenvolvimento cognitivo do aluno, o qual passa para o estágio de zona de desenvolvimento real (ZDR) a partir das intervenções realizadas pela escola.

Vygotski (1989) diz que, a aprendizagem destes conteúdos vai necessitar do trabalho do professor, ou seja, da mediação para que esses passem para um processo de compreensão interna, atingindo sua zona de desenvolvimento real, na qual os novos conhecimentos irão ser mediados a partir dos instrumentos adequados, levando à transformação do aluno.

Nesse sentido, compreendemos que o ensino desenvolvido na ZDP capacita para o avanço intelectual, o que reforça a importância da escola no processo ensino/aprendizagem, pois o ensino formal e os conhecimentos científicos produzidos historicamente resultam em desenvolvimento mental.

Dessa maneira, Vygotski (1997) aponta que a escola deve buscar superar as dificuldades do aluno de todas as formas possíveis, para que este consiga ir além dos conhecimentos do cotidiano, oportunizando o avanço e transformação das FPSs. O ensino deve ser de qualidade, com estímulos e recursos adequados para propiciar o desenvolvimento do pensamento abstrato de todos os alunos, inclusive daquele que possui deficiência.

Assim, a escola, na atualidade, deve rever sua postura, seu papel e sua forma de atuação perante os alunos com deficiência intelectual, lançando mão de metodologias e práticas adequadas que venham a atender às suas especificidades e peculiaridades. Uma criança, com ou sem deficiência, em seu processo de desenvolvimento não deve ser privada do ensino por causa de suas dificuldades, ela necessita do apoio do adulto, ou seja, do professor, pois por meio das mediações e dos conhecimentos clássicos ela terá as reais condições para seu desenvolvimento psíquico.

3 METODOLOGIA

3.1 PARTICIPANTES

Esta pesquisa contou com a participação de oito professoras que trabalham com o Ensino fundamental de duas escolas de Educação Básica na modalidade de Educação Especial. Estas situam-se em cidades do Interior do Estado do Paraná. Todas as participantes da pesquisa são do sexo feminino, com a média de idade de 42 anos, sendo que, do total das participantes, uma tem idade de 28 anos e sete, entre 40 e 50 anos. Com relação à escolaridade das participantes, todas têm curso superior, sendo que das oito entrevistadas, sete possuem graduação em Pedagogia e um em Ciências Biológicas. Todas as participantes relataram ter feito estudos adicionais após sua formação acadêmica, que foram cursos de formação continuada ofertados pelo Núcleo Regional de Educação e pelas Secretarias Municipais. Em relação a cursos de especialização (Pós-graduação "Lato Sensu"), sete participantes haviam feito mais de um curso de Educação ou de Educação Especial, sendo cinco Educação especial, um Ensino-aprendizagem na Teoria Histórico-Cultural, dois Deficiência mental, um Deficiência visual, um Libras, um Teoria Histórico-Cultural, um Psicopedagogia clínica e institucional, um Gestão educacional escolar e administração escolar, um Habilitação para o ensino de Ciências, dois Psicopedagogia Institucional. Em relação ao tempo de experiência profissional com deficiência intelectual, a média de anos de trabalho é 11,9 anos, sendo que das oito entrevistadas três possuem tempo de experiência profissional de um a dez anos, quatro têm experiência de onze a vinte anos e um, de vinte e um a trinta anos de experiência.

3.2 PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS

A pesquisa se deu após a anuência das participantes, foi-lhes entregue a ficha de identificação para ser preenchida, com o intuito de obter informações de ordem pessoal - como idade, sexo, escolaridade, formação, e ainda dados profissionais (experiência profissional, área de atuação). Em seguida iniciou-se a entrevista semiestruturada com as profissionais com base em um roteiro elaborado pelas pesquisadoras, visando abranger os objetivos propostos inicialmente pela pesquisa. Este foi composto por quatro itens: 1) Como se dá o processo de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos com deficiência Intelectual, 2) Os alunos estão aprendendo os conteúdos ministrados em sala de aula, 3) Como acontece a mediação pedagógica com alunos que estão em processo de aprendizagem e 4) Quais os conteúdos priorizados em sala de aula e recursos didáticos pedagógicos mais utilizados.

Com o consentimento das participantes as entrevistas foram gravadas e tiveram a duração de aproximadamente 30 minutos, respeitando-se a necessidade de cada participante e depois transcritas. Destacamos que as entrevistas ocorreram em dois dias alternados na sala de cada participante, agendados previamente pela coordenação.

Os dados obtidos nas entrevistas foram analisados por meio da análise de conteúdo proposta por Bardin (1977). De acordo com esta autora, na análise qualitativa a maioria dos procedimentos constitui-se em torno de categorias, que é uma forma geral de análise. Aponta que as categorias se modificam constantemente de acordo com a realidade; assim as categorias são classes que reúnem um grupo de elementos com propriedades comuns.

Considerando estes aspectos, a análise do estudo possibilitou a definição de duas categorias temáticas que integraram as questões da entrevista realizada com as participantes. I) Aprendizagem e desenvolvimento; II) Mediação docente e Metodologias didáticas.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO

Esta categoria envolveu as questões apresentadas às participantes no que se refere ao aprendizado e ao desenvolvimento do aluno com deficiência intelectual. Sobre este aspecto, as entrevistas, em sua unanimidade, tiveram um aspecto comum: o de que o aprendizado é lento. Neste sentido, uma participante revela: "O aprendizado é mais lento e necessita de mais explicações, mais atividades lúdicas e mais recursos pedagógicos (C-E.S)". Ainda nesta mesma direção, outra afirma: "Todos os alunos apresentam desenvolvimento bem mais lento, mesmo estando dentro de uma sala especial, mas todos são capazes (V-H.A)".

Na compreensão das entrevistadas, prevalecem às respostas que consideram lento o desenvolvimento e o aprendizado do aluno, em outras palavras, é o aluno que aprende nesse ritmo (lento); com isso justifica-se o desenvolvimento abaixo das expectativas tanto do professor quanto da escola. Em contrapartida, para Facci (2004, p.228), a "aprendizagem promove o desenvolvimento", e compete então, ao professor transmitir os conhecimentos de forma sistematizada e, a partir de seu trabalho e da oferta dos conhecimentos científicos, contribuir para o desenvolvimento do aluno. Na lógica da autora, o que deve ser questionado não são as dificuldades dos alunos, e sim, as possibilidades que estes apresentam. Neste sentido, a escola e o trabalho educativo são fundamentais para a aprendizagem dos alunos deficientes intelectuais, pois, conforme aponta Vygotski (2006, p.115):

A aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características humanas não naturais, mas formadas historicamente.

Percebemos que, na compreensão das participantes, o aluno com deficiência intelectual apresenta um ritmo de aprendizagem lento, o que o leva a ter um déficit em seu aprendizado e desenvolvimento. Isto mostra que, no entendimento destas participantes, é como se o desenvolvimento em seu processo de ensino-aprendizagem resultasse unicamente do ritmo e do tempo para a aprendizagem do aluno.

Além de a aprendizagem ser considerada lenta pelas participantes, essas relatam que os alunos necessitam de um tempo maior para aprender os conteúdos ofertados, diferenciando-se dos alunos sem deficiências. Tal necessidade dos alunos "exige muito mais do professor (D- H.A)", pois o trabalho, na maioria das vezes, necessita ser individualizado e o mesmo conteúdo deve ser ministrado de forma distinta, pois cada aluno tem seu próprio tempo para obter o aprendizado.

Por isso é um aspecto relevante a compreensão dos professores em relação ao seu papel pedagógico no dia a dia com estes alunos, que eles destacam como algo de grande desafio e exigência profissional, pois se sentem responsáveis pelo avanço pedagógico, como se a formação destes indivíduos dependesse exclusivamente de sua prática "[...] eles precisam de mais atenção, atendimento mais individualizado (A-E.S)".

Nesta perspectiva, Facci (2004) enfatiza que as dificuldades enfrentadas pelos professores no processo ensino-aprendizagem do aluno deficiente intelectual, como já discutido anteriormente, devem-se ao fato de eles não terem o conhecimento necessário para vencer os desafios, isto é, o professor só conseguirá transmitir o saber se ele também houver tido acesso ao ensino e ao saber acumulado.

Ainda sobre a aprendizagem, é relevante apontar que na fala das participantes impera a concepção de aprendizagem lenta, portanto ainda prevalece à concepção de incapacidade proveniente das marcas do passado histórico. Por isso muitos dos fatores (pedagógicos, sociais, culturais, etc.) que podem mascarar as dificuldades que levam este aluno a um aprendizado insatisfatório não se destacam e acaba por sobressair à visão individual da incapacidade.

Vygotski (1997) mostra que a criança deficiente intelectual apresenta suas limitações, mas estas também podem servir de estímulos para a superação da dificuldade proveniente do orgânico, por consequência, não se devem levar em conta apenas os seus aspectos desfavoráveis, mas principalmente tudo o que for de positivo em relação a sua aprendizagem. Para o autor, o aluno deficiente intelectual é lento (grifo nosso) porque apresenta não só a insuficiência orgânica, mas a insuficiência cultural, Dessa maneira, "o desenvolvimento cultural é a chave para uma possível compensação da insuficiência. Onde é impossível um desenvolvimento orgânico, esta chave abre um caminho ilimitado para o desenvolvimento cultural" (VYGOTSKI, 1997, p. 187, tradução nossa).

Não pretendemos ter, em relação aos deficientes intelectuais, o olhar de que eles apresentam o mesmo ritmo de aprendizagem dos alunos sem deficiência; porém, com base nos estudos de Vigotski, podemos afirmar que os alunos deficientes apresentam potencialidades para seu aprendizado: eles irão desenvolver as funções psicológicas superiores pelo desenvolvimento cultural, oportunizado pela escola, pelo ensino. Assim:

Para a criança com atraso mental se deve criar, para o desenvolvimento de suas funções superiores de atenção e pensamento, algo similar ao alfabeto Braille para o cego e a língua de sinais para a criança surda, ou seja, um sistema de caminhos de desenvolvimento cultural lá onde os caminhos se encontram bloqueados em consequência do defeito (VYGOTSKI, 1997, p. 188, tradução nossa).

Em consonância com este pensamento, encontramos nos estudos de Shuare (1990) que os alunos deficientes terão maiores oportunidades de avançar em seu desenvolvimento, se lhes forem oferecidas as condições necessárias para se apropriar do saber cultural e histórico.

Nosso estudo também buscou saber se os alunos estão aprendendo ou não os conteúdos ministrados. Identificamos, que a maioria das participantes, ao serem questionadas, relataram que os alunos, respeitando seu tempo de aprendizagem, estão aprendendo; no entanto, o que entendemos nas falas das mesmas é que, ao se referirem ao aprendizado, enfatizam os conhecimentos básicos. Afirma uma delas:

[...] Nem nós aprendemos tudo, alguma coisa eles dão respostas sim, não dão às vezes o que estamos esperando, e tem que saber perguntar, oferecer condições para eles darem as respostas. Tem áreas que dão melhores respostas. As áreas são as de vivências social deles (exemplo, animais). Os que conhecem, transporte os que eles conhecem como carro, e o que tem domínio do método fônico, pois dão resposta mais no concreto (V. H-A).

Em relação aos conteúdos que requerem maior capacidade de abstração, para algumas participantes os alunos não conseguem avançar; porém verificamos por meio da entrevista que as participantes acreditam na potencialidade dos alunos, mesmo que para elas seja uma capacidade limitada. [...] Vejo que têm uma dificuldade maior na área da história, de entender [...] os outros (conteúdos) que são mais conceitos; há uma facilidade maior, devido à abstração, que para eles é difícil. História é mais difícil para compreensão deles, vemos isso no dia a dia (P. E-S).

Verificamos também que algumas participantes compreendem o aprender ou o não aprender como algo que depende exclusivamente do aluno, pois vai depender do potencial desse aluno; mas elas se esquecem de que a aprendizagem irá acontecer por meio do ensino. Dessa forma, este processo cabe ao professor, mas observamos no discurso das participantes pouca relevância em relação ao papel deste como transmissor do conhecimento elaborado, tanto que poucas participantes destacaram seu trabalho como importante, como mostra a fala: [...] a maioria estão aprendendo, não são todos iguais, alguns estão mais inicial, outros conseguem melhor, depende do potencial de cada aluno, mas aprendem (A.H-A).

O discurso de uma participante destacou-se entre as demais, pois esta foi incisiva em relação ao aprendizado, afirmando que estes alunos não aprendem de forma satisfatória. Podemos observar em sua fala a concepção errônea sobre o aprendizado deste aluno, pois esta visão pode vir a comprometer tanto a relação professor-aluno como o processo ensino-aprendizagem. Afirma a participante: [...] ensinar, tendo a aprendizagem como retorno, não. Algumas coisas acredito que eles acabam aprendendo, mas dizer que o aprendizado ocorre de forma satisfatória, não, não acontece.(G-ES).

Com isto entendemos que, em se tratando da aprendizagem de crianças, devemos refletir que, independente de a criança ser provinda de classes menos favorecidas, de etnias, culturas diferentes, de apresentar comprometimento intelectual ou não, precisamos atentar com um olhar diferenciado para o desenvolvimento e aprendizagem infantil, um olhar que vá além das carências, limitações e do próprio defeito, como encontramos nos estudos de Vygotski (1997).

Em nosso entendimento a escola de Educação Básica na modalidade de Educação Especial ainda, apresenta algumas práticas ancorada numa visão segregacionista do aluno deficiente, logo é necessário um trabalho que oportunize o desenvolvimento cognitivo, que dê condições para ascender a níveis mais elevados de ensino, pois este, ainda é uma realidade a ser conquistada pelas escolas pesquisadas, especialmente em se tratando de aluno deficiente intelectual.

4.2 MEDIAÇÃO DOCENTE E METODOLOGIAS DIDÁTICAS

Pelos discursos foi possível notar que as participantes acreditam que, pelo fato de ser gradativa, a aprendizagem do aluno irá acontecer mediante diversos recursos pedagógicos, partindo do concreto e das experiências cotidianas vividas pelo aluno: "[...] os recursos devem ser diferenciados para que haja a aprendizagem, esta é mais em nível do concreto e da vivência do aluno" (G-H.A). Tal compreensão é percebida na fala da maioria das profissionais entrevistadas, na qual os recursos mais citados e observados no contexto escolar foram: o alfabeto móvel, figuras geométricas, de animais, objetos ou pessoas. Esses recursos eram disponibilizados em diversos materiais (E.V.A, madeira, papel), jogos, palitos e tampinhas para contagem e blocos pedagógicos para encaixe. As participantes entendem que materiais concretos são de grande valia para provocar a aprendizagem, ou seja, fazem uso de estratégias diferenciadas que vão contribuir de forma satisfatória para o desenvolvimento educacional dos mesmos "[...] a aprendizagem se dá pelo concreto e visual (P-E.S)".

Na compreensão das participantes, o trabalho diferenciado implica estratégias que, segundo elas, compreendem o uso de materiais concretos e práticas que envolvem conhecimentos do cotidiano. Geralmente esse trabalho é realizado de forma individualizada, mas elas o elegem por considerá-lo um meio mais assertivo de promover o aprendizado dos alunos, isto é, a forma de os alunos mais aprenderem os conteúdos é o fazer lúdico. Segundo uma participante,

[...] as atividades lúdicas sempre, com jogos e brincadeiras principalmente em matemática e português. Também o atendimento individual, que depende do aluno retomar alguns conceitos de forma individual. Alguns só oriento de forma oral o que fazer, outros preciso ajudar fazer a atividade (A-H.A).

Sobre estes aspectos abordados, podemos avaliar que os conhecimentos que exigem maior complexidade e que mais contribuem para o desenvolvimento das FPSs - ou seja, os conhecimentos científicos -, são poucos explorados. Isto se configura como uma defasagem neste aprendizado, visto que, de acordo com a Teoria Histórico-Cultural, o conhecimento não pode ficar apenas no nível do cotidiano, mas deve avançar para os conhecimentos científicos, pois só será apropriado por meio do processo educativo.

Outro aspecto percebido na entrevista é que, segundo o relato das participantes, o trabalho realizado com os alunos geralmente é individualizado, que é considerado pelas participantes como indispensável para sua prática pedagógica. Elas também destacaram a importância da mediação. Não obstante, algumas professoras relatam que tal procedimento não é cumprido, por não haver profissionais suficientes para atender a todos de forma individual, como se observa na fala: "Eles precisam de mais atenção, atendimento mais individualizado (A- E.S)".

Também encontramos de forma clara no discurso de uma participante que ela não consegue perceber quais são as estratégias trabalhadas que promovem o aprendizado do aluno, o que deixa evidente que seu trabalho pedagógico não atinge os resultados esperados, ou seja, o aprendizado do aluno: [...] é tão difícil [...]. No momento vejo que a música, por ser mais lúdica, eles se fixam mais no que está sendo trabalhado. Às vezes respondem com sorriso, não percebo se conseguem aprender o conteúdo (G-E.S)

Também observamos que os recursos materiais mais utilizados pelos professores em sala são: figuras (de pessoas, animais, objetos do cotidiano, meios de transporte), jogos (encaixe, memória, completar palavras, cores, formas geométricas) e alfabeto móvel (em madeira, E.V.A e papel). Estes recursos materiais são ofertados aos alunos do Ensino Fundamental de acordo com o conteúdo trabalhado. Notamos pouca exploração em sala de aula de outros recursos como a literatura, a música (mencionada por apenas uma participante, que não visualiza o aprendizado do aluno), vídeos, etc., que poderiam proporcionar uma maior abstração do pensamento e operações mentais a partir do trabalho sistematizado do professor. O ensino pautado por estas práticas e o responsável por auxiliar no avanço e desenvolvimento do aluno.

Em relação ao processo de abstração, Vigotsky (1983) afirma que a criança deficiente intelectual apresenta dificuldades em desenvolver seu pensamento abstrato, por isso "a escola deve livrá-lo do excesso do método visual-direto, que serve de obstáculo ao desenvolvimento do pensamento abstrato, e ensinar estes processos" (p.36).

Destarte, o ensino deve primar pela formação humana do aluno com deficiência intelectual, utilizando estratégias e recursos adequados para promover o seu desenvolvimento psíquico. Em nosso estudo vemos que para muitas participantes o aprendizado do aluno deficiente intelectual é irreal, denunciando a necessidade emergencial de mudanças na escola de Educação Básica na modalidade Especial, sobretudo na formação dos profissionais envolvidos. Como aponta Facci (2003), é o trabalho mediado do professor que fará a diferença no aprendizado do aluno, e se o trabalho pedagógico estiver voltado às limitações do mesmo, e não às suas potencialidades, certamente a prática e os investimentos não atenderão às necessidades deste, ou seja, a seu desenvolvimento psíquico.

Destacamos que o aluno com deficiência intelectual necessita, dentro do contexto escolar, ir além de ocupar um espaço físico ou de ser cuidado em seus aspectos básicos. A escola, seja ela de Educação Inclusiva ou de Educação Básica na modalidade de Educação Especial, tem a função de ofertar o conhecimento historicamente elaborado e preparar o aluno para avançar em seu desenvolvimento, dando-lhe condições para ir além da formação básica e, quiçá, alcançar níveis superiores de ensino.

Em suma, entendemos, que o acesso ao conhecimento científico de forma eficaz para os alunos com deficiência intelectual requer maior atenção por parte de todos os envolvidos e maior instrumentalização do professor, pois somente por meio de um ensino de qualidade desde a Educação Básica será possível atingir o mínimo dos direitos enquanto cidadão inserido em um contexto social, político e cultural.

5 CONCLUSÃO

Os resultados mostram que para a maioria das participantes o aluno com deficiência intelectual apresenta uma aprendizagem lenta, sendo o seu ritmo o responsável pelo processo ensino-aprendizagem. Revelam ainda, que para estas participantes o processo de escolarização do aluno com deficiência intelectual restringe-se ao desenvolvimento de funções psicológicas elementares.

Esses dados apontam para uma visão individualizante sobre a incapacidade do aluno, expondo as limitações da própria escola no tocante a sua compreensão sobre deficiência e aprendizagem. Nesse contexto, é essencial uma formação que capacite o profissional para atuar de forma a superar suas defasagens, pois estas repercutem no processo-ensino aprendizagem.

É importante, à luz da Teoria Histórico-Cultural, olhar o desenvolvimento deste aluno com deficiência num processo de transformação histórica proveniente das relações que ele estabelece, compreendendo o contexto no qual está inserido e a influência de seu meio. Dessa forma, a escola deve buscar a superação da visão fragmentada deste indivíduo para assim oportunizar-lhe condições para superar as dificuldades em seu processo de desenvolvimento, especialmente as dificuldades que a própria escola lhes impõe.

Um outro aspecto relevante identificado, foi de que para poucas participantes a aprendizagem do aluno está relacionada com a mediação docente, tanto que esta na prática não acontece como deveria, segundo eles, devido às dificuldades dos alunos e à falta de profissionais para auxiliar no trabalho do professor. Para a maioria das participantes, os recursos utilizados, especialmente o uso de materiais concreto são o que faz a diferença entre o aprender ou não aprender. Fica evidente nos discursos que as participantes atribuem as dificuldades aos alunos e não consideram a importância da questão pedagógica, visto que, no entendimento deles, a mediação docente não é algo relevante para o desenvolvimento dos alunos, mas sim, as práticas voltadas ao concreto, ao cotidiano e à oralidade.

Entendemos, a partir dos estudos de Vigotskii (2006), que ao aluno com deficiência intelectual também deve ser ofertado o ensino que promova sua capacidade de abstração; logo, o trabalho pedagógico não deve focar apenas o concreto, o visual. Estes também são importantes, mas o trabalho do professor deve ter como foco o desenvolvimento do pensamento abstrato, superando o defeito e levando a criança a formas superiores de pensamento. Por conseguinte, o trabalho da escola deve ser o de promover uma aprendizagem que leve ao desenvolvimento mental: "Por isso, a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características humanas não naturais, mas formadas historicamente" (VIGOTSKII, 2006, p.115).

Para que esta aprendizagem aconteça de fato, é essencial que o professor assuma seu papel de mediador do conhecimento, pois a mediação é essencial no processo ensino-aprendizagem, e é por meio dela e das relações estabelecidas que o aluno desenvolve o seu psiquismo e transforma a sua realidade; por isso o trabalho da escola deve sempre procurar compensar e superar as limitações do aluno.

As escolas precisam, então, oportunizar reais condições de aprendizagem dos conteúdos científicos. Para isto se faz necessário, além das condições de acesso ao ensino, da eliminação de barreiras, dos recursos necessários e materiais pedagógicos adequados para atender estes alunos, também um repensar sobre a formação do professor, o qual ainda carece de aprofundamentos teóricos que venham auxiliá-lo em sua prática pedagógica, pois a Educação Básica deve proporcionar ao aluno deficiente o acesso ao conhecimento, além do saber cotidiano.

Recebido em: 07/05/2014

Reformulado em: 22/09/2014

Aprovado em: 01/12/2014

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  • 1
    Texto organizado a partir da pesquisa realizada para elaboração da dissertação de mestrado em Psicologia, defendida em 2014, do Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Maringá-PR.
  • 2
    Todo defecto crea lós estímulos para elaborar una compensación. Por ello el estudio dinámico del niño deficiente no puede limitarse a determinar el nivel y gravedad de la insuficiencia, sino que incluye obligatoriamente la consideración de los procesos compensatorios [...] para la defectología el objeto no lo constituye la insuficiencia en sí, sino el niño agobiado por la insuficiencia. [...] Así, la reacción Del organismo y de La personalidad del niño al defecto es el hecho central y básico, la única realidad con que opera a defetologia.
  • 3
    Toda función psíquica superior propiamente dicha era antes una relación social de dos personas. El medio de influencia sobre sí mismo es inicialmente el medio de influencia sobre otros, o el medio de influencia de otros sobre el individuo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 2014

    Histórico

    • Recebido
      07 Maio 2014
    • Aceito
      01 Dez 2014
    • Revisado
      22 Set 2014
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