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Um método para experimentação com baixas capacitâncias

A method for experimenting with low capacitances

Resumos

Neste artigo, apresenta-se detalhes da construção de um capacímetro destinado a medidas de capacitância elétrica de pequenos objetos metálicos próximos entre si. Um oscilador empregando um único transístor bipolar produz um sinal cujo período em microssegundos pode ser medido com um osciloscópio convencional e uma simples equação possibilita obter a capacitância em picofarads. Uma análise da função de transferencia do instrumento mostra uma adequada precisão experimental para medidas entre 2 e 500 pF. A análise do problema da capacitância entre uma esfera e um plano é feita, mostrando boa concordância entre resultados teóricos e as medidas feitas. Outras possibilidades de abordagem com exemplos de experimentos em laboratório didático de eletromagnetismo com alunos e discussão dos resultados são também apresentadas.

método; experimentação; baixas capacitâncias


In this paper, I present details of building a capacitance meter for measuring electric capacitance of small metalic objects near to each other. An oscillator employing a single bipolar transistor produces a signal whose period in microsseconds can be measured with a conventional osciloscope and a simple equation allows to derive the capacitance in picofarads. An analysis of the instrumental transfer function shows a suitable experimental accuracy for measurements between 2 and 500 pF. The problem of capacitance measurement for a conductive sphere and a plane is analyzed showing a good agreement between theoretical results and the measurements. Other possibilities for approaching other experimental situations in an electromagnetics teaching lab with students and a discussion of resultas are also presented.

method; experimentation; low capacitances


DESENVOLVIMENTO EM ENSINO DE FÍSICA

Um método para experimentação com baixas capacitâncias

A method for experimenting with low capacitances

Everton Lüdke1 1 E-mail: eludke@smail.ufsm.br.

Departamento de Física, Universidade Federal de Santa Maria, Campus Universitário, Santa Maria, Brasil

RESUMO

Neste artigo, apresenta-se detalhes da construção de um capacímetro destinado a medidas de capacitância elétrica de pequenos objetos metálicos próximos entre si. Um oscilador empregando um único transístor bipolar produz um sinal cujo período em microssegundos pode ser medido com um osciloscópio convencional e uma simples equação possibilita obter a capacitância em picofarads. Uma análise da função de transferencia do instrumento mostra uma adequada precisão experimental para medidas entre 2 e 500 pF. A análise do problema da capacitância entre uma esfera e um plano é feita, mostrando boa concordância entre resultados teóricos e as medidas feitas. Outras possibilidades de abordagem com exemplos de experimentos em laboratório didático de eletromagnetismo com alunos e discussão dos resultados são também apresentadas.

Palavras-chave: método, experimentação, baixas capacitâncias.

ABSTRACT

In this paper, I present details of building a capacitance meter for measuring electric capacitance of small metalic objects near to each other. An oscillator employing a single bipolar transistor produces a signal whose period in microsseconds can be measured with a conventional osciloscope and a simple equation allows to derive the capacitance in picofarads. An analysis of the instrumental transfer function shows a suitable experimental accuracy for measurements between 2 and 500 pF. The problem of capacitance measurement for a conductive sphere and a plane is analyzed showing a good agreement between theoretical results and the measurements. Other possibilities for approaching other experimental situations in an electromagnetics teaching lab with students and a discussion of resultas are also presented.

Keywords: method, experimentation, low capacitances.

1. Introdução

Em laboratórios de ensino de teoria eletromagnética em nível universitário, é consenso que há a necessidade de elaborar-se bons experimentos que possibilitem confrontar os resultados de métodos experimentais e computacionais.

Tais experimentos devem visar uma melhor visualização de conceitos pelos alunos, o que leva a um processo ensino-aprendizagem com melhor efeito.

Em particular, cursos de física licenciatura e bacharelado e engenharia elétrica requerem detalhadas discussões e o estabelecimento de paralelos entre métodos numéricos e computacionais do eletromagnetismo.

Entretanto, a elaboração de experimentos efetivos que permitam obter dados, em particular sobre capacitância entre condutores de formatos arbitrários, são inexistentes no meio acadêmico de tais cursos e trabalhos devem existir no sentido de propor novos experimentos e metodologias de ensino nesse campo.

Nesse contexto, destaca-se medidas de pequenas capacitâncias em laboratório para testar métodos de soluções de problemas de valores de contorno, o que é um problema bem mais complexo que inicialmente se possa pensar. Por outro lado, as aplicações industriais e caracterização da capacitância de estruturas discretas são de extrema importância no setor industrial de microondas e telecomunicações, além de sensores e atuadores, o que justifica uma abordagem melhor em laboratórios de ensino de eletromagnetismo, mesmo em nível de graduação.

Assim sendo, justifica-se a investigação de um método que possibilite medir adequadamente e com a necessária precisão experimental, capacitâncias entre objetos metálicos condutores de dimensões na ordem se alguns centímetros, o que não pode ser feito com as técnicas supracitadas dentro da realidade dos laboratórios de física universitaria de países em desenvolvimento.

No presente artigo, apresentamos e discutimos uma solução para esse problema, ilustrando com a determinação das propriedades capacitivas de uma esfera próxima a um plano (Fig. 1), o qual consiste em um problema eletrostático bem explorado na literatura desde os trabalhos pioneiros de Maxwell e Faraday entre os anos 1854-1879 e de interesse contemporâneo em microscopia e nanotecnologia.


2. O problema

O método tradicional de determinação de capacitâncias devido a Henry Cavendish (1731-1810) e Michael Faraday (1791-1867) envolvia a medida da energia eletromagnética de estruturas metálicas submetidas a grandes potenciais elétricos, devido ao fato das capacidades elétricas serem na ordem de algumas dezenas ou centenas de picofarads. Entretanto, tal técnica é perigosa para ser empregada em um laboratório frequentado por turmas numerosas de alunos.

Outra técnica normalmente empregada em laboratório de ensino de física universitária é a medida de descarga de um capacitor por meio de um resistor conhecido e a análise da diferença de potencial nas suas extremidades, o que não pode ser feito devido ao fato de capacitores artesanais feitos de estruturas discretas possuem capacitância típica na ordem de alguns picofarads, inviabilizando a aplicação desse método pela grande velocidade de descarga e limitando a medidas de capacitores acima de 100 pF.

Finalmente, o uso de pontes de impedância tipo De Sauty ou Schering para medida de pequenos capacitors (C < 200 pF) é pouco prática pela presença de muitos erros experimentais associadas às implementações práticas dos aparatos experimentais.

O problema da determinação de propriedades eletrostáticas entre esferas e planos condutores metálicos é de particular interesse em microscopia de tunelamento quântico [1] e na determinação das características de forças eletrostáticas entre nanoesferas e planos metálicos [2] em estudos experimentais em nanotecnologia [3, 4], o que justifica implementar um experimento que confirme o gráfico da Fig. 1 em ambiente de ensino.

Existem duas maneiras principais de obter a capacitância entre uma esfera de raio R cujo centro está situado a uma distância h de um plano condutor de dimensões infinitas: problemas de valores de contorno [4], o método das imagens [5] e o método de solução das curvas de potencial entre duas esferas de raios diferentes R e Rp, tomando-se o limite onde Rp → ∞ [6]. Ambas as soluções envolvem expansão em série de potências de termos envolvendo a quantidade R/2h [7].

Na análise desse experimento, vamos nos limitar a usar as soluções obtidas iterativamente pela aplicação do método das imagens eletrostáticas [5, 8], tendo em vista a nossa necessidade técnica de desenvolver um experimento em nosso laboratório de eletromagnetismo experimental para ilustrar melhor a aplicação desse método para a determinação de campos elétricos, superfícies equipotenciais e capacitâncias entre estruturas geométricas simples.

A capacitância entre uma esfera perfeita de raio R cujo centro está situado a uma altura h de um plano infinito é dada pela Ref. [6], por unidade de raio da esfera no vácuo ε0 = 8,86 pF/m é dada pela seguinte expressão, com cosh α = 1 + h/R

3. A construção do capacímetro

Embora existam diversos esquemas para medir capacitancia em laboratório didático [9-11], os equipamentos envolvidos ou são de construção técnica avançada ou requerem instrumental de alto custo para seu desenvolvimento e calibração dos aparatos instrumentais [12-15].

Osciladores Hartley [16] surgiram na história das radiocomunicações como circuitos de frequencia variável com acoplamento indutivo e cuja frequencia depende de somente um capacitor ligado em paralelo com dois indutores acoplados. Normalmente, esses indutores fazem parte de um mesmo indutor sendo postos em contato elétrico por meio de uma derivação central no enrolamento das espiras [17]. Para um indutor com indutância total L em paralelo com um capacitor de capacitância C, temos a frequencia de oscilação do circuito f dada pela fórmula bem-conhecida

A Fig. 2 ilustra o aparato experimental para medida da frequencia de oscilação, a partir do período T dos picos positivos do sinal obtido na saída do circuito e obtendo d frequencia pela definição f = 1/T. O capacitor resultante C da associação da capacitância das estruturas Cx e o capacitor de C0 = 10 pF ligado em série (C = Cx + C0) determina a frequencia de oscilação. O restante dos valores dos componentes eletrônicos foram escolhidos experimentalmente para facilitar o início da operação do circuito em 2,470 MHz tão logo seja ligado à bateria de 9 V. O capacitor de 10 pF foi escolhido para que o circuito entre em oscilação rapidamente e a frequencia é modificada pela mudança de posição da esfera com respeito ao plano.


A amplitude do sinal de saída detectado pelo osciloscópio é de cerca de 6 V, o que possibilita uma ótima leitura mesmo com osciloscópios de baixo custo ou muito antigos. Dois fios tipo cabinho no. 22 conectados a garras-jacaré pequenas formam os terminais de conexão do circuito às estruturas metálicas. O indutor foi confeccionado enrolando-se primeiramente 30 espiras de fio esmaltado 26 AWG, fazendo uma derivação a ser conectada ao emissor do transístor bipolar e mais 30 espiras, no mesmo sentido.

Para calibrar a escala, usamos capacitores de boa qualidade com terminais conectados pelas garras-jacaré de cada valor comercial entre 2,2 pF e 500 pF e a calibração da escala está ilustrada na Fig. 3. Um ajuste da Eq. (2) da frequencia do oscilador LC aos valores no gráfico da frequencia versus capacitancia externa resulta em uma indutância total de L = 471 µH.


As estruturas planas e esféricas foram construídas com uma esfera de isopor de 10 cm de diâmetro (R = 5 cm) recoberta por uma folha de alumínio empregada em culinária. O plano de terra foi feito com uma chapa de 30 x 40 cm de isopor revestida com folha de alumínio lisa, a qual é conectada ao terra do circuito. Um suporte de madeira suspende a esfera acima do plano por meio de uma linha de costura de algodão e a altura h pode ser regulada com facilidade.

Para medida da altura h da esfera com relação ao plano condutor, basta cravar um palito de dentes no equador da esfera e a distânica entre a ponta do palito e o plano é medida com uma régua de acrílico de 15 cm de escala.

O procedimento experimental consiste em ligar o dispositivo, baixar a esfera a cerca de 0,5 mm de altura entre a sua borda inferior e o plano e medir a frequencia em MHz obtida com um osciloscopio analógico. Se disponível, um frequencímetro digital ou osciloscópio digital com transformada de Fourier possibilitam uma leitura direta da frequencia. Obtem-se C e depois Cx pelas equações anteriores, de uma forma bem direta, interpolando-se nos gráficos da função de transferencia do circuito, obtida pelos capacitores comerciais (Fig. 3).

4. Discussão dos resultados

Os pontos experimentais da capacitância Cx dividida pelo raio da esfera (R = 0,05 cm) vs. R/2h estão ilustrados na Fig. 4.


A curva superposta consiste na solução de capacitância obtida pela aplicação do método das imagens [6], retendo termos da expansão em série na ordem de expoente 3. É interessante notar que para distâncias mais elevadas que a metade do raio da esfera, a relação entre a capacitância do sistema varia quase linearmente com a R/2h. Uma segunda relação quase-linear se aplica para a leitura em frequencia para capacitâncias abaixo de 12 pF entre as garras-jacaré.

O ponto de maior aproximação nos dados coletados em h = 5,5 mm destoa da solução teórica pela necessidade de incluir termos de ordem mais alta que não estão citados nessa referencia.

De uma forma geral, obtemos um ótimo ajuste dos pontos obtidos para as soluções de problema eletrostático para o capacitor próximo a um plano condutor. Para altura h = 14 cm, percebe-se uma tendência do capacitância do sistema aproximar-se de um capacitor esférico isolado no vácuo com C = 4πε0R ~ 4 pF, ou no limite R/2h → 0.

Para testar a validade do método, efetuamos experimentos diversos com chapas e tubos de papelão revestidos com folha de alumínio e construímos capacitores de placas paralelas quadradas com até 10 cm de lado e cilindros condutores suspensos acima de planos condutores e capacitores coaxiais e o método proposto aqui tem mostrado ser bastante efetivo na determinação de capacitâncias de tais estruturas [3, 5-7, 18] com precisão satisfatória para verificar a validade dos métodos de cálculo disponíveis na literatura de eletrostática, sem a necessidade de incluir efeitos de borda como em modelos eletromagnéticos mais detalhados.

5. Conclusões

Nesse artigo propomos um método experimental para medir capacitâncias de estruturas condutoras simples empregando um oscilador Hartley de baixo custo e fácil implementação experimental.

O método se mostrou bastante efetivo na análise de problemas eletromagnéticos de interesse em outras áreas da física como nanotecnologia e microscopia de varredura por tunelamento quântico, na determinação da capacitância e força eletrostática entre uma esfera e um plano condutor pelos meios usualmente empregado pela teoria clássica do eletromagnetismo para esse fim, como o método das imagens eletrostáticas.

Finalmente, concluímos que o método possui a eficiência e precisão experimental adequada para a determinação de capacitâncias de pequeno valor ( < 10 pF) para um bom número de aplicações disponíveis como exercícios em física básica.

Recebido em 17/6/2011; Aceito em 7/8/2012; Publicado em 10/10/2012

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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      17 Jun 2011
    • Aceito
      07 Ago 2012
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