Acessibilidade / Reportar erro

Cosmologia neo-newtoniana: um passo intermediário em direção à relatividade geral

Neo-newtonian cosmology: an intermediate step towards general relativity

Resumos

A cosmologia é um domínio da física no qual o emprego da teoria da relatividade geral é indispensável. No entanto, uma cosmologia baseada na teoria newtoniana da gravitação é possível em certas circunstâncias. O campo de aplicabilidade da teoria newtoniana pode ser substancialmente estendido caso ela seja modificada de forma a dar um papel mais ativo à pressão como fonte do campo gravitacional. Isto foi feito no âmbito da teoria neo-newtoniana. As limitações à construção de uma cosmologia newtoniana, e a consequente necessidade de uma teoria relativista em cosmologia, são revistas. A proposta de uma teoria neo-newtoniana é apresentada, e suas consequências para a cosmologia são abordadas.

cosmologia newtoniana; relatividade


Cosmology is a field of physics in which the use of general relativity theory is indispensable. However, a cosmology based on newtonian theory for gravity is possible in certain circumstances. The applicability of newtonian theory can be substantially extended if it is modified in such way that pressure has a more active role as source of the gravitational field. This was done in the neo-newtonian cosmology. The limitation on the construction of a newtonian cosmology, and the need for a relativistic theory in cosmology are reviewed. The neo-newtonian proposal is presented, and its consequences for cosmology are discussed.

newtonian cosmology; relativity


ARTIGOS GERAIS

Cosmologia neo-newtoniana: um passo intermediário em direção à relatividade geral

Neo-newtonian cosmology: an intermediate step towards general relativity

J.C. FabrisI,1 1 E-mail: fabris@pq.cnpq.br. ; H.E.S. VeltenII

IGrupo de Gravitação e Cosmologia, Departamento de Física, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil

IIFakultät für Physik, Bielefeld Universität, Postfach, Bielefeld, Germany

RESUMO

A cosmologia é um domínio da física no qual o emprego da teoria da relatividade geral é indispensável. No entanto, uma cosmologia baseada na teoria newtoniana da gravitação é possível em certas circunstâncias. O campo de aplicabilidade da teoria newtoniana pode ser substancialmente estendido caso ela seja modificada de forma a dar um papel mais ativo à pressão como fonte do campo gravitacional. Isto foi feito no âmbito da teoria neo-newtoniana. As limitações à construção de uma cosmologia newtoniana, e a consequente necessidade de uma teoria relativista em cosmologia, são revistas. A proposta de uma teoria neo-newtoniana é apresentada, e suas consequências para a cosmologia são abordadas.

Palavras-chave: cosmologia newtoniana, relatividade.

ABSTRACT

Cosmology is a field of physics in which the use of general relativity theory is indispensable. However, a cosmology based on newtonian theory for gravity is possible in certain circumstances. The applicability of newtonian theory can be substantially extended if it is modified in such way that pressure has a more active role as source of the gravitational field. This was done in the neo-newtonian cosmology. The limitation on the construction of a newtonian cosmology, and the need for a relativistic theory in cosmology are reviewed. The neo-newtonian proposal is presented, and its consequences for cosmology are discussed.

Keywords: newtonian cosmology, relativity.

1. Introdução

Por quase trezentos anos, as leis de Newton foram a melhor explicação para os fenômenos mecânicos e gravitacionais, os fenômenos relativos ao movimento dos corpos, incluindo os efeitos da atração gravitacional. Desde o Principia, de Newton, a mecânica e a gravitação newtonianas reinaram de forma absoluta no que tange à descrição daqueles fenômenos. Isso se deu até o começo do século XX, quando suas limitações ao descrever corretamente a mecânica de uma partícula no limite de altas velocidades tornaram-se evidentes. É a partir desse momento, que nos confrontamos com o advento das teorias relativistas, a restrita formulada em 1905 [1], e a geral, formulada em 1915 [2]. Estas duas teorias relativistas representaram uma revolução paradigmática na física (no sentido empregado por Thomas Kuhn [3]), a primeira no que se refere especificamente aos fenômenos mecânicos, ao estabelecer a existência de uma velocidade limite na natureza, e a segunda no que diz respeito à gravitação, ao substituir a noção de força gravitacional pela de curvatura do espaço-tempo. Os novos paradigmas criados por estas teorias relativistas determinariam uma nova direção para toda a física, e isto além dos limites originais. O impacto das teorias relativistas, notadamente da teoria geral da relatividade, foi particularmente determinante para a cosmologia.

Obviamente, a teoria da gravitação newtoniana não era capaz de fazer as mesmas predições que a relatividade geral (RG), ao passo que a RG podia reproduzir os resultados newtonianos no limite de campos fracos e baixas velocidades. Inevitavelmente, a cosmologia (onde tal aproximação de campo fraco e velocidades baixas dificilmente se aplica) passa a ser associada com à complexidade matemática existente na RG, principalmente devido ao uso da geometria Riemanniana e suas noções correlatas como a álgebra tensorial, variedades diferenciáveis, etc. Estando a RG ligada a uma geometria Riemanniana formulada em um espaço-tempo quadri-dimensional, parece ser a primeira vista impossível buscar o entendimento da dinâmica do Universo sem todo esse aparato matemático. O fato que a estrutura geométrica na qual a RG se baseia era quase que completamente estranha aos outros domínios da física, como, por exemplo, a então emergente mecânica quântica, foi uma das razões do relativo ostracismo que essa nova teoria da gravitação viveu entre os anos 30 e os anos 60, período que foi denominado de travessia do deserto por Eisenstaedt [4].

É natural esperar que teorias físicas mais complexas sejam precedidas por formulações mais elementares e não tão pretensiosas. Ocorre que, na década de 1930, os trabalhos de E.A. Milne e W.H. McCrea mostraram que a cosmologia poderia ser tratada não somente através da complexidade matemática e conceitual inserida na RG, mas também por uma formulação mais simples e elementar como a que encontramos na física newtoniana [5, 6]. Este é, talvez, um dos raros episódios na história da ciência onde ocorre uma inversão cronológica no desenvolvimento de alguma expertise. Desta forma, surge a possibilidade de utilizar um tratamento newtoniano, de grande simplicidade matemática, para problemas até então delegados somente à cosmologia relativista. De fato, como veremos na próxima seção, a cosmologia newtoniana é capaz de descrever a evolução do Universo durante toda a fase dominada pela matéria (definida pela condição de pressão nula, p = 0) onde as estruturas cósmicas como galáxias e aglomerados se formaram.

Apesar da formulação de Milne e McCrea ser suficiente para analisar muitos problemas dentro da cosmologia, havia uma grandeza fundamental que até então não era considerada: a pressão (p). A partir da RG sabemos que a pressão possui papel fundamental na dinâmica do Universo pois é capaz de induzir efeitos gravitationais assim como a própria matéria. A pressão "pesa" e, portanto, gravita. Para entender como a pressão influi na dinâmica do Universo basta olharmos as equações apresentadas abaixo, obtidas pelo matemático russo Alexander Friedmann em 1922 a partir das equações de Einstein, e que são as equações base da cosmologia relativista [7].

A teoria da relatividade geral é definida pelas equações de Einstein

onde Rµν é o tensor de Ricci dado por Rµν = , sendo , e R = gρσRρσ é o escalar de Ricci. Os índicesµ, ν, ρ,... designam as coordenadas espaço-temporais. O subscrito ";'' indica derivada covariante em uma geometria curva. São usadas nestas expressões a convenção de que índices repetidos implicam uma soma. A métrica gµν define a geometria, através da expressão da distância infinitesimal entre dois pontos no espaço-tempo

O termo Tµν define o conteúdo de matéria e energia. Para um fluido perfeito, esse tensor de momento-energia assume a forma,

Logo, as equações de Einstein conectam a geometria do espaço-tempo com a distribuição de matéria e energia.

A geometria que descreve um Universo homogêneo, isotrópico e que se expande é definida pela métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker (FLRW)

onde o parâmetro k indica se a seção espacial a tempo constante é o espaço euclideano (k = 0), uma tri-esfera (k = 1), ou uma tri-pseudo esfera (k = - 1). Com esta métrica, a componente 0-0 da equação de Einstein fornece

onde a é fator de escala do Universo (que define suas dimensões, por exemplo, ao raio da tri-esfera para o caso k = 1), k está associado, como foi dito, à curvatura do Universo, G é a constante universal da gravitação, c é a velocidade da luz e ρ é densidade de matéria-energia do Universo.

Ao mesmo tempo, a componente i – i desta equação fornece uma expressão para a segunda derivada do fator de escala

As Eqs. (6) e (7) podem ser combinadas, resultando em

A Eq. (8) fornece uma expressão para a aceleração do Universo em termos da densidade ρ e da pressão p, que são as componentes do tensor momento-energia, responsável por descrever as características físicas das distintas espécies de componentes de matéria e energia que preenchem o Cosmo (neutrinos, fótons, bárions, etc.). Uma outra informação é necessária para fechar este conjunto de equa cões e a obtemos, em geral, assumindo que a matéria constituinte do Universo é caracterizada por uma equação de estado p = p(ρ). Inserindo essa equação de estado na equação de conservação

que é a componente 0 – 0 da Eq. (2), obtemos o comportamento da densidade e, por conseguinte, todas as demais solu cões para a dinâmica do universo.

Com estes resultados, Friedmann observou a possibilidade de se obter um Universo dinãmico, onde seu comportamento dependeria unicamente de sua distribuição de matéria e energia. Até então, o conceito de um Universo estático ainda era fortemente defendido, inclusive por Einstein, que, com essa crença, havia introduzido em suas equações um termo chamado constante cosmológica Λ. No entanto, em 1929, Edwin Hubble, trabalhando no observatório do Monte Wilson, observou que as galáxias se afastavam umas das outras com uma velocidade proporcional à sua distância. Hubble teria acabado de demonstrar que o Universo, na verdade, está experimentando uma fase de expansão, ou seja, é dinâmico [8]. As descobertas de Hubble já tinham sido, de certa forma, antecipadas por Lemaître [9]. O crédito à descoberta da expansão do Universo é, hoje, objeto de discussão [10].

A constante cosmológica possui sua origem ligada à concepção de Einstein de que o Universo deveria ser estático. No entanto, grande parte das observações astronômicas, incluindo, principalmente, supernovas tipo Ia, indicam que o universo, já há aproximadamente 6 bilhões de anos, experimenta uma fase de expansão acelerada possivelmente causada por Λ. Na verdade, os indícios observacionais nos levam a acreditar que essa misteriosa constante Λ contribui com 70% da energia do Universo representando o que chamamos de energia escura. Os 30% restantes estariam divididos sob a forma de matéria escura (25%) e matéria bariônica (5%). Este cenário é conhecido como modelo cosmológico LCDM e figura como dinâmica padrão do Universo.

Em princípio, o modelo LCDM requer, para sua correta descrição, a RG. De uma forma mais geral, em qualquer modelo onde a pressão do constituinte deve desempenhar um papel dinâmico, requereria a RG. No entanto, é possível modificar a teoria newtoniana usual de maneira que a pressão assuma um papel relevante, mesmo em situações onde se supõe que o conteúdo de matéria e energia é homogêneo. Desta forma, modelos cosmológicos que guardam as características essenciais ditados pela teoria relativista podem ser construídos no âmbito de uma teoria newtoniana modificada. Isto implica um ganho excepcional em simplicidade matemática e conceitual.

Nosso objetivo aqui será expor o caminho percorrido pela cosmologia que levou ao que chamamos hoje de "cosmologia (neo-)newtoniana''. Na próxima seção, apresentamos as primeiras equações newtonianas, desenvolvidas por Milne e McCrea, em 1934, para um Universo preenchido por matéria não relativista (p = 0). Esse fluido dominou o Universo desde que sua idade era de aproximadamente 300.000 anos até "muito recentemente'', quando a energia escura passa a dominar a dinâmica cósmica. Na terceira seção mostramos como E.R. Harrison, na década de 1960, conseguiu incorporar a pressão nas equações da cosmologia newtoniana obtidas anteriormente. Essa modificação foi revisada e aprimorada posteriormente na Ref. [11]. Temos assim a chamada cosmologia neo-newtoniana e com isso, passamos a ter domínio da cosmologia durante os primeiros 300.000 anos da história do Universo, a época dominada pela radiação (p = ρ /3), que é imediatamente anterior a fase da matéria (p = 0). A última e atual fase, dominada pela energia escura, também se beneficiará da cosmologia neo-newtoniana. Como em uma fase de expansão acelerada temos > 0, as equações de Friedmann nos dizem que a energia escura deve apresentar uma pressão negativa (veja equação 8).

Para uma série de trabalhos sobre a teoria relativista recomendamos ao leitor a edição I/2005 da RBEF dedicada aos cem anos da relatividade. Em especial, a evolução da cosmologia nestes cem anos estão expostas na Ref. [12]. Uma importante discussão sobre a cosmologia newtoniana também aparece na Ref. [13].

2. Cosmologia newtoniana

O primeiro trabalho realizado com o propósito de buscar uma alternativa para a cosmologia relativista foi feito por E.A. Milne em 1934 [5]. Nele foi pela primeira vez observada a possibilidade de uma abordagem distinta da relativista para a cosmologia. Em 1929, as observações de Hubble forneceram fortes evidências em favor da expansão do Universo. O mecanismo relativista para explicar as observações de Hubble considerava que o Universo, como um todo, possuia uma dinâmica associada à expansão. Quer dizer, todo o Universo relativístico expande. Por outro lado, a formulação proposta por Milne remetia a um Universo estático, newtoniano, onde a expansão observada é devida aos movimentos de partículas (galáxias, estrelas, etc.) neste espaço estático - em uma linguagem mais técnica, as obsevações da expansão seriam devido ao campo peculiar de velocidades. Com isso, partículas se afastando umas das outras em um Universo estático (newtoniano) forneceriam a mesma observação que partículas imóveis em um Universo que se expande (relativístico). Ao contrário da RG, a proposta de Milne preteria uma modificação na geometria, afim de manter uma geometria Euclideana. A principal vantagem apontada por Milne para essa abordagem, era a utilização do espaço-tempo de Minkowski, que é o espaço-tempo da relatividade restrita e, por extensão, da teoria de campos, clássica e quântica. Esta afirmação de Milne é fundamentada pelas palavras do próprio Albert Einstein [14]: ''Pode-se considerar o mundo de Minkowski, do ponto de vista formal, como um espaço euclidiano quadridimensional (com coordenada temporal imaginária)''. Por outro lado, a grande diferença entre a cosmologia newtoniana e relativista é a interpretação das quantidades físicas que aparecem em suas equações. Na cosmologia newtoniana o tempo t é um tempo absoluto, enquanto que, o tempo τ, relativístico, é o tempo cósmico (tempo medido por um observador co-móvel). No entanto, exceto essa questão, vale-se ressaltar que cosmologias relativista e newtoniana predizem, localmente, os mesmos resultados. Esse fato nos leva a uma questão: por que a teoria newtoniana e a relatividade geral, quando aplicadas a um Universo uniforme, levam aos mesmos resultados?

Em um trabalho seguinte [6], Milne e McCrea fundamentaram o que, posteriormente, viria a ser chamado de cosmologia newtoniana [15]. Este trabalho é, na verdade, uma generalização do anterior. No entanto, seu grande mérito foi a obtenção da equação de Friedmann (6-8), para o fator de escala do Universo, a partir de um tratamento puramente newtoniano. Assim, utilizando apenas as leis da dinâmica e gravitação newtoniana eles mostraram que as equações relativistas poderiam ser obtidas através de uma abordagem muito mais simples. Para isso, as únicas considerações utilizadas foram o princípio cosmológico, caracterizando a homogeneidade e isotropia do Universo e a exigência de que a pressão é pequena o suficiente, quando comparada à densidade, para que pudesse ser desprezada. Dessa forma, Milne e McCrea encontraram que a equação newtoniana, responsável por reger a evolução de uma partícula de massa m e energia total E localizada a uma distância R do centro de uma esfera homogênea e isotrópica, constituída de matéria com densidade ρ (t) é

Este resultado possui uma íntima relação com a segunda lei de Newton. Para isso, basta considerar uma partícula de massa m situada a uma distância R do centro de uma distribuição esférica de matéria, com massa M interior a R, caracterizada por uma densidade ρ = 3M/4ρR3. Naturalmente, as leis de Newton tratam este problema como se toda massa M estivesse concentrada no centro dessa distribuição. Assim, a força newtoniana exercida sobre a massa m é

que coincide com a equação relativística para a evolução da matéria (p=0).2 2 Mais tarde se verá que não é necessário considerar p = 0 e sim que a pressão é homogênea. Se usarmos M = teremos

Se assumimos que a densidade varia de acordo com ρ = ρ0, onde R0 é uma constante, e multiplicarmos a Eq. (12) por , o resultado pode ser integrado obtendo-se uma equação formalmente idêntica à Eq. (6). Porém, a constante de integração que surge neste procedimento possui uma interpretação distinta ao seu análogo k na Eq. (6). Na teoria newtoniana, esta quantidade é a energia por unidade de massa do sistema.

O grande resultado desses trabalhos foi mostrar que as predições locais das cosmologias newtonianas e relativísticas são exatamente as mesmas, já que muitos de seus resultados básicos são algebricamente equivalentes, quando p = 0. Com isso a cosmologia newtoniana torna-se útil como uma primeira aproximação para a cosmologia, para só então, em uma etapa posterior, se fazer necessário o uso da RG. Para se ter uma ideia de sua utilidade, as simulações numéricas que tentam reproduzir, com auxílio de super-computadores, a distribuição de massa do Universo utilizam o modelo newtoniano (veja http://www.deus-consortium.org/ e http://www.mpa-garching.mpg.de/galform/millennium/).

A similaridade entre a Eq. (10) e a Eq. (6) é notável. Se considerarmos = k, percebe-se que essas equações são idênticas. Contudo, essa correspondência implica em uma série de consequências, de natureza teórica e interpretativa, que criam divergências sobre esta dedução das equações cosmológicas.

Um dos primeiros críticos da idéia de uma abordagem newtoniana para o problema cosmológico foi David Layzer. Em 1954, Layzer, após a demonstração de dois teoremas, conclui que a teoria de Milne e McCrea possui limitações pricipalmente ao tratar de sistemas não ligados. Além disso, a cosmologia newtoniana, assim como proposta por Milne e McCrea, trata apenas de distribuições finitas de matéria em um espaço euclideano infinito com matéria distribuída de maneira homogênea e isotrópica [15]. Por outro lado, os defensores da cosmologia newtoniana, incluindo o próprio McCrea,3 3 No entanto, não mais Milne que havia falecido em 1950. baseavam-se em argumentos atribuídos a H. Bondi [16], que afirmavam que a cosmologia newtoniana poderia ser utilizada em regiões finitas do Universo formando um sistema isolado, o que tornaria viável o uso da cosmologia newtoniana, ao menos para as aplicações vislumbradas na época. Em sistemas isolados, alguns dos problemas principais associados a uma distribuição de matéria que se estende ao infinito podem ser contornados.

De fato, podemos citar duas dificuldades conceituais principais relativas à construção de uma cosmologia newtoniana. Tal cosmologia implica, se se usa o princípio cosmológico, que a matéria deve se distribuir de forma homogênea e infinita. Em tal circunstância, como o campo gravitacional se estende também infinitamente, não há como definir um referencial inercial onde a segunda lei seria aplicada. Em segundo lugar, em uma distribuição infinita, se um ponto de referência qualquer é escolhido e tenta-se calcular, usando a lei de Gauss, a força gravitacional sobre uma partícula teste situada a uma distância r daquele ponto arbitrário, a intensidade da força sobre a partícula teste, assim como a sua direção, dependem do ponto central escolhido. Tal dificuldade parece estar ligada ao problema do uso da lei de Gauss em um sistema onde o campo não se anula no infinito, e onde a definição de sistema inercial não é possível. Na Ref. [17] uma solução apontada foi a admitir que a definição de sistema inercial é possível apenas localmente, utilizando a noção de queda livre.4 4 Le système de chaque observateur est inertiel, localement, mais les différents observateurs peuvent avoir un mouvement accéleré les uns par rapport aux autres. Ceci n'est pas admissible au sens strict de la Mécanique Classique mais, aussi longtemps que chaque observateur n'utilise que son propre système, aucune difficulté ne surgit [17].

Destaca-se ainda, no entanto, uma segunda volta a este debate situada no fim do século XX. Em uma série de artigos voltados para a filosofia da ciência, John Norton revive essa discussão alegando que a teoria newtoniana determina, de maneira inconsistente, a força gravitacional quando aplicada a uma distribuição homogênea de massa [18]. Seu argumento tem como base a representação integral para a força gravitacional ∫Gρ(r') (r - r')|r - r'|-3dV', que é geralmente encontrada nos livros texto - se a densidade se mantém finita em uma distribuição homogênea que se estende até o infinito, esta integral se torna divergente e o campo gravitacional g dependeria das condições de contorno no infinito. Como ilustração, se imaginarmos uma esfera de raio R, o teorema de Gauss fornece g = -(4π/3)Gρr para ρ < R. Este resultado não muda se R→ ∞, logo, concluímos que g é bem definido em qualquer ρ finito. Suponha, no entanto, uma distribuição esferóide (uma esfera alongada, de certa ecentricidade ε). A única diferença na distribuição de massa seria na camada entre o esferóide e sua esfera circuscrita e, logo, g mudaria, exceto no centro desse sistema. Com isso, o campo gravitacional depende das condições de contorno impostas no infinito. Como solução, Norton sugere modificar a teoria da gravitação newtoniana, impondo o que ele chama de "relatividade da aceleração'' [19]. Por outro lado, David Malament [20] observa que as dificuldades apontadas por Norton são artefatos da formulação integral e desaparecem se passamos a considerar uma formulação "geometrizada'' da gravitação. Por formulação geometrizada, Malament refere-se ao uso de técnicas introduzidas por Cartan [21] e Friedrichs [22] nos anos de 1920, para reconstruir uma teoria da gravitação que possui resultados observacionais idênticos aos da teoria original newtoniana. Uma moderna revisão desse formalismo pode ser encontrado em [23]. Contudo, mesmo em meio a críticas e sucessos, a teoria de Milne e McCrea figurou durante o século 20 como importante aproximação para o problema cosmológico.

O espaço da cosmologia newtoniana é estático, logo, é o movimento de partículas neste espaço que promove a expansão do Universo observada. Dessa forma, é necessário descrever o movimento dessas partículas através de algum conjunto de equações. A homogeneidade e isotropia do Universo motivam o chamado princípio cosmológico. Uma das principais observações que indicam esta característica é a Radiação Cósmica de Fundo. Além disso, em grandes escalas, a distribuição de matéria praticamente não apresenta flutuações (não homogeneidades), o que indica que podemos tratar o Universo como se fosse preenchido por um fluido, assumindo assim a hipótese do contínuo. Segundo esta hipótese, para atribuir o caráter de fluido à uma substância, é necessário que o menor elemento de volume considerado contenha um número suficiente de "partículas'' para que as propriedades médias da substância variem de maneira contínua. No caso de assumirmos que o Universo possui este comportamento, as equações que são utilizadas para descrever o movimento desse fluido são as equações da hidrodinâmica usual [24]. Com isso, a dinâmica das partículas constituintes do Universo, caracterizada por uma interação gravitacional, pode ser descrita pelas seguintes equações:

1) da continuidade (conservação da matéria),

2) de Euler (segunda lei de Newton, incluindo o efeito da pressão e do campo gravitacional, escrita em coordenadas Eulerianas),

3) de Poisson (lei da gravitação newtoniana),

onde ρ é a densidade do fluido, u é o campo de velocidades, Ψ é o potencial gravitacional e p a pressão do fluido. A pressão é descrita por uma equação do tipo p = p(ρ), denominada equação de estado do fluido. Estas são as equações de um fluido ordinário na presença do campo de gravitação [24]. Um modelo cosmológico pode ser construído, incorporando a expansão do universo, a homogeneidade e a isotropia, supondo

onde a = a(t) é uma função do tempo, que define a escala do Universo. A inserção destas expressões nas Eqs. (13,14,15) conduz à equação de Friedmann. Observe-se que, como nas equações acima aparece apenas o gradiente espacial da pressão, uma pressão suposta homogênea não contribui para a dinâmica do sistema.

3. Cosmologia neo-newtoniana

Como já exposto, o trabalho realizado por Milne e McCrea em 1934 mostrou que as equações relativísticas para a dinâmica do Universo poderiam ser obtidas através de um tratamento newtoniano considerando um caso onde a pressão é nula. Naturalmente, o próximo passo no aprimoramento de uma cosmologia newtoniana seria considerar a pressão desse suposto fluido cósmico. Esta generalização foi feita pelo prórpio McCrea em 1951 [25] e posteriormente aperfeiçoada por E.R. Harrison em 1965 [26], resultando no que chamamos de cosmologia neo-newtoniana.

McCrea mostrou que, afim de se fazer prevalecer a analogia entre os casos newtoniano e relativista, é necessário a adoção de dois conceitos físicos da relatividade. Primeiro, manter a equivalência entre massa e energia, através do fator c2. Além disso, assumir a possibilidade de distinção entre massa inercial e gravitacional. Isso porquê, seria fundamental considerar que a densidade de massa gravitacional σ de uma distribuição de matéria e energia era fornecida por [27]

onde Tii são as componentes diagonais do tensor momento-energia presente na equação de Einstein e definido anteriormente. Essas componentes são escritas como

Nas expressões acima, utilizou-se que u0 = u0 = 1, ui = ui= 0 e que . Com isso, a densidade de massa gravitacional é escrita por

Esta combinação é a que determina, na relatividade geral, a convergência das geodésicas. Sua positividade corresponde à condição de energia forte [28]. Para um Universo preenchido por um fluido de densidade ρ e pressão p, em expansão, e considerando que um observador em um ponto O descreve a velocidade de um objeto na posição q em relação a O como dq /dt = H(t) q, sua aceleração é fornecida por

Se o observador em O vê todo o espaço ao seu redor esfericamente simétrico então o módulo da força gravitacional exercida sobre o objeto em q pela massa contida no interior de uma esfera de raio q será GM/q2. É neste ponto que deve-se considerar que a densidade de massa é fornecida por σ [27]. Assim, quando considerarmos a aceleração da partícula, Eq. (20), devida à força gravitacional, teremos

Quando identificamos H (t) com o fator de escala do universo através da lei de Hubble, H (t) = , encontramos a partir da equação acima as equações de Friedmann descritas na primeira seção. Dessa maneira, McCrea conseguiu coincidir suas novas equações diferenciais, obtidas para o fator de escala do Universo, com as equações de Friedmann para o caso com pressão não nula, apenas considerando uma simetria esférica e um Universo homogêneo e isotrópico.

Posteriormente, em 1965, Harrison, sem utilizar qualquer conceito proveniente da relatividade, obtém os mesmos resultados encontrados por McCrea em 1951. Harrison utilizou o conceito de microcosmo, onde o Universo seria particionado em células de volume infinitamente pequeno imersas em um espaço-tempo plano. Estas células, não importando o quão pequenas sejam, estão em cada instante com o mesmo conteúdo, ou seja, são indistinguíveis. O estado de cada célula é independente do seu volume. Com isso, quando fazemos o volume da célula tender a zero, a métrica no interior da célula permanece plana como na relatividade especial. Assim, como o princípio cosmológico aplicado a um fluido perfeito garante a homogeneidade e isotropia do Universo, pode se dizer o mesmo sobre o conceito de microcosmo de Harrison. O que Harrison concluiu foi que o modelo de microcosmo não necessita de conceitos advindos da relatividade geral. Dessa forma, utilizando apenas o formalismo da relatividade especial associado à primeira lei da termodinâmica e as equações hidrodinâmicas, Harrison obteve resultados idênticos aos de McCrea.

Como resultado dos trabalhos de Harrison e McCrea, obtemos a cosmologia neo-newtoniana, cujas equações hidrodinâmicas são as seguintes [26]

1) equação da continuidade,

2) equação de Euler ,

3) equação de Poisson ,

Na equação da continuidade e de Euler, considera-se que a corrente de matéria é dada por (ρ + p/c2) v. Esta identificação esta associada ao fluxo de energia. Por exemplo, em uma teoria relativista a positividade de ρ + p/c2 assegura que esse fluxo de energia esta conectado a um vetor do tipo tempo, sem violação da causalidade [28]. Nestas equações, todas as noções da física newtoniana são mantidas, como por exemplo, tempo absoluto, espaço Euclideano e força gravitacional. Neste conjunto de equações a pressão possui um papel muito mais notável. A densidade de massa gravitacional (σ) que compõe a equação de Poisson é fornecida pela Eq. (19). As soluções das Eqs. (22-24) fornecem a descrição da evolução da dinâmica do Universo na presença de um fluido perfeito com pressão p. Entretanto, em um trabalho mais recente, Lima e cols. [11] mostraram que essas equações não são satisfatórias a nível perturbativo. Quando introduzimos pequenas não homogeneidades nessas equações, com o objetivo de estudar o processo de formação das estruturas cósmicas como galáxias e aglomerados, não é possível obter a equação análoga à obtida na teoria relativista. Uma vez que a teoria relativista prediz o crescimento observado das estruturas cósmicas, obviamente, isso seria um forte argumento contra o uso da cosmologia neo-newtoniana. Estes autores resolveram este problema redefinindo a equação da continuidade (22) através de argumentos termodinâmicos. Assim, a forma correta para a equação da continuidade na cosmologia neo-newtoniana é, definitivamente

No entanto, note que esta foi a forma utilizada originalmente por McCrea. O último termo dessa equação está relacionado ao trabalho (dτ = πdV) necessário para expandir uma esfera de um volume V até V + dV

onde usamos a relação de Hubble u = r.

Uma questão que surge imediatamente é se as modificações introduzidas nas Eqs. (22-24) não seriam passíveis de serem medidas em laboratório. Afinal, essas novas equações representam uma modificação da hidrodinâmica usual. Mas, é preciso observar que a mudança consiste principalmente em adicionar a pressão divididada pela velocidade da luz ao quadrado. Podemos realizar uma estimativa simples do efeito desta mudança. Essencialmente, ela consiste em introduzir uma "densidade de matéria'' dada por p/c2. Se considerarmos a pressão no fundo de uma fossa submarina, digamos a 10.000 metros, essa pressão seria dada por109 N/m2, isto implicaria em acrescentar uma densidade de matéria da ordem de 10-9 kg/m3, o que corresponde a modificar a densidade da água por um fator de 10-12. Isto equivale à ordem de grandeza dos efeitos relativistas para os sistemas usuais que encontramos no laboratório. No entanto, efeitos típicos de uma hidrodinâmica relativista (que é mimetizado, de uma certa forma, pela teoria neo-newtoniana) podem aparecer em colisões de íons pesados [29].

3.1. Universo estático e o papel de L na cosmologia neo-newtoniana

As mais diversas observações indicam que a dinâmica do Universo deve ser muito próxima- talvez exatamente- ao que é fornecida pelo modelo ΛCDM, brevemente descrito na primeira seção. Na verdade, o modelo ΛCDM é o resultado de uma modificação na equação de Einstein que inclui a constante Λ. Não vamos discutir aqui a estrutura tomada pela equação de Einstein, mas sim suas soluções. Nesse caso, após assumirmos que a gravitação relativista está acoplada ao termo Λ, as Eqs. (6-8) tornam-se

Efetivamente, podemos notar que as equações acima podem ser obtidas a partir das Eqs. (6-8) se assumirmos que a densidade e a pressão podem ser reinterpretadas através da substituições

Vamos assumir agora a validade destas redefinições e modificar as equações da cosmologia neo-newtoniana segundo a Eq. (30). Por exemplo, a equação neo-newtoniana (21) para a aceleração torna-se algebricamente idêntica a sua versão relativista (29). As equações da continuidade e de Euler são invariantes sob a transformação (30), uma vez que envolvem combinações ρ +. A principal diferença ao impormos as substituições na Eq. (30) surge ao analisarmos a equação de Poisson neo-newtoniana (24) resultando em

A equação acima admite como solução um potencial constante. De certa forma, esta equação está de acordo com a proposta feita por Einstein. Na defesa por um Universo estático, Einstein argumentou que um Universo com densidade constante deveria ter um potencial constante, de forma que a aceleração a = –∇ϕ não exista. Essa proposta não é compatível com a equação de Poisson (15), o que o fez propor

onde λ seria a face newtoniana da constante cosmológica Λ. Um maneira moderna de reescrever a Eq. (32) é definir tal que: ∇2Ψ = 4πG (ρ - ρv). Nesta proposta, a constante cosmológica torna-se solução do problema, no sentido que contém o potencial gravitacional a ser determinado. Assim, o novo termo λ, na verdade, pode ser interpretado como uma densidade de matéria com propriedades anti-gravitacionais. Isso implica que o vácuo, ou seja, a ausência de matéria ordinária (ρ = 0), atuaria como fonte repulsiva de gravidade, que é o efeito associado à energia escura.

Mesmo que uma interpretação da constante cosmologia não seja trivial dentro da cosmologia neo-newtoniana (segundo as transformações (30)), devemos lembrar que não sabemos se o termo L realmente existe na natureza. Na verdade, existe um forte argumento contra sua existência, o chamado problema da constante cosmológica. Se assumimos que L é associada ao vácuo quântico, e que tal estado é descrito pela teoria quântica de campos até a escala de Planck, então o valor teórico para a constante cosmológica é Λth ~ , onde Mpl é a massa de Planck. Por outro lado, como as observações nos dizem que o Universo é dominado pela energia escura, podemos inferir que seu valor observado é Λobs ~ 10-120 . Uma diferença de 120 ordens de magnitude! Uma alternativa a este cenário é admitir que a energia escura é descrita por um campo escalar (quintessência), descrita pela equação de estado pde = wdeρde. Como resultado, as observações indicam que wde ~ -1. Dentro desta proposta, o estudo da energia escura e suas propriedades não apresentam os mesmo problemas que Λ, pois tratamos de um fluido com pressão, assim como necessitamos na cosmologia neo-newtoniana.

4. Observações finais

Nosso objetivo nesse trabalho foi mostrar como tornou-se possível compreender a cosmologia sob um ponto de vista newtoniano. Geralmente na ciência parte-se do "mais simples'' para o "mais complexo''. Mas não foi exatamente isso o que aconteceu com a cosmologia. A cosmologia newtoniana surgiu apenas após os resultados relativistas, que compreendem uma matemática bem mais complicada. Não há dúvidas que a RG fornece a melhor descrição para os fenômenos físicos que observamos no universo. Isso, inclusive, foi abordado pelo próprio McCrea ao deixar claro que eles não estavam sugerindo que a cosmologia newtoniana eliminasse a necessidade do tratamento relativista em grandes escalas [30]. No entanto, o que se observa é que a cosmologia newtoniana pode simplificar o tratamento e fornecer as primeiras interpretações físicas do problema estudado.

Abordamos nesse trabalho desde os resultados de McCrea e Milne na década de 1930 até a formulação final de Harrison já na década de 1960, onde a pressão foi incorporada à cosmologia newtoniana (sem nenhuma interpretação da RG), dando origem a cosmologia neo-newtoniana. Em todo esse processo, percebemos que a crítica a essa formulação, que é uma abordagem simples para a cosmologia, sempre esteve muito presente e ainda é fonte de debate. Talvez, a questão principal seja, sobretudo, como estender resultados da teoria da gravitação newtoniana local, que são muito bem testados em simples experimentos, para um novo laboratório como o cosmos onde as escalas de distâncias extrapolam o limite observado pelos melhores telescópios. Ao mesmo tempo, todo esse novo sistema, que deve compreender um espaço euclideano infinito, deve ser preenchido por matéria de maneira homogênea e isotrópica. Isso tudo gerou uma série de questionamentos que alcançaram, inclusive, o campo filosófico.

Todo o criticismo que circunda a cosmologia newtoniana leva, em paralelo, a muitas alternativas para o problema cosmológico, que incluem alterações na gravitação newtoniana para que esta se torne uma descrição eficaz da cosmologia. Para o problema de grandes escalas, talvez a primeira proposta tenha sido do astrônomo alemão Hugo Seeliger ainda no final do século XIX. Seeliger acreditava que ou a lei de força variando com o inverso do quadrado da distância estaria errada, ou "a matéria total do universo deveria ser finita, ou ainda melhor, infinitas grandes partes do universo não deveriam ser preenchidas com massa ou uma densidade finita''.5 5 "muss die Gesammtmaterie des Weltalls endlich sein oder genauer ausgedrückt, es dürfen nicht endlich grosse Theile des Raumes mit Masse von endlicher oder Dichtigkeit erfüllt sein'' [31]. Isso fez Seeliger propor uma nova lei de força FS a partir de uma modificação da lei newtoniana FN do tipo FS = FN e-λr, onde o fator de atenuação seria mais importante a partir de uma distância ρ dada uma constante λ [31]. Como bônus, Seeliger descobriu que conseguiria resolver o problema do periélio de Mercúrio se adotasse λ = 3.8×10-7m-1. Entretanto, esse valor, inevitavelmente, levaria a efeitos não observados nas órbitas dos outros planetas do sistema solar. Um série de outras propostas surgiram após Seerling e uma interessante discussão sobre esses avanços pode ser encontrada em [32].

Aparentemente os resultados obtidos com a cosmologia neo-newtoniana são compatíveis com a RG. Existem, porém, alguns trabalhos onde é verificado que a gravitação efetiva diverge da newtoniana em escalas cosmológicas [33]. Por outro lado, uma recente análise relativista para um particular modelo de matéria/energia chamado gás de Chaplygin generalizado6 6 O gás de Chaplygin generalizado é um fluido, que se apresenta como candidato para o problema da matéria/energia escura, caracterizado por uma equação de estado , onde A e α são constantes. [34] confirmou resultados anteriores obtidos com a análise neo-newtoniana [35]. Isso nos dá mais uma indicação que mesmo para cenários mais complexos, e ainda sem solução, como o problema da matéria e energia escura, existe a possibilidade de se obter resultados confiáveis sem os altos custos matemáticos da relatividade geral.

A comparação entre cosmologias newtonianas e relativistas não se limita ao nível da expansão de fundo do Universo, assim como focamos neste texto. Um próximo passo nessa discussão envolve o processo de formação das estruturas cósmicas onde é necessário desenvolver um formalismo perturbativo para as grandezas físicas. Ainda temos muito o que aprender a partir das observações da distribuição de matéria (galáxias reais), como também das simulações numéricas que tentam reproduzir tais dados. Curiosamente tais simulações, que utilizam a física newtoniana, já atingem até mesmo escalas maiores do que o raio de Hubble. Mas afinal, seria a cosmologia newtoniana ainda válida neste caso? Este é um tema que se encontra na vanguarda da pesquisa em cosmologia (veja recentes publicações na Ref. [36]). Pretendemos abordar com mais detalhes este ponto em uma futura comunicação.

Agradecimentos

HESV agradece apoio do DFG através do projeto RTG 1620 "Models of Gravity''. Agradecemos também ao CNPq e FAPES pelo apoio financeiro. A versão final desse manuscrito contou com as valiosas sugestões de Antônio Brasil Batista e Oliver F. Piattella.

References

[1] A. Einstein, Sitz. Preuss. Akad. Wiss. Phys. 142, (1917); Ann. Phys. 69, 436 (1922).

[2] A. Einstein, Annalen der Physik 49, 769 (1916).

[3] T.S. Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas (Editora Perspectiva, São Paulo, 1982), trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira.

[4] J. Eisenstaedt, Einstein et la Relativité Générale ('Editions du CNRS, Paris, 2002).

[5] E.A. Milne, Quart. J. Math. 5, 64 (1934).

[6] E.A. Milne and W.H. McCrea, Quart. J. Math. 5, 73 (1934).

[7] A. Friedmann, Z. Phys. 10, 377 (1922).

[8] E.P. Hubble, Publ. Natu. Acad. Sci. 15, 168 (1929).

[9] G. Lemaître, Ann. Soc. Sci. de Bruxelles 47, 49 (1927).

[10] S. van den Bergh, arXiv:1108.0709.

[11] J.A.S. Lima, V. Zanchin and R. Brandenberger, MNRAS 291, L1 (1997).

[12] I. Waga, Revista Brasileira de Ensino de Física 27, 157 (2005)

[13] M.B. Ribeiro, Boletim da Soc. Astronômica Brasileira 14, 34 (1994).

[14] A. Einstein, Teoria da Relatividade Especial e Geral (Contraponto, Rio de Janeiro, 1999).

[15] D. Layzer, Astron. J. 59, 258 (1954).

[16] H. Bondi, Cosmology, (Cambridge university Press, Cambridge, 1952).

[17] S. Mavridès, L'Univers Relativiste (Masson et cie, Paris, 1973).

[18] J. Norton, in: PSA 1992: Proceedings of the 1992 Biennial Meeting of the Philosophy of Science Association, edited by M. Forbes, D. Hull and K. Okruhlik (Philosophy of Science Association,East Alnsing, 1993), v. 2, p. 412-420.

[19] J. Norton, Philosophy of Science 62, 511 (1995).

[20] D. Malament, Philosophy of Science 62, 489 (1995).

[21] E. Cartan, Annales Scientifiques de l'Ecole Normale Supérieure 40, 325 (1923); Annales Scientifiques de l'Ecole Normale Supérieure 41, 1 (1924).

[22] K. Friedrichs, Mathematische Annalen 98, 566 (1927).

[23] F.J. Tipler, Am. J. Phys. 64, 10 (1996).

[24] L. Landau and E. Lifchitz, Mécanique des Fluides (Éditions Mir, Moscou, 1967).

[25] W.H. McCrea, Proc. R. Soc. London 206, 562 (1951).

[26] E.R. Harrison, Ann. Phys (N.Y.) 35, 437 (1965).

[27] E.T. Whittaker, Proc. Roy. Soc. A 149, 384 (1935).

[28] S.W. Hawking and G.F.R. Ellis, Large Scale Structure of Space-Time (Cambridge University Press, Cambridge, 1973).

[29] J-Y. Ollitrault, Eur. J. Phys. 29, 275 (2008).

[30] W.H. McCrea, Astron. J. 60, 27 (1955).

[31] H. von Seeliger, Astronomische Nachrichten 137, 129 (1895).

[32] J. Norton, in The Expanding Worlds of General Relativity: Einstein Studies, edited by H. Goenner, J. Renn, J. Ritter and T. Sauer (Birkhauser, Boston, 1999), v. 7, p. 271-322.

[33] A. Shirata, T. Shiromizu, N. Yoshida and Y. Suto, Phys. Rev. D 71, 064030 (2005).

[34] J.C. Fabris, H.E.S. Velten and W. Zimdahl, Phys. Rev. D 81, 087303 (2010).

[35] J.C. Fabris, S.V.B. Gonçalves, H.E.S. Velten and W. Zimdahl, Phys. Rev. D 78, 103523 (2008).

[36] S.R. Green and R.M. Wald, Phys. Rev. D 85, 063512 (2012); N.E. Chisari and M. Zaldarriaga, Phys. Rev. D 83, 123505 (2011); S. Rasanen, Phys. Rev. D 81, 103512 (2010).

Recebido em 29/6/2012; Aceito em 22/8/2012; Publicado em 7/12/2012

  • [1] A. Einstein, Sitz. Preuss. Akad. Wiss. Phys. 142, (1917);
  • Ann. Phys. 69, 436 (1922).
  • [2] A. Einstein, Annalen der Physik 49, 769 (1916).
  • [3] T.S. Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas (Editora Perspectiva, São Paulo, 1982), trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira.
  • [4] J. Eisenstaedt, Einstein et la Relativité Générale ('Editions du CNRS, Paris, 2002).
  • [5] E.A. Milne, Quart. J. Math. 5, 64 (1934).
  • [6] E.A. Milne and W.H. McCrea, Quart. J. Math. 5, 73 (1934).
  • [7] A. Friedmann, Z. Phys. 10, 377 (1922).
  • [8] E.P. Hubble, Publ. Natu. Acad. Sci. 15, 168 (1929).
  • [9] G. Lemaître, Ann. Soc. Sci. de Bruxelles 47, 49 (1927).
  • [10] S. van den Bergh, arXiv:1108.0709.
  • [11] J.A.S. Lima, V. Zanchin and R. Brandenberger, MNRAS 291, L1 (1997).
  • [12] I. Waga, Revista Brasileira de Ensino de Física 27, 157 (2005)
  • [13] M.B. Ribeiro, Boletim da Soc. Astronômica Brasileira 14, 34 (1994).
  • [14] A. Einstein, Teoria da Relatividade Especial e Geral (Contraponto, Rio de Janeiro, 1999).
  • [15] D. Layzer, Astron. J. 59, 258 (1954).
  • [16] H. Bondi, Cosmology, (Cambridge university Press, Cambridge, 1952).
  • [17] S. Mavridès, L'Univers Relativiste (Masson et cie, Paris, 1973).
  • [18] J. Norton, in: PSA 1992: Proceedings of the 1992 Biennial Meeting of the Philosophy of Science Association, edited by M. Forbes, D. Hull and K. Okruhlik (Philosophy of Science Association,East Alnsing, 1993), v. 2, p. 412-420.
  • [19] J. Norton, Philosophy of Science 62, 511 (1995).
  • [20] D. Malament, Philosophy of Science 62, 489 (1995).
  • [21] E. Cartan, Annales Scientifiques de l'Ecole Normale Supérieure 40, 325 (1923);
  • Annales Scientifiques de l'Ecole Normale Supérieure 41, 1 (1924).
  • [22] K. Friedrichs, Mathematische Annalen 98, 566 (1927).
  • [23] F.J. Tipler, Am. J. Phys. 64, 10 (1996).
  • [24] L. Landau and E. Lifchitz, Mécanique des Fluides (Éditions Mir, Moscou, 1967).
  • [25] W.H. McCrea, Proc. R. Soc. London 206, 562 (1951).
  • [26] E.R. Harrison, Ann. Phys (N.Y.) 35, 437 (1965).
  • [27] E.T. Whittaker, Proc. Roy. Soc. A 149, 384 (1935).
  • [28] S.W. Hawking and G.F.R. Ellis, Large Scale Structure of Space-Time (Cambridge University Press, Cambridge, 1973).
  • [29] J-Y. Ollitrault, Eur. J. Phys. 29, 275 (2008).
  • [30] W.H. McCrea, Astron. J. 60, 27 (1955).
  • [31] H. von Seeliger, Astronomische Nachrichten 137, 129 (1895).
  • [32] J. Norton, in The Expanding Worlds of General Relativity: Einstein Studies, edited by H. Goenner, J. Renn, J. Ritter and T. Sauer (Birkhauser, Boston, 1999), v. 7, p. 271-322.
  • [33] A. Shirata, T. Shiromizu, N. Yoshida and Y. Suto, Phys. Rev. D 71, 064030 (2005).
  • [34] J.C. Fabris, H.E.S. Velten and W. Zimdahl, Phys. Rev. D 81, 087303 (2010).
  • [35] J.C. Fabris, S.V.B. Gonçalves, H.E.S. Velten and W. Zimdahl, Phys. Rev. D 78, 103523 (2008).
  • [36] S.R. Green and R.M. Wald, Phys. Rev. D 85, 063512 (2012);
  • N.E. Chisari and M. Zaldarriaga, Phys. Rev. D 83, 123505 (2011);
  • S. Rasanen, Phys. Rev. D 81, 103512 (2010).
  • 1
    E-mail:
  • 2
    Mais tarde se verá que não é necessário considerar
    p = 0 e sim que a pressão é homogênea.
  • 3
    No entanto, não mais Milne que havia falecido em 1950.
  • 4
    Le système de chaque observateur est inertiel, localement, mais les différents observateurs peuvent avoir un mouvement accéleré les uns par rapport aux autres. Ceci n'est pas admissible au sens strict de la Mécanique Classique mais, aussi longtemps que chaque observateur n'utilise que son propre système, aucune difficulté ne surgit [17].
  • 5
    "muss die Gesammtmaterie des Weltalls endlich sein oder genauer ausgedrückt, es dürfen nicht endlich grosse Theile des Raumes mit Masse von endlicher oder Dichtigkeit erfüllt sein'' [31].
  • 6
    O gás de Chaplygin generalizado é um fluido, que se apresenta como candidato para o problema da matéria/energia escura, caracterizado por uma equação de estado
    , onde
    A e
    α são constantes.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      29 Jun 2012
    • Aceito
      22 Ago 2012
    Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: marcio@sbfisica.org.br