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Demonstração algébrica das condições de ocorrência do desvio mínimo em um prisma de base triangular

Demonstration of the necessary conditions for occurrence of the minimum deviation in a triangular base prism

Resumos

Apesar da situação de desvio mínimo de um raio de luz que sofre refração em faces adjacentes de um prisma triangular ser amplamente utilizada em situações experimentais e estar presente na literatura acadêmica e nas obras didáticas, a demonstração matemática das condições de ocorrência desse desvio mínimo não é facilmente encontrada, sendo comumente atribuída apenas a dados experimentais. Nesse trabalho, é conduzida uma demonstração matemática acessível a estudantes de graduação das matérias introdutórias de física e cálculo, contribuindo para cobrir essa lacuna na literatura.

óptica; prisma; refração; desvio mínimo


The minimum deviation of a ray of light refracted by adjacent faces of a triangular prism is widely used in experimental situations, and is commonly present in the academic literature and in the textbooks. Although, the mathematical proof of the conditions of occurrence of minimum deviation is not easily founded in textbooks, and this deviation is therefore attributed to experimental data. In this work, a mathematical proof of the necessary condition for the minimal deviation is presented. We believe this proof is accessible to undergraduate students of introductory physics and calculus courses, therefore helping to fill this literature gap.

optics; prism; refraction; minimal deviation


ARTIGOS GERAIS

Demonstração algébrica das condições de ocorrência do desvio mínimo em um prisma de base triangular

Demonstration of the necessary conditions for occurrence of the minimum deviation in a triangular base prism

Jair Lúcio Prados Ribeiro1 1 E-mail: jairlucio@ig.com.br.

Colégio Marista de Brasília, Brasília, DF, Brasil

RESUMO

Apesar da situação de desvio mínimo de um raio de luz que sofre refração em faces adjacentes de um prisma triangular ser amplamente utilizada em situações experimentais e estar presente na literatura acadêmica e nas obras didáticas, a demonstração matemática das condições de ocorrência desse desvio mínimo não é facilmente encontrada, sendo comumente atribuída apenas a dados experimentais. Nesse trabalho, é conduzida uma demonstração matemática acessível a estudantes de graduação das matérias introdutórias de física e cálculo, contribuindo para cobrir essa lacuna na literatura.

Palavras-chave: óptica, prisma, refração, desvio mínimo.

ABSTRACT

The minimum deviation of a ray of light refracted by adjacent faces of a triangular prism is widely used in experimental situations, and is commonly present in the academic literature and in the textbooks. Although, the mathematical proof of the conditions of occurrence of minimum deviation is not easily founded in textbooks, and this deviation is therefore attributed to experimental data. In this work, a mathematical proof of the necessary condition for the minimal deviation is presented. We believe this proof is accessible to undergraduate students of introductory physics and calculus courses, therefore helping to fill this literature gap.

Keywords: optics, prism, refraction, minimal deviation.

1. Introdução

Ao sofrer refração nas faces adjacentes de um prisma de base triangular, a luz sofre um desvio na sua trajetória. As obras didáticas, tanto de Ensino Médio [1-4] quanto de ensino de física na graduação [5-6], após apresentarem as equações que descrevem esse desvio, costumam citar a situação de desvio mínimo como um caso particular. O desvio mínimo é particularmente importante para o entendimento da dispersão luminosa em prismas, a qual ocorre justamente quando o ângulo de desvio é o menor possível. Tal desvio ocorre quando o ângulo de incidência i e o ângulo de refração na segunda face i' são iguais (Fig. 1).


Qualitativamente, podemos conceber um gráfico de dados empíricos representando a variação do desvio com o ângulo de incidência. Na Fig. 2, o comportamento qualitativo do desvio D é mostrado em função do ângulo de incidência i(os valores numéricos dependem do ângulo de abertura A de cada prisma). A análise do ponto de inflexão do gráfico permite estabelecer as conclusões sobre o ângulo de desvio mínimo.


Durante uma apresentação desse tema em uma sala de Ensino Médio, fomos questionados por um estudante sobre uma prova matemática dessa igualdade, e não fomos capazes de fornecer uma resposta imediatamente. Assim, rumamos para o trabalho de pesquisa para fornecermos a resposta ao aluno. Percebemos, entretanto, que o tratamento matematicamente formal dessa situação é raramente fornecido - particularmente, nas obras didáticas voltadas para o Ensino Médio consultadas para esse trabalho, ele é inexistente. A Ref. [1], por exemplo, afirma que "experimentalmente, verifica-se que o desvio de um raio de luz, ao atravessar um prisma, tem um valor mínimo quando o ângulo de incidência é igual ao ângulo de emergência, isto é, i = i' ". Alegação semelhante a essa é apresentada na Ref. [2], com os termos: "verifica-se que o desvio da luz, ao atravessar o prisma, tem valor mínimo (d) quando o ângulo de incidência é igual ao ângulo de emergência". As obras [3-4], também revisadas, nem mesmo chegam a citar a situação de desvio mínimo em seus textos.

Já a Ref. [5], tradicionalmente utilizada nos cursos introdutórios de física na graduação, cita a situação do desvio mínimo apenas em um dos problemas sugeridos (cálculo do índice de refração do prisma a partir do ângulo mínimo). Contudo, não é requerida no exercício a demonstração da igualdade dos ângulos de incidência e emergência do prisma, pois ela já é apresentada como necessária e suficiente para que o desvio mínimo ocorra. Um exemplo didático (exercício resolvido) que também adota a situação do desvio mínimo como conhecida de antemão está na Ref. [6], igualmente um livro didático para o ensino superior, o qual afirma (tradução nossa): "embora não seja provado aqui, o ângulo mínimo de desvio para um prisma ocorre quando o ângulo de incidência em uma face é igual ao raio refratado na outra face (...) os detalhes dessa prova podem ser encontrados em livros-texto de óptica".

Pois até mesmo nas obras dedicadas exclusivamente à óptica essa prova é difícil de ser encontrada. Um tradicional livro [7] da área afirma a necessidade de proximidade com o desvio mínimo para que fenômenos como o arco-íris ou os halos atmosféricos ocorram, mas também não apresenta uma demonstração rigorosa para o fenômeno. Encontramos uma dedução matemática apenas em uma publicação dedicada estritamente à formalização matemática da óptica [8], mas o alto grau de complexidade nos pareceu inadequado a uma abordagem do tema até mesmo para estudantes de graduação em física, tornando-a absolutamente inviável para um aluno de Ensino Médio.

Tentamos então a literatura acadêmica dedicada ao ensino de física, em um novo esforço de revisão, e novamente nos deparamos com a situação do desvio mínimo sendo apresentada como um resultado já estabelecido. Entretanto, esse desvio é apresentado nesses artigos como fundamental para o estudo de diversas situações práticas, como a construção de espectrômetros simples [9], da dispersão da luz em cristais de neve [10] ou do estudo de halos atmosféricos [11].

Pelo exposto, acreditamos que um tratamento matemático rigoroso pode vir a contribuir no estudo do tema, pois a lacuna na literatura didática ou acadêmica recente é comprovada. Ademais, a nosso ver, alguns dos textos [1-2] apresentam razões inadequadas para a ocorrência do desvio mínimo (no caso, o fato dele ser detectável apenas através de um tratamento experimental, sendo perfeitamente possível a sua determinação através de tratamento geométrico e algébrico). A princípio, a dedução das condições de ocorrência do desvio mínimo não pode ser feita sem a utilização do cálculo diferencial, o que tornaria a resposta ao nosso estudante de Ensino Médio inviável, mas acreditamos que a dedução apresentada a seguir se adequará ao conteúdo estudado nos cursos introdutórios de física e cálculo na graduação. Oferecemos depois uma dedução simplificada, fazendo a consideração apontada pela Ref. [7] de que pequenas variações de ângulos de incidência na situação próxima à de ocorrência do desvio mínimo não produzem alterações nesse ângulo. Com base nessa hipótese, fizemos a aproximação de ângulos pequenos para essas variações e deduzimos as mesmas condições de forma simplificada, com nível matemático mais adequado ao Ensino Médio.

2. Argumentação teórica e demonstração algébrica

Geralmente apresentado nas aulas introdutórias de óptica como uma curiosidade, o princípio da reversibilidade dos raios de luz nos fornece a base conceitual para entendermos a necessidade da igualdade entre os ângulos i e i' para a ocorrência do desvio mínimo. Esse princípio estabelece que "se a trajetória dos fótons (e portanto, da luz) for percorrida num certo sentido, o sentido oposto é também possível" [12]. No fundo, essa afirmação é um corolário do princípio de Fermat, fundamental na óptica geométrica, o qual "estabelece que a luz se propaga entre dois pontos no menor tempo possível, no caso em que ela não sofre reflexões" [13]. Se um raio de luz obedeceu ao princípio de Fermat ao percorrer uma trajetória entre dois pontos A e B, o caminho de retorno deverá ser o mesmo para que o tempo mínimo continue sendo observado.

A Ref. [14] nos oferece a explicação completa do porquê da existência dessa obrigação de igualdade entre os ângulos de incidência e emergência, baseada no princípio da reversibilidade. Reproduzimos a argumentação do autor a seguir, em tradução nossa:

Estamos interessados aqui na variação do desvio D quando o ângulo de incidência i variar, no intervalo em que existe um raio emergente. Inicialmente, podemos notar que, devido à reversibilidade do percurso de um raio de luz, se um raio com um ângulo de incidência i emerge com um ângulo i', um raio com ângulo de incidência i' produzirá um raio emergindo do prisma com um ângulo i. Se ii', significa que existem dois diferentes ângulos de incidência que geram o mesmo valor para o desvio D. Entre estes dois valores para o ângulo de incidência, a variação de D é contínua, de modo que esse desvio vai passar necessariamente um por extremo mínimo (...), que apenas pode ocorrer quando os ângulos incidente e emergente são idênticos. [14]

A consideração lógica apresentada, entretanto, pode não ser suficiente para um tratamento mais rigoroso. Logo, a dedução algébrica continua relevante, e é apresentada a seguir.

Na Fig. 1, estão representados os ângulos envolvidos, a seguir: i (ângulo de incidência na face de entrada), r (ângulo de refração na face de entrada, r' (ângulo de incidência na face de saída), i' (ângulo de refração na face de saída), A (ângulo de abertura do prisma) e D (ângulo de desvio entre os prolongamentos do raio incidente na primeira face e do raio refratado na segunda). Por geometria simples, demonstra-se que

Considerando que o índice de refração relativo do prisma em relação ao meio crcundante seja igual a n (onde n > 1), a lei de Snell fornece

Substituindo as Eqs. (3) e (4) na Eq. (2), temos

Nesse ponto, é necessário um pouco de cálculo diferencial: derivando-se a função D(r) acima e igualando seu valor a zero, podemos determinar o valor do ângulo r para o qual o desvio D é mínimo. A derivação envolve a regra da cadeia, elaborada por Leibniz, uma das ferramentas mais úteis no cálculo diferencial. Após a derivação, teremos como resultado

Reescrevendo a função acima, temos

É evidente que a igualdade na Eq. (5) só será observada se

Logo, comparando-se esse resultado com a Eq. (1), temos obrigatoriamente:

Percebe-se da Eq. (9) que a condição de desvio mínimo é realmente a igualdade dos ângulos de incidência e emergência do prisma, como demonstrado experimentalmente.

3. Demonstração simplificada

Embora a argumentação desenvolvida no item 2 seja suficiente para demonstrar as condições geométricas para o desvio mínimo, sua apresentação é impraticável no Ensino Médio. Assim, apresentamos a seguir uma demonstração simplificada, que embora envolva transformações trigonométricas, é possível de ser oferecida nesse nível de ensino.

A Ref. [7] nos informa que, experimentalmente, percebe-se que pequenas variações do ângulo i praticamente não alteram o desvio D. Assim, podemos afirmar que um incremento x no ângulo i deve produzir uma alteração de valor -x no ângulo i', para que a condição de desvio mínimo seja mantida. O mesmo ocorre para os ângulos r e r', cuja variação deve ser y e -y, respectivamente, a fim de que o ângulo de abertura do prisma continue o mesmo.

Como essas alterações nos ângulos provocam incrementos de mesma ordem (aproximadamente) em seus senos, podemos considerar que o seno do ângulo x tende para o valor x, enquanto o seu cosseno tende para o valor 1. Assim, podemos escrever

Aplicando a lei de Snell, encontramos

Comparando os termos presentes nas Eqs. (14) e (15) com aqueles existentes nas Eqs. (3) e (4), escrevemos

A simetria das Eqs. (16) e (17) permite verificar que a condição de desvio mínimo, conjecturada no início da demonstração, será garantida quando i = i' e r = r'.

4. Conclusões

Como apresentado no presente trabalho, a demonstração matemática das condições necessárias para que o desvio mínimo de um prisma se verifique pode ser formulada como um problema de cálculo relativamente simples, perfeitamente acessível aos estudantes de graduação, por envolver ferramentas matemáticas geralmente apresentadas nas matérias introdutórias nos cursos de graduação em ciências exatas. Fazendo-se algumas considerações, em especial aquela baseada em dados experimentais, onde se considera que pequenas variações de ângulos de incidência não produzem alterações no desvio mínimo, deduzimos as mesmas condições. É evidente, entretanto, que para alunos de Ensino Médio mesmo esse tratamento simplificado possa ser inadequado, e portanto acreditamos ser preferível que nesse nível de ensino a abordagem seja meramente fenomenológica, talvez com uma demonstração experimental do mesmo, ou mesmo a argumentação lógica, apresentada.

Entretanto, no caso da formação de professores de física, acreditamos que o tratamento matemático de uma situação concreta e facilmente demonstrável experimentalmente (basta o uso de uma fonte de luz e um prisma para tal) pode contribuir para o aperfeiçoamento do arcabouço teórico dos futuros professores, mesmo que esse arsenal tenha que passar por uma transposição didática adequada ao nível matemático do Ensino Médio. Essa transposição não foi apresentada nesse trabalho, fato que pode servir como fundamento para desenvolvimentos posteriores por parte dos leitores desse artigo.

Recebido em 28/6/2013

Aceito em 7/8/2013

Publicado em 20/12/2013

  • [1] J. Bonjorno, R. Bonjorno, V. Bonjorno, C. Ramos e L. Alves, Física: Termologia, Óptica e Ondulatória volume 2 (FTD, São Paulo, 2010), 1Ş ed., p. 250.
  • [2] F. Ramalho, N. Ferraro e P. Toledo, Os Fundamentos da Física Vol. 2 - Termologia, Óptica e Ondas (Moderna, São Paulo, 2009), 10Ş ed., p. 300.
  • [3] M. Pietrocola, A. Pogibin, R. Oliveira e T. Romero, Física em Contextos: Pessoal, Social e Histórico: Energia, Calor, Imagem e Som: Volume 2 (FTD, São Paulo, 2011), 1Ş ed.
  • [4] I. Anjos, Física para o Ensino Médio: Volume Único (IBEP, São Paulo, 2005), 1Ş ed.
  • [5] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentals of Physics (John Wiley & Sons, 2011), 9Ş ed. (extended), p. 920.
  • [6] R. Serway e J. Jewett, Physics for Scientists and Engineers (Brooks Cole, 2003), 6Ş ed., p. 1111.
  • [7] R. Greenler, Rainbows, Halos, and Glories (Cambridge University Press, Cambridge, 1980), 1Ş ed., p. 25.
  • [8] M. Bass, Handbook of optics Vol. II - Devices, Measurements and Properties (McGraw-Hill, 1995), 2Ş ed., cap. 5.
  • [9] F. Thompson, Physics Education 47, 747 (2012).
  • [10] M. Vollmer e J. Shaw, Physics Education 48, 322 (2013).
  • [11] I. Dömény, Physics Competitions 12, 61 (2010).
  • [12] G. Marques e N. Ueta, Ótica (Básico) (Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada, São Paulo, 2007). Disponível em http://efisica.if.usp.br/otica/basico/, seções 3 e 7, acesso em 23/7/2013.
  • [13] S. Zilio, Ótica (Universitário) (Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada, São Paulo, 2007). Disponível em http://efisica.if.usp.br/otica/universitario/raios/fermat/, acesso em 25/7/2013.
  • [14] N. Westbrook, Lecture notes by N. Westbrook - Chapter 3: Prisms (Institut d'Optique Graduate School, Paris, 2009), p. 21, disponível em http://paristech.institutoptique.fr/site.php?id=181{&}fileid=339, acesso em 23/7/2013.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      28 Jun 2013
    • Aceito
      07 Ago 2013
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