Acessibilidade / Reportar erro

Um estudo didático da dinâmica de spins

A didactic study of the dynamics of spins

Resumos

A dinâmica do spin é um dos problemas mais importantes da Física Moderna e seu estudo rendeu o prêmio Nobel de Física a vários cientistas importantes do século XX, cabendo destacar os nomes de Rabi, Bloch e Purcell. No entanto, dada a complexidade matemática associada ao problema do spin ½, cuja compreensão requer ao menos conhecimentos rudimentares de teoria de grupos e representações do grupo das rotações, normalmente não é abordado com a profundidade desejada em cursos de graduação. Dessa forma, o presente trabalho pretende suprir essa lacuna através da apresentação concisa e auto contida das ferramentas necessárias para a compreensão da dinâmica do spin e suas aplicações práticas. Sempre que possível, os eventos históricos mais importantes são mencionados. Os postulados fundamentais da mecânica quântica e da teoria do grupo das rotações são apresentados em um grau de profundidade suficiente para a compreensão dos principais conceitos associados ao spin. As equações de Bloch, não incluindo efeitos dissipativos, essenciais para a compreensão da ressonância magnética nuclear (RMN) são apresentadas a partir de primeiros princípios e resolvidas no caso do referencial girante.

Palavras-chave:
Ressonância magnética; dinâmica de spin; equação de Bloch; operação de rotação


The dynamics of spin is one of the most important problems in Modern Physics, and its study granted the Nobel Prize in Physics to several important scientists of the 20th century, the names of Rabi, Bloch and Purcell being worth mentioning. However, given the mathematical complexity associated with the problem of spin ½, whose understanding requires at least rudimentary knowledge of group theory and rotation group representation, it is not normally approached within depth in undergraduate courses. This way, the present work intends to fill this gap through the concise and self-contained presentation of the tools necessary to understand the dynamics of spin and its practical applications. Whenever possible, the most important historical events are mentioned. The fundamental postulates of quantum mechanics and the rotation group theory are presented in a sufficient depth to allow the understanding of the main concepts associated with spin. Bloch’s equations, not including dissipative effects, essential for understanding nuclear magnetic resonance (NMR) are presented from first principles, and solved in the case of the rotating frame of reference.

Keywords
Magnetic resonance; spin dynamic; Bloch equation; rotation operation


1. Introdução

No primeiro ano dos cursos de ciências exatas e da natureza e das engenharias, o estudante tem os primeiros contatos com os conceitos de fí sica estudando os princípios de Newton e suas aplicações [11. H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 1 – Mecânica (Edgard Blücher,São Paulo, 1981).]. Boa parte dos temas abordados foram estudados no ensino médio, mas a diferença está no rigor matemático desenvolvido na universidade, que corresponde ao uso das ferramentas do cálculo diferencial e integral.

Certamente, boa parte dos estudantes não estudaram no ensino médio a dinâ mica do movimento de rotação dos corpos rígidos, onde conceitos como torque (τ), momento de inércia (I) e momento angular (L) são agora definidos. Desta maneira, a lei da inércia é redifinida em termos da grandeza I, e a segunda lei de Newton da rotação relaciona τ e L na forma τ = dL/dt. Assim, dado um corpo de massa m rotacionando com uma velocidade angular wi (seu sentido é dado pela regra da “mão direita”) em torno de um dos seus (três) eixos de simetria (i), o momento angular é definido por Li = Iiwi, onde Ii é uma grandeza (escalar) que mede como está distribuída a massa do corpo em torno destes eixos de simetria. Estes três eixos são chamados de eixos principais, e os momentos de inércia I1, I2, I3 correspondentes são chamados de momentos de inércia principais.

Por outro lado, se o corpo estiver rotacionando em torno de um eixo arbitrá rio, a relação linear L = Iw não é mais válida se o eixo nã o é o principal, assim, substituimos esta definição linear pela relação matricial L=Iw. O momento de iné rcia I agora é definido como sendo um tensor de segunda ordem [22. H. Goldstein, C. Poole e J. Safko, Classical Mechanics (Addison Wesley,New York, 2002), 3rd ed.], que é escrito na forma de uma matriz 3 × 3, enquanto que L e w são matrizes colunas com os seus elementos, sendo as respectivas componentes em relação aos eixos de rotações no espaço (xx1, yx2, zx3). Se os eixos coordenados são denotados por xj (j = 1, 2, 3), os elementos de matriz Ijk são definidos por

(1) I j k = V ρ ( r ) ( r 2 δ - j k x j x k ) d V ,

onde V é o volume do corpo de massa m com densidade ρ(r).

Vários problemas interessantes da dinâmica dos corpos rígidos foram abordados neste curso inicial na universidade, em especial e de interesse desse artigo, citamos o movimento de precessão dos giroscópios (por exemplo, o pião). O problema consiste de um corpo colocado em movimento de rotação em torno de um certo eixo de simetria, com a origem do eixo fixada em um ponto, tal que o momento angular L do giroscópio faz um certo ângulo (θ) com a vertical diferente de zero, onde desprezamos os efeitos dissipativos. Devido ao efeito da gravidade (g), existirá um torque τ = r × mg, onde r é o vetor que liga a origem do sistema de coordenada (ponto fixo de rotação) ao centro de massa do giroscópio. De acordo com a 2a lei de Newton, o vetor L variará no espaço (mantendo seu módulo constante), onde sua direção rotacionará em torno da vertical (direção da gravidade). Denominamos este movimento de precessão do giroscópio (ver Figura 1).

Figura 1
Visão clássica do movimento de precessão do spin na presen ça de um campo magnético uniforme Bo. O análogo na mecânica clá ssica consiste em substituir S por L do giroscópio e o campo magnético Bo pelo campo de gravidade g.

Podemos estender este estudo da dinâmica rotacional dos corpos rígidos para descrever o processo da precessão dos spins, ou seja, descrever a dinâmica dos spins na matéria submetidos a um campo magnético externo B. O spin é uma propriedade intrínseca das partículas subatômicas, o qual não tem um análogo clássico para sua definição, assim, associamos a cada partícula subatômica um momento angular intrínseco S.

Para fins práticos é comum fazer preliminarmente o tratamento clássico do spin usando os conceitos de dinâmica rotacional discutidos acima. Da eletrodinâmica clássica [33. D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Prentice Hall, NewJersey, 1986), 2nd ed.] temos que uma partícula com momento angular S está associado um momento de dipolo magnético μ, que são proporcionais entre si através da relação linear μ = γS, onde γ é chamado de raio giromagné tico. Assim, se um dipolo (ou conjunto de dipolos numa amostra) for colocado na presença de um campo magnético externo B, ele sofrerá ação de um torque τ = μ × B. Podemos fazer uso da 2a lei de Newton de rotação e calcular a evolução temporal das componentes do spin Sx(t), Sy(t) e Sz(t). Pode-se mostrar [44. A.P. Guimarães, Magnetismo e Ressonância Magnética em Sólidos (Edusp, SãoPaulo, 2009)., 55. V.M.S. Gil e C.F.G.C. Geraldes, Ressonância Magnética Nuclear:Fundamentos, Métodos e Aplicações (Fundação Calouste Gulbekian, Lisboa, 1987).], usando a equação da dinâmica clássica dS/dt = γS × B para uma campo magnético uniforme Bo, que o dipolo irá precessionar em torno de Bo com uma velocidade angular wo = −γBo, chamada de frequência de Larmor.

Na Figura 1 mostramos esquematicamente o movimento de precessão do spin em analogia ao movimento de precessão do giroscópio na mecânica clássica. Apesar do spin ser uma grandeza puramente quântica, os tratamentos clássico e quântico [66. L.C.S. Bispo e M.E. Silva Nunes, Rev. Bras. Ens. Fis. 40, e3308 (2018)., 77. J.B. Parkinson e D.J.J. Farnell, An Intoduction to Quantum Spin Systems,(Springer, Berlin, 2010).] para este sistema específico apresentam resultados análogos, mas com interpretações físicas diferentes no que se refere ao fenômeno da precessão do spin (veremos isto mais adiante).

Note que este simples sistema descrito acima foi importante para que os pesquisadores pudessem usá-lo para aplicações reais. Do ponto de vista prá tico, uma amostra é constituída por um número muito grande de momentos magné ticos, assim, no lugar de resolver a equação do movimento de um spin, resolvemos para o vetor magnetização M, que está relacionada com a soma dos momentos magnéticos da amostra.

Para tanto, além do campo magnetostático Boz^ aplica-se um campo transversal B(t) adicional variando periodicamente no tempo, com uma frequência angular w, que chamamos de campo de rá dio frequência (RF). Esta é base para construirmos um aparelho de ressonância magnética nuclear (RMN, em inglês NMR – Nuclear Magnetic Resonance), conforme está equematizado na Figura 2. Uma amostra contendo os núcleos com spin, por exemplo, de valor 1/2 (caso do próton e n êutron, que por constituírem o núcleo atômico são denominados de nucleons), é colocada na presença de um campo magnético estático forte Bo apontando na direção z. Isto fará com que os spins precessionem em torno deste campo magnético com uma frequência angular (frequência de Larmor) wo = −γBo, onde γ é o raio giromagnético do nucleon.1 1 A frequência de Larmor (precessão dos spins) na física clássica equivale a frequência de Bohr na MQ associada à transição entre os dois níveis nucleares (mI = ±1/2).

Figura 2
Esquema do aparelho de RMN. A amostra é colocada entre as peças polares de um ímã e é inserida dentro de uma bobina, que é acionada por um oscilador de rádio frequência pulsada (RF). O ímã gera um campo magnético estático forte intenso Bo na direção z, enquanto a bobina gera um campo magnético oscilante pulsado fraco B na direção x. Um detector sensível capta as oscilações da magnetização da amostra após a cessação do pulso de RF.

A amostra é inserida dentro de uma bobina que produz um campo magnético perpendicular, oscilante e muito mais fraco de intensidade B1 (< < Bo) na direção x. Esta bobina é acionada por uma fonte de RF pulsada, que determina a frequência de oscilação ν do campo B1. Uma vez que o pulso termina, a bobina pega o campo magnético oscilante devido à magnetizaçã o oscilante da amostra, e a tensão induzida é registrada em eletrônicos de detecção sensíveis. Quando a frequência angular da radiação (w) está pró xima da frequência angular do modo uniforme (wo), o campo de RF produz o movimento de precessão dos spins e a amostra absorve (máxima) energia da radiação. A ressonância é caracterizada por uma linha de absorção, cuja largura dá informações sobre mecanismos microscópios de relaxação. Nos experimentos realizados, em geral, as componentes transversais Mx(t) e My(t) são as únicas que podem ser medidas, e dependendo do valor de w da RF, obtemos amplitudes máximas, e isto corresponde ao que chamamos do fenômeno da ressonância magnética.

Em dezembro de 1945, Purcell, Torrey e Pound [88. E.M. Purcell, H.C. Torrey e R.V. Pound, Phys. Rev. 69, 37 (1946).], pesquisadores da Universidade de Harvard, detectaram os primeiros sinais de RF fracos gerados pelos núcleos dos átomos na matéria comum (na verdade, usaram cerca de 1 kg de cera de parafina). Quase simultaneamente na Universidade de Stanford, os pesquisadores Bloch, Hansen e Packard [99. F. Bloch, Phys. Rev. 70, 460 (1946)., 1010. F. Bloch, W.W. Hansen e M. Packard, Phys. Rev. 70, 474 (1946).] realizaram independentemente um experimento diferente no qual observaram sinais de rá dio dos núcleos atômicos na água. Os artigos iniciais da RMN foram publicados no mesmo fascículo da revista Physical Review em 1946. O grupo de Harvard entendia o experimento de RMN em termos das transições entre os estados quânticos, enquanto o grupo de Stanford em termos da magnetização macroscópica dos momentos magnéticos nucleares na presença de um campo magnético externo, onde utilizaram os conhecimentos clássicos da din âmica dos corpos rígidos. Posteriormente, ficou evidente que ambas as explica ções clássica e quântica são equivalentes. Esses dois experimentos resultaram no nascimento do campo que agora conhecemos como RMN.

Os estudos com RMN têm suas origens propriamente ditas nos anos 1930 com os trabalhos pioneiros de Rabi [1111. I.I. Rabi, Phys. Rev. 51, 652 (1937).]. Estes trabalhos foram tão importantes e fundamentais que renderam dois prêmios Nobel de Física, um para Isidor Rabi, em 1944, e outro para Felix Bloch e Edward Purcell, em 1952.

A técnica de espectroscopia de RMN encontra inúmeras aplicações em Física, Qu ímica, Engenharia e Medicina, ou seja, é uma técnica multidisciplinar. Nos anos que se seguiram, a RMN se tornou uma ferramenta física incrível para investigar as propriedades da matéria. O uso da RMN nos estudos na química concederam dois prêmios Nobel, um para Richard Ernst, em 1991, pelo desenvolvimento de metodologias de alta resolução na espectroscopia RMN, e outro para Kurt Wüthrich, em 2002, pelo uso da técnica de espectroscopia de RMN na identificação das estruturas tridimensionais de macromoléculas bioló gicas em solução. Além disso foram laureados com o prêmio Nobel em Fisiologia ou Medicina os pesquisadores Paul Lauterbur e Peter Mansfield, em 2003, pelos estudos pioneiros no desenvolvimento da Ressonância Magné tica por Imagem (em inglês, MRI – Magnetic Resonance Imaging).

Vimos assim como um “simples” trabalho acadêmico do estudo da dinâmica dos spins nucleares, iniciado por Rabi em 1937, resultou numa grande aplicação à Sociedade no desenvolvimento da técnica RMN, técnica esta muito importante no diagnóstico na medicina. Esta é apenas um exemplo, de vários outros, do uso do conhecimento da ciência básica para o bem estar da Sociedade.

Existem diversos trabalhos científicos realizados por pesquisadores brasileiros que descrevem os princípios do funcionamento da RMN [66. L.C.S. Bispo e M.E. Silva Nunes, Rev. Bras. Ens. Fis. 40, e3308 (2018)., 1212. A.P. Guimarães, Rev. Bra. Ens. Fis. 22, 360 (2000)., 1313. C.M.T. Dieguez, L.V. Montanheiro, L.B. Cleto, M.J.C. Bonfim e C.A. Dartora, Rev.Bras. Ens. Fis. 40, e1310 (2018)., 1414. T.B. Moraes e L.A. Colnago, Quim. Nova 37, 1410 (2014)., 1515. T.J. Bonagamba, K.W. Capelle e E.R. Azevedo, Ciência Hoje 221, 40 (2005).], porém notamos a ausência de uma descrição mais didática, com detalhes matemáticos concisos, para que os estudantes dos cursos de graduação e pós-graduação de física e engenharia possam desfrutar sem recorrer aos livros especializados no assunto [44. A.P. Guimarães, Magnetismo e Ressonância Magnética em Sólidos (Edusp, SãoPaulo, 2009)., 55. V.M.S. Gil e C.F.G.C. Geraldes, Ressonância Magnética Nuclear:Fundamentos, Métodos e Aplicações (Fundação Calouste Gulbekian, Lisboa, 1987)., 1616. M.H. Levitt, Spin Dynamics: Basics of Nuclear Magnetic Resonance (JohnWiley & Sons, New York, 2008), 2nd ed., 1717. A. Abragram, The Principles of Nuclear Magnetism (Oxford UniversityPress, Londres, 1961).]. Neste trabalho pretendemos dar uma visão geral e rigorosa no tema da dinâmica dos spins. Na Seção 2 discutiremos alguns conceitos fundamentais para o desenvolvimento teórico do assunto, onde em especial a mecânica quântica (MQ) do spin é descrita conforme se encontra em muitos livros-texto de MQ [1818. C. Cohen-Tanndoudli, B. Diu e F. Laloë, Quantum Mechanics (John Wiley &Sons, New York, 1977), v. 1., 1919. C. Cohen-Tanndoudli, B. Diu e F. Laloë, Quantum Mechanics (John Wiley &Sons, New York, 1977), v. 2., 2020. J.J. Sakurai, Modern Quantum Mechanics – Revised Edition(Addison-Wesley, New York, 1994)., 2121. R.W. Robinett, Quantum Mchanics: Classical results, modern systems, andvisualized examples (Oxford University Press, New York, 1997)., 2222. S. Gasiorowicz, Física Quântica (Guanabara Dois, Rio de Janeiro, 1979)., 2323. D.J. Griffiths, Introduction to Quantum Mechanics (Prentice-Hall, NewJersey, 1995).]. Tentaremos dar uma visão concisa, complementando assim com o que já foi feito na literatura. Na seção 3 deduziremos a equação de Bloch quântica e mostraremos a equivalência entre os tratamentos clássico e quântico. Na seção 4 faremos uma apanhado geral sobre propriedades de simetria de rotação no espaço euclidiano (SO(3)) e no espaço de Hilbert em duas dimensões (SU(2)). Na seção 5 aplicaremos os conceitos estudados para tratar da dinâmica dos spins sob ação de campos vari áveis no tempo. Devido ao campo de RF na amostra no plano x-y, além do campo constante Bo na direção do eixo z, estas equações de uma maneira geral não apresentam soluções analíticas. Um caso especial de campo de RF que iremos tratar neste trabalho, e que apresenta solução exata, é o que chamamos de campo girante. Este campo girante consiste das componentes transversais: Bx(t) = B1cos⁡(wt) e By(t) = B1sin⁡(wt), onde sua direção rotaciona em torno do eixo z com uma velocidade angular w.

Do ponto de vista da física clássica, a dinâmica dos spins é estudada a partir da solução das equações de Bloch, que são conjunto de equaçõ es diferenciais de primeira ordem envolvendo as componentes da magnetização da amostra. Estas equações são deduzidas como simples aplicação da 2a lei de Newton da rotação para um momento na presença de um campo externo. Usando uma transformação de simetria SO(3), reescrevemos as equações de Bloch no referencial girante. O tratamento quântico consiste primeiro em resolver a equação de Schrödinger dependente do tempo e encontrar a solução para a evolução temporal |Ψ(t)⟩. O segundo passo consiste em determinar o valor esperado do spin ⟨S⟩ = ⟨Ψ(t)|S|Ψ(t)⟩. Fazendo um procedimento semelhante, usando uma transforma ção de simetria SU(2) reescrevemos a equação de Schrödinger no referencial girante. Mostraremos que para o caso do campo de RF girante, uma solução exata também é obtida e os resultados são equivalentes ao tratamento clá ssico. Finalmente, na seção 6 concluimos este trabalho com algumas observaçõ es e perspectivas.

2. Conceitos Fundamentais

Esta seção é dedicada aos leitores menos familiarizados com alguns conceitos da MQ, que poderia ter sido colocada (ou omitida) num apêndice, mas preferimos colocá-la no texto como forma do desenvolvimento didático deste trabalho. Baseamos esta revisão exclusivamente no livro de MQ do Cohen e colaboradores [1818. C. Cohen-Tanndoudli, B. Diu e F. Laloë, Quantum Mechanics (John Wiley &Sons, New York, 1977), v. 1.].

2.1. Magnetismo induzido na matéria

O magnetismo é um fenômeno que ocorre com muita frequência na natureza, mas poucas são suas manifestações macroscópicas explícitas, como exemplo canô nico temos os famosos ímãs de geladeiras. O ente microscópico responsável por este fenômeno é a presença dos inúmeros (da ordem do número de Avogadro 1024) momentos de dipolos magnético μ se alinhando suas direções nas mais variadas estruturas, que chamamos de ordem magné tica, derivada das interações entre os dipolos magnéticos existentes dentro do material. Quando estas interações são deprezíveis denominamos este material de paramagnético.

Do ponto de vista da física clássica, μ é definido como sendo o produto da corrente elétrica (i) pela área (A) de uma espira (circuito fechado percorrido por uma corrente elétrica), e o seu sentido é dado pela regra da mão direita. Assim sendo, se uma carga q, de massa m executa um movimento circular uniforme de raio a, um simples cálculo mostra que o momento angular L ( = r × p, onde p = mv é o momento linear-momentum) e μ se relacionam entre si na forma

(2) μ = q 2 m L ,

tal que, se a carga é positiva (q > 0) μ e L estão no mesmo sentidos e quando for negativa (q < 0) μ e L estão em sentidos contrários. A relação (2) é geral e independe da forma da espira.

Uma outra grandeza da eletrodinâmica clássica [33. D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Prentice Hall, NewJersey, 1986), 2nd ed.] relevante na descrição do magnetismo é a energia potencial (U) relacionada com o acoplamento do momento μ com o campo magnético externo B, definida por

(3) U = - μ B .

Isto explica porque o momento de dipolo se orienta na direção do campo (mí nimo de energia).

Um material paramagnético é definido como sendo constituído por dipolos magné ticos não interagentes, de tal maneira que, de acordo com a Eq. (3) eles apontarão em média na direção do campo magnético externo, resultando numa magnetização M induzida, que é definida por

(4) M = 1 V i μ i ,

onde V é o volume da amostra, ⟨…⟩ é a média no ensemble canônico [2424. S.R.A. Salinas, Introdução à Física Estatística (EDUSP, São Paulo, 1997)., 2525. R.K. Pathria, Statistical Mechanics (Butterworth-Heinemann, Oxford, 1996), 2nd ed.] e a soma é feita sobre todos os momentos da amostra. A definição da magnetização (4) é geral para qualquer tipo de material magnético.

Na ausência de campo magnético (B = 0), a magnetização é nula, M = 0, para um material paramagnético. O primeiro estudo termodinâ mico destes materiais foi feito, em 1895, por Pierre Curie,2 2 Em 1895, como tema de tese doutorado, Curie estudou as propriedades magné ticas dos materiais paramagnéticos, diamagnéeticos e ferromagnéticos [Ann. de Chimie et de Physique 5, 289 (1895)]. Além de descobrir que o materiais paramagnéticos (isolantes) apresentam um comportamento χo≃1/T, notou, também, que os diamagnetos apresentam susceptibilidade constante e negativa (ex: bismuto) e os ferromagnetos apresentam magnetização espontânea (H=0) abaixo de uma certa temperatura, que mais tarde ficou conhecida como temperatura de Curie. onde as medidas experimentais da susceptibilidade magnética à campo nulo,3 3 A susceptibilidade magnética à campo nulo é definida por χo=(∂⁡M∂⁡H)H=0, onde H=H⁢z^ é o campo externo, B = μoH é o campo de indução magné tica e μo = 4π×10−7 H/m é a permeabilidade magnética do vá cuo. χo, mostraram que ela é uma função inversa da temperatura (i. e., χo = C/T), que ficou conhecida como lei de Curie. Assim sendo, a lei de Curie nos diz que para baixo valor do campo magnético, existe uma pequena magnetização induzida MχoH na amostra.

Vários pesquisadores se interessaram em dar uma explicação microscópica para o comportamento da lei de Curie no século passado. A primeira tentativa, bem sucedida, foi apresentada por Paul Langevin,4 4 Langevin foi ex-aluno de Pierre Curie, onde desenvolveu os primeiros cá lculos teóricos para descrever a lei de Curie para os paramagnetos, onde os seus resultados foram publicados em dois trabalhos: 1) J. Phys. 4, 678 (1905) e 2) Ann. Chim. et Phys. 5, 70 (1905). em 1905. Esta teoria é essencialmente fenomenológica, uma vez que não foi definido o momento magnético, colocado apenas como um parâ metro na teoria. Posteriormente, outra tentativa, agora mal sucedida, foi apresentada pela estudante de doutorado de Lorentz, em 1921, a física holandesa Hendrika Johanna van Leeuwen [2626. H.J. van Leeuwen, J. Phys. Radium 2, 361 (1921).], onde utilizou a física clá ssica: eletromagnetismo+mecânica clássica. A tese de doutoramento de Niels Bohr, em 1911, abordou este mesmo tema, aliás antes da van Leeuwen, e que ficou conhecido como teorema de Bohr-van Leeuwen. Este teorema estabelece que um sistema com momentos magnéticos livres, na presenç a do campo externo, o tratamento clássico não induz no sistema uma magnetizaç ão, em desacordo com a experiência (MχoH)!

2.2. Um pouco sobre a mecânica quântica

Com o desenvolvimento da mecânica quântica (MQ), em meados da década de 1920, ficou cada vez mais evidenciado que o magnetismo é uma manifestação puramente quântica da matéria, não sendo possível explicar suas propriedades através da física clássica. Ou seja, todas as “estranhezas” existentes na MQ são usadas na formulação de uma teoria do magnetismo [2727. R.M. White, Quantum Theory of Magnetism (Springer, Berlin, 2007), 3rd ed.]. Por exemplo, das relações de incertezas (também chamada de regras de quantização) entre a posição e o momentum,5 5 Isto é, [Xa,Pb] = iℏδab, onde Xa e Pb são as componentes da posição e do momentum, respectivamente, com a,b = 1 (x), 2 (y) e 3 (z), δab é o tensor delta de Kronecker que vale 1 se a=b e zero se a≠b , ℏ = h/2π, h = 6,62607004×10−34 J. s é a constante de Planck, o quantum do momento angular. resulta em escrever o momento angular orbital como sendo um operador L = R × P, onde aqui representamos por letras maiúsculas os operadores dos observáveis físicos.

Como consequência das regras de quantização, as componentes do momento angular também satisfazem relações de comutações próprias: [La, Lb] = abcLc, onde εabc é o tensor de Levi-Civita que vale 1 se a sequência abc for cíclica, –1 se for anticíclica e zero se dois dos índices são iguais. Uma outra “estranheza” que surge da MQ é a quantização do momento angular orbital, onde ℏ é o seu quantum (menor unidade). Então, para o elétron (q = −e) ao redor do núcleo atômico, em analogia à definição clássica (2), escrevemos o operador momento de dipolo na forma

(5) μ L = - μ B L ,

onde μB=e2m=9,27400899(37)×10-24 J.T−1 é o magneton de Bohr, que representa o quantum do momento de dipolo magnético do elétron (angular) e o subíndice L indica se tratar do momento de dipolo orbital.

A presença do campo magnético nos átomos, por exemplo, no átomo de hidrogê nio, altera as linhas espectrais, este fenômeno é conhecido como efeito Zeeman (1896), que deve-se a quantização do momento angular. Como resultado da teoria da MQ [1818. C. Cohen-Tanndoudli, B. Diu e F. Laloë, Quantum Mechanics (John Wiley &Sons, New York, 1977), v. 1.] temos que, dado nível eletrônico, caracterizado pelos números quânticos principal n ( = 1.2.3,…) e orbital l ( = 0,1,2,…n−1), haverá um desdobramento em 2l+1 linhas, ou seja, teremos um acréscimo na energia En,l no valor de

(6) Δ E B = m l μ B B ,

onde ml ( = −l,−(l−1),…0,…l−1,l) é chamado de número quântico azimutal.

Por ser l um número inteiro, teremos no espectro, para cada nível, um nú mero ímpar (2l+1) de desdobramento da energia do espectro atômico na presença de um campo magnético. Assim, o átomo no estado fundamental (n = 1, l=0, ml = 0) não deveria ter desdobramento quando colocado na presença de um campo magnético externo, mas o experimento (Stern-Gerlach) [2828. G.G. Gomes e M. Pietrocola, Rev. Bras. Ens. Fis. 33, 2604 (2011).] mostra que existem duas linhas espectrais estranhamente não explicadas inicialmente com a MQ. A este desdobramento em dubleto é conhecido como efeito Zeeman anômalo.

O momento angular medido no experimento de Stern e Gerlach era, na verdade, o momento angular intrínseco do elétron (de valência) deveria ter um valor semi-inteiro a fim de explicar o resultado. Assim, para ajustar os dados das medidas deste experimento foi usado a generalização do resultado (5), proposto por Uhlenbeck e Goudsmit, definindo o spin (ou momento angular intrínseco) do elétron S, onde os operadores momento magnético μS e o spin S se relacionam na forma (postulado):

(7) μ S = - g e μ B S ,

onde ge≃2 é chamado de fator de Landé (ou fator-g) e o subíndice S indica em tratar-se do momento de dipolo do spin do elétron.

2.2.1. Fator g

O valor de ge para partículas carregada com spin 1/2 pode ser derivado usando a equação de Dirac (equação de onda relativística) [2929. J.J. Sakurai, Advanced Quantum Mechanics (Addison-Wesley, New York, 1967).], onde obtém-se o valor 2. Experimentos sofisticados têm apontado uma pequena alteração deste valor teórico 2. Por exemplo, no caso do elétron, os experimentos [3030. R.S. Van Dyck Jr., P.B. Schwinberg e H.G. Dehmelt, Phys. Rev. Lett. 59, 26 (1987).] nos dizem que ge é

(8) g e exp. = 2 [ 1 , 0011596521884 ( ± 43 ) ] .

Este valor do fator-g do elétron é uma das constantes determinada com maior precisão na física.

A eletrodinâmica quântica, desenvolvida no início da década de sessenta, prediz que o resultado g=2 obtido teoricamente por Dirac recebe correções em série de potências da constante estrutura fina α=14πεoe2c1137, conhecidas como as correções na teoria quântica de campos. A ideia básica desta teoria é que o elétron interage com ele próprio e outras partículas carregadas mediada pelos fótons. Ocasionalmente, um elétron captura um fóton e emite. Entre a emissão e reabsorção, o sistema originalmente capturado há pouco, resultará numa núvem de fótons virtuais ao redor do elétron (chamado de polarização do vácuo). Isto implicará, dentre outras coisas, a correção no valor ge = 2, que para o elétron foi calculado o valor [3131. T. Kinoshita e W.B. Lindquist, Phys. Rev. D 42, 636 (1990).]

(9) g e 2 + α π - 0 , 65696 ( α π ) 2 + 2 , 0023193048 ,

que é um resultado explêndido quando comparado com a medida experimental (8)6 6 Os autores encontraram o valor geteórico =2[1,001159652140(±28)]. . Feynman comentou esse fato dizendo que “esse resultado é equivalente a medir a distância entre New York e Los Angeles com uma incerteza de um tamanho de um ser humano!”

Pela definição (2), lembrando que q = + e e 0 para o próton (p) e n êutron (n), respectivamente, a teoria de Dirac prevê os seguintes valores para os momentos magnéticos:

(10) { μ p = e 2 m p μ N = 5 , 050783 × 10 - 27 J. T -1 μ n = 0 ,

sendo μN o momento de dipolo de referência.

Por outro lado, experimentos mostram contradições dos resultados com esta previsão teórica de Dirac para os valores dos momentos magnéticos, cujas medidas encontradas foram

(11) { μ e = - g e 2 μ B = - 1 , 0011596521884 ( 43 ) μ B μ p = g p 2 μ N = 2 , 79284739 ( 6 ) μ N μ n = - g n 2 μ N = - 1 , 9130427 ( 5 ) μ N { μ e = - g e μ B S μ p = g p μ N S p μ n = - g n μ N S n .

onde gu é o fator-g da partícula u ( = e, p, n), todas de spin 1/2.

De uma maneira simplificada, reescrevemos os momentos de dipolos (11) na forma generalizada:

(12) μ = γ S ,

onde γ é o fator giromagnético com unidade de C/kg no SI associada à partícula, que tem sinal positivo para o próton (γp=gpμN) e negativo para os elétron (γe=-geμB) e nêutron (γn=-gnμN).

Como proposta para estudar um sistema magnético simples, neste trabalho vamos considerar um conjunto de spins 1/2 não interagentes (sistema paramagnético), tal que ao serem colocados na presença de um campo magnético externo, existirá um acoplamento de cada momento magnético μi com o campo B na forma dado em (3). Portanto, o Hamiltoniano (Zeeman) para descrever este sistema é dado por

(13) = i o i = - i μ i . B i = - γ i S i . B ,

onde assumimos, por simplificação, que o campo magnético é homogêneo na amostra e que todos os momentos são constituídos da mesma espécie de partí cula subatômica, com um fator giromagnético γ, e oi é o Hamiltoniano associado a um único dipolo.

2.3. Postulados da mecânica quântica

Na MQ, o estado (puro) de uma partícula é descrito por uma função de onda (1o postulado da MQ), Ψ(r,t), cujo mó dulo quadrático (i. e., |Ψ(r,t)|2) corresponde a densidade de probabilidade de encontrá-la no espaço em um instante de tempo t (postulado de Born). O 2o postulado da MQ nos diz que cada observável físico 𝒜 é representado por um operador (hermitiano) A, como, por exemplo, o operador posição R, momentum P e momento angular L.

Outra propriedade importante na MQ é que as funções de onda são de quadrado integráveis e são usadas para calcular os valores esperados dos observáveis físicos de interesse ⟨A⟩, que são grandezas estritamente reais por causa da condição da hermiticidade do operador. O conjunto de todas as funções de quadrado integráveis e operadores formam um espaço abstrato, chamado espaço de Hilbert-. Para descrever o espaço precisamos definir uma base, que é composta por um conjunto, em geral de dimensão infinita, de funções independentes, com um produto interno definido.

As medidas de um observável 𝒜 correspondem aos autovalores (ou espectro) {an} do seu operador A (3o postulado da MQ), que satisfaz uma equação do tipo: n(r) = anφn(r), onde φn(r) é a autofunção do operador A correspondente ao autovalor an. O conjunto de autofunções {φn(r)} constituem a base do espaço , assim sendo, qualquer função de onda ϕ(r) pertencente a pode ser escrita como uma combinação linear destas autofunções, isto é, ϕ(r)=nαnφn(r). O princípio da superposição de estados é considerado por alguns pesquisadores como o postulado zero da MQ, sendo a superposição de estados um conceito fundamental para entender-se o mundo microscópico.

Antes de qualquer medição de um observável 𝒜, o sistema se encontra numa superposição de estados representados pelas autofunções {φn(r)}. O ato da medição faz com que o sistema, que antes estava num estado sobreposto, colapse (instantaneamente e irreversivelmente) em uma das autofunções do operador A, com probabilidade 𝒫(an) da sua medição. O 4o postulado da MQ (ou postulado da projeção de von Neumann) nos diz que o valor da probabilidade desta medida é igual ao módulo quadrático do coeficiente da expansão de ϕ(r) mencionada acima, associado à autofunção φn(r), isto é, 𝒫(an) = |αn|2.

E, finalmente, dado o Hamiltoniano que descreve a dinâmica de um sistema quântico (não relativístico), a função de onda Ψ(r,t) é determinada a partir da solução da equação de Schrödinger (5o postulado da MQ):

(14) i Ψ ( r , t ) t = Ψ ( r , t ) ,

sendo

(15) = P 2 2 m + V ( r , t ) = - 2 2 m 2 + V ( r , t ) ,

onde V(r,t) é a energia potencial da partícula.

Com estes cinco postulados da MQ, enunciados acima, estamos hábitos para descrever a física dos objetos microscópicos e mesoscópicos, onde nesta linguagem envolve o cálculo de integrais no espaço das coordenadas. Esta é a chamada representação de Schrödinger (ou a MQ ondulatória), em que os operadores não dependem do tempo (em geral) explicitamente e sim apenas a função de onda.

2.4. Espaço dos q-bits

Em muitos sistemas analisados na MQ o espaço tem dimensão infinita, uma vez que os operadores neste espaço têm infinito valores no seu espectro. Porém, existem observáveis que têm um espectro de dimensão finita, como, por exemplo, o spin do elétron e a polarização do fó ton (dois valores possíveis). Estes dois exemplos são denominados genericamente de sistema de dois estados. Em outras palavras, são espaços de Hilbert com dimensão (finita) 2, onde na literatura é chamada de espaço dosq-bits, uma linguagem moderna usada na formulação da teoria da informação quântica [3232. M.A. José, J.R.C. Piqueira e R.D. Lopes, Rev. Bras. Ens. Fis. 35, 1306 (2013).].

2.4.1. Notação de Dirac e as matrizes de Pauli

Em 1939, Paul Dirac publicou um trabalho a fim de garantir uma elegância e simplificação ao tratamento formal da MQ, associando os estados quânticos objetos semelhantes aos vetores [3333. P.A.M. Dirac, Math. Proc. Cambr. Philosh. Soc. 35, 416 (1939).]. No espaço , o estado da partícula é representado por uma função de onda Ψ(r), enquanto que na notação de Dirac o estado é representado por um vetor denotado pelo ket |Ψ⟩. Um conjunto (completo) de kets forma o espaço de estado . Se |Ψ⟩ ∈ e Ψ(r), então dizemos que e são espaços isomorfos, pois cada elemento de corresponde univocamente a um vetor |Ψ⟩. Esta notação de Dirac, além de simplificar bastante a linguagem e álgebra na MQ, pode ser usada tanto para o espaço de Hilbert de dimensão finita como para dimensão infinita [1818. C. Cohen-Tanndoudli, B. Diu e F. Laloë, Quantum Mechanics (John Wiley &Sons, New York, 1977), v. 1.].

Na notação de Dirac, a equação de Schrödinger é escrita na forma

(16) i d | Ψ ( t ) d t = | Ψ ( t ) ,

onde a solução desta equação diferencial (1a ordem e linear) necessita do conhecimento do estado inicial |Ψ(0)⟩ para obter a evolução temporal |Ψ(t)⟩.

Partindo do fato que as componentes dos feixes dos átomos de prata no experimento de Stern e Gerlach separam-se em duas manchas simetricamente opostas, perpendicular ao campo aplicado, e que rotacionando o aparato experimental dos ímãs as duas manchas não se alteram, postulamos, assim, que a componente Sn=S.n^ do observável do spin será quantizada com dois autovalores ±ℏ/2, independente da direção espacial n^.

Assim sendo, usaremos como referência (na notação de Dirac) a base do espaço dos q-bits definida por εS = {| += (10),|= (01)}, tal que estes vetores sejam autovetores (por hipótese) do operador Sz=S.z^, então,

(17) S z | ± = ± 2 | ± ,

onde estes autovetores satisfazem as propriedades:

(18) { ± | ± = 1 , ± | = 0 ( ortonormalidade ) | + + | + | - - | = 2 × 2 ( completeza ) .

O teorema da expansão garante que qualquer vetor |φ⟩ ∈ S pode ser escrito como uma combinação linear destes autovetores (vetores base), ou seja,

(19) | φ = α | + + β | - = ( α β ) ,

com |α|2 + |β|2 = 1 para exigir que o vetor seja normalizado a um: ⟨φ|φ⟩ = 1, onde ⟨φ| = ⟨ + |α + ⟨−|β é o elemento do espaço dualS denominado de bra.

Do 4o postulado da MQ temos que, se o ket (19) representar o estado de uma partícula no espaço S, então |α|2 (|β|2) significa a probabilidade da medi ção da componente Sz ser igual a ℏ/2 (−ℏ/2). Como os autovetores da base de S satisfazem a relação de ortonormalidade (18), os coeficientes da expansão (19) podem ser facilmente calculados pelas respectivas projeções nos seus estados, isto é, α = ⟨ + |φ⟩ e β = ⟨−|φ⟩. Por esta razão dizemos que este 4o postulado recebe o nome (segundo von Neumann) do postulado da projeção.

Na base S, o operador Sz é representado por uma matriz diagonal dada por

(20) S z = 2 σ z ,

sendo

(21) σ z = ( 1 0 0 - 1 )

a componente z da matriz de Pauliσ=(σx,σy,σz). Isto significa que |±⟩ são autovetores da componente σz com autovalores ±1, isto é , σz|±⟩ = ±|±⟩.

As outras componentes do operador de spin S escritas nesta base S são matrizes 2 × 2 hermitianas dadas por [1818. C. Cohen-Tanndoudli, B. Diu e F. Laloë, Quantum Mechanics (John Wiley &Sons, New York, 1977), v. 1.]

(22) { S x = 2 σ x S y = 2 σ y ,

sendo

(23) { σ x = ( 0 1 1 0 ) σ y = ( 0 - i i 0 ) ,

com autovalores e autovetores dados por

(24) { σ x = ± 1 | ± x = 1 2 ( | + ± | - ) = 1 2 ( 1 ± 1 ) σ y = ± 1 | ± y = 1 2 ( | + ± i | - ) = 1 2 ( 1 ± i ) ,

ou seja, σx|±⟩x = ±|±⟩x e σy|±⟩y = ±|±⟩y. Na base dos q-bits, os vetores |±⟩ de s não são autovetores de σx e σy, eles satisfazem relações do tipo: σx|±⟩ = |∓⟩ e σy|±⟩ = ±i|∓⟩.

É imediato mostrar que as componentes da matriz de Pauli satisfazem a relaçã o de comutação: [σa, σb] = 2abcσc, ou equivalentemente, podemos escrever [Sa, Sb] = iεabcSc. Agora encontramos um aspecto notá vel da MQ: uma grandeza física, como o spin do elétron na direção n^, não tem apenas valor contínuo e sim dois valores apenas, e é representado por uma matriz ou operador. Os operadores que representam propriedades físicas destes observáveis são hermitianos.

2.4.2. Evolução temporal e valores esperados

Dado um observável físico 𝒜 qualquer, representado pelo operador hermitiano A, definimos na notação de Dirac o valor esperado ⟨A⟩(t) sobre o estado |Ψ(t)⟩ por

(25) A ( t ) = Ψ ( t ) | A | Ψ ( t ) ,

onde exigimos que |Ψ(t)⟩ seja normalizado a um, isto é, ⟨Ψ(t)|Ψ(t)⟩ = 1.

Se o Hamiltoniano for independente do tempo, a solução de (16) é dada por

(26) | Ψ ( t ) = e - i t / | Ψ ( 0 ) ,

onde no espaço S o Hamiltoniano é representado por uma matriz 2 × 2 que satisfaz a seguinte equação de autovalor e autovetor (equação de Schrödinger estacionária):

(27) | φ n = E n | φ n ( n = 1 , 2 ).

Os autovetores (normalizados) |φn⟩ podem ser escritos como uma combinação linear dos kets da base de S, conforme a expansão (19). Para calcular a evolução temporal |Ψ(t)⟩ a partir da Eq. (26), escrevemos primeiro o estado inicial como uma combinação linear dos autovetores do Hamiltoniano, isto é, |Ψ(0)⟩ = a1|φ1⟩ + a2|φ2⟩, e usando (27), obtemos

(28) | Ψ ( t ) = e - i t / ( a 1 | φ 1 + a 2 | φ 2 ) = a 1 e - i E 1 t / | φ 1 + a 2 e - i E 2 t / | φ 2 .

Substituindo (28) em (25), escrevemos o valor esperado na forma

(29) A ( t ) = | a 1 | 2 φ 1 | A | φ 1 + | a 2 | 2 φ 2 | A | φ 2 + 2 R e [ a 1 a 2 e i w 12 t φ 1 | A | φ 2 ] ,

onde w12 = (E1E2)/ℏ é a frequência de Bohr associada à transição entre os estados (1) e (2).

Em geral, conhecemos como o operador A atua nos vetores da base s (ou seja, conhecemos a forma matricial de A nesta base), assim sendo, para calcular os elementos de matriz ⟨φi|A|φj⟩ reescrevemos os autovetores |φi⟩ que foram obtidos no processo da diagonalização de em termos dos vetores |1⟩ e |2⟩. Portanto, para o caso do Hamiltoniano independente do tempo, o procedimento geral para o cálculo do valor esperado de qualquer observável é feito conforme discutimos acima. Apesar de termos tratado apenas o cálculo de ⟨A⟩(t) para o espaço de dimens ão 2, o procedimento é facilmente generalizado para qualquer dimensão (inclusive infinita).

Por outro lado, se o Hamiltoniano for dependente do tempo, devemos resolver a Eq. (16), que em geral não admite solução exata. Do teorema da expansão, podemos escrever a evolução temporal |Ψ(t)⟩ na base dos q-bits por

(30) | Ψ ( t ) = a ( t ) | + + b ( t ) | - = ( a ( t ) b ( t ) ) ,

com |a(t)|2 + |b(t)|2 = 1 para exigir que o vetor seja normalizado a um: ⟨Ψ(t)|Ψ(t)⟩ = 1 para qualquer instante de tempo t. Usando esta expansã o, a equação de Schrödinger (16) resultará em duas equações diferenciais de primeira ordem acopladas nas variáveis a(t) e b(t), que vai depender da forma do Hamiltoniano (t).

3. Equação de Bloch Quântica

É comum os alunos perguntarem o que é o spin (S) de uma partícula e receber, as vezes, como resposta sendo uma propriedade que as partículas têm de rotacionar em torno do seu próprio eixo (em analogia aos movimentos dos planetas ao redor do Sol: rotação-spin e translação-momento angular orbital). Assim sendo, a resposta de associar S ao momento angular de rotação da partícula em torno de um eixo de simetria foi a interpretação (errônea) que deram inicialmente.

Compton e Pauli já haviam sugerido que o elétron poderia possuir um momento magnético intrínseco, mas o crédito pela explicação geralmente vai a Goudsmit e Uhlenbeck (embora nunca tenham ganhado o prêmio Nobel pelo descoberta de spin) [3434. G.E. Uhlenbeck e S. Goudsmit, Nature 117, 264 (1926).], propondo o modelo da esfera girante para associar o spin do elétron. É simples mostrar que este modelo da esfera girante é inconsistente fisicamente, para isto considere que o elétron seja uma casca esférica de raio r≃10−15 m e massa me≃10−30 kg. Usando a definição clássica do momento angular, temos que para este modelo Smrv, onde v é a velocidade tangencial de um ponto da casca do elétron. Comparando com S≃ℏ, obtemos o valor v≃1011 m/s≃103 c, violando assim a teoria da relatividade especial!

O spin do elétron (e outras partículas subatômicas de spin 1/2) é uma quantidade “estranha”, e surge naturalmente sua quantização no experimento de Stern e Gerlach e teoricamente no formalismo da MQ relativí stica, proposto por Dirac (equação de Dirac) [2929. J.J. Sakurai, Advanced Quantum Mechanics (Addison-Wesley, New York, 1967).]. Assim sendo, o spin é uma grandeza puramente quântica, que é representada por um operador, conforme discutimos anteriormente através das matrizes de Pauli, nã o existe nenhuma analogia clássica para sua definição.

3.1. Equação do movimento quântica

Para estudar a dinâmica dos spins na MQ, devemos calcular o valor esperado (25) das componentes do spin. Uma outra maneira alternativa é propor uma equação do movimento para estes valores esperados. Para isto, derivando a Eq. (25) com relação ao tempo e usando a equação de Schrödinger (16), encontramos uma equação do movimento para o valor esperado de qualquer observável 𝒜, que para o spin S é escrita por [1818. C. Cohen-Tanndoudli, B. Diu e F. Laloë, Quantum Mechanics (John Wiley &Sons, New York, 1977), v. 1.]

(31) i d S ( t ) d t = [ S , ] .

Para calcular o comutador no lado direito da Eq. (31) temos que conhecer a forma de . Usando como protótipo o Hamiltoniano do acoplamento de um momento de dipolo com o campo magnético externo, Eq. (13), escrevemos

(32) { [ S x , - γ S . B ] = - γ [ S x , S x B x + S y B y + S z B z ] = - γ ( [ S x , S y ] B y + [ S x , S z ] B z ) = i γ ( S × B ) x [ S y , - γ S . B ] = - γ [ S y , S x B x + S y B y + S z B z ] = - γ ( [ S y , S x ] B x + [ S x , S z ] B z ) = i γ ( S × B ) y [ S z , - γ S . B ] = - γ [ S z , S x B x + S y B y + S z B z ] = - γ ( [ S z , S x ] B x + [ S z , S y ] B y ) = i γ ( S × B ) z ,

resultando em

(33) [ S , ] = i γ ( S × B ) ,

onde fizemos uso das relações de comutações do spin: [Sa,Sb] = iεabcSc.

Substituindo (33) em (31), obtemos

(34) d S ( t ) d t = γ S × B ,

que é a equação dinâmica quântica do valor esperado do spin.

3.2. Estado misto

Note que na dedução da Eq. (34) foi assumido que o estado é puro e caracterizado por um vetor |Ψ(t)⟩, e o valor esperado é definido por (25). No problema aqui analisado, o ensemble dos vários núcleos não são representados cada um por um único ket. Rigorosamente falando, estamos diante de uma mistura de kets |Ψk(t)⟩, com probabilidade pk cada, e o estado será especificado por um operador densidade [1818. C. Cohen-Tanndoudli, B. Diu e F. Laloë, Quantum Mechanics (John Wiley &Sons, New York, 1977), v. 1.], ρ(t), definido por

(35) ρ ( t ) = k p k | Ψ k ( t ) Ψ k ( t ) | ,

com o valor esperado na MQ obtido por

(36) A ( t ) = T r [ ρ ( t ) A ] ,

onde Tr[…] representa o traço realizado sobre o vetores da base do espaç o de Hilbert, que aqui particularmente para os spins correspondem os vetores da base s dos q-bits. Apesar deste detalhe, importante, a equação dinâmica quântica (34) também é obtida analogamente usando o conceito do operador densidade [2727. R.M. White, Quantum Theory of Magnetism (Springer, Berlin, 2007), 3rd ed.]. Para calcular o operador densidade, devemos resolver a equação de Liouville.

A definição do valor esperado (36) é válido tanto para um sistema descrito por um estado puro ou estado misto, tal que, no caso do estado puro temos o operador densidade ρ(t) = |Ψ(t)⟩⟨Ψ(t)| reduzindo (36) a definição (25), ou seja, as duas definições de valores esperados são equivalentes no caso de estado puro. Por outro lado, quando o Hamiltoniano é independente do tempo, temos que da mecânica estatística, no equilíbrio termodinâmico (t→∞), o operador densidade correspondente aos momentos magn éticos na amostra em estudo, no banho térmico à temperatura T, é definido por [2424. S.R.A. Salinas, Introdução à Física Estatística (EDUSP, São Paulo, 1997)., 2525. R.K. Pathria, Statistical Mechanics (Butterworth-Heinemann, Oxford, 1996), 2nd ed.]

(37) ρ e q = e - β T r ( e - β ) ,

onde β = 1/kBT, kB é a constante de Boltzmann e T a temperatura absoluta. Para uma descrição detalhada sobre aplicação do operador densidade em um ensemble de spins 1/2, recomendo o capí tulo 11 da Ref. [1616. M.H. Levitt, Spin Dynamics: Basics of Nuclear Magnetic Resonance (JohnWiley & Sons, New York, 2008), 2nd ed.].

3.3. Equação do movimento clássica

Vamos fazer abaixo o tratamento clássico da dinâmica dos spins [44. A.P. Guimarães, Magnetismo e Ressonância Magnética em Sólidos (Edusp, SãoPaulo, 2009).]. Ent ão, considere uma partícula no espaço com vetor de spin (momento angular intr ínseco) S e momento de dipolo μ = γS na presença de um campo magnético B. Da eletrodinâmica clássica [33. D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Prentice Hall, NewJersey, 1986), 2nd ed.], temos que μ e B se acoplam com uma energia potencial (3) e sofre ação de um torque τ = μ × B. Usando a segunda lei de Newton para o movimento de rotação, temos que o torque τ é igual a taxa de variação do momento angular, portanto, para este dipolo, escrevemos a equação dinâmica clássica do momento angular por

(38) d S ( t ) d t = γ S ( t ) × B ( t ) .

Se compararmos (34) com (38), concluimos que a evolução temporal do valor esperado ⟨S⟩(t) obedece exatamente a mesma equação clássica, mostrando a equivalência no que se refere ao tratamento matemático. Porém, vale a pena mencionar que no tratamento clássico o spin é um grandeza vetorial que varia no tempo, enquanto que, no tratamento quântico o spin é um operador, e ⟨S⟩(t) corresponde a similaridade com o vetor S(t), mas não é este processo geométrico na física clássica que realmente ocorre na MQ. Isto ficará claro a seguir quando resolvermos um problema espec ífico.

Na prática, em um experimento de ressonância magnética, não é o momento magné tico de um único spin que é observado, mas sim de um grande número spins idê nticos, então devemos substituir nas Eqs. (34) e (38) o spin S pela magnetização nuclear M definida em (4), resultando na equação clássica:

(39) d M ( t ) d t = γ M ( t ) × B ( t ) ,

conhecida como equações de Bloch (sem efeito dissipativo) [99. F. Bloch, Phys. Rev. 70, 460 (1946).]. Assim, para obter a variação de M(t) não será necess ária a solução da equação de Schrödinger (para o estado puro). Basta lembrar o fato geral de que o valor esperado da MQ de qualquer quantidade segue em sua dependência do tempo exatamente as equações clássicas de movimento, de modo que os momentos magnético e angular de cada núcleo são equivalentes entre si.

4. Operador de Rotação

Como a dinâmica dos spins sob ação de campos magnéticos envolvem geralmente movimento de precessão, então, é muitas vezes apropriado como simplificação tratar a dinâmica (clássica e quântica) no referencial que rotaciona junto com os spins (chamaremos de referencial girante). Isto corresponde matematicamente a fazermos transformações de rotações para os vetores (tratamento clássico) ou ket (tratamento quântico). Por esta razão, nesta seç ão vamos fazer um estudo sobre estes tipos de transformações, onde definiremos os grupos de simetrias associados ao espaço euclidiano para o tratamento clássico e ao espaço abstrato (Hilbert) da MQ.

O espaço euclidiano (R3) é usado na descrição da física clássica, onde, por exemplo, a posição de uma partícula r é definida em termos das coordenadas (x, y, z). Do ponto de vista abstrato, para definir o R3 devemos especificar sua base, que é composta por três vetores linearmente independentes {e1, e2, e3}, e o produto interno entre dois vetores é definido por u.v = uvcosθ, onde u e v são os módulos dos respectivos vetores e θ o ângulo entre eles. Desta maneira, qualquer vetor v pertencente ao espaço R3 é escrito como uma combinação linear dos vetores base: v = v1e1 + v2e2 + v3e3, onde vi (i = 1,2,3) são as componentes do vetor. Para fins práticos, usamos os vetores base ortonormais, isto é, satisfazem a condição de ortonormalidade: ei.ej = δij, e dizemos assim que ei (i = 1,2,3) são os versores da base R3, e eles definem as direções do eixos de coordenadas (x1x, x2y, x3z). Certamente, a base de R3 não é única, qualquer rotação dos eixos de coordenadas transforma numa nova base ortonormal {e1,e2,e3} que definirão os novos eixos de coordenadas (x1x,x2y,x3z).

A fim de manter um paralelo com a notação de Dirac da MQ, vamos representar a base do R3: {e1,e2,e3} em termos de matrizes colunas como segue abaixo

(40) R 3 : { e 1 | 1 = ( 1 0 0 ) , e 2 | 2 = ( 0 1 0 ) , e 3 | 3 = ( 0 0 1 ) } ,

de tal maneira que, o produto interno nesta notação é representado por ei.ej≡⟨i|j⟩ = δij, onde ⟨i| (bra) é uma matriz linha (a transposta conjugada do ket |i⟩). Assim sendo, o vetor v é escrito nesta notação matricial por

(41) v | v = v 1 | 1 + v 2 | 2 + v 3 | 3 = ( v 1 v 2 v 3 ) ,

onde vi = ⟨i|v⟩ é a projeção do vetor v sobre o eixo i.

4.1. Rotação no R3

O sistema de equações diferenciais (39) tipicamente possui coeficientes dependentes do tempo, através do campo magnético total B(t), já que em aplicações como a RMN campos de RF são aplicados, e por essa razão não é resolvido de forma trivial, sobretudo quando a dependência temporal é complicada.

Na ausência de campos magnéticos dependente do tempo, o problema é trivial e consiste da precessão da magnetização em torno do eixo de aplicação do campo magnético uniforme, considerado aqui como o eixo z sem perda de generalidade. Uma vez que na precessão, as componente transversais do vetor M giram com uma certa frequência angular (ou frequência de Larmor) ω0 = −γB0 em torno do eixo z, é natural propor como forma de resolver o problema uma mudança no sistema de referencial.

Vamos denotar por (x,y,z) as coordenadas do referencial do laboratório e (x′,y′,z) as novas coordenadas do referencial girante. A fim de ilustração, vamos supor que a rotação do sistema de coordenada se dar em torno do eixo z, escolhido de tal forma a acompanhar a rotação do vetor de magnetização M. A Figura 3 mostra a relaçã o entre os dois referenciais.

Figura 3
Componentes transversais do vetor de magnetização no referencial girante (x′,y′,z) com frequência angular Ω e no referencial do laboratório (x,y,z).

Utilizando um pouco de trigonometria, mostramos que o vetor M′, com componentes (Mx,My,Mz) no referencial girante relacionam-se às componentes (Mx, My, Mz) do vetor M no referencial do laboratório através de uma rotação (sentido anti-horário) com ângulo θ = Ωt em torno do eixo z, sendo Ω a velocidade angular de rotação, a ser determinada posteriormente. Na linguagem das componentes temos simplesmente as seguintes relações:

(42) { M x = M x cos θ + M y sin θ M y = - M x sin θ + M y cos θ M z = M z ,

ou escrita na notação matricial

(43) M | M = ( M x M y M z ) = R z | M = R z ( M x M y M z ) ,

sendo

(44) R z ( θ ) = ( cos θ sin θ 0 - sin θ cos θ 0 0 0 1 )

a matriz de transformação. A matriz inversa Rz-1 é escrita simplesmente pela transposição da matriz de rotação Rz, já que as rotaçõ es de vetores são produzidas pelas matrizes ortogonais do grupo SO(3).

4.1.1. Equação de Bloch no referencial girante

A derivada temporal da magnetização no referencial girante, M′, nos fornece a seguinte relação:

(45) d M d t = d θ d t ( - sin θ cos θ 0 - cos θ - sin θ 0 0 0 0 ) ( M x M y M z ) + ( cos θ sin θ 0 - sin θ cos θ 0 0 0 1 ) d M d t .

Considerando que θ.=dθ/dt=Ω e definindo o vetor de frequência angular de rotação Ω=Ωz^, podemos escrever o primeiro termo do lado direito da equação (45) na forma −Ω × M′. Com o auxílio das relaç ões de transformação de rotação entre os dois referenciais, o leitor interessado pode demonstrar explicitamente que

(46) R z ( M × B ) = M × B ,

onde B′ = RzB.

Fazendo uso da transformação da equação de Bloch no referencial do laborató rio para dM/dt na equação (39), podemos escrever as equaçõ es de Bloch no referencial girante por

(47) d M d t = γ M × B e f ,

onde Bef = B′ + Ω/γ é o campo efetivo no referencial girante. Agora é possível escolher o vetor Ω de tal forma a ter um campo efetivo Bef capaz de simplificar o problema, por exemplo, torná-lo o campo uniforme.

A transformação (47) para o referencial girante é geral e pode ser tratado para outros eixos de rotação, ou seja, para qualquer direção da velocidade angular Ω do referencial girante. Em torno dos eixos x e y, no sentido anti-horário, constrói-se facilmente as respectivas matrizes de rotações [2020. J.J. Sakurai, Modern Quantum Mechanics – Revised Edition(Addison-Wesley, New York, 1994).], que são dadas por

(48) R x ( θ ) = ( 1 0 0 0 cos θ sin θ 0 - sin θ cos θ ) ,

e

(49) R y ( θ ) = ( cos θ 0 - sin θ 0 1 0 sin θ 0 cos θ ) .

As três matrizes de rotações Rx(θ), Ry(θ) e Rz(θ) não comutam entre si, e isto tem uma consequência fundamental na dedução das relações de comutações das componetes do momento angular [2020. J.J. Sakurai, Modern Quantum Mechanics – Revised Edition(Addison-Wesley, New York, 1994).].

4.1.2. Grupo de simetria SO(3)

O conceito de simetria tem na física um significado operacional bem preciso. Dizemos que uma certa operação efetuada sobre um sistema é uma opera ção de simetria quando a mesma não afeta os resultados das medidas feitas sobre o sistema. Desta maneira, lidamos com invariantes através de operações de simetrias. Quando estas operações formam um grupo, nos referimos então a um grupo de simetria do sistema [3535. H. Weyl, The Classical Groups: their Invariants and Representations(Princeton University Press, Princeton, 1939).]. Na fí sica clássica as transformações usuais que deixam o produto interno invariante são chamadas de ortogonais (O). Com estas transformações ortogonais, os módulos das grandezas físicas ficam invariantes e o grupo de simetria ortogonal é representado por um conjunto de matrizes que descrevem sua álgebra.

Um resultado memorável, proposto no início do século passado (1908) por Amalie Emily Nöther, revolucionou de certa a forma a física no que se refere a forma de como entender as simetrias presentes nos sistemas físicos. Não há exagero em se afirmar que o legado da Professora Emmy, como era carinhosamente chamada pelos colegas, sobre simetrias, parcialmente resumido no seu teorema [3636. Y.J.C. Beltrán, N.T. Massoni, J.A.S. Bernal e C.J.M. Suárez, Rev. Bras. Ens. Fis.43, e20200510 (2021)., 3737. R. Areas, M.C. Barbosa, A.E. Santana, Rev. Bras. Ens. Fis. 41, e20190017(2019).]: toda simetria está asssociada a uma lei de conservação (exemplos são, simetria de rotação a conservação do momento angular, simetria temporal a conservação da energia total e simetria de translação a conservação do momento linear), fundamenta todas as teorias da fí sica moderna, desde o modelo padrão cosmológico, edificado a partir da gravitação Einsteniana, até o modelo padrão da física das partículas elementares, estabelecido através da teoria quântica de campos.

Um estudante de graduação em física não deveria deixar de estudar na sua graduação as simetrias na física usando as ideias da teoria de grupo (os chamados grupos de simetrias). Um tratamento mais rigoroso é uma tarefa mais recomendada para os estudantes que pretendem ingressar na área da física matemática, mas um tratamento geral e conciso é essencial para certificá-lo da importância deste conceito no estudo da física moderna. Existem diversas referências especializadas sobre o assunto [3535. H. Weyl, The Classical Groups: their Invariants and Representations(Princeton University Press, Princeton, 1939).], mas um artigo recente [3838. J. Furtado e J.A. Heläyel-Neto, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, e20200338 (2021).] neste periódico pode dar uma visão geral sobre teoria de grupos na física, onde achamos ser imprescindível sua leitura para uma boa formação do estudante em física. Usar as propriedades de simetrias é essencial na resolução de um dado problema, geralmente simplificando-o no que se refere a sua álgebra.

Temos mostrado acima como uma transformação ortogonal, representada pela matriz de rotação Rz(θ), mantém invariante os módulos dos vetores, modificando a equação de Bloch para um referencial girante numa forma dada pela Eq. (47), que pode ser simplificada sua solução com a escolha apropriada da velocidade angular Ω. Vamos a seguir explorar sucintamente esta propriedade da simetria de rotação do ponto de vista da teoria de grupo.

Considere que o ângulo θ = ε→0 seja muito pequeno (infinitesimal), de modo que podemos aproximar as matrizes de rotaçõ es R1(ε) ≡ Rx(ε), R2(ε) ≡ Ry(ε) e R3(ε) ≡ Rz(ε) nas formas lineares:

(50) R 1 ( ε ) 1 ε ( 0 0 0 0 0 1 0 1 0 ) = 1 ε A 1 ,
(51) R 2 ( ε ) 1 ε ( 0 0 1 0 0 0 1 0 0 ) = 1 ε A 2 ,

e

(52) R 3 ( ε ) 1 ε ( 0 1 0 1 0 0 0 0 0 ) = 1 ε A 3 ,

onde {A1, A2, A3} são os geradores das rotações infinitesimais em três dimensões.

Uma rotação finita de um ângulo θ ao longo de um eixo i ( = 1,2,3) é obtida por aplicações sucessivas de rotações infinitesimais. Escolhendo ε = θ/N (N→∞), escrevemos as matrizes de rotações em termos de exponenciais dos seus respectivos geradores:

(53) R i ( θ ) = lim N ( 1 - θ N A i ) N = e - θ A i ,

onde os geradores Ai podem ser definidos por

(54) A i = ( d R i d θ ) θ = 0 .

De uma maneira geral, considere uma rotação ao longo da direção do vetor unit ário n^, tal que, o gerador correspondente a esta rotação é escrito por An=n^.A=n1A1+n2A2+n3A3, com n12+n22+n32=1. A matriz rotação ao longo do eixo n^ será escrita por

R n ( θ ) = e - θ n ^ . A = 3 × 3 - sin θ A n + ( cos θ - 1 ) A n 2 ,

onde 3×3 é a matriz identidade 3 × 3.

Os geradores {A1, A2, A3} das transformações infinitesimais não comutam entre si, e sim satisfazem a relação de comutação: [Ai, Aj] = εijkAk, e que qualquer combinação linear destes geradores (An=n^.A=n1A1+n2A2+n3A3) também será um gerador de uma rotação infinitesimal. Quando um conjunto de matrizes 3 × 3 satisfazem estas duas propriedades, dizemos formar uma álgebra de Lie. O conjunto das matrizes ortogonais 3 × 3 forma o grupo SO(3) [3838. J. Furtado e J.A. Heläyel-Neto, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, e20200338 (2021).] , e que {A1, A2, A3} são os geradores não-abeliano deste grupo, pois não comutam uns com os outros.

4.2. Rotação na MQ

Como mencionado acima, a toda simetria está associada a uma lei de conservaçã o. Apesar do teorema de Nöther ter sido demonstrada inicialmente para sistemas clássicos, ele é também aplicado para qualquer sistema quâ ntico. A física clássica é descrita no espaço euclidiano, enquanto que a MQ é descrita no espaço abstrato de Hibert. Os vetores (kets) no espaço de Hilbert são objetos complexos, enquanto que no espaço euclidiano são entes matemáticos reais. Assim, na física clássica falamos de transformaçõ es ortogonais (O), que mantém invariante o produto interno das grandezes vetoriais, na MQ nos referimos a transformação unitária (U), que mantém invariante o produdo interno dos kets, e, consequentemente, isto levar á a invariância no espectro dos observáveis. Uma matriz (operador) é dita ser unitária se e somente se a sua inversa é igual a sua adjunta (i. e., U−1 = U) [1818. C. Cohen-Tanndoudli, B. Diu e F. Laloë, Quantum Mechanics (John Wiley &Sons, New York, 1977), v. 1.].

Mostramos que no grupo SO(3) os seus geradores satisfazem: [Ai,Aj] = εijkAk, e isto assemelha-se com as rela ções de comutação do momento angular na MQ, desde que definimos o gerador na forma Ak = −iJk/ℏ, onde Jk pode representar a componente k do momento angular orbital L ou o spin (momento angular intrí nseco) S, ou ainda a soma dos dois momentos angulares (J = L + S).

4.2.1. Grupo de simetria SU(2)

Por causa da rotação do espaço euclidiano de um ângulo θ ao longo da direção n^, o estado vetor |Ψ⟩ na MQ pertencente ao espaço dos q-bits (duas dimensões) se modificará através do operador (matriz) 𝒟(n^,R) na forma [2020. J.J. Sakurai, Modern Quantum Mechanics – Revised Edition(Addison-Wesley, New York, 1994).]

(56) | Ψ | Ψ = 𝒟 ( n ^ , R ) | Ψ ,

sendo

(57) 𝒟 ( n ^ , R ) = e i θ J n = e i θ 2 σ n = cos ( θ 2 ) 2 × 2 + i σ n sin ( θ 2 ) ,

o operador unitário da transformação no espaço de Hilbert em duas dimensões, onde consideramos apenas o spin da partícula (J=S=2σ), sendo σn=n^.σ o gerador da rotação infinitesimal ao longo do eixo n^.

Nota-se que, em problemas da mecânica clássica temos uma definição mais restrita para o conceito de vetores. Vetores são quantidades que, através de uma rotação do sistema de coordenadas, se transformam como as componentes das coordenadas. Numa transformação ortogonal no espaço euclidiano, representada por uma matriz de rotação arbitrária Rn(θ) = eiθAn, uma rotação de 2π rotaciona o vetor para o seu estado inicial, isto é, V′ = Rn(2π)V = V.

Entretanto, os estados para as partículas de spin 1/2 não se comportam como vetores propriamente ditos (no sentido da lei de transformação). Quantidades que se transformam como os estados segundo a Eq. (56) são chamados de espinores. Ou seja, para retornar ao seu estado original um espinor precisa sofrer uma rotação de 4π. Uma rotação de 2π inverte o sinal do ket inicial, isto é, |Ψ′⟩ = 𝒟n(2π)|Ψ⟩ = −|Ψ⟩. Será que a mudança de fase no estado do spin ( |Ψ⟩→−|Ψ⟩) é detectado ao rotacionarmos de 360° o aparato experimental?

Assim, o momento magnético estudado aqui (associado ao spin) possui uma natureza diferente do momento magnético estudado no eletromagnetismo. Enquanto este último é um vetor, o primeiro é um espinor. As propriedades dos espinores têm ligações profundas com os números complexos que aparecem na MQ. Todos os valores esperados mostram simetria 2π: ⟨Ψ′|Ψ′⟩ = ⟨Ψ|Ψ⟩ e ⟨Ψ′|A|Ψ′⟩ = ⟨Ψ|A|Ψ⟩.

Como discutido no 1o postulado da MQ, uma fase global não possui nenhum significado físico, ou seja, |Ψ⟩ e e|Ψ⟩ descrevem o mesmo estado físico de um sistema. Entretanto, a diferença de fase entre dois estados (que se comporta como uma fase local) pode ser medida. Pois, pelo comportamento ondulatário dos sistemas quânticos, a combinação de dois estados com uma defasagem de 180o é completamente destrutiva. Lembre-se que a probabilidade é o módulo quadrado da soma das amplitudes.

Em 1981, Bernstein e Phillips [3939. H.J. Bernstein e A.V. Phillips Scien. Amer., 245, 122 (1981).] descreveram de maneira bem didática alguns experimentos na MQ que não se encontram nos livros-texto, dentre eles o que pôde dar uma resposta ao questionamento acima. Eles propuseram um experimento que utiliza um feixe de nêutrons que é dividido por um cristal A e, em seguida, por mais dois cristais B e C, e se recombinam num cristal D. Por um dos caminhos, os nêutrons são submetidos a um campo magnético a fim de rotacionar o seu estado de um ângulo θ e investigar a superposiçã o dos feixes no ponto D. Este é o chamado interferômetro de nêutrons.

Na prática, a probabilidade é medida contando o número de nêutrons chegando por segundo. Se os dois feixes parciais estão exatamente em fase quando não h á rotação, a taxa de contagem inicial é alta. Esta situação resulta na interferência construtiva. As duas amplitudes têm o mesmo sinal e o quadrado de sua soma está no máximo. De fato, sempre que a diferença de fase generalizada é zero ou um múltiplo de 4π, há interferência construtiva. Após uma rotação completa do estado de spin, a diferença de fase é de 2πe as amplitudes têm sinais opostos. Idealmente, a soma seria zero, mas na prá tica, a taxa de contagem é mínima. Esta é uma interferência destrutiva. Com este experimento ficou comprovado a simetria 4π do spin.

O conjunto das matrizes unitárias 2 × 2, que podem ser escritas na forma generalizada:

(58) U = α o 2 × 2 + i ( α 1 σ 1 + α 2 σ 2 + α 3 σ 3 ) ,

com αi números reais tais que αo2+α12+α22+α32=1, constituem o grupo SU(2), e as matrizes de Pauli {σ1, σ2, σ3} são os geradores deste grupo [3838. J. Furtado e J.A. Heläyel-Neto, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, e20200338 (2021).].

Apresentamos acima uma definição formal para o significado físico do spin 1/2 em termos dos geradores do grupo SU(2), ou seja, as componentes de S são os geradores das rotações infinitesimais em torno dos respectivos eixos coordenados. Então, a rotação que geralmente associamos ao spin do elétron está relacionada com o grupo de rotação especial chamado de SU(2), e não tem a ver com a rotação geométrica do spin propriamente dita, e sim com uma rotação abstrata.

4.2.2. Equação de Schrödinger no referencialgirante

Estabelecemos acima uma relação unívoca entre a transformação ortogonal de vetores no espaço euclidiano sob ação de uma rotação: V′ = Rn(θ)V com a transformação de spinores no espaço de Hilbert em duas dimensões (56). Portanto, o tratamento clássico da din âmica da magnetização poderá ser feito pela mudança da equação de Bloch para o referencial girante dada por (47). No caso do tratamento quântico, a dinâmica da magnetização será feita pelo cálculo do valor esperado ⟨M⟩(t), que é definido pela Eq. (25). Entretanto, o cálculo da evolução temporal |Ψ(t)⟩ será obtido resolvendo a equação de Schrödinger (16). Para o caso em estudo da dinâmica do spin sob ação de campo de RF, nosso Hamiltoniano será dependente do tempo, não admitindo solução exata de uma maneira geral. Uma maneira de contornar alguns problemas do Hamiltoniano dependente do tempo, é transformar a equação de Schrödinger para um referencial girante.

Usando a transformação inversa definida pela Eq. (56) e a definição (57) na equação de Schrödinger (16), ficamos com

i d d t ( 𝒟 - 1 | Ψ ( t ) ) = ( 𝒟 - 1 | Ψ ( t ) ) ,

ou na forma efetiva

(59) i d d t | Ψ ( t ) = | Ψ ( t ) ,

sendo

(60) ( t ) = 𝒟 ( n ^ , R ) 𝒟 ( n ^ , R ) - Ω . σ 2 ,

onde Ω=dθdtn^ é a velocidade angular da rotação do referencial (x′, y′, z′).

5. Campo Magnético de RF Girante

Vamos supor que além do campo magnetostático Bo=Boz^ é aplicado ao sistema magnético um campo de RF totalmente transversal e girante com frequência angular ω. A forma geral no referencial do laboratório do campo transversal é dado por

(61) B ( t ) = B 1 [ cos ( ω t ) x ^ ± sin ( ω t ) y ^ ] ,

onde os sinais + e − na expressão acima corresponde aos campos girantes no sentido anti-horário e horário, respectivamente. Vamos escolher por opção apenas o sentido anti-horário.

5.1. Solução clássica

Do ponto de vista da solução clássica, o objetivo consiste em resolver a equa ção de Bloch com o vetor magnetização M(t) submetido a um campo magnético B=B(t)+B0z^, onde B(t) é dado por (61). Vamos primeiro aplicar a lei de transformação para o referencial girante, escrevendo o campo magnético na forma

(62) ( B x B y B z ) = ( cos ( Ω t ) sin ( Ω t ) 0 - sin ( Ω t ) cos ( Ω t ) 0 0 0 1 ) ( B 1 cos ( ω t ) B 1 sin ( ω t ) B 0 ) ,

que pode ser finalmente expressa na forma de componentes:

(63) { B x = B 1 [ cos ( ω t ) cos ( Ω t ) + sin ( Ω t ) sin ( ω t ) ] B y = B 1 [ - sin ( Ω t ) cos ( ω t ) + cos ( Ω t ) sin ( ω t ) B z = B 0 .

Claramente, analisando as expressões (63) nota-se que a escolha Ω = ω é a mais apropriada para simplificar a forma do campo B′(t), deixando-o constante no referencial girante, na forma que segue:

(64) B ( t ) = B 1 x ^ + B 0 z ^ .

Substituindo (64) em (47), escrevemos o sistema de equações de Bloch no referencial girante por

(65) { d M x d t = Δ w M y d M y d t = - Δ w M x - w 1 M z d M z d t = w 1 M y ,

ou na forma matricial

(66) d | M ( t ) d t = Λ | M ( t ) ,

sendo

(67) Λ = ( 0 Δ w 0 - Δ w 0 - w 1 0 w 1 0 ) ,

onde wo = −γBo, w1 = −γB1 e Δw = wwo.

Como a matriz Λ é independente do tempo, a solução da equação diferencial (66) é dada por

(68) | M ( t ) = e Λ t | M ( 0 ) ,

onde |M′(0)⟩ é a magnetização inicial da amostra no referencial girante.

Na notação de Dirac, vamos escolher como condição inicial |M(0)⟩ = Mo|3⟩, que significa que em t=0 a magnetização do sistema está orientada na direção do eixo z positivo. Aplicando a matriz transformação (44) sobre o ket |M(0)⟩, mostra-se que |M′(0)⟩ = Mo|3⟩. Para calcular a evolução temporal (68), precisamos escrever o ket |3⟩ em função dos autovetores |λr⟩ da matriz Λ. Assim sendo, fazendo o processo da diagonalização de Λ, obtemos

(69) { λ 1 = 0 | λ 1 = 1 Γ ( w 1 | 1 + Δ w | 3 ) λ 2 , 3 = ± i Γ | λ 2 , 3 = 1 2 Γ ( Δ w | 1 ± i Γ | 2 - w 1 | 3 ) ,

onde Γ=w12+(Δw)2 e Λ|λr⟩ = λr|λr⟩.

Combinando os autovetores (69), escrevemos a seguinte expansão para o ket |3⟩:

(70) | 3 = 1 Γ [ Δ w | λ 1 - w 1 2 ( | λ 2 + | λ 3 ) ] .

Substituindo (70) em (68), e usando o fato de que eΛt|λr⟩ = eλrt|λr⟩, obtemos

(71) | M ( t ) = M o e Λ t | 3 = M o Γ [ Δ w | λ 1 - w 1 2 ( e i Γ t | λ 2 + e - i Γ t | λ 3 ) ] ,

ou em termos dos kets |r⟩, substituindo os autovetores (69) em (16), ficamos com

(72) | M ( t ) = M o Γ 2 { w 1 Δ w [ 1 - cos ( Γ t ) ] | 1 + w 1 Γ sin ( Γ t ) | 2 + [ ( Δ w ) 2 + w 1 2 cos ( Γ t ) ] | 3 } .

Usando a transformação inversa (43), isto é, |M(t)=Rz-1(wt)|M(t) , encontramos as componentes da magnetização M(t) no referencial do laboratório, para Mz(t) temos

(73) M z ( t ) = M o [ 1 - 2 w 1 2 Γ 2 sin 2 ( Γ t 2 ) ] ,

enquanto as outras componentes são dadas por

(74) { M x ( t ) = cos ( w t ) M x ( t ) - sin ( w t ) M y ( t ) M y ( t ) = sin ( w t ) M x ( t ) + cos ( w t ) M y ( t ) ,

sendo

(75) { M x ( t ) = M o 2 w 1 Δ w Γ 2 sin 2 ( Γ t 2 ) M y ( t ) = M o 2 w 1 Γ sin ( Γ t 2 ) cos ( Γ t 2 ) .

Combinando as duas componentes (74), mostra-se que o módulo da magnetização transversal é dada por

(76) M ( t ) = M x 2 ( t ) + M y 2 ( t ) = 2 M o w 1 Γ 2 ( Δ w ) 2 + w 1 2 cos 2 ( Γ t 2 ) | sin ( Γ t 2 ) | .

As expressões acima indicam comportamentos oscilatórios para as componentes longitudinal, Mz(t), e transversal, M(t), do vetor magnetizaç ão M, que variam entre os valores −Mo e Mo, com frequê ncia angular Γ/2. Na ausência do campo transverso (B1 = 0), a magnetização M(t) é um vetor constante na direção do eixo z, M(t)=Moz^. O efeito do campo transverso (B) é fazer o vetor magnetização precessionar ao redor do eixo z. Os comportamentos de Mz(t) e M(t) apresentam uma certa simetria para um dado valor de w em relação a wo, por exemplo, para os valores w = wo/2 e w = 3wo/2 temos as mesmas curvas para Mz(t) e M(t). Na realidade, o que importa é o valor absoluto da diferença da frequência angular Δw = wwo, onde para este exemplo o valor absoluto é 0,5wo.

Para uma análise quantitativa, fixamos a intensidade do campo transverso B1 e variamos os valores de w/wo≤1. Como ilustração, escolhemos o valor B1 = Bo/2 e apresentamos na Figura 4 várias curvas das magnetizações reduzidas m(t) = M(t)/Mo e mz(t) = Mz(t)/Mo em função de wot para w = 0,1wo (a), 0,5wo (b), 0,75wo (c) e wo (d).

Figura 4
Comportamentos das magnetizações reduzidas m(t) = M(t)/Mo (curvas verdes) e mz(t) = Mz(t)/Mo (curvas vermelhas) como função de wot com α = B1/Bo = 0.5 e para w = 0.1wo (Figura a), w = 0.5wo (Figura b), w = 0.75wo (Figura c) e w = wo (Figura d).

Das nossas análises, concluimos que as magnetizações Mz(t) e M(t) apresentam três tipos de comportamentos oscilatórios diferentes:

(i) O primeiro para baixas frequências do campo de RF (i. e., wwow1), mz(t) oscila com valores positivos, e nos instantes de tempos tn = 2/Ω≡z (onde τz = 2π/Ω é o período de oscilação de mz(t)) temos m(tn)=z^. Com o decorrer do tempo, a componente mz(t) diminui e a transversal m(t) aumenta, e vice-versa, e este processo se repete periodicamente, ambos com o mesmo período τz de oscilação, ou seja, mz(t + τz) = mz(t) e m(t + τz) = m(t), onde woτz = 6,10 e woτz = 8,88 para w = 0,1wo (Figura 4(a)) e w = 0,5wo (Figura 4(b)), respectivamente.

(ii) O segundo comportamento ocorre para frequências moderadas do campo de RF (i. e., wow1 < w < wo), onde mz(t) oscila entre os valores –1 a 1, enquanto que m(t) tem dupla oscilaçõ es, um com período maior τz e outra com período menor τz=τz-2τR, onde τR=2Ωsin(Ω2w1)-1, com woτz = 11,24 e woτz=8,33 (Figura 4(c)). Para os instantes de tempos tn=tn±τR a magnetização está orientada na direção transversal, ou seja,

(77) M ( t n ) M ( t n ) = M o [ cos ( w t n + δ ) x ^ + sin ( w t n + δ ) y ^ ] ,

onde tan(δ)=2w12-Γ2Δw representa uma constante de fase, desde que w > wc = wow1.

(iii) Finalmente, na frequência angular da ressonância (i. e., w = wo), mz(t) oscila com período τz e m(t) com período τz/2, onde woτz = 12,57 (Figura 4(d)).

A dinâmica dos spins clássicos consiste do movimento de precessão do vetor magnetização M(t) em torno do eixo z, com o ângulo que M(t) faz com a vertical (α(t)) variando com o tempo, de modo que, para os instantes t = tn o ângulo é nulo, α(tn) = 0, e para t=tn temos α(tn)=π/2. Apesar do módulo da magnetização se manter constante, isto é, |M(t)| = Mo, a sua direção n^(t) [i. e., M(t)=Mon^(t)] executa um movimento periódico no espaço, variando entre a direção do eixo z nos instantes de tempos t = tn com n^(tn)=z^, e no plano xy nos instantes de tempos t=tn com n^(tn)=cos(wtn+δ)x^+sin(wtn+δ)y^.

5.2. Solução quântica

A dinâmica quântica de sistemas de spins sob a influência de campos oscilató rios no tempo é um antigo problema em MQ [1111. I.I. Rabi, Phys. Rev. 51, 652 (1937)., 4040. J. Schwinger, Phys. Rev. 51, 648 (1937)., 4141. F. Bloch e A. Siegert, Phys. Rev. 57, 522 (1940)., 4242. H.C. Torrey, Phys. Rev. 59, 293 (1941)., 4343. S.H. Autler e C.H. Townes, Phys. Rev. 100, 703 (1955).], e que tem sido estudado em vários livros-texto [1818. C. Cohen-Tanndoudli, B. Diu e F. Laloë, Quantum Mechanics (John Wiley &Sons, New York, 1977), v. 1., 2020. J.J. Sakurai, Modern Quantum Mechanics – Revised Edition(Addison-Wesley, New York, 1994)., 2121. R.W. Robinett, Quantum Mchanics: Classical results, modern systems, andvisualized examples (Oxford University Press, New York, 1997)., 2222. S. Gasiorowicz, Física Quântica (Guanabara Dois, Rio de Janeiro, 1979)., 2323. D.J. Griffiths, Introduction to Quantum Mechanics (Prentice-Hall, NewJersey, 1995).]. Uma extensa revisão sobre este tópico, cobrindo ambos os sistemas não dissipativos e dissipativos, pode ser encontrada na Ref. [4444. M. Grifoni e P. Hänggi, Phys. Rep. 304, 229 (1998).]. Para uma revisão mais concisa com uma descrição do método teórico de Floquet, recomendamos consultar o capítulo 5 na Ref. [4545. T. Dittrich, P. Hänggi, G.L. Ingold, B. Kramer, G. Schön e W. Zwerger,Quantum Transport and Dissipation (Wiley-VCH, Weinheim, 1998).]. A seguir iremos resolver o problema de um spin na presença de um campo de RF em termos da transformação unitária, método este não discutido nos livros-texto.

Vamos primeiro escrever a forma do Hamiltoniano do sistema, que para uma part ícula de spin 1/2 na presença de um campo B=B(t)+B0z^ é dado por

(78) ( t ) = - γ 2 σ . B ( t ) = w o 2 σ z + w 1 2 [ cos ( w t ) σ x + sin ( w t ) σ y ] .

Nosso objetivo agora é resolver a equação de Schrödinger (16) para este Hamiltoniano dependente do tempo, e na forma como se apresenta não tem solução exata. No espaço euclidiano (solução clássica), o problema da equação de Bloch foi resolvido no referencial girante com velocidade angular Ω=wz^, o que tornou os coeficientes do sistema de equações diferenciais independente do tempo, assim, a solução encontrada é trivial. No espaço abstrato de Hilbert (solução quântica), o problema equivalente consiste em resolver a equação de Schrödinger no referencial girante (59), onde o Hamiltoniano modificado (60), com 𝒟(z^,R)=eiwt2σz, é escrito por

(79) ( t ) = w 1 2 [ cos ( w t ) e i w t 2 σ z σ x e - i w t 2 σ z + sin ( w t ) e i w t 2 σ z σ y e - i w t 2 σ z ] - Δ w 2 σ z .

Para calcular o Hamiltoniano modificado ′(t), iremos fazer uso das seguintes propriedades das componentes da matriz de Pauli:

(80) { e ± i w t 2 σ z = cos ( w t 2 ) ± i σ z sin ( w t t ) σ a σ b = δ a b + i ε a b c σ c ,

que depois de algumas manipulações algébricas, reescrevemos (79) na forma

(81) = w 1 2 σ x - Δ w 2 σ z ,

que claramente é um Hamiltoniano independente do tempo, e a solução da Eq. (59) para |Ψ′(t)⟩ será trivial conforme a evolução temporal (26).

Para que a magnetização inicial (t=0) esteja na direção do eizo z positiva, conforme a condição inicial clássica M(0)=Moz^, na MQ isto corresponderá o sistema no estado |Ψ(0)⟩ = |Ψ′(0)⟩ = | + ⟩, ou seja, S(0)=Ψ(0)|S|Ψ(0)=2z^. Para calcular a evolução temporal (26) precisamos escrever o ket | + ⟩ em termos dos autovetores |φr⟩ do Hamiltoniano modificado ′. Assim sendo, fazendo o processo da diagonalização de ′, obtemos

(82) { E 1 = Γ 2 | φ 1 = 1 w + [ w 1 | + + ( Δ w + Γ ) | - ] E 1 = - Γ 2 | φ 2 = 1 w - [ w 1 | + + ( Δ w - Γ ) | - ] ,

sendo w±=2Γ(Γ±Δw) e ′|φr⟩ = Er|φr⟩, onde Γ é denominada de frequência de Rabi. Neste contexto, veremos que as oscilações de Rabi são responsáveis pela troca populacional periódica entre os dois níveis atômicos.

Combinando os autovetores (82), escrevemos o estado inicial por

(83) | Ψ ( 0 ) = α 1 | φ 1 + α 2 | φ 2 ,

sendo

(84) { α 1 = w + 2 Γ w 1 ( Γ - Δ w ) α 2 = w - 2 Γ w 1 ( Γ + Δ w ) .

Substituindo (83) em (21), e usando o fato de que eiℋt/ℏ|φr⟩ = eiErt/ℏ|φr⟩, obtemos

(85) | Ψ ( t ) = α 1 e - i Γ t 2 | φ 1 + φ 2 e i Γ t 2 | φ 2 .

Substituindo os autovetores (82) em (85), depois de algumas manipulações algébricas, encontramos a evolução temporal |Ψ(t)=𝒟(z^,R)|Ψ(t)=e-iwt2σz|Ψ(t) do sistema como uma combinação linear dos vetores da base dos q-bits |±⟩, ou seja,

(86) | Ψ ( t ) = a ( t ) | + + b ( t ) | - ,

sendo

(87) { a ( t ) = e - i w t 2 Γ [ Γ cos ( Γ t 2 ) + i Δ w sin ( Γ t 2 ) ] b ( t ) = - i w 1 e i w t 2 Γ sin ( Γ t 2 ) ,

onde |a(t)|2 (|b(t)|2) corresponde a probabilidade no instante de tempo t de encontrar uma medição do observá vel Sz o valor ℏ/2 (−ℏ/2). São as famosas fó rmulas de Rabi das transições eletrônicas de sistemas com dois níveis.

Fazendo uso da definição (25), podemos calcular os valores esperados das componentes do spin na MQ. Para a componente z, obtemos

(88) S z ( t ) = 2 ( | a ( t ) | 2 - | b ( t ) | 2 ) ,

substituindo os coeficientes da expansão(87) em (88), ficamos com

(89) S z ( t ) = 2 [ 1 - 2 w 1 2 Γ 2 sin 2 ( Γ t 2 ) ] ,

que é exatamente a mesma expressão (73) obtida através tratamento clá ssico, a menos do pré-fator multiplicativo, que no caso clássico é a magnetização inicial M(0)=Moz^ e no caso quântico é o valor esperado do spin inicial S(0)=Sz(0)z^=2z^.

Podemos facilmente fazer os cálculos das outras componentes do spin, ⟨Sx⟩(t) e ⟨Sy⟩(t) , e certificar da equivalência entre os tratamentos clássico e quântico, deixaremos isto como exercício para o leitor. A diferença física entre os dois tratamentos se refere ao significado do movimento de precessão. No caso clássico, a precessão consiste no movimento rotacional (espacial) do vetor magnetização M(t) em torno do eixo z com uma frequência de Larmor wL (conforme Figura 1), enquanto que, no tratamento quântico, a precessã o está relacionada com a transição entre os estados E1 e E2, Eq. (82). Temos que neste sistema, a frequência de Bohr, wB = (E1E2)/ℏ = Γ, é igual ao valor de wL da física clássica, e chamamos na MQ de frequência de Rabi.

6. Conclusões

Neste trabalho temos estudado a dinâmica dos spins sob ação de um campo de RF girante B(t) no plano x-y com uma velocidade angular w e outro campo magnéticoestático Bo na direção do eixo z. O campo Bo é o responsável pela magnetização induzida Mo = CHo/T, enquanto que o campo B (t) é o responsável pelo movimento de precessão da magnetização M(t) ao redor do eixo z. Temos utilizado os tratamentos clássico e quântico para obtenção da magnetização. No caso clássico, deduzimos a equação de Bloch na ausência do efeito dissipativo. Aplicando uma tranformação de simetria SO(3), reescrevemos a equação de Bloch para o referencial girante com uma velocidade angular Ω=Ωz^. Escolhendo a velocidade angular do referencial girante Ω = w, o campo magnético transformado tornou-se estático: B=B1x^+Boz^. Assim, as equações de Bloch transformadas envolvem agora coeficientes constantes, onde escrevemo-as na forma matricial e a solução exata para a magnetização M′(t) foi encontrada. Usando a transformação inversa, isto é, M(t) = R−1(wt)M′(t), as componentes da magnetização do sistema no referencial do laboratório foram obtidas. Analisamos os comportamentos das componentes Mz(t) e M(t) em função do tempo. Fixando o valor de B1/Bo = 0.5 observamos três tipos de comportamentos para a magnetização. O primeiro caso (w < wow1) correspondem oscilações destas componentes com a mesma frequência Γ/2; o segundo caso (wow1 < w < wo) a componente transversal M(t) apresenta dois movimentos oscilatórios acoplados distintos, um com frequência menor Γ/2 e outro com frequência maior Γ′/2, onde Γ′ = 2π/τR, sendo τR=2Γsin-1(Γ2w1). Finalmente, o terceiro tipo de comportamento ocorre na ressonância w = wo, onde as duas componentes oscilam com frequências diferentes.

No tratamento quântico, primeiro reescrevemos a equação de Schrödinger usando uma transformação SU(2) em analogia a rotação (SO(3)) feita no espaço euclidiano. Escolhendo a velocidade angular do referencial girante igual a Ω=Ωz^, o Hamiltoniano transformado tornou-se independente do tempo na forma =w12σx+wo2σz. Com este Hamiltoniano transformado, resolvemos de forma exata a equação de Schrödinger e obtivemos a evolução temporal |Ψ′(t)⟩. Usando a transformação inversa, isto é, |Ψ(t)⟩ = 𝒟−1(wt)|Ψ′(t)⟩, encontramos a evolução temporal no referencial do laboratório. Através do postulado da MQ, mostramos que o valor esperado da componente z da matriz de Pauli, ⟨σz⟩(t) = ⟨Ψ(t)|σz|Ψ(t)⟩, é igual a expressão da magnetização reduzida mz(t) obtida pelo tratamento clássico. Analogamente, as outras componentes, ⟨σx,y⟩(t) = ⟨Ψ(t)|σx,y|Ψ(t)⟩, também são equivalentes. A razão desta equivalência entre os tratamentos clássico e quâ ntico, deve-se ao fato de que usando os princípios da MQ reproduzimos um equa ção de Bloch quântica que se relaciona com o valor esperado do spin, em contrapartida no tratamento clássico se relaciona ao vetor magnetização.

Temos resolvido também o problema do campo transverso não-girante: B(t)=B1cos(wt)x^, mas agora as soluções clássica [1313. C.M.T. Dieguez, L.V. Montanheiro, L.B. Cleto, M.J.C. Bonfim e C.A. Dartora, Rev.Bras. Ens. Fis. 40, e1310 (2018).] e quântica [2222. S. Gasiorowicz, Física Quântica (Guanabara Dois, Rio de Janeiro, 1979).] são aproximadas. Nestes casos aproximados, os dois tratamentos não são equivalentes, isto deve-se ao fato das metodologias serem diferentes, apesar de ambas terem usadas a aproximação da onda girante (em inglês, RWA-Rotating Wave Approximation) [4646. Y. Wu e X. Yang, Phys. Rev. Lett. 98, 013601 (2007).] ou também chamada aproximação ressonante. O efeito dissipativo na dinâ mica de spin será aborado no próximo trabalho, onde investigaremos o comportamento da susceptibilidade dinâmica.

Agradecimentos

C. A. Dartora agradece ao CNPq pelo suporte financeiro parcial, através da Bolsa de Produtividade em Pesquisa.

References

  • 1.
    H.M. Nussenzveig, Curso de Física Básica 1 – Mecânica (Edgard Blücher,São Paulo, 1981).
  • 2.
    H. Goldstein, C. Poole e J. Safko, Classical Mechanics (Addison Wesley,New York, 2002), 3rd ed.
  • 3.
    D.J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics (Prentice Hall, NewJersey, 1986), 2nd ed.
  • 4.
    A.P. Guimarães, Magnetismo e Ressonância Magnética em Sólidos (Edusp, SãoPaulo, 2009).
  • 5.
    V.M.S. Gil e C.F.G.C. Geraldes, Ressonância Magnética Nuclear:Fundamentos, Métodos e Aplicações (Fundação Calouste Gulbekian, Lisboa, 1987).
  • 6.
    L.C.S. Bispo e M.E. Silva Nunes, Rev. Bras. Ens. Fis. 40, e3308 (2018).
  • 7.
    J.B. Parkinson e D.J.J. Farnell, An Intoduction to Quantum Spin Systems,(Springer, Berlin, 2010).
  • 8.
    E.M. Purcell, H.C. Torrey e R.V. Pound, Phys. Rev. 69, 37 (1946).
  • 9.
    F. Bloch, Phys. Rev. 70, 460 (1946).
  • 10.
    F. Bloch, W.W. Hansen e M. Packard, Phys. Rev. 70, 474 (1946).
  • 11.
    I.I. Rabi, Phys. Rev. 51, 652 (1937).
  • 12.
    A.P. Guimarães, Rev. Bra. Ens. Fis. 22, 360 (2000).
  • 13.
    C.M.T. Dieguez, L.V. Montanheiro, L.B. Cleto, M.J.C. Bonfim e C.A. Dartora, Rev.Bras. Ens. Fis. 40, e1310 (2018).
  • 14.
    T.B. Moraes e L.A. Colnago, Quim. Nova 37, 1410 (2014).
  • 15.
    T.J. Bonagamba, K.W. Capelle e E.R. Azevedo, Ciência Hoje 221, 40 (2005).
  • 16.
    M.H. Levitt, Spin Dynamics: Basics of Nuclear Magnetic Resonance (JohnWiley & Sons, New York, 2008), 2nd ed.
  • 17.
    A. Abragram, The Principles of Nuclear Magnetism (Oxford UniversityPress, Londres, 1961).
  • 18.
    C. Cohen-Tanndoudli, B. Diu e F. Laloë, Quantum Mechanics (John Wiley &Sons, New York, 1977), v. 1.
  • 19.
    C. Cohen-Tanndoudli, B. Diu e F. Laloë, Quantum Mechanics (John Wiley &Sons, New York, 1977), v. 2.
  • 20.
    J.J. Sakurai, Modern Quantum Mechanics – Revised Edition(Addison-Wesley, New York, 1994).
  • 21.
    R.W. Robinett, Quantum Mchanics: Classical results, modern systems, andvisualized examples (Oxford University Press, New York, 1997).
  • 22.
    S. Gasiorowicz, Física Quântica (Guanabara Dois, Rio de Janeiro, 1979).
  • 23.
    D.J. Griffiths, Introduction to Quantum Mechanics (Prentice-Hall, NewJersey, 1995).
  • 24.
    S.R.A. Salinas, Introdução à Física Estatística (EDUSP, São Paulo, 1997).
  • 25.
    R.K. Pathria, Statistical Mechanics (Butterworth-Heinemann, Oxford, 1996), 2nd ed.
  • 26.
    H.J. van Leeuwen, J. Phys. Radium 2, 361 (1921).
  • 27.
    R.M. White, Quantum Theory of Magnetism (Springer, Berlin, 2007), 3rd ed.
  • 28.
    G.G. Gomes e M. Pietrocola, Rev. Bras. Ens. Fis. 33, 2604 (2011).
  • 29.
    J.J. Sakurai, Advanced Quantum Mechanics (Addison-Wesley, New York, 1967).
  • 30.
    R.S. Van Dyck Jr., P.B. Schwinberg e H.G. Dehmelt, Phys. Rev. Lett. 59, 26 (1987).
  • 31.
    T. Kinoshita e W.B. Lindquist, Phys. Rev. D 42, 636 (1990).
  • 32.
    M.A. José, J.R.C. Piqueira e R.D. Lopes, Rev. Bras. Ens. Fis. 35, 1306 (2013).
  • 33.
    P.A.M. Dirac, Math. Proc. Cambr. Philosh. Soc. 35, 416 (1939).
  • 34.
    G.E. Uhlenbeck e S. Goudsmit, Nature 117, 264 (1926).
  • 35.
    H. Weyl, The Classical Groups: their Invariants and Representations(Princeton University Press, Princeton, 1939).
  • 36.
    Y.J.C. Beltrán, N.T. Massoni, J.A.S. Bernal e C.J.M. Suárez, Rev. Bras. Ens. Fis.43, e20200510 (2021).
  • 37.
    R. Areas, M.C. Barbosa, A.E. Santana, Rev. Bras. Ens. Fis. 41, e20190017(2019).
  • 38.
    J. Furtado e J.A. Heläyel-Neto, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, e20200338 (2021).
  • 39.
    H.J. Bernstein e A.V. Phillips Scien. Amer., 245, 122 (1981).
  • 40.
    J. Schwinger, Phys. Rev. 51, 648 (1937).
  • 41.
    F. Bloch e A. Siegert, Phys. Rev. 57, 522 (1940).
  • 42.
    H.C. Torrey, Phys. Rev. 59, 293 (1941).
  • 43.
    S.H. Autler e C.H. Townes, Phys. Rev. 100, 703 (1955).
  • 44.
    M. Grifoni e P. Hänggi, Phys. Rep. 304, 229 (1998).
  • 45.
    T. Dittrich, P. Hänggi, G.L. Ingold, B. Kramer, G. Schön e W. Zwerger,Quantum Transport and Dissipation (Wiley-VCH, Weinheim, 1998).
  • 46.
    Y. Wu e X. Yang, Phys. Rev. Lett. 98, 013601 (2007).
  • 1
    A frequência de Larmor (precessão dos spins) na física clássica equivale a frequência de Bohr na MQ associada à transição entre os dois níveis nucleares (mI = ±1/2).
  • 2
    Em 1895, como tema de tese doutorado, Curie estudou as propriedades magné ticas dos materiais paramagnéticos, diamagnéeticos e ferromagnéticos [Ann. de Chimie et de Physique 5, 289 (1895)]. Além de descobrir que o materiais paramagnéticos (isolantes) apresentam um comportamento χo≃1/T, notou, também, que os diamagnetos apresentam susceptibilidade constante e negativa (ex: bismuto) e os ferromagnetos apresentam magnetização espontânea (H=0) abaixo de uma certa temperatura, que mais tarde ficou conhecida como temperatura de Curie.
  • 3
    A susceptibilidade magnética à campo nulo é definida por χo=(MH)H=0, onde H=Hz^ é o campo externo, B = μoH é o campo de indução magné tica e μo = 4π×10−7 H/m é a permeabilidade magnética do vá cuo.
  • 4
    Langevin foi ex-aluno de Pierre Curie, onde desenvolveu os primeiros cá lculos teóricos para descrever a lei de Curie para os paramagnetos, onde os seus resultados foram publicados em dois trabalhos: 1) J. Phys. 4, 678 (1905) e 2) Ann. Chim. et Phys. 5, 70 (1905).
  • 5
    Isto é, [Xa,Pb] = iδab, onde Xa e Pb são as componentes da posição e do momentum, respectivamente, com a,b = 1 (x), 2 (y) e 3 (z), δab é o tensor delta de Kronecker que vale 1 se a=b e zero se ab , ℏ = h/2π, h = 6,62607004×10−34 J. s é a constante de Planck, o quantum do momento angular.
  • 6
    Os autores encontraram o valor geteórico =2[1,001159652140(±28)].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2020
  • Revisado
    21 Maio 2021
  • Aceito
    08 Jun 2021
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br