Acessibilidade / Reportar erro

Análise do caminho de retorno de uma corrente elétrica em um plano terra

(Electric current return path analysis on a ground conductor)

Resumos

Considerando uma abordagem estática, a corrente elétrica em um material condutor flui pelo caminho que apresenta a menor resistência. Já na abordagem dinâmica (corrente alternada), este caminho é definido pela menor impedância, que depende não somente da resistência, mas das reatâncias indutiva e capacitiva. Dessa forma, a variação da frequência dessa corrente pode alterar o caminho que ela percorre em um plano condutor, uma vez que as reatâncias serão importantes no caminho de menor impedância. Esse efeito é bem conhecido e muito utilizado para a construção de filtros e osciladores. Neste trabalho este efeito será analisado através de simulações eletromagnéticas e também experimentalmente, com o auxílio de um modelo didático de fácil construção.

Palavras-chave:
caminho de retorno da corrente; plano terra; corrente elétrica; impedância


Considering a static approach, the electric current in a conductor material flows along the path that has the lowest resistance. In the dynamic approach (alternating current), this path is defined by the smallest impedance, which depends not only on the resistance but also on the inductive and capacitive reactance. In this way, the variation of the frequency of the current may change the path that it follows in a plane conductor, once the reactances will be important in the lowest impedance path. This effect is well known and widely used for the construction of filters and oscillators. In this work, this effect will be analyzed using electromagnetic simulation as well as experimentally, with an easily constructed educational model.

Keywords:
current return path; ground plane; electric current; impedance


1. Introdução

A corrente elétrica tende a fluir por caminhos que apresentam a menor impedância possível [1[1] C.K. Alexander e M.N.O Sadiku, Fundamentos de Circuitos Elétricos (Bookman, Porto Alegre, 2003), 1ª ed.]. Para a corrente contínua, o caminho de menor impedância coincide com o que apresenta a menor resistência elétrica, uma vez que as parcelas reativas (indutivas e capacitivas) não têm efeito [1[1] C.K. Alexander e M.N.O Sadiku, Fundamentos de Circuitos Elétricos (Bookman, Porto Alegre, 2003), 1ª ed.]. Já para a corrente alternada as parcelas reativas passam a ter importância com o aumento da frequência, se tornando até mais significativa do que a própria resistência do caminho. Dessa maneira o caminho de menor impedância para uma corrente alternada depende fortemente das indutâncias e capacitâncias presentes.

Devido a esse comportamento a corrente pode mudar seu caminho em um circuito ou em um plano de terra, em função da frequência [2[2] C.R. Paul, Introduction to Electromagnetic Compatibility (Wiley-Interscience, New Jersey, 2006), 2ª ed.]. Esse efeito é bem conhecido e possui várias aplicações, como em filtros, osciladores e linhas de transmissão em placas de circuito impresso.

A comprovação experimental deste fenômeno não é tão simples, pois os instrumentos convencionais de medida (multímetros, osciloscópios, etc) não se adaptam diretamente a esta finalidade. Assim, a simulação eletromagnética torna-se de grande valia na análise deste fenômeno. Esse tipo de simulação utiliza métodos numéricos para resolver as equações de Maxwell [3[3] W.H. Hayt e J.A. Buck, Eletromagnetismo (São Paulo, McGraw-Hill, 2008), 7ª ed.], e assim determinar os caminhos da corrente em um condutor para diferentes frequências. A maneira mais usual de se visualizar o resultado deste tipo de simulação é através de uma mapa bidimensional onde a densidade de corrente é mostrada através da variação das cores de uma determinada área. Assim, é possível visualizar a variação do caminho da corrente em um plano condutor quando sua frequência é alterada.

Desta forma, este artigo aborda o problema do caminho da menor impedância em um plano terra, não somente através da simulação eletromagnética, mas também propõe uma técnica experimental simples e de baixo custo para mapear a densidade de corrente em uma superfície bidimensional. Neste artigo também se propões um modelo de circuito baseado em resistores e indutores que permite predizer a variação da impedância de um plano condutor em função da frequência.

2. Construção do modelo experimental didático

O aparato experimental é composto por uma placa retangular que contém uma superfície metálica coberta por um dielétrico. Acima desse isolante está situado um fio condutor de cobre, o qual define um caminho específico para a corrente que irá circular. Esse fio de cobre é interligado à ao plano metálico em um único ponto. A alimentação do circuito é feita através de um gerador de sinais alternados. Este aparato pode ser visualizado na Fig. 1.

Figura 1
Esquema de montagem do modelo.

Para que seja possivel mapear a densidade de corrente no plano terra foi utilizado uma sonda de campo magnético. Para que as medidas fossem executadas de maneira mais fácil e com menos interferências do fio condutor, a sonda de corrente teria que ser posicionada do lado oposto ao fio de cobre. Para que a sonda consiga medir os valores do campo magnético corretamente, o plano de terra não deve exercer uma “blindagem” eletromagnética significativa na faixa de frequência que se pretende analisar. O efeito de “blindagem” está diretamente ligado à espessura do material e a profundidade pelicular da corrente no mesmo (skin dephth) [4[4] E. Bogatin, Signal and Power Integrity - Simplified (Prentice Hal, New Jersey, 2010), 2ª ed.]. Na física clássica, a profundidade pelicular é descrita através da seguinte expressão (1) [4[4] E. Bogatin, Signal and Power Integrity - Simplified (Prentice Hal, New Jersey, 2010), 2ª ed.,5[5] M.J.C Bonfim, Notas de Aula UFPR, disponível em http://www.eletrica.ufpr.br/marlio/mestrado/te746/te746.htm, acessado em 30/6/2014.
http://www.eletrica.ufpr.br/marlio/mestr...
]

(1)δ=2ρωμ,
onde δ é a profundidade pelicular [m], ω é a frequência angular [Hz], ρ é a resistividade [Ω.m] e μ é a permeabilidade do material.

A faixa de frequência analisada neste trabalho vai de centenas de Hz até 10 MHz. Dessa forma, quanto maior a frequência da corrente, menor será a profundidade ocupada por ela no condutor. Assim, na máxima frequência (10 MHz) ocorrerá a menor profundidade pelicular. Dessa forma, caso o plano condutor tenha uma profundidade maior do que a indicada pelo cálculo, o plano começara a exercer uma “blindagem” ao campo magnético dessa corrente. Considerando a frequência 10 MHz e uma superfície condutora de cobre, tem-se que a profundidade pelicular é 20,6μm. Assim, espessuras de cobre superiores a este valor terão um efeito de blindagem significativo.

Uma primeira ideia de superfície condutora para esta aplicação, foram as placas de circuito impresso convencionais. Porém, elas possuem uma espessura de cobre de aproximadamente 37μm, o que inviabiliza o experimento até a faixa de 10 MHz. Desse modo, iniciou-se a busca de outra superfície metálica de fácil aquisição, com espessuras bem inferiores ao cobre das placas de circuito impresso. Outro material considerado foram as folhas de papel alumínio, que possuem espessura típica de 10μm. Porém, essa alternativa foi descartada devido à sua fragilidade e maleabilidade, o que dificulta a realização de uma superfície plana e contínua.

A solução final adotada foi a utilização de um espelho plano convencional de 2 mm de espessura. Os espelhos são formados por uma base de vidro, sobre a qual é depositada uma fina camada metálica refletora (normalmente prata) seguida por uma camada de proteção polimérica. Através de medidas de perfilometria, obteve-se a espessura da camada de prata de aproximadamente 0,5±0,025μm e a camada isolante de proteção com aproximadamente 35±1,75μm. A profundidade pelicular na prata μprata3,99π×10-7 [3[3] W.H. Hayt e J.A. Buck, Eletromagnetismo (São Paulo, McGraw-Hill, 2008), 7ª ed.] na um frequência de 10 MHz é de 20μm, consequentemente a espessura de 0,5μm apresentará um efeito de blindagem pouco significativo, permitindo que o campo magnético atravesse esta camada e a medida seja possível com o uso da sonda.

Outra característica importante apresentada pelo espelho é a resistência mecânica, oferecida pelo vidro, que permite manusear uma camada de metal fina sem que se causem dobras ou quebras. Além disso, a camada metálica no espelho apresenta baixíssima rugosidade, o que permite uma distribuição uniforme da corrente e maior facilidade de movimentação da sonda.

A Fig. 2 mostra um corte longitudinal do aparato experimental proposto. As medidas da camada de tinta e de metal foram realizadas em um equipamento de medição de espessura de filmes finos, com resolução nanométrica.

Figura 2
Vista em corte do espelho mostrando onde o fio de cobre é colado.

Para efetuar os contatos elétricos com a prata do espelho, foi removida cuidadosamente a camada polimérica de proteção. Essa etapa é a mais crítica da montagem, devido as camadas envolvidas serem muito finas e ao risco de se retirar parte da camada metálica.

Para a remoção foram utilizadas duas lixas números 600 e 1200 que foram passadas cerca de 10 vezes. Esse número de passadas foi determinado experimentalmente de modo que não provocasse danos à camada de prata. A remoção completa dos resíduos da camada protetora é feita utilizando um algodão embebido em acetona. Após a retirada total da camada de proteção, a camada metálica de prata fica exposta sendo possível colar o fio na camada de prata. O contado elétrico é feito diretamente entre o fio e a camada metálica, sendo utilizado um adesivo condutivo a base de prata para a fixação mecânica das partes.

O fio de cobre utilizado possui espessura de 1,5 mm com diâmetro interno do condutor de 0,85 mm. Esse fio foi utilizado para definir um caminho de corrente no espelho. Esse caminho tem o formato de U e é necessário para a correta visualização da variação do caminho da corrente. A espessura do isolante do fio é 345μm, sendo essa considerada como a espessura do dielétrico. A Fig. 3 apresenta uma foto do modelo montado, indicando os pontos onde foram efetuadas as medidas de campo magnético com a sonda.

Figura 3
Foto da montagem do modelo didático.

3. Teoria de funcionamento do modelo

Em um circuito composto por impedâncias em paralelo, a corrente seguirá majoritariamente o caminho de menor impedância. Em corrente continua e alternada de baixa frequência, o caminho de menor impedância coincide com o caminho de menor resistência. Dessa maneira, este também é o caminho de menor comprimento, dado que a resistência elétrica é diretamente proporcional à distância percorrida pela corrente. Dessa forma a corrente percorrerá o caminho como mostrado na Fig. 4.

Figura 4
Circulação de uma corrente continua ou alternada de baixa frequência no modelo. As setas indicam o fluxo da corrente. A área em cinza representa a área delimitada pela circulação da corrente.

À medida que a frequência aumenta, a influência da indutância do circuito torna-se significativa frente à resistência elétrica, passando a ter um papel importante na impedância. A reatância indutiva XL representa a impedância oferecida por um indutor à passagem da corrente elétrica, sendo dependente da frequência de acordo com a expressão (2) [1[1] C.K. Alexander e M.N.O Sadiku, Fundamentos de Circuitos Elétricos (Bookman, Porto Alegre, 2003), 1ª ed.]

(2)XL=jωL,
onde j é a unidade imaginária, ω é a frequência angular [Hz], L é a indutância [H] e XL é a reatância indutiva [Ω].

Deste modo, quanto maior a frequência, maior a contribuição da reatância indutiva em um circuito. Portanto, em altas frequências, a parcela da reatância indutiva será maior que a parcela resistiva (que idealmente possui um valor fixo). Dessa forma, a impedância oferecida a passagem da corrente elétrica será maior do que a oferecida em corrente continua. Porém, a tendência é que a corrente flua por caminhos que apresentem uma impedância menor que a resultante do processo acima descrito. Assim a corrente de retorno no plano terra tenderá a migrar para a região mais próxima ao fio. Isso ocorre devido a relação entre o valor da indutância e a área em que a corrente circula. A Eq. (3) mostra essa relação [3[3] W.H. Hayt e J.A. Buck, Eletromagnetismo (São Paulo, McGraw-Hill, 2008), 7ª ed.]

(3)L=BAI,
onde B é a densidade de fluxo magnético [T], A é a área onde a corrente circula [m2], L é a indutância [H] e I é a corrente [A].

Conforme a Eq. (3), a área em que circula a corrente é diretamente proporcional a indutância. Dessa forma, se a área delimitada pela circulação da corrente diminuir, a indutância também diminui. A comparação das áreas em cinza nas Figs. 4 e 5 mostra essa relação. Dessa maneira, a impedância do caminho percorrido pela corrente também cairá. Existe portanto uma faixa de frequência de transição entre os caminhos de corrente, que depende de vários fatores, dentre eles as características da camada de metal (espessura, resistividade), a distância entre o fio e o plano condutor e as dimensões da estrutura.

Figura 5
Circulação de uma corrente c alternada de alta frequência no modelo. As setas indicam o fluxo da corrente. A área em cinza representa a área delimitada pela circulação da corrente.

4. Medidas práticas com a sonda de corrente

As medidas práticas utilizaram uma sonda cujo sensor é um circuito integrado que mede o campo magnético através do princípio da magnetorresistência gigante (GMR)[6[6] K.-M.H. Lenssen, D.J. Adelerhof, Gassen A.E.T., G.H.J. Somers e J.B.A.D. van Zon, Robust Giant Magnetoresistance Sensors, disponível em http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0924424700003423.
http://www.sciencedirect.com/science/art...
].

A utilizada sonda foi construída para detectar os campos magnéticos em um gerador de pulsos magnéticos para o estudo de materiais [7[7] A.L.B Dias e R.R.W. Cruz, in: Resumos do 18° EVINCI e 3° EINTI, UFPR, Curitiba, 2010, p. 236, disponível em http://www.prppg.ufpr.br/sites/default/files/documentos/ic/evinci/18/livro_resumos_2010.pdf.
http://www.prppg.ufpr.br/sites/default/f...
]. O sensor que equipa a sonda é o NVE AA002–02. Esse sensor disponibiliza em suas saídas tensões que são proporcionais ao campo magnético medido. Para condicionar esse sinal, e permitir sua conexão a um osciloscópio, um amplificador de instrumentação foi acoplado a saída do sensor. O conjunto amplificador e o sensor formam a sonda de corrente. Essa sonda é capaz de medir campos magnéticos com frequências de até 1 MHz [8[8] NVE Corporation; AA and AB-Series Analog Sensor, (NVE, Minnesota, 2009), disponível em http://www.nve.com/Downloads/analog_catalog.pdf.
http://www.nve.com/Downloads/analog_cata...
]. Como o campo magnético é diretamente proporcional ao valor da corrente circulante, quanto maior a corrente conduzida por determinada região da placa maior será o campo magnético produzido. Por consequência maior será o valor de tensão na saída da sonda de corrente.

O sinal da sonda foi lido por um osciloscópio e foram registrados os valores da tensão RMS em cada um dos 36 pontos definidos na superfície do espelho (espaçados de 20 mm) conforme as marcas pretas mostradas na Fig. 3.

O mapeamento do campo magnético foi realizado para três frequências distintas: 1 kHz, 15 kHz e 1 MHz, cujos resultados são apresentados nas Figs. 6 a 8. As setas pretas marcadas nessas figuras indicam os terminais de alimentação do plano terra.

Figura 6
Gráfico da corrente no plano condutor 1 kHz. Cor azul - menor densidade de corrente; cor vermelha - maior de densidade de corrente. Valores em tensão [mV]. Gráfico colorido disponível na edição on-line.

As imagens geradas através dos dados práticos guardam alguma relação com a teoria de funcionamento do modelo anteriormente apresentada. Nas situações de baixa frequência, (1 kHZ e 15 kHZ) as Figs. 6 e 7, é possível confirmar que a corrente elétrica retorna pela borda da placa, mostrando o caminho de menor resistência. A Fig. 8 mostra uma tendência da corrente se concentrar na região onde o fio de alimentação passa na placa, o que confirma a teoria.

Figura 7
Gráfico da corrente no plano condutor 15 kHz. Cor azul - menor densidade de corrente; Cor vermelha - maior de densidade de corrente. Valores em tensão [mV]. Gráfico colorido disponível na edição on-line.
Figura 8
Gráfico da corrente no plano condutor 1 MHz. Cor azul - menor densidade de corrente; Cor vermelha - maior de densidade de corrente. Valores em tensão [mV]. Gráfico colorido disponível na edição on-line.

Nas medidas em frequências próximas a 1 MHz a radiação das ondas eletromagnéticas pelos condutores do modelo se tornaram muito significativas. Dessa forma, as medidas nessas frequências ficaram prejudicadas, pois a sonda acabava captando o campo magnético de outras áreas e não só o campo do local desejado. Deve-se ressaltar o caráter qualitativo dessas medidas e dos gráficos, sendo uma ferramenta capaz de mostrar visualmente onde se concentram as maiores densidades de correntes.

5. Medida da impedância do modelo didático

O gráfico da impedância do modelo didático foi levantado através de uma analisador de redes HP8753[9]. A medida foi realizada entre as frequências de 1 kHz e 100 MHz. A partir desses dados foi possível verificar o comportamento que o arranjo apresenta para vários valores de frequência. A Fig. 9 mostra o gráfico do módulo da impedância, já a Fig. 10 traz o valor da fase da impedância.

Figura 9
Módulo da impedância do arranjo.
Figura 10
Fase da impedância do arranjo.

Como é possível verificar o presente modelo apresenta um comportamento predominantemente resistivo até 100 kHz, com um leve aumento da impedância entre 100 kHz e 1 MHz, seguido de um marcante comportamento indutivo até 100 MHz. Com isso, passa a ser confirmado a predominância do comportamento resistivo em baixas frequências e do comportamento indutivo em altas frequências. A Tabela 1 traz alguns valores de impedância da placa.

Tabela 1
Medidas de impedância do modelo.

Como a curva de impedância do modelo não mostra um comportamento capacitivo nessa faixa de frequência, o modelo que representa esse arranjo é o de um resistor em série com um indutor. A parte real da impedância é diretamente correlacionada com o valor do resistor e o valor da parte imaginária é relacionada ao valor da reatância indutiva. A Tabela 2 traz o valor do resistor e do indutor para cada uma das frequências.

Tabela 2
Medidas dos componentes do modelo.

É possível observar que a indutância e a resistência do caminho da corrente variam com o aumento da frequência da corrente. Verificasse que o valor da resistência do caminho aumenta com o aumento da frequência, isso é causado pelo efeito pelicular. Por outro lado, percebe-se uma diminuição no valor da indutância com o aumento da frequência, significando que a corrente está fluindo por um caminho de menor indutância. O valor da indutância em 100 MHz pode ser desconsiderado dessa análise, uma vez que está perto de uma ressonância, conforme indica o gráfico da fase.

6. Modelagem e simulação elétrica

Para modelar o comportamento elétrico apresentado pelo plano terra deste modelo foi construída uma simulação elétrica no software QUCS 0.0.15. De forma a validar o modelo criado, os resultados serão confrontados com os gráficos gerados pelos dados analisador de redes.

Como determinado pela curva de impedância do modelo didático, o circuito elétrico que modela o funcionamento do plano condutor em estudo pode ser composto de dois resistores e dois indutores, conforme Fig. 11.

Figura 11
Circuito elétrico simulado.

O circuito da Fig. 11, é composto por dois caminhos, cada qual representado por um indutor e um resistor. Cada caminho é responsável pela condução da corrente em alta e baixa frequência. Assim o caminho que apresenta a menor indutância conduzirá a corrente de alta frequência e o caminho que apresentar a menor resistência conduzirá a corrente de baixa frequência.

O valor do indutor de baixa frequência pode ser estimado através da Eq. (4) [10[10] B. Archambeault, Resistive vs. Inductive Return Current Paths, (IEEE, Plymouth, 2008), disponível em http://www.ewh.ieee.org/soc/emcs/acstrial/newsletters/spring08/design_tips.pdf, acessado em 30/6/2014.
http://www.ewh.ieee.org/soc/emcs/acstria...
]

(4)A=hlnh+h2+w2w,B=wln(w+h2+w2h),C=hln(2ha)+wln(2wa),L=μ0π(-2(w+h)+2h2+w2-A-B+C),
onde h é o comprimento do retângulo (menor dimensão), w é a largura do retângulo (maior dimensão) e a é o raio do fio.

A Eq. (4) leva em consideração a área da espira hipotética formada pelo caminho que a corrente fará no arranjo, considerando que a corrente retorne pela borda do plano condutor. O valor da indutância de baixa frequência segundo a Eq. (4) é 341 nH.

A indutância de alta frequência pode ser estimada através da formula da indutância de uma linha microstrip, Eq. (5) [11[11] Coil 32, Online Calculators, disponível em http://coil32.narod.ru/calc/straight_conductor_above_plain-_en.html, acessado em 7/7/2014.
http://coil32.narod.ru/calc/straight_con...
].

(5)L=0,0117b(log2ha*x+0.00508(y+z),x=b+b2+a2b+b2+4h2,y=b2+4h2-b2+a2,z=b4-2h+a,
onde L é a indutância em μH, h é a altura do plano isolante, a é o raio do fio e b é o comprimento do fio paralelo ao plano.

A indutância de alta frequência segunda a Eq. (5) é 96,2 nH.

A resistência de baixa frequência pode ser estimada através da Eq. (6) [1[1] C.K. Alexander e M.N.O Sadiku, Fundamentos de Circuitos Elétricos (Bookman, Porto Alegre, 2003), 1ª ed.]. Considerando que a condução em baixa frequência ocorrerá em apenas uma faixa na borda da placa, pode-se inferir que a área da secção transversal do plano condutor que conduzira essa corrente será dada pela multiplicação da espessura do plano (500 nm) pelo comprimento de contato do fio com a placa, ou seja o menor comprimento que o fio faz contato com a placa (5mm)

(6)R=ρA,
onde é o comprimento, ρ é a resistividade elétrica e A é a área da seção transversal.

Dessa forma, usando a Eq. (4) a resistência elétrica de baixa frequência para o protótipo é 540mΩ. A resistência de alta frequência também pode ser calculada pela Eq. (6). No caso das corretes de alta frequência a corrente se distribui bem abaixo do fio que alimenta a placa, dessa forma a área da secção transversal passará a ser definida pelo diâmetro do condutor e a altura da camada de metal. A resistência elétrica para altas frequências segundo a Eq. (6) será 10,7Ω. O circuito resultante para a simulação está representado na Fig. 11.

O gráfico da impedância gerado através da simulação elétrica no software QUCS 0.0.15 é apresentado nas Figs. 12 e 13. A impedância da fonte na simulação é de 50Ω.

Figura 12
Resultado do módulo da impedância simulada.
Figura 13
Resultado do módulo da impedância simulada.

Comparando os gráficos da impedância apresentadas pelo protótipo construído e do modelo elétrico simulado é possível constatar que a simulação converge a respeito do aumento da impedância a partir de 1 MHz. Os valores da fase da impedância simulada também se aproximam dos valores medidos, exceto próximo ao valor da ressonância (100 MHz) e por uma anomalia na modelagem em 1 MHz. Essa anomalia pode ser explicada pela simplicidade do modelo proposto, uma vez que na situação real a corrente muda gradativamente seu percurso, e não abruptamente como o modelo propõem (somente duas vias de condução baixa e alta frequência). A Tabela 3 mostra algumas comparações de valores entre a simulação da impedância e a medida da impedância do protótipo.

Tabela 3
Comparação da impedância medida com a simulada.

O modelo elétrico proposto não foi capaz de modelar com exatidão o aumento da resistência elétrica, pois não foi considerado o efeito pelicular. Isso pode ser verificado através do gráfico da Fig. 12, onde a impedância medida é maior que a simulada. A Tabela 3 também reforça o fato de alguns valores não convergirem devido a simplicidade do modelo proposto. Apesar disso, pode-se colocar que a aproximação é válida, pois as tendências de aumento na impedância foram confirmadas.

7. Simulação eletromagnética

O software Sonnet 13.52 foi utilizado para realizar um modelo simplificado do protótipo. O modelo simulado possui as mesmas dimensões do modelo real. A simulação foi realizada com o objetivo de confirmar a teoria e os dados coletados pela sonda de corrente. A Fig. 14 apresenta o modelo em 3d produzido pelo software.

Figura 14
Modelo da simulação eletromagnética.

O plano condutor é representado na Fig. 14 pelo plano verde, os terminais de alimentação estão numerados, o fio é representado pela linha rosa e a interconexão entre o plano e o fio é representado pela via vermelha. O resultado dessas simulações são imagens que demonstram como a corrente se comporta no plano condutor.

Foram realizadas simulações eletromagnéticas em cinco frequências: 1 kHz, 15 kHz, 200 kHz, 1 MHz e 10 MHz. O resultado dessas simulações encontra-se nas Figs. 15 a 19.

Figura 15
Simulação das correntes no plano condutor - 1 kHz. Gráfico colorido disponível na edição on-line.

As Figs. 15 a 19 demonstram o que a teoria exposta no item 3 indica, quanto maior for a frequência da corrente que passa pelo plano condutor, maior será a concentração da corrente na região onde passa o fio de alimentação da placa. Apesar do número de figuras ser restrito, é possível notar em uma simulação com mais frequências que a corrente se divide entre passar pela borda da placa (caminho de menor resistência) e passar abaixo do fio de alimentação (caminho de menor indutância) em frequências entre 10 kHz e 1 MHz. Nessa faixa de valores ocorre a transição entre a baixa frequência e a alta frequência.

Os gráficos obtidos experimentalmente guardam uma relação com as simulações eletromagnéticas. É possível verificar que nos casos de 1 kHz e 15 kHz os resultados práticos (Figs. 6 e 7) e as simulações (Figs. 15 e 16) são muito semelhantes. Já o resultado prático para 1 MHz, Fig. 8, e o resultado simulado, Fig. 18, convergem, porém é possível notar a interferência do efeito da radiação (comportamento de antena) nos valores medidos pela sonda.

Figura 16
Simulação das correntes no plano condutor - 15 kHz. Gráfico colorido disponível na edição on-line.
Figura 17
Simulação das correntes no plano condutor - 200 kHz. Gráfico colorido disponível na edição on-line.
Figura 18
Simulação das correntes no plano condutor - 1 MHz. Gráfico colorido disponível na edição on-line.
Figura 19
Simulação das correntes no plano condutor - 10 MHz. Gráfico colorido disponível na edição on-line.

8. Conclusão

O estudo do caminho da corrente em um plano condutor é muito importante para dispositivos que operam com altas frequências ou estão sujeitos a interferências eletromagnéticas. O estudo acima realizado reforça que um layout de placa mal feito pode influenciar negativamente na qualidade e estabilidade de um circuito ou aparelho. Outra utilidade da análise do caminho da corrente é a construção de filtros e osciladores de alta frequência.

O modelo didático proposto para realizar as medidas de corrente é viável e de baixo custo e complexidade de execução. Esse modelo obteve um resultado satisfatório e permitiu a sondagem da corrente.

Os resultados obtidos com os testes práticos guardam relação com a simulação eletromagnética e com os resultados apresentados na Ref. [10], onde é possível verificar que nas frequência simuladas pelo autor, os resultados das simulações em 1 kHz e 1 MHz coincidem com as medidas práticas e com a simulação eletromagnética aqui apresentadas. Isso demonstra que o modelo proposto nesse trabalho é valido para esse tipo de estudo Esse modelo pode ter grande aplicação em demonstrações práticas nas disciplinas dos cursos que envolvam esses conhecimentos.

As dificuldades nas medidas foram enfrentadas devido a sonda de corrente captar os campos que estavam sendo radiados e não somente os campos locais das correntes circulantes. Esse problema talvez possa ser contornado usando uma sonda mais precisa ou utilizando algum outro princípio para realizar as medições.

A modelagem elétrica mostrou coerência com a realidade, porém os valores são um pouco diferentes das medidas práticas. Isso é devido as aproximações e simplificações feitas durante os cálculos teóricos e a baixa complexidade do modelo. Porém, é possível usar o modelo elétrico proposto como uma aproximação ao comportamento real.

É importante ressaltar que por mais complexo que seja a modelagem elétrica, está dificilmente se aproximará do que é obtido através de uma simulação eletromagnética. Isso se deve ao fato da simulação eletromagnética considerar todos os aspectos geométricos envolvidos no modelo.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    08 Jun 2015
  • Aceito
    31 Ago 2015
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br