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Oscilador harmônico amortecido e séries infinitas

Damped harmonic oscillator and infinite series

Resumos

Neste trabalho discute-se um arranjo experimental bastante simples e de baixo custo, cujo objetivo consiste em se exemplificar de forma concreta a aplicação de técnicas matemáticas envolvendo solução por séries infinitas destinadas ao estudo de determinado fenômeno físico. Esta prática desenvolvida e direcionada aos alunos de um curso de Graduação em Matemática, consiste basicamente de um estudo quantitativo relacionado ao comportamento oscilatório amortecido de um sistema constituído por uma massa acoplada a uma mola. Os resultados experimentais corroboraram muito bem a teoria fenomenológica e possibilitam a determinação numérica de uma constante física normalmente considerada desprezível, mencionada de passagem nos livros textos. Um fato de destaque deste trabalho referente ao fenômeno ondulatório estudado, ilimitado no tempo, mas limitado no espaço, é o de permitir uma boa discussão com os estudantes sobre o conceito de limite matemático.

sistema massa-mola; amortecimento; séries infinitas


In this work, a quite simple and low-cost experimental arrangement is discussed. Its objective consists of exemplifying in a concrete manner the application of mathematical techniques involving solution by infinite series, destined to the study of determined physical phenomenon. This practice, developed for and directed to undergraduate students taking the course in Mathematics, basically consists of a quantitative study related to the damped oscillatory behavior of a system constituted by a mass coupled to a spring. The experimental results corroborate the phenomenological theory very well and permit the numeric determination of a physical constant normally considered negligible, mentioned only briefly in text books. An important factor in this work refers to the studied oscillatory phenomenon, unlimited in time, but limited in space, which permits an interesting discussion with the students on the concept of mathematical limits.

mass-spring system; damping; infinite series


ARTIGOS GERAIS

Oscilador harmônico amortecido e séries infinitas

Damped harmonic oscillator and infinite series

Marcello G. RodriguesII, 1 1 E-mail: fermatgalileu@yahoo.com.br. ; João A. BusquiniIII; Gerson A. SantarineI

IDepartamento de Física, IGCE, Unesp, Rio Claro, SP, Brasil

IIFaculdade Asser, Rio Claro, SP, Brasil

IIIFaculdade Semar, Sertãozinho, SP, Brasil

RESUMO

Neste trabalho discute-se um arranjo experimental bastante simples e de baixo custo, cujo objetivo consiste em se exemplificar de forma concreta a aplicação de técnicas matemáticas envolvendo solução por séries infinitas destinadas ao estudo de determinado fenômeno físico. Esta prática desenvolvida e direcionada aos alunos de um curso de Graduação em Matemática, consiste basicamente de um estudo quantitativo relacionado ao comportamento oscilatório amortecido de um sistema constituído por uma massa acoplada a uma mola. Os resultados experimentais corroboraram muito bem a teoria fenomenológica e possibilitam a determinação numérica de uma constante física normalmente considerada desprezível, mencionada de passagem nos livros textos. Um fato de destaque deste trabalho referente ao fenômeno ondulatório estudado, ilimitado no tempo, mas limitado no espaço, é o de permitir uma boa discussão com os estudantes sobre o conceito de limite matemático.

Palavras-chave: sistema massa-mola, amortecimento, séries infinitas.

ABSTRACT

In this work, a quite simple and low-cost experimental arrangement is discussed. Its objective consists of exemplifying in a concrete manner the application of mathematical techniques involving solution by infinite series, destined to the study of determined physical phenomenon. This practice, developed for and directed to undergraduate students taking the course in Mathematics, basically consists of a quantitative study related to the damped oscillatory behavior of a system constituted by a mass coupled to a spring. The experimental results corroborate the phenomenological theory very well and permit the numeric determination of a physical constant normally considered negligible, mentioned only briefly in text books. An important factor in this work refers to the studied oscillatory phenomenon, unlimited in time, but limited in space, which permits an interesting discussion with the students on the concept of mathematical limits.

Keywords: mass-spring system, damping, infinite series.

1. Introdução

Conceitos teóricos de física básica apresentados aos estudantes devem convencê-los de que podem, de fato, descrever a realidade à sua volta. Algumas vezes determinados assuntos tratados em livros textos de física apresentam aspectos que nem sempre possibilitam ao estudante uma imediata percepção da realidade. Em alguns casos o coeficiente de atrito (constante de proporcionalidade entre força de atrito e velocidade de uma massa se deslocando no ar) configura-se como um bom exemplo da afirmação acima. Os textos quase nunca mencionam a ordem de grandeza de tal constante e assim, o aluno não consegue estimar os aspectos mensuráveis relativos a esta variável. Um exemplo clássico refere-se a influência desta constante de amortecimento sobre um sistema massa-mola amortecido. Costuma-se argumentar que este parâmetro é suficientemente pequeno e portanto poderia ser desprezado, mas a partir desta consideração pode-se questionar por que um sistema massa-mola colocado para oscilar cessa completamente seu movimento depois de algum tempo? Por melhores que sejam as condições é constatação experimental de que o tempo decorrido para um sistema massa-mola ordinário colocado para oscilar pare completamente é frequentemente inferior a uma hora.

Um sistema massa-mola convencional está ilustrado na Fig. 1. O movimento da massa, considerando-se a resistência do ar, pode ser analisado a partir da segunda lei de Newton


onde a força elástica aplicada pela mola e a de atrito aplicada pelo ar são tomadas como sendo diretamente proporcionais à elongação da mola e à velocidade da massa respectivamente. Assim a Eq. (1) pode ser reescrita como

Se a constante b puder ser considerada menor que um certo valor crítico bc, a solução dessa equação diferencial, com condições iniciais S(t = 0) = A0 e velocidade inicial V(t = 0) = 0, será

onde

Em tal solução, b/2m(=τ) é denominada constante de amortecimento do sistema e o termo A0e-bt/2m expressa a variação da amplitude com o empo. Observa-se aqui que a frequência angular do oscilador harmônico amortecido, ω', é sempre menor que a frequência do mesmo oscilador sem amortecimento (para b = 0). A ausência de amortecimento implica numa amplitude constante e igual a A0, ou seja, um movimento sem alteração. Esse tipo de amortecimento é chamado de subcrítico.

Caso a constante de atrito fosse igual a o movimento deixaria de ser periódico e a massa retornaria à sua posição de equilíbrio, quando solta da sua posição inicial A0, caracterizando o chamado amortecimento crítico. Um exemplo prático de amortecimento crítico ocorre nos amortecedores de automóveis, projetados para amortecerem as oscilações do sistema de suspensão composto por molas de grandes constantes elásticas. No amortecimento supercrítico (caso em que o valor da constante de atrito é maior que bc o sistema nem chegaria completar meia oscilação, demorando um tempo muito longo até que o sistema chegasse à posição de equilíbrio [1].

2. Interdisciplinaridade: física e análise matemática

A observação do movimento de um sistema massa-mola subcrítico mostra que as variações de espaço sofridas pela massa, a cada meio período de oscilação, diminuem progressivamente com o tempo, tornando-se muito pequenas para tempos longos. O movimento cessa quando a massa permanece estática na posição de equilíbrio. O fato de que o somatório de todas as variações de espaço, em cada intervalo de tempo de meio período, ser igual à variação de espaço total sofrida pela massa até parar sugere que esse movimento seja limitado espacialmente e que a distância total percorrida pela massa possa ser calculada através do uso de séries infinitas.

Para encontrarmos a distância total percorrida pelo sistema massa-mola, calcularemos as variações de espaço percorridas pela massa (ΔS = Sn - Sn - 1) em cada intervalo de tempo de meio período e então somaremos seus módulos.

Supondo que a massa foi solta a partir de uma posição S = A0, então, após o primeiro intervalo de tempo de meio período, a massa estará na outra extremidade da oscilação e terá percorrido

Durante o segundo meio período de tempo, observamos que a massa percorre

Durante o terceiro meio período de tempo, observamos que a massa percorre

e assim sucessivamente.

Observando as equações acima é fácil verificar que a expressão para o termo geral de uma série que descreve as variações de espaço sofridas pela massa em cada intervalo de tempo de meio período é dada por

A Eq. (4) mostra que o fator A0(1 + e representa o módulo da primeira variação de espaço sofrida pela massa, que as variações de espaço são alternadamente negativas e positivas e que seus módulos diminuem exponencialmente no tempo em função do número de meios períodos (consequentemente em função do tempo). Tais variações de espaço estão representadas na Fig. (2).


Necessitamos agora determinar se a série dada pelo termo geral da Eq. (4) converge ou não. Para tal, temos que verificar duas condições: se o limite de ΔSn, quando n tende ao infinito, é zero, e se |ΔSk| > |ΔSk+1| para todo inteiro positivo k. O fator e nos traz a chave para ambas as respostas, pois sendo seu expoente negativo a série é decrescente, satisfazendo assim ambas as condições [2, 3].

Constatada a convergência desta série, sua soma existe e pode ser calculada como se segue

É fácil perceber que, nesta série, todas as parcelas diferentes de -Ao se cancelam aos pares, resultando em

o que significa que num tempo suficientemente longo a massa se encontra realmente na posição de equilíbrio, sendo então a sua variação de espaço total igual a a - Ao.2 2 A série dada pelo termo geral da Eq. (4) é absolutamente convergente o que não só implica em sua convergência como também na independência de sua soma com a ordem com que seus termos são somados.

Para se obter a distância total percorrida pela massa até que esta pare de oscilar, somam-se os módulos de todas as variações de espaço sofridas pela massa, durante o seu movimento, obtendo a seguinte série

ou

A expressão dentro dos colchetes na Eq. (5) representa uma série geométrica infinita cuja soma é

onde a = 1 e r = e; sendo este último menor que um, está garantida a convergência desta série, sendo sua soma dada por

o que nos leva a expressão da distância total percorrida pela massa até parar de oscilar como sendo

Na Eq. (6) acima, se a constante de amortecimento do sistema τ tende a zero, o fator dado pela expressão entre parênteses, tende ao infinito, assim como a distância D percorrida pela massa; isso significa que, sendo o amortecimento do sistema muito pequeno, o sistema massa-mola tende a ficar oscilando durante muito tempo, percorrendo uma distância muito grande até parar. Se, por outro lado, a constante de amortecimento do sistema τ for grande (mas não o suficiente para o movimento deixar de ser subcrítico), o fator entre parênteses da Eq. (6) tende a 1 e a distância D tende a Ao; que seria a distância mínima percorrida pela massa que estaria então realizando um movimento muito próximo do movimento de um oscilador harmônico com amortecimento crítico. Tal comportamento da distância total percorrida em função de τT'/2 pode ser observado na Fig. (3). Apesar do movimento ser subcrítico, não há limite superior para os valores que pode assumir a variável τT'/2 pois o produto de uma variável que tende a uma constante (quando a constante de atrito tende a bc, τ tende a um valor finito) por uma outra variável que tende para o infinito (o período de oscilação T') também tende ao infinito.


3. Tempo total de parada?

Apesar do fato da Eq. (2) não limitar o movimento harmônico sub-amortecido no tempo, consideramos que em algum instante futuro o sistema irá parar de oscilar, fato notório das observações das pessoas. Na verdade, não devemos acreditar que a teoria apresentada (ou suas hipóteses) seja válida para qualquer intervalo de seu domínio, ou em outras palavras, que o sistema nunca pararia de oscilar ou que suas oscilações sempre seriam descritas pela Eq. (2). Para calcular o tempo de duração do movimento, podemos considerar que o sistema pára quando a velocidade da massa, no ponto de equilíbrio, seja imperceptível, ou não mensurável. Na verdade, podemos usar vários parâmetros de parada para este fim. No nosso caso, escolhemos como parâmetro de parada a condição em que o fator de amplitude seja no máximo igual ao menor comprimento possível de ser medido com o instrumento de medida utilizado, ou seja, a metade da menor graduação da escala do aparelho de medida, σA. A velocidade média da massa nessas condições será dada por

Considerando que nessas condições o número de meias oscilações n seja muito grande (n-1→ n), a Eq. (7) torna-se

Aplicando o logaritmo natural em ambos os membros desta equação. obtemos

A Eq. (8) nos indica que o tempo total para que o sistema possa ser considerado parado depende do logaritmo natural do parâmetro de parada escolhido e é inversamente proporcional a constante de atrito do sistema, sugerindo não depender da constante elástica da mola! Esta equação é conveniente para o professor, pois este pode planejar um sistema massa-mola que fique oscilando um tempo suficientemente longo (o quanto queira) para que seus alunos possam obter o maior número de medidas possíveis para seus cálculos.

4. Procedimentos experimentais

Na aplicação desta prática, uma classe de estudantes foi dividida em grupos de até três alunos e, para cada grupo, foram usados materiais muito simples tais como molas de aço, cronômetros e réguas [4].

As molas foram penduradas em apoios nas paredes do laboratório e em suas extremidades livres foram colocadas massas de chumbo para pesca de 0,250 kg (± 0,005 kg).3 3 A massa da mola pôde ser considerada desprezível em relação a da massa [5]. Os períodos e as frequências de oscilação dos sistemas massas-molas foram determinados pelo método dinâmico (com amplitudes iniciais não muito grandes para que as molas não fossem danificadas) medindo o tempo transcorrido para 100 oscilações completas.

A seguir, os sistemas massas-molas foram colocados novamente a oscilar e foram feitas medições das amplitudes dos movimentos em função do tempo. Tais medições tornam-se mais fáceis se se fizer marcações das amplitudes com giz na própria parede (de 5 em 5 cm, por exemplo) a partir do ponto de equilíbrio do sistema e então medir com o cronômetro o tempo gasto para a massa chegar em cada marca (para cada marca os tempos foram determinados por meio uma média de seis medidas).

Um gráfico da amplitude do movimento em função do tempo em papel milimetrado foi pedido aos alunos. Os mesmos dados também foram colocados em papel mono-log para obtenção da constante de amortecimento τ do oscilador, consequentemente da constante de atrito b entre o sistema e o ar.

5. Resultados dos alunos

A Fig. 4 mostra um gráfico da amplitude do movimento em função do tempo obtido por um dos grupos de alunos a partir do qual foi possível calcular os valores de τ = (4,0 ± 0,1) × 10-3 s-1} e b = (2,00 ± 0,06)×10-3 Ns/m.


O período de oscilação desse sistema massa-mola medido foi T = 1,09 s (consequentemente frequência v = 0,917 Hz). A constante elástica da mola calculada foi k = 8,30 N/m. Nota-se que as constantes elásticas das molas podem ser determinadas sem a necessidade de se levar em conta o amortecimento devido ao atrito, pois as constantes de amortecimento encontradas foram da ordem de 10-3 s-1 sendo bastante baixas para não alterarem significativamente os períodos de oscilação dos sistemas. Com tais resultados, foram calculados o valor da constante de atrito para que o amortecimento fosse crítico, bc = 2,88 Ns/m, e a distância total percorrida pelo sistema massa-mola estudado usando a Eq. (6), D = 182 m. Os outros grupos de alunos obtiveram valores próximos deste.

6. Conclusão

A prática apresentada é de baixo custo e fácil de ser aplicada. Por meio do estudo de um fenômeno físico frequente na vida diária dos alunos, pode-se fazer uma visualização muito concreta da aplicação de séries infinitas a problemas físicos, além de permitir uma excelente discussão do significado de limite matemático num sistema físico. Permite ainda a medida da constante de atrito entre o ar e uma esfera massiva se deslocando em velocidades baixas, constante essa normalmente citada como desprezível em muitos livros textos.

7. Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer ao Prof. Dr. José Roberto Campanha, do Departamento de Física do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Unesp-Rio Claro/SP, pela leitura crítica do manuscrito.

Recebido em 16/10/2009; Aceito em 22/11/2009; Publicado em 28/2/2011

  • [1] D. Halliday e R. Resnik, Física (Ed. LTC, Rio de Janeiro, 1978), 2Ş ed.
  • [2] E.L. Lima, Curso de Análise (Ed. Impa, Rio de Janeiro, 2004), v. 1.
  • [3] E.W. Swokowski, Cálculo com Geometria Analítica (Ed. McGrawHill do Brasil, São Paulom 1983), 2Ş ed.
  • [4] Séries infinitas é ministrado na disciplina de Análise Matemática no quinto semestre do curso de matemática da Faculdade Semar.
  • [5] R. Axt, H. Bonadiman e F.L. Silveira, Revista Brasileira de Ensino de Física 27, 593 (2005)
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    E-mail:
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    A série dada pelo termo geral da Eq. (4) é absolutamente convergente o que não só implica em sua convergência como também na independência de sua soma com a ordem com que seus termos são somados.
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    A massa da mola pôde ser considerada desprezível em relação a da massa [5].
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      16 Out 2009
    • Aceito
      22 Nov 2009
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