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História e a filosofia da ciência: caminhos para a inserção de temas física moderna no estudo de energia na primeira série do Ensino Médio

History and philosophy: paths to introduce modern physics in the contents of energy in High School

Resumos

Esse artigo apresenta uma pesquisa que orientou a construção, aplicação e avaliação de um projeto pedagógico, cujo propósito era trazer ao ensino de energia, num curso de física de primeira série do Ensino Médio, discussões de física moderna. Os resultados da pesquisa apontam que o uso da história e filosofia da ciência como eixo condutor do projeto pedagógico possibilitou trazer à sala de aula discussões em torno ao processo de construção da ciência que possibilitaram o estudo de questões de física moderna relacionadas ao conceito de energia.

física moderna; história e filosofia da ciência; energia


This paper discusses a research that guided the construction, application and evaluation of a pedagogical project which aimed bring to the teaching of energy in a physics course in high school discussions on modern physics. The results of the research showed that the use of history and philosophy of science as basis of the pedagogical project brought discussions about the process of building science to the physics classes which allowed the study of questions about modern physics related to energy.

modern physic; history and philosophy of science; energy


DESENVOLVIMENTO EM ENSINO DE FÍSICA

História e a filosofia da ciência: caminhos para a inserção de temas física moderna no estudo de energia na primeira série do Ensino Médio

History and philosophy: paths to introduce modern physics in the contents of energy in High School

Angelita MoraisI; Andreia GuerraII,1 1 E-mail: aguerra@tekne.pro.br.

ICentro Federal de Educação Tecnológica, M G, Brasil

IICentro Federal de Educação Tecnológica, RI, Brasil

RESUMO

Esse artigo apresenta uma pesquisa que orientou a construção, aplicação e avaliação de um projeto pedagógico, cujo propósito era trazer ao ensino de energia, num curso de física de primeira série do Ensino Médio, discussões de física moderna. Os resultados da pesquisa apontam que o uso da história e filosofia da ciência como eixo condutor do projeto pedagógico possibilitou trazer à sala de aula discussões em torno ao processo de construção da ciência que possibilitaram o estudo de questões de física moderna relacionadas ao conceito de energia.

Palavras-chave: física moderna, história e filosofia da ciência, energia.

ABSTRACT

This paper discusses a research that guided the construction, application and evaluation of a pedagogical project which aimed bring to the teaching of energy in a physics course in high school discussions on modern physics. The results of the research showed that the use of history and philosophy of science as basis of the pedagogical project brought discussions about the process of building science to the physics classes which allowed the study of questions about modern physics related to energy.

Keywords: modern physic, history and philosophy of science, energy.

1. Introdução

A questão do currículo de física no Ensino Médio (EM) tem sido muito discutida entre os pesquisadores da área. Dessa discussão, surgem propostas de um ensino que permita uma abordagem histórico-filosófica capaz de ressaltar o desenvolvimento da ciência como parte da cultura humana e, portanto, como uma produção cultural e historicamente determinada [1, 2]. Outra questão apontada por pesquisadores da área é a introdução de temas de física moderna e contemporânea (FMC) no EM [3-81. No caminho de inserção da FMC no EM, alguns autores defendem que a FMC permite trabalhar uma física mais atual, cujos temas remetem a artefatos ou situações mais comuns na vida dos estudantes. De um modo geral, as pesquisas que discutem a inserção da FMC no EM convergem para a necessidade da compreensão do mundo atual, tanto no que tange ao conhecimento e à cultura científica, quanto ao desenvolvimento tecnológico.

Contudo, apesar da defesa da inclusão da FMC no EM, obstáculos também são elencados pelos pesquisadores, mesmo que, algumas vezes, de forma implícita, como i) falta de preparo dos professores; ii) falta de material didático disponível; iii) carga horária insuficiente para a inserção de mais conteúdo; iv) lista de conteúdo extensa a ser cumprida; v) necessidade de conhecimento prévio e, vi) dificuldade matemática.

Buscando caminhos para superar os obstáculos, D'Agostin [9] aponta, através de resultados de pesquisas obtidos, que é possível a inserção de tópicos de FMC no EM, desde que a proposta não seja baseada em um formalismo matemático avançado. Já a análise feita por Barcellos [10], aponta dois caminhos possíveis para superar os obstáculos, a saber: que os conteúdos de FMC não componham uma temática por si só, mas que sejam integrados às temáticas da física clássica (FC) e que os tópicos de FMC sejam apresentados como uma unidade temática específica.

Face às considerações expostas, desenvolvemos um trabalho que visou, a partir do diálogo com os pesquisadores da área de Ensino de Ciências, construir subsídios capazes de contribuir para a discussão em torno às possibilidades de superação dos obstáculos destacados. Para tal, desenvolvemos um projeto pedagógico que introduziu discussões de FMC na primeira série do EM, a partir do estudo do conceito de energia.

Vale ressaltar que, na elaboração da proposta, escolhemos trabalhar com a pnmeIra série do EM por ser este o primeiro momento em que, formalmente, os alunos da educação básica cursam a disciplina física.

Quanto ao tema central, foi selecionado porque questões referentes ao desenvolvimento do conceito de energia no século XX são tratadas em biologia, no estudo de fotossíntese, e em química, em assuntos como modelo atómico e radiação. Assim, esse estudo se apresentou como possibilidade tanto para trazer a FMe para a primeira série do EM, quanto para quebrar o estudo disciplinar do tema. Dessa forma, para construir o projeto pedagógico foi necessário lidar com outra questão: a interdisciplinaridade [11]. Logo, construímos um projeto pedagógico que visou apresentar uma sequência didática para o tema energia, extrapolando a análise de energia cinética e potencial, e, assim, introduzir questões de FMC, como a expressão E = mc2 e a quantização da energia. Para atingir nosso objetivo, nos utilizamos de uma abordagem históricofilosófica. Julgamos que a discussão histórico-filosófica do desenvolvimento do conceito de energia permitiria ressaltar com os alunos que o mesmo teve sua construção e desenvolvimento pautado nos pilares tran&formação e conservação e que sua concepção e característica eram por si só interdisciplinares. Assim, desenvolvemos uma pesquisa que visou trazer subsídios para a discussão em torno à inserção de temas de FMC no EM através da resposta à seguinte questão: a discussão histórico-filosófica em torno ao uso dos conceitos de transformação e conservação ao longo do desenvolvimento da ciência é um caminho para se incluir questões de FMC no ensino de energia na primeira série do EM?

2. Delineando o projeto pedagógico e a metodologia de pesquisa

O projeto pedagógico a ser apresentado foi aplicado na primeira série do EM, no ano de 2010, numa escola pública da rede federal de ensino. Participaram desse projeto 68 alunos divididos em duas turmas (turma A e turma B). A carga horária disponível para a física era de 3 tempos semanais. O professor regente da turma, por exigência da escola em questão, trabalhou ao longo do ano letivo os seguintes conteúdos: algarismos significativos, cinemática escalar e vetorial, leis de Newton (incluindo Gravitação Universal), hidrostática e energia mecânica.

Os conteúdos obrigatórios e a carga horária disponível nos remeteram à pesquisa em ensino de ciências. Conforme apontam Silva e Almeida [12], as pesquisas em ensino de ciências referentes à introdução de FMC na educação básica não são consensuais no que se refere à incorporação de temas de FMC à FC. Alguns autores defendem que no trabalho com FMC não se deve fazer referências a conceitos de FC ou fazer uso de analogias à FC. A escolha do tema energia e o recorte na relação massa e energia relativística nos levou, dentro da controvérsia apontada, a optar por inserir a discussão de FMC no estudo do conceito de energia mecânica e sua conservação.

Procurando trazer subsídios à construção do material didático vinculado a esse projeto pedagógico, foi realizada uma pesquisa prévia com os alunos participantes do projeto. Os resultados dessa pesquisa [13] mostraram que para aqueles alunos a física é uma ciência desconectada da cultura. Para eles, esse é um conhecimento produzido por homens muito especiais que através de observações e estudos matemáticos apurados desenvolvem teorias que as pessoas comuns têm dificuldade de aprender. Fora isso, eles não possuem bem estruturado o conceito moderno de energia, além de não perceberem que o conceito de energia que o professor de física se refere é o mesmo discutido pelos professores de química e biologia, ou seja, todos os professores trabalham com um conceito que possui as mesmas características: conservação e transformação.

Essas reflexões nos apontaram um caminho para o tratamento do tema energia nas aulas de física do EM. O projeto pedagógico a ser aqui discutido foi construído a partir de uma abordagem histórico-filosófica, de forma que o estudo de energia tivesse início com a discussão do significado dos termos conservação e transformação, para, em seguida, enfocar como o conceito de energia desenvolveu-se ao longo da história. Delimitamos os séculos XVIII, XIX e as primeiras três décadas do século XX, como o período histórico a ser estudado. Dessa forma, questões como energia quantizada e relação massa-energia foram incluídas.

O projeto pedagógico foi planejado para ser aplicado após o estudo de leis de Newton. Para o estudo do tema energia, foram destinados dois meses letivos.

Para avaliar o projeto pedagógico a ser descrito, optou-se por uma pesquisa qualitativa, onde o diário construído pelo professor sobre suas impressões do curso e a filmagem de todas as aulas serviu de fonte de dados para a pesquisa [14]. Para efetivar as filmagens e anotações do diário, todas as aulas foram acompanhadas por dois integrantes do grupo que elaborou e aplicou o projeto. Sempre um deles ministrava a aula, enquanto o outro fazia anotações no diário e realizava as filmagens das aulas. Os dados coletados, em cada uma das aulas, eram semanalmente discutidos, de forma que análise preliminar dos dados orientava o planejamento futuro das aulas. Importante ainda destacar que para transformar as gravações das aulas em dados para a avaliação do projeto e, assim, dados para construir respostas à questão central desse trabalho, selecionamos os momentos que se destacavam como situações chaves para a análise qualitativa.

Fora isso, atividades específicas foram desenvolvidas para coletar dados para a pesquisa que pudessem ser confrontados com as análises das filmagens e do diário. Assim, os dados da pesquisa foram analisados a partir da triangulação dos registros escritos do professor a respeito do desenvolvimento do trabalho, das filmagens das aulas e do material construído pelos alunos ao longo das atividades desenvolvidas durante o curso.

Vale destacar que após o término da aplicação do projeto foi realizada uma entrevista semiestruturada com os alunos que participaram do trabalho para completar a análise final dos dados. A entrevista semiestruturada foi a última atividade realizada, fechando a coleta de dados. Para conseguirmos entrevistar todo o grupo, realizamos a entrevista com grupos de 5 alunos. Como prevê a entrevista semiestruturada, um roteiro prévio com perguntas foi elaborado, porém, o desenrolar da entrevista limitou o número de questões em alguns momentos e indicou novas perguntas em outros [15]. A entrevista foi realizada em grupos pequenos e num ambiente também pequeno. Essas características levaram-nos a não filmar essa etapa do projeto. Em sala de aula a situação era diferente. O espaço amplo, o grupo também amplo e atenção voltada para o professor e atividades desenvolvidas justificaram o uso da filmadora para coleta de dados. Todas as informações foram registradas através de anotações no diário de aula pela própria professora que realizou a entrevista.

3. O projeto pedagógico: seu desenvolvimento e algumas análises do processo

As reflexões trazidas por projetos pedagógicos construídos anteriormente a esse trabalho evidenciaram um caminho específico a ser seguido. Numa proposta pedagógica, tanto a imagem da física apresentada no curso, quanto os recursos didáticos utilizados para a apresentação dessa ciência são relevantes para a obtenção de resultados positivos. Logo, além do delineamento do projeto, achamos necessária a construção de alguns artifícios didáticos a fim de possibilitar uma alternância de atividades, pretendendo evitar a monotonia da rotina na sala de aula.

Antes da aplicação do projeto de fato, algumas das propostas inseridas no material em questão foram testadas, porém, isoladamente e abordando outros conteúdos. Aulas com uma abordagem históricofilosófica foram feitas e os alunos reagiram positivamente a elas, muitos alunos permaneceram atentos por bastante tempo. Alguns deles fizeram perguntas sobre a vida de alguns cientistas, demonstrando interesse por esse tipo de informação. Essas considerações nos levaram a construir um produto didático para dar suporte ao projeto pedagógico. Esse produto constituiu-se dos seguintes objetos didáticos:

• Uma sequência de slides sobre o desenvolvimento do conceito de energia, enfocando a questão da conservação x transformação. Para essa sequência de slides, foram selecionados trechos do filme Einstein 2: A Grande Ideia, baseado no livro "E = mc2 - Uma Biografia da Equação que Mudou o Mundo, de David Bodanis, além de algumas simulações disponíveis na internet.

• Um texto didático: Revivendo a infância com muita energia [16].

Nossa proposta pedagógica de inserção da FMC no EM no estudo de energia, a partir de uma abordagem histórico-filosófica, não teve como objetivo lançar mão do contexto histórico-filosófico como um enxerto de conteúdo, mas sim como um eixo condutor do trabalho, capaz de contextualizar a construção do conhecimento científico. Esperou-se através da aplicação desse material que o aluno percebesse a ciência como uma construção humana interligada a um contexto sociocultural de uma dada época. Pretendeu-se também que o estudante compreendesse que o conhecimento não é fragmentado, que há uma integração entre os conhecimentos das diversas disciplinas. Dessa forma, o produto construído e o projeto pedagógico desenvolvido visavam trazer à sala de aula discussões sobre o processo de produção da ciência, algo apontado por pesquisas como relevantes ao ensino de ciências [17,18].

A sequência didática foi desenvolvida ao longo de 12 horas-aula. É importante destacar que o planejamento inicial comportava uma carga horária maior, porém isso não foi possível, forçando uma adaptação do conteúdo ao tempo disponível. Os conteúdos foram distribuídos em seis encontros. A Tabela 1 apresenta, a seguir, alguns objetos utilizados na sequência didática.

Antes de iniciar a descrição da sequência didática é importante destacar que para complementar as discussões travadas em sala de aula sugeriu-se aos alunos a leitura de um texto "Revivendo a infância com muita energia", cujo eixo condutor é o desenvolvimento histórico do conceito de energia, destacando novas questões trazidas no século XX, como: energia quantizada e relação massa-energia. O texto coloca situações do dia-a-dia que se respaldam no conceito de energia, contando a história fictícia de uma jovem que, desde criança, gostava de questionar tudo, principalmente quando se tratava de algo relacionado à ciência. A personagem narra acontecimentos da sua infância, apresentando situações que a intrigavam e as respostas que os adultos davam para sanar suas dúvidas em torno ao tema energia. Na apresentação do material, há boxes com explicações detalhadas de alguns conceitos científicos e informações relevantes que foram abordados no decorrer do texto. Algumas perguntas feitas pela personagem são respondidas ao longo da narrativa. Em contrapartida, a história é finalizada com mais algumas perguntas com o intuito de despertar a curiosidade do aluno e fazê-lo buscar essas respostas.

A estratégia de usar fragmentos da infância da personagem teve como meta trabalhar a temática de forma a não cansar o leitor. Vale destacar que os objetos inseridos no texto foram usados nas aulas como ilustração somente ou como princípio gerador de alguma discussão/reflexão. Tais elementos foram: i) história em quadrinhos, usada para trabalhar o conceito de conservação, ii) a propaganda da TV usada para problematizar o conceito de energia, iii) a notícia de jornal sobre bomba atómica e iv) uma música que trabalha a ideia de transformação.

O texto foi usado como material complementar e foi enviado para os alunos por e-mail, para que fizessem a leitura do material em casa.

Após o envio do texto aos alunos, a sequência didática aqui descrita foi iniciada com uma discussão do panorama sociocultural do século XVIII. A utilização de imagens históricas possibilitou situar os alunos quanto ao cenário dos acontecimentos que seriam apresentados posteriormente. Assim, a partir dessa estratégia, algumas questões foram lançadas com o propósito de retomar estudos que eles haviam realizado na disciplina de história sobre o Iluminismo e a Revolução Industrial. Essa estratégia se mostrou muito eficaz. Os alunos responderam o questionamento da professora e apresentaram afirmações sobre o Iluminismo e sobre o impacto da Revolução Industrial no século XVIII. Esse momento serviu para que a professora chamasse atenção para o fato de que o conteúdo estudado em história seria importante para que eles compreendessem as questões trazidas pelos cientistas que passariam a conhecer.

A professora apresentou-lhes, então, Priestley, discutindo seus trabalhos sobre o isolamento de "novos ares" e os experimentos que desenvolveu a exemplo do que usou para determinar a característica dos "novos ares" isolados, como o ar deflogisticado (oxigênio) [20]. Apresentou-se, também, alguns dados biográficos, destacando a teoria do flogisto e o uso desta por Priestley [19]. Imagens foram usadas para apresentar os experimentos desenvolvidos por esse cientista e contextualizar o ambiente em que trabalhou. O contato entre Priestley e Lavoisier foi o ponto de partida para a apresentação do cientista francês.

Já para discutir os trabalhos desenvolvidos por Lavoisier, apontamos o cenário no qual o cientista estava inserido [20]. Além das imagens presentes nos slides para ilustrar o contexto histórico, nos utilizamos de um trecho (22:38-41:20) do filme A Grande Ideia, baseado no livro "E = mc2 - Uma Biografia da Equação que Mudou o Mundo". A exibição do filme foi usada apenas para suscitar discussões com relação ao contexto histórico em que Lavoisier desenvolveu seu trabalho.

A utilização do filme permitiu ao aluno reconhecer o ambiente em que o cientista viveu no que diz respeito ao vestiário, ao mobiliário do laboratório usado por Lavoisier e à arquitetura de Paris na época. O roteiro desse filme é bastante romanceado, por exemplo, em uma de suas falas o narrador apresenta Lavoisier como: "Ele (cientista) está inventando um novo tipo de química". Esse destaque e outros podem levar a uma visão errada da ciência no que remete à construção do conhecimento, além de sobrevalorizar a figura do cientista. Assim, aproveitamos falas como essa para lançar uma discussão em torno à imagem do cientista. Além desse debate, a exibição do filme permitiu ao professor trazer à sala de aula tanto questões em torno ao problema da conservação discutidas no século XVIII, quanto da proposta da teoria do calórico trazida por Lavoisier para explicar fenómenos térmicos.

Os alunos participaram ativamente da aula. Nas duas turmas, os alunos ficaram bastante atentos durante a exibição do filme e após a exibição lançaram muitas perguntas à professora. As dúvidas e inquietações passavam tanto por curiosidades sobre a biografia de Lavoisier, quanto sobre seu trabalho. Essa peculiaridade fez com que optássemos por usar outros trechos do filme em aulas posteriores.

É importante ressaltar que durante as aulas, tivemos o cuidado com a forma como a HFC estava sendo usada. Estivemos, então, atentos às características da pseudo-história apontadas por Alchin [21]. Para evitar uma imagem equivocada da ciência, mencionamos aspectos significativos no processo de construção de um dado conhecimento: o contexto social e cultural, as contingências humanas, as ideias antecedentes e alternativas [22].

Além do conceito de conservação, estava em cheque, naquele contexto, a questão da transformação. Assim, para inserirmos a discussão do conceito e ao mesmo tempo problematizar a exaltação dada a Lavoisier no filme, apresentamos as propostas de Mayer e Joule. Quanto à discussão sobre o calor produzido por um organismo vivo, considerando ser este incapaz de gerar calor sozinho, esta nos permitiu apontar a transformação como algo intrínseco ao conceito de energia. Destacou-se que Mayer conhecia as ideias de Lavoisier e que as ideias de Joule também versavam sobre calor, entretanto, contrariando a teoria do calórico. Apesar das questões centrais desse trabalho enfatizarem as ideias inseridas no cenário dos séculos XVIII e XIX, com vistas a enriquecer o debate sobre o problema da conservação, apresentamos a controvérsia em torno à vis viva [23].

Durante a aula, foi exibido outro trecho selecionado do filme A grande Ideia (00:54:05-01:06:55), que constitui um resumo da vida de Madame Du Chatelet, enfocando o apoio que ela dava às ideias de Leibniz sobre vis viva. Toda essa discussão foi relevante para construção do conceito de energia, visto que a questão da conservação permeava toda a polêmica.

Nas duas turmas, verificamos que os alunos estavam atentos ao filme. Eles responderam entusiasmadamente as questões sobre o vídeo colocadas pela professora a fim de retomar o conteúdo. Percebeu-se na fala dos alunos vestígios do conteúdo do texto didático "Revivendo a infância com muita energia". Uma discussão sobre a controvérsia Newton X Leibniz foi travada e os alunos fizeram muitas perguntas, retomando tópicos discutidos nas aulas anteriores.

Após a contextualização, que teve o propósito de destacar o processo de construção da ciência, o conceito de energia foi formalmente apresentado, enfatizando que a ideia de conservação e transformação está, intrinsecamente, ligada a tal conceito.

Para introduzir o conceito físico de trabalho e potência, foi utilizado o cenário da Revolução Industrial e com ele o desenvolvimento das máquinas térmicas ao longo do século XVIII. Interrompemos a discussão histórica nesse momento para discutir o desenvolvimento matemático dos conceitos de trabalho e potência. Percebemos a dispersão de alguns alunos quando as fórmulas voltaram a aparecer. A professora lançou perguntas aos alunos para que a atenção deles fosse retomada.

Durante as aulas dedicadas ao conteúdo obrigatório do programa da escola em que o projeto foi desenvolvido, diversos exercícios matemáticos do livro adotado [24] foram discutidos em sala de aula. Vale destacar que, apesar do caráter matemático do conteúdo, em todo o momento foi dada ênfase à questão da transformação e conservação.

Durante a apresentação do conceito de energia mecânica, uma aluna (aluna 7) perguntou, demonstrando indignação: "Afinal, o que é energia?" .Foi perceptível sua ansiedade quando continuou: "Energia é tudo e até agora eu não sei o que é energia". Aproveitamos a questão para provocar os alunos com objetivo de eles proporem uma resposta.

Em meio à discussão, um aluno se manifestou colocando outra questão:

Aluno 2: "Mas se a energia não pode ser criada, de onde veio a energia inicial?".

Houve uma discussão em torno às teorias sobre a Origem do Universo. Os alunos demonstraram muita curiosidade. A discussão foi intensa. Apesar dessa aula não ter se constituído em uma aula históricofilosófica, percebeu-se vestígios das aulas anteriores na discussão travada sobre o conceito de energia. O resgate das discussões históricas permitiu trazer à sala de aula questões além do conteúdo matemático restrito.

Após a discussão formal do tema energia mecânica, a abordagem histórico-filosófica foi retomada, enfocando a questão do modelo atómico. Nesse momento, fizemos referência ao que os alunos haviam estudado em química. Esse caminho foi adotado de forma a possibilitar o tratamento das novas questões em torno ao conceito de energia surgidas no século XX, como as referentes à energia quantizada. Inserimos, nesse momento, discussões históricas sobre a construção do conceito moderno de energia, com vista a explicar a questão do salto quântico no modelo atómico do século XX. Para isso, foi estabelecida uma conexão com o século XVIII por meio da apresentação da biografia de Dalton e das características do modelo atómico descrito por ele. Importante aqui destacar que a discussão do modelo atômico de Dalton não pretendeu apresentá-lo como origem do modelo atômico atual [25]. O propósito era discutir com os alunos que a ideia de uma unidade fundamental já havia ocorrido em outro contexto histórico.

Após apresentação do modelo atômico de Dalton, iniciou-se uma discussão sobre modelo atômico, em que a fala de uma aluna da turma A gerou muita polêmica: "Ninguém inventou o átomo, foi um modelo". A discussão foi intensa, aparentemente a turma chegou a um consenso, guiada pela professora, de que o átomo é um modelo que foi sofrendo modificações conforme novas situações surgiam. Um dos alunos colocou também que, modificações podem continuar ocorrendo no modelo.

A aula encerrou e os alunos continuaram o debate. Uma das questões colocadas ao final da aula foi deixada para refletirem em casa:

Aluna 9: "O que que o átomo tem a ver com energia?".

A discussão gerada a partir da fala da aluna da turma A fez com que a professora apresentasse tal afirmação na outra turma. A discussão gerada em torno à afirmativa foi tão frutífera, quanto na primeira turma.

Para ampliar a discussão em torno ao tema modelo atómico, inserimos dois novos vídeos: um sobre o experimento da lâmina de ouro feito por Rutherford (disponível em http://www.e-quimica.iq.unesp.br/index.php?Itemid=55&catid=36:videos&id=72:experimento-de-rutherford&option=com_ content&view=article e outro sobre o Efeito Fotoelétrico (disponível em http://www.youtube.com/watch?v=CEuMmMxD-vI&feature=results_ main&playnext=1&list=PL94432228E12621DC. Dessa forma, foi possível tratar da questão da quantização da energia, quando mencionado o modelo atómico de Bohr. Na discussão do efeito fotoelétrico, abordouse o conceito moderno de energia, iniciando-se com a apresentação da proposta de Planck para resolver o problema do corpo negro. Destacamos que essa proposta foi usada mais tarde por Einstein para explicar o efei to fotoelétrico.

Os registros dessa aula evidenciaram que os alunos reagiram de forma diferente à exibição dos filmes anteriores. O vídeo abarcou muitos conceitos em pouco tempo, o que fez com que muitas dúvidas surgissem. Os alunos pediram várias vezes à professora para interromper o filme de modo que pudessem explicar melhor o que estava sendo apresentado. Vale destacar que o vídeo usado exalta Einstein através do adjetivo ("brilhante" e que esse destaque pode levar a uma visão ingênua da ciência no que remete à ideia do cientista gênio. Com essas considerações em mente, aproveitamos o momento para apresentar Einstein e o contexto em que desenvolveu seu trabalho, de forma a problematizar a imagem de cientista gênio [26].

A discussão em torno à evolução do modelo atómico e o efeito fotoelétrico permitiu chegarmos à questão da quantização da energia, mas ainda faltava um tópico importante para a compreensão do conceito moderno de energia: a equivalência massa-energia [27]. A sequência didática destacou que até início do século XX massa e energia eram conceitos distintos e a transformação uma característica comum ao conceito de energia, mas não ao conceito de massa. Com vistas a problematizar essa questão, retomamos as discussões em torno a Albert Einstein. Apresentamos a equivalência entre massa e energia, descrita pela famosa equação E = mcque complementa as pesquisas relacionadas à fissão nuclear. Apresentamos, então, o desenvolvimento científico em meio à Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de debater com os alunos a questão da ciência e seus produtos, com destaque para a construção da bomba atómica. Logo, a retomada da equação E = mc2 aconteceu após discutirmos o contexto em que Einstein desenvolveu seu trabalho. O conteúdo foi apresentado por slides e, várias vezes, os acontecimentos descritos até o momento foram retomados com o objetivo de mostrar que a equação não surgiu do nada.

Vale ressaltar, que quando da apresentação do conteúdo relacionado à equivalência massa-energia, a aluna 7 destacou: "Massa e energia são farinha do mesmo saco!". Os alunos participaram muito pouco da aula. Durante a fala da professora, um segundo aluno colocou: "Se há uma transformação massa e energia então eu posso dizer que Lavoisier está errado com a ideia de conservação da massa?". O restante da turma não se manifestou. A professora teve que repetir a colocação do aluno e insistir dizendo que gostaria de ouvir a opinião do restante da turma. A professora aproveitou a fala deste aluno para trabalhar o Princípio da Conservação a partir da equivalência massa-energia. Ainda com fins de apresentar como se deu parte das pesquisas sobre fissão nuclear, foi exibido outro trecho do vídeo Einstein 2: A Grande Ideia (01:23:14-01:41:57), o qual tem Berlin como cenário. O trecho retrata a história de Lise Meitner desde a sua chegada à Universidade de Berlin até sua fuga por causa do nazismo, além de enfatizar a pesquisa feita por ela, juntamente com Otto Hahn, sobre a radioatividade. Esse objeto foi usado para finalizar o conjunto de aulas e discutir como trabalhos de diferentes pesquisadores podem se complementar. Ao longo da projeção os alunos foram ficando mais atentos o que mostra que esse vídeo alcançou um dos nossos objetivos. Percebemos um interesse muito grande da turma pelos aspectos históricos que envolviam a construção da bomba atômica.

As observações das aulas nas turmas A e B não se mostraram significativamente diferente, mas permitiu traçar um perfil dos grupos. A turma A se mostrou mais aberta à HFC e a tudo o que essa estratégia traz consigo. Já a turma B, apesar de, na maioria das vezes, ter sempre a mesma reação diante dos conteúdos, sejam matemáticos ou históricos, são alunos que se envolvem mais com a matemática. Entretanto, apesar do menor envolvimento da turma B, discussões também foram travadas durante as aulas, possibilitando que os alunos colocassem suas dúvidas e opiniões. Não podemos deixar de mencionar também que, nessa turma, as aulas eram sempre nos primeiros horários e os alunos moravam muito longe da escola o que fazia com que eles tivessem que acordar muito cedo, isso somado às muitas atividades e avaliações do fim do semestre, contribuiu para o cansaço e desânimo da turma. Entretanto, a turma A, reagiu de forma diferente aos fatores externos, já que os alunos sempre se mostraram motivados e participativos nas aulas.

Além de conseguir caracterizar as turmas, a análise das aulas permite também, concluir que o conteúdo não foi apresentado como um pacote fechado. Muita coisa foi construída pelos alunos. As discussões levantadas na sala de aula pelos estudantes foram muito importantes para o desenvolvimento do curso.

4. Outras reflexões sobre a aplicação do projeto

Para complementar a análise das filmagens das aulas e anotações do diário da pesquisadora, utilizou-se para avaliar esse projeto dois outros momentos. Um consistiu da análise de textos produzidos pelos alunos ao final da aula 3 (após 300 minutos do início do projeto) e outro uma entrevista com os alunos após o término das aulas.

Ao final da aula em que se discutiu a controvérsia entre Leibniz e Newton, propós-se aos alunos a confecção de um pequeno texto em que apontassem o que mais havia lhes chamado a atenção nas aulas sobre o tema energia até então. Nesse momento, questões sobre a conservação da massa e da energia já haviam sido discutidas, bem como a questão da transformação, os experimentos de Priestley, os conceitos de trabalho e potência (ver tabela 1).

Da análise, percebeu-se que muitos alunos abordaram no texto escrito a questão transformação x conservação de forma adequada. Essa observação é um reflexo positivo do trabalho, uma vez que não é possível haver uma compreensão do conceito de energia sem considerar o binómio em questão. Para ilustrarmos as considerações dos alunos manifestadas nos textos, iremos extrair dois fragmentos dos mesmos.

Aluno 1: "Dentre os assuntos tratados, aquele que julgo mais importante está ligado ao conceito de conservação e transformação de energia, pelo fato de explicar fenómenos curiosos ocorridos na natureza, como ficarmos com bastante disposição após nos alimentarmos, ou seja, o alimento nos fornece energia química que é transformada em mecânica (transformação de energia)."

Aluno 18: Acredito que o mais importante tenha sido a transformação de energia, pois é algo muito interessante de se estudar, no qual vivemos o tempo todo. E a transformação de energia foi bem apresentada com as máquinas a vapor, onde a energia produzida pela queima de carvão se transforma em energia mecânica, fazendo funcionar e facilitando o trabalho."

Questões que giram em torno da Natureza da Ciência também foram identificadas nos trabalhos, visto que, em alguns textos dos alunos, percebemos um olhar para a ciência que destaca o conhecimento como obra de vários autores sociais, o que contraria a falsa ideia de que o conhecimento científico é construído a partir de insights tipo eureca e de forma isolada por cientistas "geniais".

Aluno 4: "O fato de pessoas de várias áreas diferentes contribuírem entre si com seus trabalhos também mostra que na ciência não existe uma área mais importante que a outra".

Aluno 7: "Ao estudar a história da construção dos conceitos científicos é interessante que os participantes estavam engajados em vários campos do conhecimento, logo, tinham a capacidade de influenciar a sociedade em vários níveis" .

Aluna 13: "O que mais me chamou a atenção foi a ligação de tudo. Como a época, os pensamentos, os trabalhos anteriores. Tudo direciona as pesquisas e faz com que as pessoas de diferentes áreas trabalhem simultaneamente com teorias similares, mas em lugares diferentes e sem nenhuma ligação" .

Aluno 10: "A história por trás da teoria nos estimula a pesquisa de determinados assuntos; estudar os grandes colaboradores do conhecimento como: Leibniz, Newton, Einstein, Lavoisier, Dalton, entre outros; nos possibilita a percepção da ligação entre os conhecimentos mais diversos."

Cabe destacar, que o aluno 10 em vários outros momentos do curso se referiu aos cientistas mencionados nas aulas como colaboradores da ciência, em nenhum momento ele usou a palavra gênio ou genialidade para se referir a esses cientistas.

Contudo, alguns alunos, apesar de admitirem ser a ciência um elo entre diversas áreas de conhecimento, apresentam em seus textos ideias que acabam por destacar uma linha de demarcação artificial entre as áreas.

Aluno 8: "O que mais chamou a minha atenção foi compreender que mesmo indiretamente toda a ciência está interligada. Quero dizer, nenhuma descoberta poderia ter surgido do nada, até nisso podemos aplicar Lavoisier: Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. É mais ou menos assim que os cientistas, cada um com sua(s) área(s), buscavam pontos soltos ou até mesmo teorias fechadas de outros cientistas e desenvolviam seus experimentos e teorias a partir de concordâncias ou discordâncias do mesmo".

Aluno 22: "Eu acho muitíssimo interessante a relação dos cientistas e seus trabalhos com o período histórico que viveram. Relacionar história, física e química é muito legal! Espero conhecer o modelo atómico do ponto de vista físico."

Vale destacar que, em nenhum momento, a professora falou, de forma aberta, sobre a relação que existe entre as disciplinas mencionadas, seja afirmando que "as disciplinas estão integradas" ou que "o conhecimento não é disciplinar". Porém, durante a discussão histórica do conceito de energia, a questão do conceito ter sido construído por diferentes autores de diferentes áreas foi bastante destacada pelos alunos em seus escritos.

É importante salientar que selecionamos apenas alguns textos com o objetivo de evitar repetições, visto que alguns aspectos se repetem em diversos outros textos. Da análise, podemos destacar que na maioria dos escritos encontramos i) a compreensão do princípio de conservação e transformação da energia, ii) a percepção da relação entre as disciplinas -apesar de a maioria dos alunos admitir essa integração, alguns foram controversos, conforme citado anteriormente, iii) a percepção de que ciência e sociedade estão relacionadas e iv) o reconhecimento da energia como essência da vida, incrustada no cotidiano.

Nos textos não enquadrados no grupo anterior, percebemos evidências que podem caracterizar concepções ingênuas, como: a controvérsia em torno à mv e mv2 como decorrente de uma disputa pessoal direta entre Leibniz e Newton. Uma "briga" entre esses cientistas foi citada por um pequeno grupo de alunos. Esses alunos não perceberam que entender se energia é função de v ou v2 envolvia muitos pesquisadores, caracterizandose mais como uma inquietação em torno ao conceito do que uma rivalidade pessoal.

Importante destacar que nosso objetivo quanto à discussão da natureza da ciência era trazer à sala de aula reflexões em torno ao assunto. Reconhecemos que a visão dos alunos em torno à ciência é formada por vários fatores e por muitos anos de escolaridade. Assim, não tínhamos a pretensão de conseguir que todos os alunos tivessem visões adequadas da ciência a partir de algumas aulas em que o processo de construção científico foi discutido. Apesar disso, defendemos que essas aulas são fundamentais, pois trazem a discussão para a sala de aula e com isso potencializam a reflexão dos alunos em torno à ciência. Ademais, a análise dos textos mostrou que as discussões em torno do processo de construção do conhecimento científico travadas nas aulas geraram, entre os alunos, questionamento e reflexão sobre a ciência.

Quanto à entrevista semiestruturada, que ocorreu após duas semanas do término da inserção da sequência didática, foi breve e objetiva porque os alunos estavam muito envolvidos com atividades e avaliações de outras disciplinas e preocupados com suas notas, visto que estava chegando o fim do ano letivo. As respo&tas e reações dos alunos foram registradas no diário de sala pela própria entrevistadora, pois optamos por não usar a filmadora nessa etapa. A entrevista semiestruturada teve por finalidade ouvir a impressão dos alunos a respeito do projeto pedagógico trabalhado, assim, as perguntas-guia foram direcionadas para esse fim.

Para não haver uma dispersão do objetivo da entrevista, elaboramos algumas questões como um guia, não significando que o entrevistador ficaria preso a elas. Assim, de acordo com as respostas dos alunos, as perguntas sofreram modificações ou foram substituídas por outras.

Cabe ressaltar que os alunos demonstraram cansaço durante a entrevista, alguns nem se manifestaram. A falta de tempo e disposição dos alunos para a entrevista se manifestou como um problema impeditivo para que muitas discussões fossem levadas adiante, o que possibilitaria uma coleta de dados mais densa. Apesar desse empecilho, a análise da entrevista permitiu-nos concluir em relação ao texto, "Revivendo a infância com energia" entregue a eles que i) a maioria dos alunos não gosta de ler; ii) alguns alunos preferem um texto mais técnico, com menos diálogos, que vá direto ao assunto; iii) as meninas gostaram mais do texto do que os meninos, visto que fizeram mais comentários positivos; iv) alguns alunos acharam o box sobre fotossíntese difícil; v) alguns alunos sugeriram que o texto dissertasse mais sobre o conteúdo bomba atómica; vi) muitos alunos apontaram a extensão do texto como fator negativo, mas afirmaram que o texto era de fácil compreensão e ajudou na fixação do conteúdo; vii) as questões colocadas pela personagem despertou a curiosidade dos alunos, levando alguns deles a pesquisarem na internet; viii) o texto deu suporte ao conteúdo estudado na sala de aula.

Confrontando as análises das atividades descritas anteriormente com o diário de classe, concluímos que o caminho histórico nos permitiu trazer questões de FMC às aulas de física na primeira série do EM. Essas questões encantaram os alunos, pois traziam à sala de aula temas que haviam tomado conhecimento por meio de revistas, filmes, séries de TV. Enfim, questões do cotidiano trazidas para as discussões na sala de aula. Fora isso a análise dos dados mostrou que o trabalho desenvolvido possibilitou reflexões em torno ao processo de construção do conhecimento científico.

Assim, nossos registros também permitiram delinearmos o interesse dos alunos participantes, destacando que i) é notável o interesse dos alunos, principalmente os do sexo masculino, nas questões sobre bomba atómica e guerras; ii) a biografia dos cientistas envolvidos em torno do conceito de energia foi alvo de muita curiosidade. Os alunos, de ambos os sexos, demonstraram surpresa quando percebiam o "lado humano" do cientista; iv) a HFC, apesar de possibilitar a inserção da FMC no EM e trazer à tona discussões em torno ao processo de construção da ciência não foi um objeto motivador para todos os alunos; v) a sequência didática deveria ter dado mais ênfase à questão da relação massa-energia.

5. Comentários finais

A utilização da HFC se constituiu um caminho possível para levar à sala de aula de nível médio discussões de FMC. Entretanto, tal recurso não se mostrou, preferencialmente, como objeto motivador, mas sim como um objeto transformador capaz de trazer discussões pertinentes em relação à ciência para a sala de aula.

Os objetos didáticos utilizados ao longo da inserção da sequência didática se mostraram eficazes como elementos de motivação. Isso permitiu prender a atenção dos alunos nas discussões formais em torno aos conceitos trabalhados.

Contudo, a análise dos dados deixou claro que os conteúdos abordados em toda a sequência didática foram ministrados em um tempo inferior ao necessário para a sua exposição. Em face disso, propomos que a introdução da relação massa e energia relativÍstica seja feita junto ao estudo do tema de energia, evitando adicionar mais um tópico à lista de conteúdos. Apesar dos obstáculos, percebemos que a sequencia didática ou elementos deste trabalho gerou reflexão e discussão sobre o conteúdo. Além disso, a análise dos instrumentos usados a fim de avaliar todo o processo evidenciou que, após o curso, os alunos reconheceram o conceito de energia como o conceito abrangente que é, bem como demonstraram uma visão menos ingênua da ciência no que diz respeito à sua construção. Logo, de uma forma geral, o projeto levou-nos a resultados positivos se considerarmos que uma relação didática terá sucesso se modificar as relações com os saberes que os alunos tinham antes dela [28]. Assim, podemos afirmar que a discussão histórico-filosófica em torno ao uso dos conceitos de transformação e conservação ao longo do desenvolvimento da ciência é um caminho possível para se incluir questões de FMC no ensino de energia na primeira série do EM.

Recebido em 29/4/2012

Aceito em 19/9/2012

Publicado em 18/2/2013

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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      29 Abr 2012
    • Aceito
      19 Set 2012
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