Acessibilidade / Reportar erro

Um Novo Paradigma de Ensino Médico

A new Paradigm for Medical Education

Resumo:

O atual Sistema de ensino médico no Brasil necessita de uma reformulação. A Cinaem tem nos indicado o caminho a ser trilhado. O Programa de Saúde da Família exige um profissional com perfil diferente do atual. Estamos propondo um tipo de ensino baseado 70% no ambulatório e só 30% no hospital, ao contrário dos dias de hoje. O modelo deve integrar, simultaneamente, a Clínica Médica da criança, do adolescente, do adulto e do idoso. Estamos tentando evitar a fragmentação artificial da Clínica Médica em disciplinas estanques e ensiná-la integrada em módulos. Estabelecemos um limite ao conjunto de conhecimentos que deve ser transmitido ao aluno. O graduado em Medicina deve ser um profissional preparado para diagnosticar e tratar bem 80% das doenças de uma comunidade. Cada uma das turmas de 50 alunos é dividida em seis pequenos grupos de oito estudantes para efeito de seminários e prática ambulatorial, sempre com a orientação de um preceptor. As aulas teóricas de Clínica Médica são ministradas só uma vez por semana. O exame dos docentes é a atividade mais freqüente e soma 15 horas no mesmo período. A promoção da saúde em todos os seus aspectos tem prioridade no curso da Unigranrio. A profissionalização dos preceptores é um dos nossos objetivos.

DESCRITORES:
Escolas médicas; Especialidades médicas; Educação médica

Abstract:

The current medical teaching system in Brazil needs reformulation. CINAEM has shown us the road to follow. The family Health Program requires health care professionals with a different kind of background than the current norm. We propose a kind of teaching in which 70% is based on out-patient care, with the remaining 30% in-hospital, contrary to the prevailing model. The model should simultaneously include Clinical Medicine for children, adolescents, adults, and the elderly. We are attempting to avoid artificial fragmentation of Clinical Medicine in isolated disciplines and to teach trough integrated modules. We establish a limit on the set of knowledge that should be transmitted to students. Graduates in Medicine should be professionals prepared to diagnose and properly treat 80% of the disease in a community. Each class of 50 students is divided into six smaller groups of eight students each for seminars and out-patient practice, oriented by monitors. Theoretical lectures in Clinical Medicine are given only once a week. The most frequent activity is examining patients and takes up 15 hours during the same period. Health promotion with all is its aspects is a course priority at the Unigranrio Shool of Medicine. Professional training of monitors is one of our objectives.

Keywords:
Schools, medical; Specialties, medical; Medical education

INTRODUÇÃO

Estamos começando o ensino de Clínica Médica na nova Escola Médica da Universidade do Grande Rio (Unigranrio), situada na cidade de Duque de Caxias. Estado do Rio de Janeiro.

Desde o início, julgamos que uma nova escola médica só teria razão de ser se obedecesse a rígidos padrões de qualidade. São estes padrões que estamos tentando alcançar. Consideramos que o atual sistema de ensino médico não é adequado à realidade brasileira, necessitando de uma reformulação, que, aliás, vem sendo apontada com muita propriedade pelo Cinaem.

Como recentemente dizia Belaciano, existe uma inadequação entre o modelo de formação profissional e o espectro de necessidades no país11. Belaciano MI. Abrindo espaço para a transformação da Escola Médica no Brasil. Boletim da ABEM 1999; 27:1-2.. Se o Programa de Saúde da Família, como estratégia para a reorganização do modelo de atenção, está criando um mercado real de 20 mil postos médicos, este mercado exige um profissional com outro perfil, outras habilidades e outras atitudes. A escola médica encontra-se em crise porque não definiu nem seu papel social nem suas relações com os outros segmentos e instituições. É necessário formar um profissional com perfil adequado às necessidades sociais.

A avaliação que o Cinaem proporcionou nos permitiu identificar os pontos críticos do processo de formação, levando-nos a uma discussão do tema e a uma disposição de mudar a escola médica. É sob a influência destas idéias, crista lizadas nos últimos anos, que formulamos um novo paradigma de ensino médico. Fundamentados nestes novos conceitos, estamos estabelecendo as bases para a formação do médico no Brasil neste início do século XXI.

Em1988, a Conferência Mundial de Educação Médica, em Edimburgo, Escócia, patrocinada pela OMS, recomendou a formação de médicos comunitários. Dela surgiu a chamada “Declaração de Edimburgo”:

  1. Deve-se assegurar ao estudante de Medicina um aprendizado contínuo, estimulando o estudo autodirigido e independente;

  2. Deve-se organizar um novo currículo com um sistema de avaliação que assegure tanto competência profissional como reconhecimento dos valores sociais;

  3. Deve-se estimular e facilitar a cooperação entre a escola médica e os serviços comunitários de saúde.

A Constituição do Brasil de1988 estabeleceu que as ações e serviços públicos de saúde integrem uma rede regionalizada e constituam um Sistema Único de Saúde (SUS) com a participação efetiva da comunidade.

Baseada nela, a Unigranrio está criando um programa de preparação de médicos, plenamente capacitados a exercer a medicina e identificados, também, com os problemas primários ou essenciais da saúde, que prevalecem na periferia das grandes cidades (onde a Unigranrio está situada) e no meio rural.

O MODELO BÁSICO DE SAÚDE NO BRASIL

Durante muitos anos, o modelo brasileiro de saúde esteve centrado no hospital, o que se mostrou inadequado, ineficiente e caro demais; enquanto houve muito dinheiro, ele se manteve, depois desmoronou. Na década passada, iniciou-se uma longa fase de transição para o Sistema Único de Saúde, que depende, basicamente, de cada município e da vontade política de seus dirigentes. O modelo centrado no hospital vem sendo progressivamente substituído pelo modelo baseado no ambulatório, e, hoje em dia, cerca de 50% dos gastos médico-assistenciais correspondem o procedimentos ambulatoriais. Porém, além da centralização da medicina no ambulatório, a implantação, em todo o território nacional, do Programa de Saúde da Família tem sido, nestes últimos anos, a mais importante vitória sanitária. A Unidade de Saúde da Família passa a ser, segundo Levcovitz e Garrido, a porta de entrada do sistema, a ele incorporando uma ação extremamente importante, que é a promoção da saúde22. Levcovitz E, Garrido NG. Saúde da Família, a procura de um modelo anunciado. Saúde da família. Publicação do Ministério da Saúde, 1996..

O tipo de Unidade varia de local a local, de comunidade a comunidade, sendo formada, basicamente, por um médico comunitário (de família ou generalista), um enfermeiro e de quatro a seis agentes comunitários de saúde; pode haver também um dentista e um ou mais auxiliares de enfermagem. O número destas equipes, em cada município, depende da necessidade da cobertura populacional nesse determinado município. Os estados estão contribuindo mais decisivamente, nos últimos anos, para a formação e educação dos integrantes do Programa de Saúde da Família, de modo especial em relação aos pequenos municípios.

Em 1999, tivemos uma experiência singular com o sucesso do Programa de Detecção, Avaliação e Tratamento da Hipertensão Arterial, da Sociedade Brasileira de Cardiologia (Prodatha), sociedade que honrosamente presidimos até então. Como se sabe, a hipertensão arterial é a doença predominante do mundo moderno e não podemos combatê-la com programas pontuais. Felizmente, o país já dispõe do Programa de Saúde da Família, o mais poderoso instrumento, segundo Toscano-Barbosa33. Toscano-Barbosa E. Expectativa para a abordagem da hipertensão com a mudança de século. (em impressão), de educação, promoção de saúde, prevenção e tratamento das doenças de que se tem notícia na área da saúde.

Atualmente, em todo o Brasil, existem 10 mil equipes trabalhando, e o plano prevê 20 mil equipes instaladas até o fim do ano 2000, cobrindo uma população de quase 100 milhões de pessoas. O potencial das equipes de Saúde da Família se encontra ainda aquém do planejado, pois, além do muito que já fazem, poderiam participar da busca ativa, sistemática e continuada da hipertensão arterial e de muitas outras enfermidades. Devemos lembrar que a hipertensão é assintomática, e só uma busca ativa vai descobri-la. Uma vez implantado, o Prodatha poderá servir de modelo para o controle de uma série de doenças crônicas - como a obesidade, o diabete, a hipercolesterolemia e o câncer - e para a difusão de campanhas educativas sobre imunização, fumo, alimentação inadequada, acidentes previsíveis, vícios e o trânsito.

O Prodatha foi implantado primeiro na cidade-satélite de Sobradinho, perto de Brasília, graças a Toscano-Barbosa e, desde então, em outras cidades brasileiras. Os agentes comunitários têm-se capacitado de forma surpreendente em relação à correta medida da pressão arterial. Para que este modelo possa se desenvolver de modo pleno, as escolas médicas e de enfermagem precisam fornecer ao país médicos e enfermeiros com formação comunitária, e é justamente este profissional que a Unigranrio quer formar. Como têm dito Levcovitz e Garrido: para uma nova estratégia, um novo profissional. Se estes novos profissionais não forem formados, o modelo de atenção à saúde aqui preconizado fracassará. Várias faculdades de Medicina já estão se adaptando à realidade social do Brasil. porém só a demanda do mercado estimulará a formação de novos currículos médicos. De acordo com Hésio Cordeiro, a família e seu espaço social devem ser o núcleo básico de abordagem no atendimento à saúde44. Cordeiro H. O PSF como estratégia da mudança do modelo assistencial do SUS. Saúde da Família. Publicação do Ministério da Saúde, 1996..

Levando em conta o que foi exposto até agora, organizamos um currículo com uma série de correções no ensino médico55. Sabrá A. O currículo da Escola de Medicinada Unigranrio, 1997.. Também nesta linha de pensamento, desenhamos um prontuário cuja folha principal registra os nomes de todos os membros da família; as páginas seguintes pertencem a cada um destes membros: um prontuário familiar para um médico de família ou comunitário.

O CURSO INTEGRADO DE CLÍNICA MÉDICA

Estamos fazendo a integração de toda a Clínica Médica, iniciando-a simultaneamente ao estudo da criança, do adolescente, do adulto e do idoso. Esta integração é essencial se desejamos assegurar o conhecimento do ser humano como um todo. Estamos estudando os idosos com atenção porque, se hoje eles já chegam a dez milhões de pessoas no Brasil, em 2025, quando os alunos de agora estiverem no ápice de suas carreiras médicas, os idosos serão 40 milhões de pessoas, quase um quinto da população brasileira.

A Clínica Médica está dividida em dois setores, em relação as alas e professores: Clínica Médica da Criança e do Adolescente e Clínica Médica do Adulto e do Idoso. Metade da turma de alunos vai de manhã para a primeira Clínica, e a outra metade para a segunda; à tarde, faz-se a troca das Clínicas. A Clínica Médica, em seu total, constitui um curso de 80 semanas ou quatro períodos ou dois anos, começando no quinto período do curso médico com Propedêutica Médica ou Semiologia, ensinada com base no estudo de problemas. Todo o curso de Clínica Médica tem como meta um Sistema Integrado de Medicina Geral, Familiar ou Comunitária, dando ao aluno - não importando se ele queira no futuro fazer uma especialidade - uma base de conhecimentos médicos que possa usar durante toda a vida, atendendo adultos e crianças, seja ele médico comunitário, cirurgião, obstetra ou outro qualquer especialista no futuro.

FRAGMENTAÇÃO DAS DISCIPLINAS DA CLÍNICA MÉDICA: UM CAOS A EVITAR

Estamos tentando evitar, a todo custo, a divisão artificial da Clínica Médica em disciplinas estanques, que só dão descontinuidade ao currículo e em que cada professor quer ser o mais importante. Esta perda do conjunto, pela fragmentação da cadeira, resulta na falta de continuidade necessária a uma visão mais completa do conhecimento médico. Não há, assim, disciplinas propriamente ditas, como Alergia, Reumatologia. Pneumologia, Infectologia. Gastroenterologia, Oncohematologia, Cardiologia, Nefrologia, Endocrinologia e Neurologia, mas somente módulos de um conjunto que se sucedem, representando os diversos sistemas orgânicos, tudo ministrado dentro de uma só Clínica Médica, como acontecia nas décadas de 40 e 50, quando cursei, entusiasmado, o ótimo Serviço de Clínica Médica do Prof. Luiz Capriglioni, da atual UFRJ. Novamente, a integração e não a fragmentação é a tônica do curso médico moderno, deste modo abrangendo a Clínica Médica da Infância e do Adolescente e fazendo com que a Pediatria deixe de ser uma especialidade.

DEFINIÇÃO DOS LIMITES DO CONHECIMENTO MÉDICO NA GRADUAÇÃO

Outro ponto a salientar é a impossibilidade absoluta, num curso de graduação, de ensinar todas as doenças que existem na face da Terra. Em nossa concepção pedagógica, o graduado em Medicina deve ser um profissional preparado para diagnosticar bem, e tratar melhor ainda, 80% das doenças que ocorrem numa comunidade; nada além disso. As 20% restantes, que representam centenas de doenças menos comuns, não devem ser ensinadas em profundidade na graduação, mas tão-somente mencionadas, quando pertinentes, para que o graduando saiba que existem. Elas devem ser ensinadas na residência ou na pós-graduação, pois são doenças da esfera do especialista e tão-somente dele. Examinando o problema de maneira geral, e como especialista que sou, isto se torna claro em minha mente.

A Medicina moderna provocou uma grande distorção ao deixar que as doenças comuns fossem tratadas pelo especialista. Como cardiologista, estou muito à vontade para externar esta opinião. Doenças comuns como a obesidade, a hipercolesterolemia, o diabete, a hipertensão arterial, a insuficiência cardíaca, a angina estável devem ser ensinadas, em toda a sua plenitude, ao médico comunitário para que ele saiba tratá-las e somente as envie a um médico especialista quando complicadas, como quando ocorrer a obesidade mórbida, a hipercolesterolemia familiar, o diabete tipo I, a hipertensão complicada ou de difícil controle, a Insuficiência cardíaca grave, a angina instável, etc. Assim, o médico comunitário estará muito mais bem preparado para acompanhar o indivíduo desde a infância, promovendo sua saúde, prevenindo as doenças e, sobretudo, controlando seus fatores de risco, que, nos tempos atuais, encurtam a vida de individuas ainda em sua plenitude.

O médico comunitário é, neste sentido, um médico muito mais completo por sua maior utilidade à comunidade, à família e à sociedade onde vive. Ele deve ser a âncora médica de cada família, cuidando ao longo dos anos de cada um de seus membros, através de todas as idades. Se o paciente precisar consultar um especialista, deverá depois, munido da opinião deste, retornar ao médico comunitário. É evidente que, se tiver uma doença rara, uma complicação ou uma patologia que requeira conhecimentos profundos, o doente deverá permanecer nas mãos do especialista.

A missão de formar um especialista, como já dissemos, deve ser deixada inteiramente para a residência médica ou para os cursos de pós-graduação. Algumas vezes, as organizações médicas são muito criticadas porque não proporcionam residência a todos os graduados. Na minha opinião, uma residência ou uma pós-graduação é um curso caro, e só os países ricos podem sustentá-las em grande número; nós, brasileiros, temos que conviver com a nossa realidade. O que acontece com freqüência é que a graduação acaba sendo mal feita, e o aluno tenta, aliás muito honestamente, completar seus conhecimentos na pós-graduação. Contudo, sejamos realistas, isto é uma distorção. Como diz Stella, no contexto geral há, por parte da escola médica, excessiva especialização e uma grande vontade de transmitir todo o conhecimento no curso, conseqüência da falta de definição clara sobre o limite da graduação, o qual deve ser a formação básica do médico66. Stella R. O ensino médico precisa ser reformulado (entrevista). Boletim do Conselho Federal de Medicina 1999; 14:26-27..

O limite desse conhecimento básico varia, em pequenos detalhes, de autor para autor, porém, se manusearmos o livro-texto de Medicina do Cecil, 20a edição, encontraremos o capitulo 15 - “O domínio do médico generalista” -, escrito por Susan C. Day77. Day SC. O domínio do médico generalista. In: Cecil Text-book of Medicina, 20. Ed. Philadelphia: WB Saunders Co., 1996., que nos sugere o limite do que o graduado deve saber, evitando-se o excesso de doenças incomuns, que são hoje a regra no ensino de nossas faculdades tradicionais. Esta definição sobre a graduação permitirá que se dê toda a atenção ao currículo básico, dentro daqueles parâmetros estabelecidos. Temos que desenvolver em nossos médicos a competência para atender às necessidades do nosso povo, não só no que diz respeito ao tratamento das doenças, mas também, e principalmente, à promoção da saúde: alimentação correta, vacinação obrigatória, atividade física estimulada e o controle, o mais adequado possível, dos fatores de risco.

A INSERÇÃO DA ESCOLA MÉDICA NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Procuramos abordar o novo modelo básico de saúde, o Programa de Saúde da Família, logo no início deste artigo, para que se entenda como a Escola Médica da Unigranrio está inserida nesse contexto. O médico por nós graduado deverá ler o perfil de um médico comunitário e, portanto, perfeitamente apto para ocupar, com total conhecimento de causa, urna posição na equipe de saúde da família. Ao se planejar o Curso Integrado de Clínica Médica, foi priorizado o ambulatório (70% do tempo de treinamento), em detrimento do hospital (30%do tempo de treinamento), como estabelece a moderna pedagogia médica. Existe um novo conceito de assistência médica no Programa de Saúde da Família, orientando a nova estratégia de ensino médico: a Clínica Médica, desde o seu início, através da Propedêutica, é ensinada no ambulatório.

Firmamos um convênio com a Secretaria Municipal de Saúde, que fornece os pacientes para o ambulatório da Escola Módica da Unigranrio. Iniciamos este trabalho em 1999 com 14 ambulatórios, agora aumentados para 28 salas climatizadas, que receberão, este ano, no curso de Clínica Médica, também o 7º e o 8o períodos. Os alunos do Ciclo Clínico passam 20 horas por semana neste ambulatório, o que perfaz, nas 80 semanas do curso de Clínica Médica, 1.600 horas de treinamento prático orientado por um preceptor, experiência valiosíssima e que deverá ser reconhecida como tal no futuro. Além deste ambulatório, ligado ao SUS, leremos, dentro de alguns meses, dois consultórios de vacinação, um adulto e um infantil, um consultório de prevenção de câncer genital feminino e um outro de câncer genital masculino, dando seqüência à nossa política médica de prevenção, nestes consultórios, os alunos treinarão o toque retal e o exame ginecológico. Como a Escola de Enfermagem da Unigranrio já tem um ambulatório na favela Vila Nova, perto do centro de Caxias, uma vez por semana, cada grupo de oito alunos, acompanhado de um médico comunitário, passa a manhã naquela comunidade, para conhecera realidade do problema social brasileiro e participar do Programa de Saúde da Família. Temos a intenção de, num futuro próximo, em convênio com a Secretaria Municipal de Saúde, nos responsabilizar pela saúde da população da Vila Nova e também por aquela que mora nos oito quarteirões em volta da Universidade, mostrando, de maneira clara e prática, o compromisso da Unigranrio com a realidade social do país.

UM PRECEPTOR PARA CADA OITO ALUNOS

Já chamamos a atenção para o nosso compromisso com a qualidade do ensino. Este fato é reforçado pela divisão de nossas turmas de 50 alunos em pequenos grupos de oito, para efeito de seminários, discussão de casos e prática ambulatorial; assim, cada um desses grupos forma um núcleo de ensino da Clínica Médica. As aulas teóricas são ministradas para toda a turma só uma vez por semana e, em geral, introduzem determinado assunto; todo o resto da semana é planejado em forma de seminários para debate sobre os assuntos, exame de doentes e discussão de casos em cada grupo de oito alunos, sempre orientados por um preceptor. Neste momento, as cadeiras de Clínica Médica da Criança e do Adolescente e de Clínica Médica do Adulto e do Idoso possuem 20 preceptores, que chegarão a 30 no fim deste ano.

Desde que organizamos este modelo de ensino, ele nos pareceu, teoricamente, muito favorável ao aprendizado do aluno e muito benéfico em termos da discussão dos assuntos; e isto nos encantou, pois haveria sempre muitas oportunidades para discutir qualquer assunto de modo detalhado e pormenorizado, mesmo que ele não estivesse em pauta, esclarecendo dúvidas e pontos obscuros. No fim do ano passado, um acontecimento comprovou o acerto de nossa escolha: 30 alunos que só de modo parcial tinham estudado Clínica Médica e, portanto, não a conheciam de maneira mais completa (menos de dois terços do assunto total), submeteram-se a um concurso para estagiário no Hospital de Andaraí, no Rio de Janeiro; do total de 450 inscritos, 150 foram aprovados, um terço, portanto; dos 30 da Unigranrio foram aprovados 22 ou 73%, o dobro da média geral; e, ainda mais, os dois primeiros lugares foram de estudantes nossos. Sabemos que isto é ainda um pequeno sucesso, porém este fato demonstra, de maneira objetiva e isenta, o bom conhecimento médico que os nossos alunos possuem, avaliados que foram por uma outra instituição. A repercussão interna deste episódio nos estimulou a continuar com o nosso tipo de currículo, fazendo os aperfeiçoamentos necessários.

O ensino em pequenos grupos de oito alunos torna a discussão de um tema mais interessante, levando a um aprendizado mais eficaz. Temos tido o cuidado de instruir o preceptor naquilo que achamos que deva ser discutido, tornando a dinâmica da discussão mais produtiva e instigante. Como já esperávamos, existe sempre em cada turma um grupo de alunos que estuda pouco; aqueles que, na prova anterior, tiverem recebido nota inferior a 6 são solicitados a trazer por escrito o assunto que está sendo debatido: quanto melhor for a pesquisa, maior a nota de avaliação do seminário; partimos do princípio de que, mesmo copiando, o aluno estará memorizando e assim melhorando o conhecimento necessário ao debate.

Como vimos acima, o Ciclo Clínico da Unigranrio corresponde a dois anos e aos períodos 5, 6, 7 e 8, sendo o primeiro de Propedêutica Médica e os outros três de Clínica Médica. Após este ciclo, teremos dois anos de internato no Hospital da Quinta, que está sendo adaptado para esta finalidade; nele serão dados os cursos de Toco-Ginecologia e Neonatologia no 9o período, de Clínica Cirúrgica no 10o período, de Atenção Integral à Saúde I e II, Saúde Mental, Medicina Legal e Planejamento e Gestão em Saúde nos 11o e 12° períodos. Nestes quatro últimos períodos, o aluno, já exercendo o internato no hospital, terá ocasião de frequentar o ambulatório de todas as cadeiras que ali estiverem situadas e também o de Clínica Médica, cujo ambulatório principal está no campus da Unigranrio em Caxias.

Diz-se que o ensino da Medicina, em nível de graduação, está parcialmente desacreditado, sendo voz corrente que o médico, ao receber o diploma, não está apto a exercer sua profissão numa comunidade. Isto é um equívoco, pois, no meu modo de pensar, o que devemos fazer é corrigir o currículo, estabelecendo o que ele deve ensinar para combater 80% das doenças mais comuns, através de procedimentos simples e baratos, fazendo com que a graduação seja terminal para a finalidade do curso médico em si, que é exercer uma medicina comunitária. O aluno só precisaria de uma residência ou pós-graduação se quisesse se tornar um especialista.

VISÃO BIOPSICOSSOCIAL DO BINÔMIO SAÚDE­DOENÇA

Um dos fundamentos deste curso de Clínica Médica é a promoção da saúde em todos os seus aspectos, e a Puericultura, cultivada há tantos anos por grandes médicos, como Martagão Gesteira e Rinaldo De Lamare, é pioneira nesse campo. A vacinação tem sido a pedra angular desta prevenção, e doenças como o sarampo, a infecção por hemófilus e a poliomielite foram praticamente erradicadas. Já na infância devem ser ensinados bons hábitos alimentares e a prática saudável de exercícios físicos, que permaneçam por toda a vida. O adolescente deve ser alertado para o cuidado com acidentes previsíveis, o perigo de drogas ilícitas e lícitas, como o álcool, e também para a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, principalmente a aids e a hepatite B, aconselhando-se bons hábitos higiênicos e o uso de preservativos masculinos e femininos. Informação sobre o uso de anticoncepcionais deve ser passada ao adolescente do sexo feminino.

Devemos convencer os graduandos da necessidade de eles assumirem o compromisso de orientar e reeducar a população para todo um processo de promoção da saúde e de prevenção da doença; e de que com medidas simples podemos mudar o padrão de saúde. O profissional que melhor pode fazer isto é o médico comunitário.

Vencidas as infecções, o grande problema atual em medicina preventiva são os chamados fatores de risco, causa das doenças crônico-degenerativas, quase todos passíveis de controle: o peso, a vida sedentária, a alimentação, a pressão arterial, o colesterol, a glicose e o fumo. Este controle é que elevará, gradativamente, a média e a qualidade de vida que almejamos no futuro.

A unidade de saúde da família é o local ideal para implementar esta concepção biossocial das necessidades sanitárias de 80 milhões de pobres deste país. Não imagino melhor cenário para desenvolver este tipo de medicina, calcada na real promoção de saúde, na prevenção primária e secundária das doenças e também na medicina curativa. É o médico que está à frente desse desafio.

PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO MÉDICA

Um dos problemas com que se defrontam, no Brasil, as universidades privadas e, em menor grau, as estatais, é o pequeno compromisso que com elas tem o corpo docente, pois o emprego universitário é apenas um complemento à sua atividade profissional principal. Este fato acontece também na escola médica. Por isso, contratamos, a princípio, certo número de professores em tempo parcial, solicitando que eles fossem organizando funcionalmente suas vidas para, num futuro próximo, poderem dar tempo integral à escola. Outro critério que estabelecemos foi o de só aceitar professores com o título de mestrado ou doutorado ou cursando estas pós-graduações.

Embora nossos professores de Clínica Médica da Criança, do Adolescente, do Adulto e do Idoso sejam especialistas na vida profissional particular, na Unigrario são, eminentemente, clínicos gerais, de acordo com a concepção básica do curso, dando ênfase, no ensino, à promoção de saúde e à prevenção das doenças, cerne do nosso programa. Como estamos nos primeiros anos da experiência, vamos, com o tempo, corrigindo o rumo que os preceptores, por vezes, tomam como especialistas, para que eles continuem naquele caminho clinico antes traçado. Os primeiros professores contratados foram médicos comunitários com título de mestrado e doutorado, possuindo conhecimentos específicos para transmitir a nossos alunos o teor da problemática social brasileira e o melhor modo de resolvê-la, dentro de um currículo relacionado às necessidades da comunidade.

Nosso desejo é ver todo o professorado em tempo integral, exercendo o ensino, a assistência e a pesquisa em sua plenitude. Este projeto é essencial para que eles se transformem, num futuro próximo, em profissionais da educação médica, consolidando e fortalecendo o papel da Universidade do Grande Rio dentro da comunidade.

Além de profissionalizar a docência, como é de todo desejável, é nosso plano preparar professores que tenham a visão da escola de Medicina voltada para a promoção da saúde, a prevenção e o envolvimento total da comunidade no binómio saúde-doença.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    Belaciano MI. Abrindo espaço para a transformação da Escola Médica no Brasil. Boletim da ABEM 1999; 27:1-2.
  • 2
    Levcovitz E, Garrido NG. Saúde da Família, a procura de um modelo anunciado. Saúde da família. Publicação do Ministério da Saúde, 1996.
  • 3
    Toscano-Barbosa E. Expectativa para a abordagem da hipertensão com a mudança de século. (em impressão)
  • 4
    Cordeiro H. O PSF como estratégia da mudança do modelo assistencial do SUS. Saúde da Família. Publicação do Ministério da Saúde, 1996.
  • 5
    Sabrá A. O currículo da Escola de Medicinada Unigranrio, 1997.
  • 6
    Stella R. O ensino médico precisa ser reformulado (entrevista). Boletim do Conselho Federal de Medicina 1999; 14:26-27.
  • 7
    Day SC. O domínio do médico generalista. In: Cecil Text-book of Medicina, 20. Ed. Philadelphia: WB Saunders Co., 1996.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2001
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com